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REVISTA CIENTÍFICA ELETRÔNICA DE ENGENHARIA FLORESTAL - ISSN 1678-3867

PUBLICAÇÃO CI ENTÍFICA DA FACULDADE DE AGRONOMIA E ENGENHARIA FLORESTAL DE GARÇA/FAEF


ANO IV, NÚMERO, 08, AGOSTO DE 2006. PERIODICIDADE: SEMESTRAL
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USO DA BIOMASSA FLORESTAL NA GERAÇÃO


DE ENERGIA

Thelma Shirlen SOARES


Universidade Federal de Viçosa
Angélica de Cássia Oliveira CARNEIRO
Universidade Federal de Viçosa
Elzimar de Oliveira GONÇALVES
Universidade Federal de Viçosa
José Gabriel de LELLES
Universidade Federal de Viçosa

RESUMO:

Desde os primórdios, a biomassa constitui uma fonte de energia renovável de vital


importância para a humanidade. Considerando a importância do emprego de fontes
alternativas para a geração de energia, este estudo teve por objetivo descrever a
potencialidade do emprego da biomassa florestal como fonte sustentável de energia.
Palavras-chave: bioenergia, lenha, carvão vegetal.

ABSTRACT:

From the origins, the biomass constitutes a renewable power of vital importance for the
humanity. Considering the importance of the use of alternative sources for the energy
generation, the objective of this study was to describe the potentiality of the forest
biomass use as sustainable source of energy.

Keywords: bioenergy, firewood, charcoal.


1. Introdução

Desde tempos remotos, o homem vem utilizando o fogo, a tração animal e a


energia gerada dos ventos ou das quedas d’água para atender algumas de suas
necessidades básicas. É fato conhecido de todos que o desenvolvimento da humanidade
está intimamente associado ao aumento do consumo energético e com o uso racional e
controlado das diversas fontes de energia.
O modelo tecnológico, adaptado ao mundo moderno, apoiou-se muito cedo no
emprego preferencial de energia proveniente dos combustíveis não renováveis, tais
como carvão mineral, gás natural e petróleo. Esse fato obrigou o ser humano a aumentar
drasticamente o consumo de combustíveis fósseis a tal ponto que essas reservas,
presumivelmente, segundo vários especialistas se esgotarão nos próximos cem anos
(ORTIZ, 1996).
Como conseqüência dessa previsão e, principalmente das “crises do petróleo”,
de modo especial as de 1973, 1979 e 1985, os países desenvolvidos tomaram
consciência da necessidade de fomentar políticas visando lograr um aproveitamento
racional e integral dos recursos energéticos disponíveis, objetivando a redução da
dependência de fontes não renováveis de energia de modo especial o petróleo
(CORTEZ e LORA, 1997).
Pelo exposto, conclui-se que a estratégia a ser adotada, especialmente pelos
países com economias fragilizadas em decorrência da conta petróleo, é a adoção de
políticas capazes de propiciar, a curto e médio prazos, o desenvolvimento de novas
fontes alternativas de energia, preferencialmente renováveis, limpas e, potencialmente
geradoras de novos postos de trabalho, além de contribuir para um melhor equilíbrio das
suas respectivas matrizes energéticas (ORTIZ, 1996).
Neste contexto, destaca-se a biomassa florestal que pode ser utilizada como
fonte de energia limpa, renovável, e geradora de empregos.
De acordo com COUTO et al. (2000). a biomassa florestal possui
características tais que permitem a sua utilização como fonte alternativa de energia, seja
pela queima da madeira, como carvão, aproveitamento de resíduos da exploração e
aproveitamento de óleos essenciais, alcatrão e ácido pirolenhoso.
O presente estudo tem por objetivo abordar os principais aspectos relacionados
à biomassa florestal para geração de energia.
2. Biomassa

