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A (IN) EFICÁCIA DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA NO COMBATE À

BIOPIRATARIA NA AMAZÔNIA

Andrelino Daniel Alves de Nazareth1


Rubens Alves da Silva2

RESUMO

A Amazônia possui a maior biodiversidade do Planeta, consistindo em alvo


frequente dos povos que estão em busca do chamado “ouro verde”. Nesse
sentido, a tutela do meio ambiente, precisamente a do patrimônio genético
natural e do milenar conhecimento dos povos tradicionais, é de fundamental
importância para o desenvolvimento sustentável da região, que concentra a
maior floresta tropical do globo, a qual é responsável por grande parte do
equilíbrio ecológico desse. Desenvolver a região de forma sustentável é
necessário, proteger as riquezas naturais revertendo-as em benefício do povo
que aqui vive é de fundamental importância. Assim, o objetivo deste estudo
consiste em analisar a ineficácia da política ambiental brasileira em face das
crescentes práticas de biopirataria sob a ótica das ações preventivas e
repressivas, discutir a necessidade de mudanças na legislação vigente, no
sentido de tipificar, como crime, essa prática prejudicial ao Brasil e aos povos
tradicionais que habitam a Amazônia brasileira. Verifica-se, assim, a falta de
tipificação dessa conduta delituosa, que facilita o ilícito com sérios prejuízos ao
País e aos povos tradicionais amazonenses. A metodologia utilizada na
presente pesquisa é o método dedutivo, com pesquisa bibliográfica, de cunho
qualitativo, com subsídios na doutrina, na legislação e na jurisprudência.

Palavras-chave: Biopirataria. Sanções Penais e Administrativas.

ASBTRACT

The Amazon has a greater biodiversity of the planet, being the frequent target
of the people who are searching for the so-called “green gold”. In this sense, the
protection of the environment, the natural genetic heritage and the millenary
knowledge of traditional peoples is fundamental for the sustainable
development of the region, which concentrates the largest tropical forest in the
world, which is responsible for much of its ecological balance. Developing a
region in a sustainable way is necessary, protecting as natural wealth reverting
itself to the benefit of the people who live here is of fundamental importance.
Thus, the aim of this study is to analyze the ineffectiveness of Brazilian
environmental policy in the face of the growing practices of biopiracy from the
perspective of preventive and repressive actions, discuss the need for changes
1
Graduando do Curso Superior de Direito pelo Centro Universitário Luterano de Manaus –
CEULM/ULBRA. E-mail: rusivel_@hotmail.com
2
Mestre em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas, FDSM, Brasil. 
in current legislation, without meaning to typify this practice as a crime. harmful
to Brazil and the traditional peoples that inhabit the Brazilian Amazon. Thus,
there is a lack of typification of this criminal conduct, which facilitates the illicit
with serious damage to the country and the traditional Amazonian peoples. The
methodology used in this study is the deductive method, with bibliographical
research, of qualitative quality, with subsidies in doctrine, legislation and
jurisprudence.

Keywords: Biopiracy. Criminal and Administrative Sanctions.

1 INTRODUÇÃO

O Brasil é considerado um país imensamente privilegiado por deter, em


seu território, um vasto b número de recursos naturais, incluindo os recursos
hídricos, minerais, animais e vegetais, além de abrigar diversos biomas tais
como: a Caatinga, a Mata atlântica, o Cerrado, a Mata dos Cocais, incluindo a
Floresta Amazônica, que é o bioma que mais desperta curiosidade e atenção
de outras unidades federativas.
Abrangendo quase metade do território nacional, a Floresta Amazônica é,
também, detentora de uma vasta variedade em espécies animais e vegetais,
responsável por gerar o interesse econômico de empresas em utilizar, de forma
ilegal, a matéria genético presente na Amazônia para o desenvolvimento de
produtos, como medicamento, cosméticos, gêneros alimentícios, entre outros.
Vale ressaltar que o interesse estrangeiro nos recursos naturais
brasileiros não se restringe aos tempos atuais, estando presente em vários
períodos no decorrer da História brasileira, desde o descobrimento do país até
os dias atuais.
Na época do Brasil-colônia, houve o grande interesse econômico por
parte de nações estrangeiras no pau-brasil, num processo exploratório intenso,
onde os interessados na árvore ofereciam, aos nativos, objetos de valor
insignificante para que estes colaborassem e compactuassem com essa
exploração.
A biopirataria, nesse contexto, caracteriza-se pela a retirada e utilização
ilegal de recursos naturais ou de conhecimentos tradicionais sem o devido
pagamento e reconhecimento daquele que detém sua posse. É possível
observar outros casos na História do Brasil, como os das ‘Drogas do Sertão’,
no qual muitas plantas e frutas brasileiras eram enviadas para o exterior, além
da utilização do conhecimento de comunidades tradicionais sobre o manejo
desses recursos naturais, os estrangeiros apossando-se disso para
desenvolverem produtos e lucrarem.
Depois do pau-brasil no século XVI, das drogas do Sertão nos séculos
XVII, revelaram-se um novo produto que despertou a cobiça de outros países:
a borracha. No final do século XIX e início do século XX desenvolve-se no
Brasil o Ciclo da Borracha, havendo a expansão produtiva dessa matéria-
prima, quando, muitos foram trabalhar no Norte do Brasil, ocasionando um
surto industrial nessa região.
No cenário contemporâneo, por sua vez, a biodiversidade brasileira,
ganhou significado estrategista para o desenvolvimento dos Estados, em
virtude da potencialidade lucrativa dos recursos genéticos situados em
determinados ambientes naturais passou a despertar interesses econômicos
de grandes indústrias, mormente as farmacêuticas, cuja produção demanda
cada vez mais por substâncias novas.

