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MITOS E LENDAS INDÍGENAS E EDUCAÇÃO: A VALORIZAÇÃO DO

PATRIMÔNIO IMATERIAL AMAZÔNICO NAS ESCOLAS PÚBLICAS


DO MUNICÍPIO DE MANAUS

Gladys Oliveira de Sá1 - SEMED - MANAUS


Márcia Guedes Egas2 - SEMED - MANAUS

Grupo de Trabalho – Cultura, Currículo e Saberes


Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

Este artigo abordará sobre a importância dos patrimônios imateriais amazonenses na educação
e valorização da cultura local a partir do estudo das lendas e mitos, pois os jovens pouco ou
nada sabem sobre bens patrimoniais intangíveis. Portanto, a observância do pouco
conhecimento que a população tem sobre patrimônios imateriais e da importância de sua
preservação, é que nos propomos a analisar o patrimônio imaterial amazonense e sua
relevância na formação dos jovens. A pesquisa será desenvolvida a partir de um enfoque
histórico crítico e buscará desvendar um pouco do imaginário que compõe este mundo tão
instigante que é o mundo das lendas e mitos amazônicos e suas representações. Através do
estudo bibliográfico a pesquisa será fundamentada. No entanto, para que o desenvolvimento
do trabalho seja mais elucidativo buscaremos resgatar o estudo das lendas e mitos amazônicos
nas escolas, pois se faz necessário à medida que cada lenda e mito trás uma linguagem e
simbologia que representa nossa sociedade e o homem em muitos aspectos, bem como um ato
de cidadania e resgate cultural. A busca em estudar esses bens e seu papel na construção da
nossa cultura se faz relevante, à medida que fica claro que grande parte desse acervo cultural
corre o risco de deixar de existir, pois se tornou crendices e como tais, sem valor cultural. O
estudo dessas narrativas nos possibilitará uma maior compreensão sobre nossas heranças
culturais e consequentemente a valorizar esse tipo de linguagem nas escolas, além de
encontrar meios para mantê-las vivas na memória e no cotidiano da sociedade e
principalmente dos alunos que muito têm a aprender com essas narrativas tão complexas, mas
vistas como simples histórias.

Palavras-chave: Patrimônio. Educação. Preservação.

1
Especialista em História e Ensino de História do Brasil pelo Centro Universitário do Norte- UNINORTE,
Graduada em Normal Superior pela Universidade do Estado do Amazonas-UEA e Professora da Rede Municipal
de Ensino do Município de Manaus. E- mail: gladysoliveirades@yahoo.com.br
2
Mestra em Educação pela Universidade Federal do Amazonas- UFAM e Professora da Rede Municipal de
Ensino do Município de Manaus. E- mail: marci_ge@hotmail.com

ISSN 2176-1396
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Introdução

Este artigo abordará sobre a importância do estudo do patrimônio imaterial a partir das
lendas e mitos na educação escolar no município de Manaus, pois pouco é trabalhado a
importância dos bens imateriais. Dessa forma, a busca em resgatar esse assunto e desenvolvê-
lo nas escolas se faz necessário à medida que cada lenda e mito trás uma linguagem e a
representação de hábitos regionais muito típicos e que representam quem somos. Fazer o
resgate das nossas tradições e patrimônios imateriais é de fato buscar entender de maneira
mais ampla nossas heranças culturais e as formas de como elas podem ser compreendidas e
mantidas, pois muitos pensam que patrimônios fazem referência apenas a elementos
palpáveis. Porém quando falamos de patrimônios estamos nos referindo a tudo que pode de
alguma maneira nos auxiliar na compreensão da nossa história, cultura e tudo que mostra a
identidade de um povo ou comunidade.
É um passeio por grandes narrativas e influência na vida de quem se aventura a
escrever e estudar sobre o que nos mostra como cidadão e herdeiros de uma vasta cultura, rica
e repleta de personagens que nos fascinam e nos fazem pensar um pouco mais sobre as
atitudes que muitas vezes prejudicam nossa convivência com o meio ambiente, pois nas
lendas e mitos essa convivência é retratada de maneira harmoniosa. É a partir da natureza que
a vida se revela nos mitos e surgem personagens que representam nossos desejos através das
lendas e mitos.
O conceito de patrimônio histórico foi alterado em 1988 pela Constituição Federal em
seu artigo 216, o qual passou a dizer que o patrimônio é constituído dos bens materiais e
imateriais (DE SÁ, 2012, p.29). Essa mudança tornou possível a catalogação e preservação
de manifestações culturais intangíveis, mas que demonstram tanto quanto os bens materiais, a
cultura de uma determinada comunidade. E sendo assim, a partir disso os mitos e lendas
tornaram-se muito mais importantes como uma forma de expressar a identidade não apenas
indígena, mas regional da população amazonense. Nosso folclore e cultura são vistos e
compreendidos como ricos, mas de difícil definição, porém são importantes meios para
pesquisa e estudo da nossa visão de mundo e compreensão da vida. Isso revela que nossa
cultura e patrimônio precisam ser lembrados, transmitidos às novas gerações para que não se
perca esse hábito de narrar esses acontecimentos que dizem muito sobre a sábia e rica cultura
indígena. Quanto às lendas e mitos amazônicos, podemos perceber a presença de uma riqueza
cultural que fala por si só sobre nossas origens, formação e papel dos povos indígenas, haja
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vista que a maioria das lendas e mitos tem suas origens em histórias que foram contadas e
recontadas pelos povos indígenas.