COELHO (1982) define biomassa como o conjunto de materiais orgânicos


gerados por organismos autótrofos do reino vegetal (fitomassa) ou acumulados nos
seres heterótrofos do reino animal (zoomassa). Os organismos fotossintéticos
(autótrofos) são capazes de transformar a energia solar em energia química, mediante a
atuação biogeoquímica dos cloroplastos contidos na clorofila das plantas. Essa energia é
retida e acumulada nos espaços intermoleculares e é liberada em processos que
envolvem oxidação, redução e hidrólise, que podem ser de natureza termoquímica,
bioquímica e biológica.
A radiação gerada nas reações de fusão atômica que tem lugar no sol se
distribui em um leque de comprimentos de onda muito similares as do corpo negro. A
constante solar, isto é, a quantidade de energia que atinge a camada externa da
atmosfera terrestre é igual a 1.350 watts/m², em um plano perpendicular aos raios
solares, o que equivale a 1,94 calorias de energia por centímetro quadrado por minuto
(ORTIZ, 1996).
Ainda segundo o mesmo autor, é fato também conhecido que, a quantidade de
energia fixada na biosfera é da ordem de 70.000 MtEP (milhões de toneladas
equivalentes de petróleo), equivalente a dez vezes o consumo energético total do
planeta, 1/12 das reservas de combustíveis fósseis ou 200 vezes o consumo mundial de
alimentos. No entanto, ela não é susceptível de aproveitamento integral, posto que os
processos tecnológicos de concentração, manejo, liberação da massa para torna-la
utilizável, na maioria dos casos, levam a um balanço energético negativo tornando-se
economicamente inviável o seu aproveitamento. Mas, mesmo não sendo possível
utilizar toda esta energia, a energia solar é a forma de energia responsável pela vida em
nosso planeta.
A energia de biomassa é aquela fornecida por materiais de origem vegetal
renovável ou obtido pela decomposição de dejetos. O Brasil tem desenvolvido
tecnologia a vários anos para a utilização da biomassa como fonte geradora de energia,
gerando empregos e com muito pouco recurso financeiro (FIESP/CIESP, 2001).
Segundo LORA e ANDRADE (2004), o potencial energético da biomassa é
enorme, tanto em escala mundial como no Brasil. Ao mesmo tempo, os biocombustíveis
poderiam ser uma das soluções para o fornecimento de eletricidade em comunidades
isoladas, o que simultaneamente pode constituir um incentivo para o desenvolvimento
de atividades extrativistas sustentáveis que contribuam para o desenvolvimento destas
comunidades.
A bioenergia é responsável por aproximadamente 14% do consumo energético
mundial. Estimativas projetam que, em vinte anos, cerca de 30% do total de energia
consumida pela humanidade será através da bioenergia, enregia essa que não produz
poluição nem se esgota e é renovável (CELULOSE..., 2004).
Atualmente são conhecidas diversas fontes renováveis de biomassa como:
lenha, carvão vegetal, babaçu, óleos vegetais, resíduos vegetais, sisal, biogás, casca de
arroz, cana de açúcar (bagaço da cana, palha e álcool). Além destas, temos outras fontes
geradoras de energia como solar, eólica, marés, e outras, que também poderiam agregar
o seu potencial à matriz energética do país.