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O problema da biopirataria, enquanto prática de uso ilegal do patrimônio
genético de um país, aumentou sua frequência no Brasil, atrativo desde os
primórdios de sua descoberta em razão de sua vasta diversidade biológica.
Dois motivos tem motivado essa atividade de exploração desautorizada no
país: a escassez de recursos naturais no planeta para suportar o consumo em
massa, e a fragilidade da legislação brasileira que protege seu patrimônio
genético.
O objetivo do presente trabalho é, pois, consiste em analisar a ineficácia
da política ambiental brasileira em face das crescentes práticas de biopirataria
sob a ótica das ações preventivas e repressivas, discutir a necessidade de
mudanças na legislação vigente, no sentido de tipificar, como crime, essa
prática prejudicial ao Brasil e aos povos tradicionais que habitam a Amazônia
brasileira.

2 A BIODIVERSIDADE AMAZÔNICA E A BIOPIRATARIA


2.1 A BIODIVERSIDADE AMAZÔNICA

A região amazônica contém uma variedade inimaginável de espécies da


fauna e da flora, uma biodiversidade que ainda não é conhecida em sua
integridade pelos povos que habitam a região. A biodiversidade foi definida na
Conferência das Nações Unidas, realizada no Rio de Janeiro, em 1992, no seu
art. 2º, como “a variabilidade de organismos vivos de todas as origens,
compreendendo, dentre outros, o ecossistema aquático e os complexos
ecológicos de que fazem parte, compreendendo ainda a diversidade dentro de
espécies de ecossistemas”.
Pacanaro (2010) define a biodiversidade como o conjunto de todas as
espécies de seres vivos existentes na biosfera. Essa inclui três categorias:
diversidade genética, diversidade de espécies e diversidade de habitats (ou de
ecossistemas). A biodiversidade é importante para a sobrevivência e
manutenção da vida no planeta.
Bensusan (2008, p.25), por sua vez, entende que é ela quem “garante a
fotossíntese, a ciclagem das águas, a conservação dos solos, a polinização, o
controle de pragas, a competição entre organismos e a predação”.
Pires (1972 apud LEITAO FILHO, 1987) assevera, ainda, que a Amazônia
como um todo é composta por nove principais diferentes tipos de vegetação,
sendo que as chamadas Matas de Terra Firme ocupam cerca de 90% da área
total, representando assim, o ecossistema mais importante e o de maior
interesse científico. Lá existe uma diversidade de tipos de solo e de espécies,
normalmente maior que a dos demais ecossistemas do mundo.
E é, justamente, essa diversidade biológica que atrai, tanto um número
elevado de cientistas, interessados em desenvolver pesquisas utilizando o
vasto leque de matérias-primas, quanto um vasto arsenal de “biopiratas”,
englobando pesquisadores disfarçados de turistas ou estudantes, que entram
na Amazônia para coletar elementos da biodiversidade; organizações não
governamentais (ONGs) de fachada; falsos missionários de várias seitas e
religiões, contrabandistas, dentre outros.
2.2 DA BIOPIRATARIA

