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35 E POSSIVEL UMA RESPOSTA CORRETA PARA CASOS CONTROVERSOS? UMA ANALISE DA INTERPRETACAO DE ROBERT ALEXY DA TESE DWORKIANA Flévlo Quinaud Pedron™ SUMARIO INTRODUGAO 1 TEORIA DOs PRINCIPIOS 2 UMAPROPOSTA DE TEORIA DA ARGUMENTAGAO JURIDICA 2.1 Aargumentagao juridica como um tercelro nivel do sistema juridico 2.2 Sobre a relagao entre direlto © moral & luz da teoria da ‘argumentacao de Robert Alexy 3 EPOSSIVEL UMA UNICA RESPOSTA CORRETA? 4 UMA OUTRA PROPOSTA DE INTERPRETACAO DA TESE DAUNICA RESPOSTA CORRETA 4.1. Sintese da proposta dworkiana 42 A proposta habermasiana de compreensio da ese da unica resposta correia como uma pretensdo de validade sobre a correcio normative - REFERENCIAS BIBLIOGRAFIGAS Resumo: 0 presente trabalho pretende reconstruir os pontos fundamentals, da teoria dos direitos de Robert Alexy, presentes no ensaio Sistema Juridico, Principios Juridicos y Fazén Practica, no qual o autor apresenta suas objogoos & tose dworkiana da existéncia de uma Unica resposta correla para um caso controverso. Em seguida, so apresentadas criticas a essa leitura pariindo, de um lado, da prépria teoria de Dworkin 2, de outro, da Teotia do Discurso de Habermas 8 Gunther. Palavras-chave: Teoria da Argumentagao - Regras, Principios e Valores ~ Ponderagio (Balanceamento). irRoDUGAO ensaio Sistema Juridico, Princ/pios Juridicas y Razén Préctica, de autoria de Robert Aloxy, célebre jurista de Kiel, & bastante elucidativo para se compreender * 0 presente artigo & dadicado aos professores Manel de Carvalho Netto © Mareslo Andace Catton se Oliveira, em agradecimento pelo sempre constante estimulo &rolexto {0 dieto, Decico, também, a Viviane Machado Cafferate, sem cuja ajuda ase projeto ‘no poderia ter se realizado. “+ Mesirando em Direto Consttucional na UFMG. Monitor de Pés-Graduaco nas dscipinas ‘Teoria da Constiuigdo e Teoria Goral do Direlto Publica. Bolsista pelo GNPa, oT eg, Tab 9 Reg. Bolo Horizonte 0,170, 9.8-58, jl er 2004 6 uma leitura feita por este da tese dworkiana da nica resposta correta’ para os ‘chamados casos controversos, também conhecides na tradiao anglofonica como hard cases. ‘O mesmo texto se mostra, ainda, importante por apresentar uma reconstrugdo de dois pontos erucials no pensamento de Alexy. Para \anto, o presente trabalho se destina a reconstrvir 0 percurso argumentativo desenvolvido no texto, pagsando pelos dois pontos principais: 1) uma digressao sobre a tooria dos principios, que analisa a disting4o entre regras © principios © 2) algumas consideragdes sobre uma teoria da argumentacao orientada polo concolto de raza pratica, E conveniente lembrar que esse teérico pode ser considerado um dos principais defensores da ponderagao de princfpios (valores) como metodologia para resolugdo de casos concretos que envolvam a denominada colisao_entre hormas.? Mas, como se vericara, 0 presente trabalho ira sustentar a tese de que no pensamento de Alexy ainda persisie uma difculdade em assimilar completamente o giro hermenéutico-pragmatico®, de modo a ainda buscar no métode a expresso * 0 presente trabalho faz uso da expressdo sesonsta cometa ao invés de resposta cert, pols, ao canara da opoda fella pelos radulores nacionais (OWORKIN, 2001175), pode: Se pereeber que a resposta correta encerra em si uma pretensdo de validade universalizavel (correcdo nomativa)referente 4s normas deontolégieas. Para melhor ‘compreensio também ver: HABERMAS, Jrgen. Verdade o justlicacdo: onsaios ‘loséfcos. Tad. Milton Gamargo Mota. So Paulo: Loyola, 2004. +A populardade do métado ca panderago adquire cada da mais destaque nos jlgamentos proterdos pelo Supremo Tribunal Federal braseo (STF). Tanto assim, que os pofessores Luis Roberto Barroso (2004471) e Jeeé Allrado de Oliveita Barecho Jiniar (2004520) \Jefendem que eua adogdo representa uma mudanga no curso da interpretagdo levada a ‘abo pelo tribunal, equivale& adogio de uma Nova Hermenéutica na Jurisprudéncia do STF. 0 precedente representado polo HC n. 82424/R3 se masita como exemplo de tuma aplicagao prtica da teoria de Alexy. Isso porque o caso ganliou notoriedade por ‘examinar um suposto cénto ene 06 principios daliberdade do expressio e da cignidade <éa possoa hurana envolvendo a acusagao de pratioa de racismo durante a publicagao {6a vos ant-semitas, As bases da ponderac&o foram bem expicitadas através dos votos dos Ministros Gilmar Mendes e Marco Aurdlio. 