2.1 Biomassa Florestal como Fonte de Energia


No tocante a florestas plantadas para produção de energia, SOARES FILHO et
al. (2002) destacam que a biomassa florestal pode ser utilizada como fonte de energia
limpa, renovável, e geradora de empregos. Os autores relatam que, embora possua
desenvolvida capacitação tecnológica para exploração dos recursos florestais além de
possuir extensas áreas, relevo, clima e condições biológicas excepcionais para a
produção da biomassa florestal, o elevado custo de produção seja a explicação para o
não aproveitamento da biomassa florestal na geração de eletricidade no Brasil.
A lenha foi o produto energético básico na estrutura do mundo até a Revolução
Industrial, movendo os vapores e sendo a fonte de energia que impulsionou o progresso.
Mesmo substituída pelo carvão mineral na estrutura energética dos países desenvolvidos
no início do século, ainda hoje ela é a fonte de energia primária mais importante para
alguns países e para parcelas significativas da população dos países subdesenvolvidos
(ASSUMPÇÃO, 1981).
No caso do Brasil, a estrutura energética sofreu transformações significativas,
apesar de as fontes primárias de energia guardarem, na referida estrutura, as mesmas
posições que ocupavam nos anos 70. Apesar de reduzir sua participação na estrutura de
consumo, a lenha mantém-se como terceira fonte de energia primária do País e cresce
em valores absolutos (LIMA, 1993).
Entre as fontes de energia utilizadas pelo setor residencial, que em 1994 teve
um consumo de lenha em relação aos demais combustíveis de 48,98%, com ligeiro
acréscimo em sua participação ao longo do tempo, passou em 2004 a 51,25%. O setor
agropecuário, que apresentou um acréscimo no consumo de lenha, em relação a outras
fontes de energia, de 0,1% no período de 1994 a 2004 (Quadro 1). O setor industrial
registrou um decréscimo no consumo de lenha de 2,15% durante o mesmo período, no
entanto, agregando a lenha e o carvão vegetal, o setor industrial passa a ser o principal
consumidor de lenha como fonte primária de energia.

Quadro 1 - Consumo brasileiro de lenha (10³ t) em relação a outras fontes de


combustíveis, por setor econômico, no período de 1984 a 1994.

Setor Ano
econômico 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004
Residencial 21756 19710 19322 19562 20052 20722 21202 22129 24767 25691 26044

Comercial 295 289 303 294 279 271 243 230 210 250 230

Agropecuário 5962 6081 6033 5973 5734 5562 5286 5286 5790 6420 6869

Industrial 16403 16016 15957 15863 16843 17010 17245 16562 15932 16729 17670

Fonte: BRASIL (2004).

Os números do Quadro 1 mostram que a utilização da lenha no Brasil é ainda


significativa, principalmente, nas carvoarias para produzir carvão vegetal e na cocção de
alimentos nas residências. De forma complementar, o Quadro 2 apresenta o consumo de
biomassa florestal para diversas finalidades no Brasil, em 2000.

Quadro 2 - Consumo brasileiro de biomassa florestal, no ano de 2000*


Tipo de Consumo Consumo 106m3 Participação (%)
Consumo energético 74,2 44,6
Lenha industrial 29,0 17,4
Carvão vegetal 45,2 27,2
Consumo não energético 92,1 55,4
Celulose e Papel 32,0 19,2
Serrados 49,1 29,5
Painéis reconstituídos (aglomerados, chapas de fibra e MDF) 5,0 3,0
Aglomerados 6,0 3,6
Consumo total 166,3 100,00
* Base = madeira industrial em toras.
Fonte: ABIPA (2003).
BRASIL (2004) apresenta a evolução do consumo de biomassa florestal (lenha
e carvão vegetal) para fins energéticos, onde observa-se que a participação da biomassa
florestal na matriz energética nacional decaiu de cerca de 45,2% em 1971 para 13,2%
em 2004, sendo que no período de 1995 a 2004, o consumo médio foi em torno de
23,36*106 de tEP (tonelada equivalente em petróleo), demonstrando a existência de um
mercado cativo para a utilização da biomassa florestal para fins energéticos.
A biomassa florestal ainda contribui muito pouco para a produção de
eletricidade no Brasil. A produção elétrica a partir da biomassa ocorre no Brasil
exclusivamente em centrais auto-produtoras, isto é, empresas que geram para satisfazer,
ao menos parcialmente, sua demanda elétrica. Os combustíveis empregados são
principalmente o bagaço de cana, nas usinas de açúcar e álcool, o licor negro, nas
fábricas de celulose e papel, e a lenha, em indústrias diversas (CEMIG, 1986).
Do mesmo modo que na indústria sucroalcooleira, a produção de papel e
celulose apresenta interessantes perspectivas para a produção combinada de energia
elétrica e calor útil, tendo em vista suas relações de demanda combinada de eletricidade
e vapor de baixa/média pressão e a disponibilidade de combustíveis residuais de
processo, como o licor negro e as cascas e resíduos de biomassa.
Como vantagens econômicas da biomassa florestal, podem ser citadas, de
acordo com BRASIL (1996), as seguintes: nos países em desenvolvimento, ainda é o
combustível mais barato, tanto por tonelada quanto por unidade de calor; não necessita
de mão-de-obra qualificada, gerando emprego e fixando o homem no campo; seu
armazenamento é possível em espaço aberto, apesar de o poder calorífico diminuir com
o tempo; e apresenta baixo teor de cinza e enxofre. Por outro lado, a lenha necessita de
planejamento para sua utilização, devido ao controle das áreas florestais por instituições
ambientais; exige grande contingente de mão-de-obra, elevando os custos nos países
onde os salários são altos; e apresenta poder calorífico inferior ao dos combustíveis
fósseis.
Evidencia-se, assim, a importância da biomassa florestal como insumo
energético, seja na dimensão temporal, ou seja, na dimensão espacial (em nível nacional
e/ou estadual/regional). Portanto a biomassa, particularmente a florestal, deve ser
incluída no rol de fontes energéticas consideradas quando da definição de políticas e,
diretrizes para o planejamento energético regional e, principalmente, não ser esquecida
ou colocada entre as ultimas prioridades quando da execução dos planejamentos
elaborados (LIMA e BAJAY, 1998).
4. Considerações Finais