A definição precisa do que vem a ser biopirataria ainda não existe, mas é
explicada por diversos autores. No dizer de Santilly (2006, p.85), o termo é
entendido da seguinte forma: [...] é a atividade que envolve o acesso aos
recursos genéticos de um determinado país ou aos conhecimentos tradicionais
associados a tais recursos genéticos (ou a ambos) em desacordo com os
princípios estabelecidos na Convenção sobre Diversidade Biológica, a saber: -
a soberania dos Estados sobre os seus recursos genéticos, e – o
consentimento prévio e informado dos países de origem dos recursos
genéticos para as atividades de acesso, bem como a repartição justa e
equitativa dos benefícios derivados de sua utilização.
A expressão “biopirata” está relacionada com a clássica figura do pirata.
Esse cruzava os mares para promover pilhagens e saques em outros navios e
também em cidades. Entretanto, hoje, o “lendário pirata” já não usa mais tapa-
olho, espada e nem perna de pau. O pirata moderno, ou “biopirata”, efetua a
biopirataria e pode estar camuflado das mais variadas formas, sendo por isso,
muito mais difícil de ser identificado (PACANARO, 2010).
Para Becker (2006), os “biopiratas” são elementos que adentram na
Amazônia para coletar elementos da biodiversidade com o único propósito de
se apropriar dos recursos naturais para fabricação de novos produtos. Isso é
feito utilizando os conhecimentos tradicionais locais que reduzem
consideravelmente o tempo de pesquisa e geram para os “biopiratas” uma
economia de até 400%.
Araújo (2006 apud DE BARROS, 2007, p.48) acredita que o Brasil é um
dos países mais afetados pelo tráfico de animais e pela biopirataria,
descrevendo, da seguinte forma o perfil do “biopirata” nesta região:

São jovens e desempregados, lavradores ou pescadores que se


ligam aos caminhoneiros, motoristas de ônibus e outros que transitam
normalmente entre zona rural e os médios e grandes centros
urbanos. Nos centros urbanos, são encontrados os médios traficantes
que atuam no mercado atacadista, voltado inclusive para o tráfico
internacional. O processo é finalizado com o que se poderia
denominar de “promotores”. São os consumidores normalmente
localizados nas áreas metropolitanas; criadores particulares, nos
apostadores de “rinha”, nos apreciadores de carnes “exóticas”, em
alguns zoológicos particulares e empresas internacionais de produtos
farmacêuticos.
De Barros (2007, p.44) apresenta a conceituação de biopirataria advinda
do Instituto Brasileiro de Direito do Comércio Internacional, da Tecnologia da
Informação e Desenvolvimento – CIITED:

Biopirataria consiste no ato de aceder ou transferir recurso genético


(animal ou vegetal) e/ou conhecimento tradicional associado à
biodiversidade, sem a expressa autorização do Estado de onde fora
extraído o recurso ou da comunidade tradicional que desenvolveu e
manteve determinado conhecimento ao longo dos tempos (prática
esta que infringe as disposições vinculantes da Convenção das
Organizações das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica A
biopirataria envolve, ainda, a não-repartição justa e eqüitativa - entre
Estados, corporações e comunidades tradicionais - dos recursos
advindos da exploração comercial ou não dos recursos e
conhecimentos transferidos.