2 Gabe destacar desde jd que, diferentemente de Alexy, entendemos que Dworkin \osenvolve sua teria levando ém conta o gira hermenéuica empreendio por Heidegger © Gadamer, sendo que 0 ultimo iré adotar uma postura de ruptura com as posicoes objetvstas de Sohletetmacher ¢ Dithey, radializande a experiéncia hermenéutica @ se ‘apoiando principalmente no modo de ser do Dasein (do ser-al) hekdeggeriano. Desta forma, a Hemmenéulica Floséfica entende que “a compreensio humana se orienta & partir de uma pré-compreensto que emerge da eventual situagao existenclal © que demarea © enquadramento tematico ¢ 0 limite de validade de cada tontalWva do interpetagao" (GRONDIN, 1899:188). Os rellexos da percepeso de tal “consciéncia Fistoica’ podem ser sentides no pensamento de Duerkin, como lemibra Menelick de Carvalho Netto: “Para ele, a unickiade © a irtepetbidace que caracterizam todos 0s ‘eventos histricos, ou seja, também qualquer easo concrelo sobre o qual so pretenda tulela jurisdicional, exigem do juiz hercdleo estorgo no sentido de encontrar no ordenamento considerado em sua inteieza a Unica deciséo correla para este case ‘especifioa inepetivel por cefinigao.”(5990:475) ev. is og, Tab. 2 g,,Bela Horizonte 40,170, 9.985; 2004 do uma racionalidade capaz de neulvalizar toda a complexidade inorente & linguagem (ALEX, 1998:32; 2003:139; 1997-98; 19970:136)~* + TEORIA DOS PRINCIPIOS Alexy (1998:09) concorda com a compreensio de regras © do principios como espécies de normas juridicas.® Partindo dessa premissa lembra que, frequentemente, compreende-se que a distinggo entre ambos os standars novmativos ce d& em razao da generalidade dos principios frente as regras. isto 6, compreendem-so 0s principios como normas de um grau de generalidade relativamente alta, ao passo que as regras seriam dotadas de uma menor generalidade. Contudo, tal abordagom quanitaliva, levada adiante por autores como Del Vecchio » Bobbio, se mostra insuficfente luz do pensamento desenvolvido jé em Esser, como demonstra Galuppe (2002:170-171). Tal tese € denominada por Aloxy (1998.09) como a tese fraca da separacdo, de modo que uma ese forte, como & ‘que 0 aulor pretende adotar, considera a distingao como quaiitaiva. Logo, pode-se perceber que a generalidade ndo 6 um critério adequado para tal cistingao, pois 6, Quando muito, uma conseqaéncia da natureza dos principios, sendo incapaz de proporcionar uma diferenciacao essencial (GALUPPO, 1998:137). ‘Regras, diferentemonte dos principios, seréo aplicaveis na maneira do tudo- ou-nada (all-ornothing-fashion). Isso significa dizer que, se uma rogra é valida, cela deve ser aplicada da maneira como preceitua, nem mais nem menos conforme um procedimento de subsungao silogistico, Diante de um confito entre regras, algumas posturas deverdo ser tomadas para que apenas uma dolas seja considerada valida. Como consequéncia, a outra feara ndo somente nao sera considerada pola decisdo, como deverd ser rotirada do ordenamente juridico, pois sora sempre invalida, salvo nao seja estabelocido ‘que essa rogra se situa em uma siluacdo que excepciona a outra. Um oxemplo fornecido pelo proprio Alexy (1997b:163-164) 6 0 da existéncia de uma Lei Estadual {que proiba o funcionamento de estabetecimentos comerciais apés as 13:00 e do ‘outra Lei Federal que proiba o funcionamento até as 19:00. Nesso caso o Tribunal Gonstitucional alemao solucionou a controvérsia se apoiando no cénone da hierarquia das normas, de mado a entender pela vaidade da legislagao federal © mportante lembrar 2 colocacio de Gattoni de Olvera (2001:77-78) no sentido de aue para Alexy (2001:17-18) a racionalidads