A utilização da biomassa florestal como fonte de energia é sem dúvida a


alternativa que contempla a vocação natural do Brasil. Entretanto, apesar de seu
comprovado potencial, a biomassa florestal não recebe dos governos a atenção
necessária na concepção da matriz energética brasileira. Diante da atual crise de energia,
os baixos custos de produção da biomassa florestal, decorrentes da alta produtividade,
mostram que é necessário repensar o uso da madeira como fonte de energia.
Em termos sócio-ambientais, as vantagens da biomassa são inúmeras. Se
cultivada de forma sustentável, seu manejo e utilização não acarretam acréscimo de CO2
à atmosfera, já que o CO2 liberado pela combustão é extraído da atmosfera durante o
processo de fotossíntese. Além disso, sua utilização em larga escala para fins
energéticos pode promover desenvolvimento sustentável de áreas rurais e regiões pouco
desenvolvidas, reduzindo o êxodo para as áreas densamente urbanizadas.
No entanto, para que as potencialidades da bioenergia sejam devidamente
aproveitadas, é preciso que os planejadores do setor energético reconheçam a sua
importância como vetor de desenvolvimento regional e sustentável. É preciso, portanto,
maior fomento à pesquisa e desenvolvimento de projetos industriais de aproveitamento
energético da biomassa, com vista à oferta local de empregos e à melhoria do padrão de
vida de comunidades e regiões subdesenvolvidas.
Conforme relata LIMA e BAJAY (1998), é imprescindível o desenvolvimento
de pesquisas visando reduzir os custos de produção da biomassa florestal, que
contemple os seguintes aspectos:
- seleção de espécies e procedências mais adequadas para cada região de
plantio;
- sistemas de implantação, manejo e colheita;
- processos de usos finais de maior eficiência;
- estudos técnicos, econômicos e financeiros que dêem maior confiabilidade
aos valores utilizados na definição das taxas de reposição florestal obrigatória.
Assim, torna-se necessário promover campanhas de divulgação, visando a
conscientização e a divulgação aos técnicos responsáveis pelo planejamento energético
sobre este importante instrumento para implementar as políticas energéticas
concernentes a biomassa florestal.
5. Referências Bibliográficas

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CORTEZ, L.A.; LORA, E.S. Tecnologia de conversão energética da biomassa.


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COUTO, L.; FONSECA, E.M.B.; MÜLLER, M.D. O estado da arte das plantações
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LIMA, C.R. Contribuições da cogeração de energia na qualidade da madeira como


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