Patrimônio imaterial e folclore

Este artigo irá versar sobre a importância do nosso patrimônio imaterial e da


necessidade de ser trabalhado nas escolas como uma prática de cidadania, resgate e
preservação do mesmo. No entanto começaremos dando uma definição bem abrangente do
que seja folclore.

[...] Na cabeça de alguns, folclore é tudo o que o homem do povo faz e reproduz
como tradição. Na de outros, é só uma pequena parte das tradições populares. Na
cabeça de uns, o domínio do que é folclore é tão grande quanto o que é cultura.
Na de outros, por isso mesmo folclore não existe e é melhor chamar cultura, cultura
popular o que alguns chamam folclore. E, de fato, para algumas pessoas as duas
palavras são sinônimas e podem suceder-se sem problemas em um mesmo parágrafo
[...] (BRANDÃO, 2007, p.23, grifo nosso).

A partir da fala do autor, podemos perceber que tentar definir folclore e cultura é tão
complexo quanto tentar definir mitos e lendas, pois esses dois patrimônios imateriais se
assemelham em muitos aspectos e carregam em suas narrativas semelhanças de caráter social
e simbólico para mostrar as tradições dos povos que deram origem a eles. Já o “patrimônio
(do latim patrimôniu) significa: herança paterna, bens de família, bens necessários para
ordenar um eclesiástico, dote dos ordinandos, propriedade” (DE SÁ, 2012, p.28), porém para
esse mesmo autor, “ampliando o conceito entende-se atualmente que são patrimônios: a vida,
corpo, a linguagem, as coisas (arquitetura, artesanato, música, literatura), os sonhos, as
histórias” (DE SÁ, 2012, p.28) Dessa forma, podemos dizer que o patrimônio e folclore
possuem significados muitos parecidos, pois estão diretamente ligados com a construção de
saberes e hábitos do povo. Contudo, esses saberes e hábitos estão sendo esquecidos e
deixados de lado como sendo parte integrante de uma cultura inferior.
Muitos dos mitos e lendas amazônicos estão relacionados com a relação do homem e
meio ambiente e, portanto, da maneira como o homem se relaciona com a natureza. Estes
patrimônios imateriais trazem em suas narrativas seres que simbolizam o bem, ações corretas
e as consequências de ações que venham prejudicar o meio ambiente. Tudo isso pode e deve
ser desenvolvido em sala de aula, haja vista que quando se fala de lendas e mitos, basicamente
é a partir de uma visão fantasiosa e representada por seres visualmente interessantes, mas não
explicando o que cada um representa e sua relevância para mantermos vivas essas heranças
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culturais. “A comunidade é a verdadeira responsável e guardiã de seus valores culturais. Não


