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Para Ramos, o “herói” modernismo não travou suas primeiras batalhas na Semana de
22, mas a partir da exposição de Malfatti, isto é, na exigência de estabelecer um início para o
período que pretende analisar, Ramos atenta para o fato de que o movimento que eclodiu na
Semana vinha gestando-se nos anos anteriores, fato que considera de unânime
reconhecimento. Na esteira do argumento de Ramos, é possível afirmar que tampouco a
exposição de 1917 veio para mudar tudo, como a eclosão de um evento que não tivesse sua
causalidade entrelaçada com o tempo que o antecede.
Outro autor em outra história da literatura poderia remontar então aos estudos de Anita
Malfatti em Berlim, onde entrou em contato com o expressionismo, de 1910 a 1914, ou ainda
ao próprio surgimento do expressionismo, bem como à exposição de Lasar Segall, pintor
lituano, em São Paulo, no ano de 1913. Dessa forma, dezembro de 1917 é uma data arbitrária,
uma escolha de Péricles, sem que isso signifique a perda de referencialidade do real e a
primazia da imaginação que levaria a história da literatura a confundir-se com mero enredo
ficcional: a exposição realmente ocorreu e provocou considerável impacto na época, mas ela
mesma é resultado de outros fenômenos aos quais outra montagem explicativa poderia
conferir maior preponderância. Assim, como aponta David Perkins: “Ninguém pensa que o
Romantismo inglês realmente começou com a publicação das Baladas Líricas em 1798, ou a
literatura alemã com a Hildebrandslied: esses momentos inaugurais são convencionais, e
histórias da mesma literatura podem escolher diferentes pontos de partida.” (PERKINS, 1999,
p. 10).
Igualmente importante para entender o esquema de Péricles é destacar que, em
qualquer elaboração histórica, o estudioso parte de fontes anteriores. A escolha dessas fontes
revela a cosmovisão do autor ao mesmo tempo que o insere em uma tradição histórica, visto o
que destaca Perkins:
Daí impõe-se a pergunta: em quais autores Péricles baseia sua história? No trecho
apresentado, percebe-se que o autor endossa a visão de Mário de Andrade e reproduz sua ideia
de “período heroico”. Também pode-se apontar que a noção de que 1917 teria aberto o
período modernista no Brasil vai ao encontro do proposto por Mário da Silva Brito no seu
livro História do modernismo brasileiro, publicado em 1958. Brito conferiu à exposição de
Anita destaque, colocando-a como o “estopim” do movimento. Além disso, Péricles Ramos,
ao basear-se em Mário de Andrade, explica o Modernismo desde o próprio Modernismo,
pelos próprios artistas que o integraram, incorporando certamente avaliações que pretendem
legitimar o movimento dentro da tradição literária, o que desvela, nesse sentido, a filiação do
próprio Péricles Ramos ao projeto modernista.
Faz-se necessário seguir na análise dos fatores que, segundo Péricles Ramos,
possibilitaram a aparição da poesia moderna:
Mesmo sozinho em sua biblioteca, o leitor real não poderia desligar-se da tradição
cultural em que se situa sua visão de mundo, a partir da qual a leitura se efetuaria.
Ele não poderia renunciar a um repertório de normas e valores históricos
determinados, porque este repertório é parte integrante de seu mundo: constitui o
próprio horizonte no qual se forma sua consciência. (JOBIM, 2011, p. 139)
Outro motivo arrolado por Péricles Ramos seria o contato com as vanguardas
europeias. Nesse sentido, aponta uma dupla corrente de influências: por um lado, o futurismo
de Marinetti e por outro, o cubismo e o dadaísmo. Destaca a discussão em torno do juízo se os
modernistas eram futuristas ou não, celeuma superada pela incorporação do termo pelos
renovadores, mais no sentido de sentir-se enquanto vanguarda, grupo que representava o
futuro e que abria passo junto ao academicismo reinante. Para Ramos, Marinetti influenciou
os modernistas através da “profusão de imagens de concreto a concreto, observável em
Menotti del Picchia e outros poetas. Não se trata, nesses casos, de influência ou adoção
teórica do futurismo, mas do simples proselitismo estilístico desencadeado pelo Mafarka il
Futurista” (RAMOS, 1979, p. 256). Apesar das divergências que os modernistas
manifestaram com o futurismo, Ramos acredita que, na poesia moderna principalmente, essa
profusão de imagens marinettiana foi realmente intensa. A fim de comprová-lo, o autor expõe
algumas das passagens de Marinetti traduzidas por Menotti del Picchia no Correio Paulistano
e as compara com escritos do próprio del Picchia e de Guilherme de Almeida.
Faz-se necessário aqui trazer brevemente a reflexão de Iuri Tynianov sobre o tema da
influência. Tynianov defende que muitas vezes não se leva em conta a complexidade dessa
categoria, principalmente quando o crítico apresenta uma influência que não condiz com a
realidade, sendo que a criação frequentemente ocorre pela “convergência”. Para ele,
JAUSS, Hans Robert. A história da literatura como provocação à teoria literária. São Paulo:
Ática, 1994.
JOBIM, José Luís. O lugar da História da Literatura. In: BAUMGARTEN, Carlos Alexandre
(Org.) História da Literatura: itinerários e perspectivas.
SOUZA, Roberto Acízelo de. A ideia da história da literatura: constituição e crises. In:
MOREIRA, Maria Eunice (Org.) Histórias da literatura: teorias, temas e autores. Porto
Alegre: Mercado Aberto, 2003.
TYNIANOV, Iuri. Da evolução literária. In: TODOROV, Tzvetan. Teoria da literatura: textos
dos formalistas russos. São Paulo: Ed. UNESP, 2013.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE
INSTITUTO DE LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
MESTRADO EM HISTÓRIA DA LITERATURA
TEORIA DA HISTÓRIA DA LITERATURA
LITERATURA E HISTÓRIA:
A IRRUPÇÃO DA POESIA MODERNA
SEGUNDO PÉRICLES RAMOS
Rio Grande,
novembro de 2016.