do um discurso priiico pode ser mantida se [oven salisiiias as condigdes expressas por um sistema de regras ou procedimentos. No ensaio em desiague pode-se perceber o afmado pela seguinte passagem: “A racionalidade do disourse Se define por um conjunta de ragras do dacureo. Estas rogras ‘areniem 0 dieito de cada eer humano de paripar no ciscurso e o deta de cao parlicpante ds apresentar e ercar qualquer argumento.” (ALEXY, 1998:32, truco oss) qui é preciso lembrar que Alexy toma como referéncia de norma o concsito “semantico™ ‘a norma (GALUPPO, 1998:135-136) presente ja em Kelsen (1999), de modo que omprecnde que a norma é e significado extaide de um enunciado, ev. hb, eg. Tra. Re, al Horizonte 40,70, p35-68, der. 2008 _Jéos principios ndo sao determinantes para uma decisao, de modo que somente apresentam azées em favor de uma oude outa posito argumentativa (ALEXY, 1996:09- 10). E por sso que 0 autor afirma existr uma dimensio de peso entre principios- que permanece inexistenle nas regras - principalmente nos chamados casos de colisdo, exigindo para a sua aplicagéo um procedimento de ponderacéo (balanceamento). Destarte, em face de uma coliséo entre principios, o valor decisério seré dado a um principio que tenha naquele caso concreto maior peso relative, sam que isso sigifique a invalidagao do principio compreendide como de peso menor. Em face de um outro caso, portanto, o peso dos principios podera ser redistribuido de maneira diversa, Pols nenhum principio goza antecipadamente de primazia sobre os demais.© E dosta forma que Alexy (1998:12) apresenta a distingao fundamental entre regras e prineipios: principios so normas quo ordenam quo algo se realize na maior medida possivel, em relagao as possibilidades juridicas e Falicas. Os principios 640, or conseguinte, mandados de olimizagao que se caracterizam porque podem ser cumpridos om diferentes graus @ porque a medida de sou cumprimento nao s6 depende das possibiidades féticas, mas também das possibilidades juridicas. Por outro lado, as regras séo normas que exigem um cumprimento pleno e, nessa medida, podem sempre ser somente cumpridas ou no, Se uma regra 6 valida, entdo é obrigatério fazer precisamente 0 quo se ordona, nem mais nem menos. As regras contém por isso determinagées no campo do possivel {itico e jurdicamente. (ALEXY, 1998:12, tradugao nossa) ‘Mas como explicar a natureza de mandados de olimizacio atribuida aos principios? Ou, de outra forma, como uma norma pode ter sua aplicagao diferida em diferentes graus? Para Alexy (1998:14, 1997:198), isso pode ser explicado quando se ‘compreende que principios podem ser equiparados a valores. Uma concencao sobre valores, ou axioldgica, dird Alexy (1997:199) traz uma referéncia no no plano do devor-ser (deontolégico), mas no nivel do que pode ou nao ser considerado ‘como bem. Os valores tém como caracteristicas a possibilidade de valoracio, isto 6, permitem que um determinado julzo possa ser classifieado, comparado ou medido. Destarte, * 1380 pode ser peroebivo no julgamento do HC n. 82.424/RS. Como ja comentado, 0 STF idertcou um confita onvolvendo os principice da dignidade da pessoa humana e da Tiberdade de expresso. Em momento algum se afmouquea dgnidade da pessoa humana {ou mais exatamente, ndo discriminagao) seria hierarquicamante superior & lberdade de ‘expressao. Assim, um ou outto principio pode ser ponderado através de sua aplcagao ‘racial no caso sub jucice. Asim, como ber reconinece a Min. Marco Aurélie (2004:177) fem seu voto, “as colisdes entre principio feeb essa dtca} somente podem ser superadas 5e algum tipo de restigéo ou de sacri orem impostos (sie) a um ou 08 dois lados. Enquanto 0 conffio ene regras resolve-se ra dimenséo da vaidade, [.] 