Diniz (2004 apud PACANARO, 2010, p.53) define de forma sintética a


biopirataria como o “uso de patrimônio genético de um país por empresas
multinacionais para atender a fins industriais, explorando, indevida e
clandestinamente, sua fauna ou sua flora, sem efetuar qualquer pagamento por
essa matéria-prima”.
No contexto de mercado atual, a descoberta do verdadeiro potencial da
diversidade biológica e cultural do Brasil, a sua larga extensão territorial, a
escassez de instrumentos para fiscalizá-los, a falta de recursos naturais no
restante do planeta, auxiliam a biopirataria, entendida como o uso e comércio
indevido de recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados.
Pode-se dizer que a prática da biopirataria tem sido recorrente para
viabilizar, principalmente, o incremento de produtos cujas finalidades são
atender e suprir as exigências do mercado consumidor mundial, cada vez mais
competitivo. O lucro angariado com essa conduta abarca bilhões, mas nada é
transferido ao Brasil a título de repartição de benefícios.
Com o intuito de monitorar tais atividades, a Convenção da Diversidade
Biológica (CDB), assinada durante a ECO-92 pelo Brasil e ratificada pelo
Decreto Legislativo n. 2 de 1994, confirmou que os recursos genéticos não são
patrimônio da humanidade, portanto os países exercem soberania sobre seus
próprios recursos genéticos, não só pelo valor econômico que possuem como
também pela necessidade de conservá-los. Com isso, surgiu o dever de
pagamento de royalties ao país fornecedor do recurso quando uma empresa
encontra um novo medicamento ou produto a partir dele ou dos conhecimentos
tradicionais associados à biodiversidade (DIAFÉRIA; FIORILLO, 1999, p.66).
Com a biopirataria, o Brasil deixa de arrecadar milhões de dólares devido
à retirada ilegal de recursos naturais. Para Maia (2015, apud DE BARROS,
2007, p.58) “estima-se que o prejuízo inicial, no caso de medicamentos
desenvolvidos com base na biodiversidade brasileira, seja de US$ 240 milhões
por ano”. Um estudo do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (IBAMA) indica que, em apenas um dos ramos da
biopirataria, o tráfico de animais silvestres, o país perde hoje em dia mais de
US$ 1 bilhão (SHIVA, 2005).
Também a criação de produtos industrializados com base no manuseio
ilegal de material genético de plantas e animais, principalmente cosméticos e
farmacêuticos, ganham repercussão no campo de estudo da exploração da
biodiversidade.
O avanço da biotecnologia e a facilidade para registro de marcas e
patentes na esfera mundial têm sido propulsores da prática da biopirataria,
onde a constante evolução de pesquisas biotecnológicas atua como
mecanismo de edificação de uma econômica forte. Logo, fica clara a
dependência intelectual e econômica dos países mais pobres, detentores de
matéria-prima, pelos países desenvolvidos, detentores de recursos para
pesquisas (ORO BOFF; PEREIRA, 2013).
Nesse contexto, Shiva (2001, p. 27-28) conclui que novas colônias estão
sendo criadas pela biopirataria, através das patentes e da biotecnologia: No
coração da “descoberta” de Colombo estava o tratamento da pirataria como um
direito natural do colonizador, necessário para a salvação do colonizado. No
coração do tratado do GATT e suas leis de patentes está o tratamento da
biopirataria como um direito natural das grandes empresas ocidentais,
necessário para o “desenvolvimento” das comunidades do Terceiro Mundo.
Dessa forma, pode-se verificar que a biopirataria atua como instrumento
de exploração maciça dos recursos naturais, em total discrepância com os
princípios da sustentabilidade ambiental, vez que põe em foco o lucro e o
atendimento ao consumo em massa motivado pela globalização.
2.3 DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

A importância da preservação ambiental recebeu impulso nas últimas


décadas, em virtude do lançamento do documento “Nosso Futuro Comum” e do
Relatório Bruntland em 1987, da Declaração do Rio de 1992, de Joanesburgo
de 2002 (Rio+10) e do Rio de 2012 (Rio+20), da aprovação em 2015 dos
“Objetivos do Desenvolvimento Sustentável”, por meio do documento
“Transformando Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento
Sustentável”, do Acordo de Paris sobre Mudança do Clima de 2015 (COP 21),
sucedido pelo de Marrakech de 2016 (COP 22) e de Bonn de 2017 (COP 23),
apenas para citar alguns instrumentos considerados relevantes para o
ambientalismo global.
A legislação ambiental brasileira evoluiu na medida que se ampliou a
preocupação internacional com a necessidade de tutela do equilíbrio ambiental
e dos direitos das presentes e das futuras gerações. Como refere Benjamin:

Retrospectivamente e em favor da clareza didática, podemos identificar três


momentos (mais modelos do que propriamente períodos) históricos na
evolução legislativo-ambiental brasileira. Não se trata de fases históricas
cristalinas, apartadas, delimitadas e mutuamente excludentes. Temos, em
verdade, valorações ético-jurídicas do ambiente que, embora
perceptivelmente diferenciadas na forma de entender e tratar a degradação
ambiental e a própria natureza, são, no plano temporal, indissociáveis, já que
funcionam por combinação e sobreposição parcial, em vez de substituição
pura e simples. A interpenetração é sua marca, deparando-nos com modelos
legais que convivem, lado a lado — o que não dizer harmonicamente —, não
obstante suas diversas filiações históricas ou filosóficas, o que, em certa
medida, amplia a complexidade da interpretação e implementação dos textos
normativos em vigor.