se pode pensar em proteção de bens culturais se não for do interesse da própria comunidade, a
quem compete decidir sobre sua destinação no exercício pleno de sua autonomia e cidadania”
(DE SÁ, 2012, p.32).
Sendo assim, apresentar as lendas e mitos aos alunos torna-se um ato de cidadania,
pois a comunidade tem o direito de conhecer e perceber que não se trata apenas de histórias
fantásticas e sim de ensinamentos sobre o mundo em que vivemos, pois é através dessa
linguagem e simbologia que o resgate desse patrimônio poderá ser feito, já que muito da
nossa cultura e do patrimônio imaterial estão caindo no esquecimento e, portanto há uma
necessidade de trabalhar a memória individual e coletiva da comunidade escolar para que
nossa identidade não seja esquecida. É buscar através dos jovens a transmissão dessas
narrativas, para que no futuro possamos ter esses bens vivos e valorizados. Dessa maneira,
estaremos apresentando os dois patrimônios imateriais a partir de uma visão analítica sobre
eles e buscando relacioná-los com nossa história e formação enquanto povo que sofreu
influências dos colonizadores nos séculos XIV, XV e XVI. Para isso, estaremos no primeiro
momento falando sobre as lendas, depois sobre os mitos e finalizando com uma análise acerca
da relevância desse resgate da cultura amazonense.

Lendas: outros olhares

Diferentes definições existem sobre lendas e, portanto iremos apresentar apenas


algumas para que o trabalho não se prenda a isso, haja vista que não é o nosso objetivo apenas
conceituá-las. “A palavra lenda provém do baixo latim legenda, que significa “o que deve ser
lido” (BAYARD, 1978, p.10). As lendas são na maioria das vezes confundida com os mitos e
acabam sendo compreendidas como uma espécie de extensão ou renovação do mito. Elas
existem em todas as culturas, mas não há uma certeza sobre seu país de origem. Para Bayard
(1978, p.12) “A lenda existe desde a formação do clã, da sociedade e os temas se
desenvolvem com preocupações semelhantes em todas as culturas”. Podemos verificar que
independente da cultura, as lendas retratam os mesmos assuntos ou acontecimentos que são
ou foram importantes para o lugar onde são desenvolvidas.
Normalmente as lendas não estão relacionadas com a criação do universo e não tentam
explicar a criação de elementos da natureza tais como o Sol, Lua e Estrelas, pois são estas
transmitidas como os contos, ao contrário dos mitos que buscam uma explicação para a
criação do mundo e elementos da natureza. Na sociedade hoje, as lendas são contadas como
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história para crianças e têm uma função estritamente de diversão. No entanto, “Se elas
representam um divertimento é apenas para a consciência banalizada do homem moderno
(UEA, 2003, p.79). Sendo assim, percebemos que a importância cultural e também histórica
das lendas está cada vez menor, pois são pouco trabalhadas nas escolas e quando são,
representam apenas uma data simbólica impressa no calendário, sem que haja a preocupação
em transmiti-las a partir de uma visão acerca do povo que as tiveram por muito tempo como
um exemplo de conduta. Para Souza (2011, p.18),

É necessário, entretanto, levarmos em conta o aspecto de que quando há culturas e,


diversas em um mesmo grupo social, a população desfavorecida socialmente sofrerá
a interferência da camada social superior, tentando anular, portanto, seus valores,
tradições e costumes.

Esses valores e tradições citados pela autora estão sofrendo alterações e perdendo suas
características originais, pois o homem tornou-os exóticos e sem fundamentação histórica e,
portanto sem valor educativo. A cultura indígena ainda é vista como inferior e sem
importância na formação do povo brasileiro e sendo assim, as lendas e mitos deixam de ter
importância educativa e social.
Algumas de nossas lendas como, por exemplo, Caipora, Mula sem Cabeça, Cobra
Grande e Vitória Régia além de fazerem parte do nosso patrimônio imaterial, também
representam as diferenças que existem de uma região para outra. Essas diferenças é que
tornam nossa cultura tão importante, pois representam todas as influências presentes na
formação do povo brasileiro. Nas narrativas lendárias, podemos verificar acontecimentos que
ainda hoje estão presentes na sociedade e por isso ainda alimentando o fascínio pelas lendas,
sem serem compreendidos como inferiores a outras formas de manifestações culturais. Para
Souza (2011, p.23),

De uma outra(sic) forma, poderíamos dizer que as histórias lendárias são


atemporais, o que elas contam pode acontecer em qualquer lugar com qualquer um,
aqui e agora, o que torna possível à criança se identificar e relacioná-las à realidade.
Também as personagens existentes nessas histórias, são representações efetuadas
pelo homem, por milênios, e que representam seus sentimentos mais profundos. As
personagens lendárias possuem características comuns nas crianças.

