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Uma genealogia da crítica de cinema no Brasil

Livro esmiúça artigos publicados na seção de cultura do semanário


Opinião, entre 1972 e 1977. E constrói um painel sobre os debates e
embates intelectuais que se travavam no campo da resistência à ditadura

José Tadeu Arantes

O semanário Opinião foi uma publicação alternativa que circulou nas


principais cidades brasileiras de outubro de 1972 a abril de 1977.
Expressando os pontos de vista heterogêneos de uma frente ampla de
jornalistas e intelectuais que se opunham à ditadura militar, o semanário foi
criado por iniciativa do empresário Fernando Gasparian (1930 – 2006) e
teve como editor-chefe o jornalista Raimundo Rodrigues Pereira (nascido
em 1940). Os dois trabalharam juntos até meados de 1975, quando, devido
a divergências sobre a melhor maneira de enfrentar o regime ditatorial,
Pereira e a maioria da equipe jornalística se afastaram do Opinião para
criar o semanário Movimento, de perfil oposicionista mais acentuado. O
Movimento circulou regularmente até 1980 e deixou de existir em 1981.

Alguns dos principais intelectuais atuantes no país escreveram artigos ou


concederam entrevistas para o Opinião, como muitos viriam a fazer mais
tarde no Movimento. Entre eles, Antonio Candido, Celso Furtado, Darcy
Ribeiro, Fernando Henrique Cardoso, Francisco Weffort, Hélio Jaguaribe,
Millôr Fernandes, Oscar Niemeyer, Otto Maria Carpeaux e Paul Singer. Na
editoria de cultura, destacaram-se as críticas de cinema escritas por Jean-
Claude Bernardet, Sérgio Augusto e outros.
Bernardet e Augusto escreveram regularmente no Opinião, por volta de 60
artigos cada um. A pesquisadora Margarida Adamatti
[https://bv.fapesp.br/pt/pesquisador/667843/margarida-maria-adamatti/], atualmente
professora do Programa de Pós-Graduação em Imagem e Som da
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), analisou essa produção
crítica, bem como a de outros colaboradores do semanário, em sua pesquisa
de doutorado [https://bv.fapesp.br/pt/bolsas/145071/a-critica-cinematografica-na-
imprensa-alternativa-opiniao-1972-1977/], realizada na Escola de Comunicações e
Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) sob a orientação Eduardo
Victorio Morettin [https://bv.fapesp.br/pt/pesquisador/4129/eduardo-victorio-
morettin/] e com apoio da FAPESP.

Sua tese resultou no livro Crítica de Cinema e Repressão: Estética e


Política no Jornal Alternativo Opinião
[https://bv.fapesp.br/pt/auxilios/93075/critica-de-cinema-e-repressao-estetica-e-politica-no-
jornal-alternativo-opiniao/], agora publicado também com apoio da FAPESP.

“Minha intenção original era pesquisar a crítica cinematográfica no


Opinião e no Movimento. Mas percebi que este seria um trabalho extenso
demais e resolvi deixar o Movimento para outro momento. Concentrei-me
no Opinião, analisando internamente os textos, fazendo entrevistas com os
principais colabores do semanário e pesquisando o contexto”, disse
Adamatti à Agência FAPESP.

A produção cultural brasileira da época foi fortemente impactada pelo


contexto político. Grandes nomes da intelectualidade, como os
compositores Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil, o cineasta
Glauber Rocha, o dramaturgo Augusto Boal, o poeta Ferreira Gullar, o
arquiteto Oscar Niemeyer e o sociólogo Fernando Henrique Cardoso,
tiveram que se exilar. Alguns, como o compositor Geraldo Vandré, tiveram
suas carreiras praticamente destruídas. Veículos da grande imprensa, como
o jornal O Estado de S. Paulo e a revista Veja, sofreram censura
sistemática. Na chamada imprensa alternativa, produzir uma edição a cada
semana, enfrentando censura prévia, apreensão de exemplares já liberados
pela censura, dificuldades financeiras e vários tipos de ameaças, era um ato
de coragem e obstinação de suas equipes.

Segundo o estudo “Censura durante o regime autoritário”, apresentado pelo


sociólogo Glaucio Ary Dillon Soares no XII Encontro Anual da Associação
Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), das
10.548 páginas escritas pelos colaboradores do semanário Opinião,
somente 5.796 chegaram aos leitores. As demais tiveram sua divulgação
proibida pelos censores.

“Minha pesquisa não poderia deixar de considerar esses condicionamentos.


Imagine o que era fazer crítica de cinema em um contexto de repressão. Por
isso, um dos capítulos do livro trata exatamente das estratégias utilizadas
elos articulistas para driblar a censura”, disse Adamatti.

Outro foco da pesquisadora foi a própria dinâmica interna do semanário,


como reflexo dos debates e embates que se travavam no campo da
resistência e oposição à ditadura. “Eu busquei estudar como as diferentes
concepções presentes nesse campo se refletiam nos métodos de análise
fílmica utilizados na crítica da produção do cinema brasileiro da época”,
prosseguiu.

Além dos artigos propriamente ditos, a pesquisadora investigou também as


polêmicas que se travavam na seção de cartas dos leitores. O semanário era
uma verdadeira tribuna de opinião. Quase toda a intelectualidade
democrática participava dele de alguma forma, seja no corpo dos
articulistas seja no conjunto maior dos leitores. “Minha intenção foi
compor uma espécie de genealogia da crítica de cinema como método no
Brasil. Para isso, os artigos e cartas publicados no Opinião constituíam um
material privilegiado”, explicou.

A revista francesa Cahiers du Cinéma, criada em 1951 por André Bazin,


Jacques Doniol-Valcroze e Joseph-Marie Lo Duca, e até hoje a principal
referência em termos de crítica cinematográfica, foi a influência mais
importante recebida pelos articulistas. “Essa revista foi se politizando ao
longo do tempo, principalmente durante os anos 1960, estabelecendo um
novo padrão de análise, que foi trazido ao Brasil por Jean-Claude Bernardet
(nascido em 1936), Paulo Emílio Sales Gomes (1916 – 1977) e outros”,
afirmou Adamatti.

“Bernardet desenvolveu um padrão de análise política e de desmistificação


do conteúdo ideológico dos filmes. Eu o entrevistei na minha pesquisa e
tive acesso ao acervo entregue por ele à Cinemateca Brasileira, com cartas,
cadernos de rascunho e outros materiais. Seu livro Brasil em tempo de
cinema tornou-se a referência metodológica para a crítica cinematográfica
feita no Brasil nos anos 1970”, concluiu a pesquisadora.
FICHA DO LIVRO

Crítica de Cinema e Repressão: Estética e Política no Jornal


Alternativo Opinião

Autora: Margarida Maria Adamatti

Editora: Alameda

Ano: 2019

Páginas: 396

Preço: R$ 68

http://www.alamedaeditorial.com.br/cinema/critica-de-cinema-e-repressao-de-margarida-
adamatti

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