0 chaque de Prineipios encontra solucdo na dimenséo do valor, a part: do otra da "pondoraga0\ qve Possitilia urn meio-termo entre a vinoulegao e a fexblidade dos direioe”. ev. Ti, Reg, Tr, 5 Rog, Belo Horizont 09.70, B35-6,j.Sex 2008 9 Com a ajuda de conceitos de valor classificatorio se pode dizer que algo tem um valor positive, negative ou neutro; com a ajuda de conceitos de ‘valor comparativo, que um abjeto que se deve valorar corresponde a um ‘valor maior ou ao mesmo valor que aul objato e, com ajuda de conceitos de valor métvioos, que algo tem um valor de determinada magnitude. (ALEXY, 1997:143, lradugdo nossa) ‘Todavia, apesar de dizer que principios podem ser equiparados aos valores, ‘Atoxy (1997:147) dira que principios néo séo valores. Isso porque os principios, ‘enquanto normas, apantam para o quo se considera devido, ao passo que 0s valores apontam paca o que pode ser considerado melhor. Assim, mesmo tendo uma operacionalizagéo idéntica aos vaiotes, ainda sim, principios apresentariam urna, diferenga basica frente a eles.” ira 0 autor que, se alguém estiver diante de uma norma que exige um cumprimente na maior medida do possivel, estard diante de um principio; ‘em contrapartida, se tal norma exigir apenas o cumprimento em uma doterminada ‘medida, ler-se-4 uma regra. Logo, a diferenga se centraria em um aspocto da esstrutura dos principios e das regras, de uma mansira morfolégica, fazendo com logistica e principios, por meio de uma ponderagao ou balanceamento. 2 UMA PROPOSTA DE TEORIA DA ARGUMENTAGAO JURIDICA 2.4 Aargumantagao juridica como um terceiro nivet do sistema juridico ‘Tomando como base a distinedo entre principios e regras, Alexy (1998:17) realirma a impossibilidade de uma leoria forte sobre os principios capaz de ‘doterminar para cada caso uma resposta correia. Cantudo, o professor Kiel procura ainda verticar a possibiidade de uma resposta correta pautando-se por uma teria {raga dos principios. Nosse caso tém-se duas vias: uma primeira afirmaria que a resposta correta independe de um procedimento capaz de demonstra-la, mas tal opgao é de antemao escariada pelo autor © a segunda, que afirma que nem principios ou regras séo ‘capazes de regular por si mesmas sua aplicaeao, de modo que se faz necessaria uma compreensdo da decisdo juridica, regrada por uma teoria da argumentacéo juridica, Assim, o sistema juridico, alm de conter regras e principios, comporta lum {erceira_nivel no qual so fellas consideragdes sobre um procedimento - » Apenas gare demarcar a dissondnca, adianlase que tese alexiana da diferenciagéo ‘oni regras © principlas 6 relutada tanto por Dworkin quanto por J. Habermas, que ‘efendem a impossiblidade de exuiparar principios a valores, sob pena de desnalurar a ‘répria légica de aplioagio normalva. Ambos 0s autores, ainda, langaro mso nao de luma dilerenciagde morfolégica entre princpios ¢ regras, pretrindo o que se pode fonsiderar como urna distingdo em razao da natureza igico-eraumentatia, ev. Tr, Rag. rab. 9" Rog, Bal Hover. vA0, 70, 85-5, ien 2004 40 sequindo 0 modelo da razio pratica - que permita alcangar e assegurar a racionalidade de aplicagao do dircito (CHAMON JUNIOR, 2004:103) ‘A argumentacao juridica, enldo, é vista por Alexy (1998:18) como um caso especial da argumentagao pratica geral, ou seja, da argumentacgo moral. Sua peculiaridade, contudo, osta na série de vinculos institucionais que a caracteriza, fais como a lei, o precedente a dogmalica jurfdica.” Mas, mesmo estes vinculos - concebidos como um sistema de regras, principios e procedimento - sao incapazos de levar a um resultado preciso. As regras do discurso sorviriam, entdo, apenas para que se pudesse contar com um minimo de racionalidade, mas ndo uma Tesposta correta. Assim, no maximo, ter-se-ia uma decisao aproximadamente coreta (ALEXY, 1998:18). Tudo, onto, para Aloxy (1998:18-19), gira em volta de um problema teferente & racionalidade juridica. Como nao 6 possivel uma teoria moral de cunho substantivo, somente so pode apolar para as toorias morais procedimentais, que formulariam regras ou condigdes para a argumentacao ou para uma deciséo racional. Desse modo, para Alexy (1998:19-20) a questio de uma resposta corrota se resume ao desenvolvimento de um procedimento que conduza & mesma,

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