Os personagens dessa narrativa demonstram ter sentimentos que estão presentes no ser
humano e por isso há uma identificação. O medo, dor, tristeza, alegria entre outros refletem a
partir da simbologia o que as lendas representam. Elas são narrativas que mostram a
superação de dificuldades, a capacidade de perdoar, amor, lealdade e a inocência que está
presente na infância. Dessa forma, as lendas fascinam e permitem ao homem imaginar e criar
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mundos onde o fantástico e o mágico existem e são respeitados. Dessa forma, a partir das
lendas muitos valores podem ser trabalhados e desenvolvidos em sala de aula, pois a
linguagem utilizada é mais acessível às crianças e a compreensão será mais fácil.
O fascínio que esse tema ainda exerce nas pessoas é pelo fato de que nas lendas não há
apenas o herói, mas também personagens que representam nossas falhas humanas e que,
portanto, são nossos espelhos. As lendas trazem em suas narrativas a coragem, bravura e a
capacidade de realizar feitos muitas vezes vistos como impossíveis. Esses acontecimentos
estão na sua maioria relacionados com a cultura e hábitos dos povos indígenas, pois através
delas podemos verificar não apenas esses acontecimentos, como também toda uma sociedade
e época. Contudo,

Atualmente, a lenda transformada pela tradição, é o produto inconsciente da


imaginação popular. Desta forma o herói sujeito a dados históricos, reflete os
anseios de um grupo ou de um povo; sua conduta depõe a favor de uma ação ou de
uma ideia cujo objetivo é arrastar outros indivíduos para o mesmo caminho.
(BAYARD, 2007, p.10)

As lendas atualmente refletem os desejos do ser humano e tem simbolicamente em


seus personagens características que são admiradas pelas pessoas. Cada um reflete aquilo que
a sociedade busca ter como padrão de conduta, representando em suas narrativas os medos,
sonhos e ideal de comportamento dos sujeitos e não mais uma história que representa um
acontecimento que se tornou marcante para a sociedade em questão. Sendo assim, a busca em
estudar as lendas como parte do nosso patrimônio imaterial, se faz necessário, à medida que é
percebido que grande parte desse acervo cultural corre o risco de desaparecer caso não seja
realizado estudos, valorização e transmissão dessas narrativas às novas gerações. E é a escola
o lugar onde esse trabalho pode ser desenvolvido e estimulado.

Falando sobre os mitos

O mito, no entanto, difere da lenda, pois está relacionado com religião, ritos de
passagem ou história de um povo. Willis (2007, p.10), diz que “a palavra grega mythos da
qual deriva a portuguesa “mito” originalmente significa simplesmente “palavra”, “fábula” ou
“história”. Essa é apenas uma dentre tantas que há para definir mito. E como o assunto é
complexo e compreendido de muitas formas, não iremos aqui discutir qual definição é a mais
acertada e sim a importância que o assunto tem na formação cultural e para o resgate desse
assunto em sala de aula.
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Os mitos sempre estiveram relacionados com a criação do mundo, elementos da


natureza, buscando uma explicação e sentido para a vida. Desde a cultura grega, que é a mais
mitológica dentre as culturas, este sempre foi um assunto repleto de muitas indagações e
também objeto de estudos sobre sua origem e influência sobre as sociedades contemporâneas.
O homem sempre buscou entender e controlar o que foge do seu conhecimento de mundo, e o
mito é a busca ou tentativa de explicar de uma maneira mais mágica e atraente os fenômenos
e acontecimentos que não podem ser explicados de forma tradicional. Em suas narrativas
trazem uma semelhança com nossas ações e comportamentos que por mais que seja difícil
admitir, representam a realidade. A linguagem mítica é universal e repleta de simbolismos,
além de ser atual, mas com uma nova releitura, pois os mitos sempre foram narrados e a cada
narração algo se modifica. Eles fazem parte das diversas maneiras de se conhecer o mundo e
dizem muito sobre quem somos.