Para o jurista, as três fases que marcam a evolução histórica da


proteção jurídica do ambiente são: a) a fase da exploração desregrada; b) a
fase fragmentária; e c) a fase holística.
 A fase da exploração desregrada tinha na omissão legislativa sua
principal característica, “relegando-se eventuais conflitos ambientais ao
sabor do tratamento pulverizado, assistemático e privatístico do direito de
vizinhança”.
Na fase fragmentária foram marcantes leis como o Código Florestal de
1965; os códigos de Pesca e de Mineração, ambos de 1967; a Lei de
Responsabilidade por Danos Nucleares, de 1967; a Lei do Zoneamento
Industrial nas Áreas Críticas de Poluição; de 1980; e a Lei de Agrotóxicos,
de 1989. Nesta fase, “o legislador já estava preocupado com largas
categorias de recursos naturais, mas ainda não com o meio ambiente em si
mesmo considerado”.
A fase holística foi inaugurada com a Lei da Política Nacional do Meio
Ambiente (Lei 6.938/81), “na qual o ambiente passa a ser protegido de
maneira integral, vale dizer, como sistema ecológico integrado e com
autonomia valorativa”.
3 A (IN) EFICÁCIA DA LEGISLAÇÃO NO COMBATE À BIOPIRATARIA NA
AMAZÔNIA

3.1 DO DIREITO AMBIENTAL

O Direito Ambiental consiste em matéria interdisciplinar, diretamente


ligada ao direito penal, civil, administrativo, cujo campo de atuação encontra-se
no âmbito da defesa de interesses difusos, ou seja, a preservação, a
manutenção do meio ambiente é uma matéria por si só abstrata, ela tendo em
vistas a sociedade como um todo, sem que haja um o destinatário
determinado, uma vez que é possível especificar quem será aquele que irá se
beneficiar com uma política saudável de proteção ambiental.
A proteção ambiental, por sua vez, encontra-se expressamente prevista
na Constituição Federal de 1988, art. 225:

“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,


bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” (BRASIL, 1988)

A expressão “bem de uso comum do povo” do art. 225 não está se


referindo ao bem público de uso comum da clássica divisão de bens públicos
oferecida pelo Código Civil Brasileiro (CC/16, art. 66 e NCC, art.99), que divide
os bens públicos em: bem de uso comum, bem de uso especial e bem
dominical. O bem público de uso comum que aparece no CCB e é trabalhado
pelo direito administrativo não se confunde com esse bem de uso comum. Veja
que o art. 225 não fala em bem público de uso comum e sim em bem de uso
comum do povo. Essa distinção é fundamental, pois, muitos fazem a correlação
com um bem público de uso comum e é um erro grosseiro, uma vez que
diversas propriedades particulares que são abraçadas por restrições
ambientais, limitações administrativas, que geram restrições ao uso da
propriedade, mas não deixam de ser particulares.
José Afonso da Silva no seu livro Direito Ambiental Constitucional afirma
que, na verdade, o que o art. 225 quer aludir é um que se trata de bem de
interesse público. O que se criou com a redação do art. 225 foi um bem de
interesse público e o direito administrativo começa a chamar atenção desse
detalhe dizendo que os tipos de bem público são aqueles do art. 99 do NCC e
ao lado deles tem-se bens de interesse público, que não necessariamente são
bens públicos. Podem ser perfeitamente bens particulares, mas gravados com
restrições legais. A lei faz restrições no seu uso, chamadas limitações
administrativas, para preservar o interesse de toda coletividade. É um bem de
interesse comum. A manutenção do meio ambiente é um interesse público,
difuso, indeterminado, mas que não autoriza que o cidadão ingresse alegando
ser um bem de uso comum.