[...] Os mitos representam expressões típicas da linguagem religiosa mágica. Com o


mito, a realidade cósmica adquire uma dimensão humana, e todas as forças e
aspectos intuídos pelo homem assumem semelhanças de seres, animais ou pessoas,
numa vida imaginária e fantástica, modelada pela vivência humana. (UEA, 2003,
p.38)

Sendo assim, os mitos revelam muito da cultura da qual fazem parte, pois expressam
as experiências, anseios e desejos dos seres humanos através de acontecimentos marcados por
seres que carregam em suas ações, muito de nosso comportamento contemporâneo. Em cada
mito amazônico estão presentes um pouco da cultura local e da observância das várias formas
que o homem vem percebendo o mundo ao longo da história das civilizações. A religião
também é um elemento muito forte e presente nos mitos de todas as culturas e no Brasil não
poderia ser diferente. Os mitos amazônicos estão na sua maioria relacionados com a
preservação da natureza e da capacidade de uma convivência pacífica do homem com o meio
ambiente. Os mitos tratam de histórias que retratam uma determinada cultura, haja vista que
através de suas narrativas mostram costumes, regras, religião e comportamentos que eram
aceitos e respeitados por esta sociedade. Representa de maneira simples o que é considerado
certo e errado, além de um respeito pelos mais velhos e todo o conhecimento por eles
adquirido.
As sociedades contemporâneas tornaram os mitos crendices e, portanto sem uma
importância social e cultural para as novas gerações. Estão desaparecendo e deixando de
serem transmitidos nas escolas, famílias e outras comunidades, pois se tornaram apenas uma
forma simples de explicar o que o homem não consegue entender. Para Pinto (2006, p.69)
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“tratamos as crenças como pertencentes a uma esfera secundária e inferior do conhecimento”.


E essa nossa forma de compreender os mitos, nos deixa cada vez mais longe de perceber neles
elementos que estão presentes em nossa vida e que poderiam auxiliar na busca de entender
como sociedades tão diferentes possuem os mesmos padrões de comportamento representados
nos mitos e suas narrativas. Para alguns autores os mitos, mesmo distantes uns dos outros
parecem demonstrar uma continuação em suas narrativas.
Para Willis (2007, p.26) [...] “Mitos locais demonstram uma unidade e coerência
subjacente, em que os mitos pertencentes a um grupo parecem ser desenvolvidos dos de outro
grupo, assim ilustrando interesses comuns concebidos e tratados por meio de uma lógica
comum”. Essa lógica, portanto, pode dizer muito sobre esse grupo social e é uma importante
base para estudos sobre como os mitos, mesmo distantes, são tão semelhantes em suas
narrativas. Podemos perceber uma ligação de ideias sobre a vida e origem de tudo. O que nos
faz pensar que talvez através do estudo dos mitos possamos compreender a humanidade a
partir de algo que consideramos inferior a nossa concepção de inteligência e cultura, pois os
mitos retratam histórias e épocas de grandes acontecimentos em todas as sociedades. Para
Strauss (1978, p.41), [...] “O muro que em certa medida existe na nossa mente entre mitologia
e História provavelmente abre fendas pelo estudo de História concebidas não já como
separadas da mitologia, mas como uma continuação da mitologia”. A mitologia deixou de ser
uma narrativa mitológica para ser uma narrativa histórica, mas não tratando de
acontecimentos históricos, haja vista que sua função principal é buscar explicações para a
nossa existência, sendo que suas narrativas influenciam o comportamento humano.

Uma breve reflexão sobre porque preservá-los

Essas lógicas das narrativas mitológicas são, portanto os que as tornam objeto de
estudos e pesquisas para buscarmos em suas histórias a memória e através desta buscar
desenvolver a autoestima local e um saber mais abrangente acerca desses patrimônios. Sendo
assim, não devemos olhar para os mitos e lendas de maneira simplista, pois em cada narrativa
está presente o pensar e o dizer indígena sobre o mundo. E [...] “conhecer a historicidade
desse dizer, nos ajuda a compreender nossa própria identidade e nosso papel na teia social,
pois sociedade e linguagem se constituem mutuamente”. (FREIRE, 2011, p.23). Estes são
formas de linguagem e de tornar mais próximo ao senso comum o que é difícil de ser
explicado. Para trabalhar com os mitos e lendas em sala de aula o foco precisa ser a priori os
acontecimentos por trás dessas narrativas e sua representação para essas sociedades. Seus
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significados, valor cultural, linguagem e em última instância os personagens que dele fazem
parte, pois os alunos precisam compreender o significado e importância desse fenômeno para
a cultura indígena e as releituras desses nas sociedades contemporâneas, pois “contar o mito é
batalhar pela sobrevivência do próprio povo” [...] (ALMEIDA E QUEIROZ, 2004, p.251).
Apesar dos questionamentos sobre a veracidade desses mitos e lendas percebemos que
o fato mais importante não é confirmar sua autenticidade, mas sim fazer a análise de seu valor
cultural e o resgate desse patrimônio tão rico e que nos remete a um tempo onde uma história
era contada pelos mais velhos e apreciada pelos jovens, pois o índio na sua “simples”
compreensão sobre a vida percebe coisas que nossa cultura letrada muitas vezes não
compreende. “Hoje em dia estamos ameaçados pela perspectiva de sermos apenas
consumidores, indivíduos capazes de consumir seja o que for que venha de qualquer parte do
mundo e de qualquer cultura, mas desprovidos de qualquer grau de originalidade”
(STRAUSS, 1978, p.22). Precisamos resgatar e valorizar esses bens e isso só será possível
através dos jovens e da compreensão da importância que estes patrimônios têm para a
perpetuação desses textos para as futuras gerações. Quando não conhecemos nossa cultura
não temos como preservá-la e tão pouco como nos conhecermos enquanto participantes de um
grupo social. É respeitar a alteridade e buscar entender os costumes do outro como parte da
nossa própria cultura.
Não obstante, é importante conhecermos sobre sua origem, fundamentos e relação
com a cultura indígena antes de apresenta-los aos alunos, pois mesmo sendo essa cultura a
nossa, ainda há muito que ser estudado e pesquisado. Estamos perdendo a capacidade de fato
de apreciar e valorizar nossas heranças culturais e regionais pelo simples motivo de não
sermos instigados a conhecer as histórias por traz dessas narrativas. Entendemos e passamos a
ideia nas escolas de que os mitos e as lendas são narrativas fantásticas e repletas de
acontecimentos e seres que fazem parte de outro mundo, assim como os cronistas dos séculos
XV e XVI, que criaram uma imagem que desqualificava a cultura recém-descoberta. O
imaginário acerca dos mitos e lendas acaba criando uma imagem distorcida e que não deixa
espaço para o estudo de sua importância para o exercício da cidadania.
Longe de uma conclusão, estamos apenas iniciando o estudo sobre um assunto muito
complexo e que trás concepções diversas, mas que podem nos auxiliar a chegar a uma
resposta sobre a importância de ser trabalhado o patrimônio imaterial em sala de aula. À vista
disso, entendemos que estes estão presentes na sociedade contemporânea, pois
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Aquilo que se reproduz entre pescadores, índios e camponeses como saber, crença
ou arte reproduz-se enquanto é vivo, dinâmico e significativo para a vida e
circulação de trocas de bens, de serviços, de ritos e símbolos entre pessoas e grupos
sociais. Enquanto resiste a desaparecer e, preservando uma mesma estrutura básica,
a todo momento se modifica. O que significa que a todo momento se
recria.(BRANDÃO, 2007, p.38)

Sendo assim, buscar compreender como os mitos e lendas ainda hoje são objeto de
estudos e pesquisas, nos mostra que este ainda é um assunto importante e que muito ainda
podemos descobrir sobre eles. Sua linguagem, simbologia, função social, estrutura social,
padrões de comportamento e representação do homem e da mulher na cultura indígena é o que
cada um nos mostra. Não são apenas narrativas, mas sim ensinamentos de conduta, respeito e
convívio com o ambiente ao seu redor. Neles são revelados hábitos da cultura indígena
desconhecidos, mas que fazem parte das nossas ações diárias.
É importante, portanto que olhemos de outra maneira para esse patrimônio imaterial e
que possamos salvaguardar essas narrativas de forma a não deixar que se percam e que sejam
esquecidos. Todavia, para que isso ocorra há que ser realizado um trabalho mais elaborado e
que antes de qualquer coisa, mostre que os mitos e as lendas representam uma linguagem
possuidora de muitos elementos para estudos e que através dela possamos conhecer cada vez
mais como está estruturada a sociedade indígena, além de nos conhecermos mais enquanto
cidadão brasileiro.