3.2 PROTEÇÃO LEGAL BRASILEIRA EM FACE DA BIOPIRATARIA

O primeiro documento internacional sobre proteção ao meio ambiente


surgiu durante a realização da Conferência da ONU, em Estocolmo, no ano de
1972, em decorrência da preocupação com os direitos intergeracionais e com a
necessidade de preservação dos ecossistemas naturais em prol das gerações
atuais e vindouras. Nascia, assim, o embrião do desenvolvimento sustentável,
que consistiria em atender as necessidades do presente sem comprometer as
futuras e, portanto, de promover o desenvolvimento econômico e social em
conformidade com a preservação ambiental.
Embora o interesse nessa preservação tivesse passado a ser direito e
obrigação de todos os povos, a Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD),
que entrou em vigor em 1993, também expressou o objetivo de direcionar as
questões acerca das permissões de acesso aos recursos naturais dos
respectivos Estados. Previu, pois, que o patrimônio genético e os
conhecimentos tradicionais das comunidades locais e indígenas pertencem
exclusivamente ao país em que foi localizado.
Dessa forma, malgrado a CBD seja um acordo internacional com força de
lei, ela confere aos países signatários liberdade para fixar as normas e os
instrumentos que viabilizarão seus objetivos, consistindo mais em um
compromisso do que em uma obrigação específica.
A Constituição Brasileira, em seu artigo 225, parágrafo primeiro, inciso II,
de certa forma acompanha os objetivos traçados na CBD, vez que estabelece
que é dever do Poder Público assegurar o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado mediante preservação da diversidade e a
integridade do patrimônio genético do país, fiscalizando as entidades
dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético.
Ainda no âmbito de proteção legal à biodiversidade brasileira, cumpre
observar a Lei nº 5.197/1967, Lei de Proteção à Fauna brasileira, alterada em
parte pela Lei 7.653/88, que passou a considerar crime a agressão à fauna,
coibindo a caça profissional e comercialização da fauna silvestre. Por sua vez,
a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/88) é frágil no que tange à proteção
da diversidade biológica brasileira, vez que possibilita aos infratores a
substituição das penas privativas de liberdade por penas restritivas de direito e
pagamento de fiança. Também o Código Florestal é um exemplo de
instrumento de proteção à biodiversidade, porém não prevê a prática da
biopirataria.
No âmbito da fiscalização administrativa, conta-se com a recente edição
do Decreto nº 5.459, de 07.06.2005, que regulamentou o art. 30 da Medida
Provisória nº 2.186-16, de 23.08.2001 e disciplina as sanções aplicáveis às
condutas e atividades lesivas ao patrimônio genético ou ao conhecimento
tradicional associado. Podemos citar o art. 18, que prevê multa mínima de R$
50.000,00 (cinquenta mil reais) e máxima de R$ 50.000.000,00 (cinquenta
milhões de reais) para a pessoa jurídica que deixar de repartir os benefícios
resultantes da exploração econômica de produto ou processo desenvolvido a
partir do acesso a amostra do patrimônio genético ou do conhecimento
tradicional associado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Brasil é mundialmente reconhecido pela sua imensa variedade em


espécies animais e vegetais, despertando interesses internacionais desde o
descobrimento do país até os dias atuais, em razão da grande importância
econômica desses recursos. A relevância financeira do bioma brasileiro atiça,
cada vez mais, as intenções de busca por material genético para
desenvolvimento de produtos diversos, a exemplo de medicamentos e
cosméticos.
A descoberta do verdadeiro potencial da diversidade biológica e cultural
do Brasil, a sua larga extensão territorial, a escassez de instrumentos para
fiscalizá-los, a falta de recursos naturais no restante do planeta, atrelados à
ausência de conscientização da importância científico-econômica do nosso
patrimônio genético e, por fim, a inexistência de um ordenamento legal
satisfatório para regulamentar o acesso à biodiversidade brasileira, são fatores
que estimulam a biopirataria. Esta pode ser entendida, pois, como o desvio e
comércio indevido dos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais
associados.
Atualmente, nosso país responde sozinho por 1/5 da biodiversidade do
planeta, aliada a conhecimentos tradicionais de comunidades indígenas que
poupam etapas de pesquisas científicas. Talvez a dimensão da biopirataria
siga a mesma escala, muito em razão de termos aqui uma legislação fraca, não
específica, e que não tutela satisfatoriamente a soberania do patrimônio
genético do país, bem como os direitos das comunidades locais, mormente os
povos indígenas.
Ao fim do estudo, foi possível concluir que, embora o Brasil tenha a
prerrogativa de gerenciar seu patrimônio genético, pouco faz para estancar a
prática da biopirataria local, sobretudo mediante criação de um ordenamento
jurídico e legal eficaz para a proteção ambiental e para o desenvolvimento
sustentável.
A regulamentação da biopirataria no Brasil, ainda, carece de maior
complementação, visto que, apesar da sanção de algumas leis sobre o tema,
nenhuma delas o contempla em sua totalidade. Atualmente, o Projeto de Lei
7735/2014 tenta realizar esse papel, dispondo sobre o acesso ao patrimônio
genético, sobre a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado e
sobre a repartição de benefícios para conservação e uso sustentável da
biodiversidade. Porém, foi realizado sem a participação de pequenos
agricultores, camponeses e comunidades tradicionais, que são alvos mais
frágeis e importantes do processo, o que acaba por comprometer parte de sua
legitimidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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