Considerações Finais

Nesse breve trabalho realizado, ficou evidente a relevância de valorizarmos nossos


patrimônios imateriais, pois é através deles que podemos transmitir aos jovens um pouco da
nossa cultura, bem como fazê-los compreender as singularidades e belezas nas nossas
narrativas regionais. Contudo, para que isso seja desenvolvido se faz necessário um trabalho
nas escolas que tenha como objetivo apresentar e valorizar esses bens. Um trabalho voltado
para o acervo patrimonial do município, onde possa ser compreendido o sentido de
patrimônio e a importância desses para a educação dos alunos e para a valorização da cultura
regional e suas representações imateriais.
O trabalho nos mostra a urgência desse resgate como uma ação de cidadania, onde
será dado ao aluno o direito de conhecer sua cultura e a partir disso, reconhecer nesses bens
imateriais nossas ações e hábitos diários, além de um estudo dessas narrativas de um ponto de
vista social, pois sabemos que esse também é o papel da educação. Sendo assim, cabe à escola
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desenvolver um trabalho que priorize o resgate da nossa cultura local como uma maneira de
valorização da autoestima de sua população, onde cada um possa perceber-se como cidadão e
parte importante da sociedade.
Entendemos que estamos longe de uma conclusão, mas é através desses estudos que
poderemos mudar o cenário já quase inexistente nas escolas sobre a importância de
conhecermos nossos patrimônios não só materiais, haja vista que salvaguardar esses bens é
um papel de cada um de nós enquanto cidadão brasileiro e amazonense. Desenvolver o hábito
da leitura e transmissão oral dessas narrativas é também uma forma de valorizar costumes já
esquecidos. Esse resgate será uma maneira de trabalhar a leitura, cultura local e preservação
desses bens, pois a preservação dos mesmos ainda torna-se difícil, por se tratar de bens
intangíveis. E isso nos leva a outra relevância, que é a de buscar meios de salvaguardar esses
bens, evitando que se percam ou caiam no esquecimento, pois quando o povo não possui uma
memória cultural fica bem evidente a falta da identificação com sua própria história e cultura.
Sendo assim, é desenvolvendo ações de estudo e pesquisa sobre nossos bens
patrimoniais que poderemos estimular a curiosidade e a partir disso a valorização e
preservação dos mesmos. No entanto, sabemos como é difícil a catalogação e preservação
desses bens, o que os torna ainda mais importante e necessário sua preservação. O
desenvolvimento do estudo dos bens intangíveis da região será um primeiro passo para
apresentar aos alunos um pouco da cultura local, patrimonial e ao mesmo tempo conhecer
como os mitos e lendas representam e compreendem o mundo através de seus ensinamentos.
É a realização de um estudo sobre nossas próprias ações e visões de mundo, pois
mesmo sem ter essa compreensão, muito do nosso comportamento e saber vem dessa cultura
tão antiga e que ainda hoje ainda sofre um preconceito que teve início com os antigos
cronistas e viajantes, mas que ainda insiste em perdurar e mostrar a cultura indígena como
marginalizada geograficamente e culturalmente. No entanto, sabemos que essa visão só existe
por uma falta de conhecimento e da dificuldade que nós seres humanos temos de respeitar
aquilo que é diferente do que costumamos ter como padrão.

REFERÊNCIAS

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oral no Brasil. Belo Horizonte: A Autêntica; FALE/UFMG, 2004.

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<http://www.ebooksBrasil.com>. Acesso em: 14 de maio. 2012.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é folclore. São Paulo: Brasiliense, 2007. 27 março.
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FREIRE, Sérgio. Amazonês: Expressões e termos usados no amazonas. Manaus: Editora


Valer, 2011.

PINTO, Renan Freitas. Viagem das ideias. Manaus: Editora Valer, 2006.

SOUZA, Anervina. As Lendas Amazônicas em Sala de Aula: Apropriação da cultura e


formação sociocultural das crianças na interpretação do ser sobrenatural. Manaus: Editora
Valer, 2011.

DE SÁ, Alessandro. Aprendendo a conhecer: Patrimônio Cultural do Município de Manaus.


Manaus: Editora Ltda ME, 2012.

STRAUSS, Claude Levi. Mito e significado. Tradução de Antônio Marques Bessa. [S. l.]:
Virtual Books. 1978. Disponível em: <http://www.sabotagem.revolt.org>. Acesso em: 01 de
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WILLIS, Roy. Mitologias: Deuses, heróis e xamãs nas tradições e lendas de todo o
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2007. Disponível em <http://www. Portaldetonando.com. br>. Acesso em: 03 de maio. 2012.

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS (UEA). Governo do Amazonas.


Antropologia e Educação. Manaus: BK Editora, 2003.

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