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ses No curso da presente aula pretendo atucar o problema, diante do qu: : , al an heranga Judia nos coloca, de um Sngulo um pouco diferente, A Gltima aula repre sentava e tentativa de definir essa heranga importantes do nosso ponto de vista de ocide e de descobrir-lhe os tragos mais ~) ntais tardios. A presente aule se tos e valores que perfazem a situagao intelectual e espiritual ds atualidede. Fare tanto permitam que resuma o resultado da Gltima aula: 0 judaismo como he- renga do Ocidente foi definido como aquele projeto existencial que brotou de certos mitoa, e mais especialmente do mito do monte Sinai, um projeto que se vealisou nos ritos fixados no Velho Testamento e se tornou auto-consciente na | | r& dedicada ao esforgo de localizar essa heranga dentro do conjunto de concei= | | i profecia, e deve ser considerado como completado aproximadamente no século dois: antes de Cristo. 0s dois tragos fundamentais desse projeto foram ceracteriza- . dos pelos termos “mitsv&" e "emn&", ou seja, ‘mito aproximadamente, "obra" e "fe", ou ainda "dignidade" e “fidelidade: surgirem estes dois tragos da ontologia judi oscilu-entre os polos da justiga e do pecado os polos da pureza e da vergonha. A present ses dois tragos na cena da atualidede. Todo devs me parecem subordinados a esses dois, e do para aulas futuras, quando sereo discutid fazem 0 pensamento do’ Ocidente. Felei, logo de inicio deste curso, na crise pectos dessa crise 6 0 esvaziamento dos seus dois conceitos em estudo, a saber “obra” e * amento ao qual, me referi'no inicio. deste cur sidera-los primeiro em sua plenitude, pare di zieda na qual se apresentan atualmente. A presente aule'seré portanto, de cer ta maneira, uma historia’ do Ocidente: como hi conceitos. Ou reformulando, serfé a historia delidade. Se esta aula tiver éxito, @jnosée tuagao da dighidade alcangada e da fidelidad nuncio esta afirmativa, e com a qual o& senh te como somos indignos da nossa heranga judi ela. Bm outras pelevra que jf quase Embora os dois conceitos na "fides" traduz de, maneira feliz e fiel; ( um pouco melicioso).’ Kant diz na Critica da. supere (aufheben) o saber, pare conceder lugar @ f6" e Nicolai Hartmann diz na Btica: "A £6 cega 6 a,maior prova de forga moral. Muitos se crém capazes da anizade, mas perdem a‘f6 no amigo na primeir: dentes depoes contra o amigo, BXRRXAREXRXRURX: racterizam maravilhosamente bem o conceito res. Bem entendido, o conceito em sua lend. quai se apresenta atualmente.. Kant mostra que a f€ surge quando o seber & su- perado, que a f¢ 6 portanto posterior ao-saber,..e nao anterior aele. Hertmann| nostra que a f€ & cega, “nao no sentido de nao ver, mas no sentido de nao querer) ver 0 evidente, .A minha fidelidade a0 amigo’€.fidelidade justamente porque suX| pera a evidencia em contrério, € 0 “credo quia absurdum",’o “tenho f6 justanen: te porque-6 absurda".. A f¢.definida assim,. e como atitude abeurd «nao existé £6 neste nosso seritido, -e ardor tert, ;dignidade" e "fidelidade" estejom int) mamente ligados entre si, de'modo que Ui seja inconcebivel sem o outro, pretens| do considera-los separadamente, pare sintetisa-los ‘sémente no fim da aula. Co-| megarei pela consideragao do conceito "emun&", um conceito qve a polavra lati- | 6. vin conceite tipicamente. judeu. Ra Tndia e na China 7 yeligices orientais nao sao portanto Teligices em nosso sentido. .B os grégos tem o conceito “ereté"(virtude), um conceito que invadiu, nocurdo da histéria do Ocidente, o territério da £é. ju- ia. Mas “arete ésuh conceito razofvel e pélido, nada tem do fogo flemejante e ardente que inepira a f¢ judie. Desse ardor que fez com que'o héreges ténhart subido as foguciras cantando, mas que fez também com, que os ortoaéxos tenhan Beano. 96 FORuSSTARSPEMEATER Sgee, Brier. que Teaultoy neoses autos Ga 76, devee Foi tentada a demonstrags0 de como’, a, e como resviteran numo 6tica que, » @ numa estétice que oscila entre e aula serG dedicada ao estudo des 3 os demais -conceitos e valores jus! © seu estudo fica portanto relege | 08 os elementos que ao meu ver per-| do Ocidente. Disse que um dos as— coneeitos e dos seus valores. 0s,| £6", sofreram 0 processo de esvazi. | so.’ Ser& portento necess&rio con~ epois compara-1os com a forma esva | stéria do esvaziemento desses dois da realizagao da dignidade e da fii sittagao nos aperecer& como e si- e mantida. A ironia com a qual pr. ores a recebem, prove vivencialmen ‘ae como deixamos de ser fieis a abendonamos o Ocidente. ‘8@ me perinitem um jogo de palavras: rezeo pura: “Era preciso que eu, a oportunidede, na qual fatos evi- Laxnaie".: Estas duas citagoes ce- ue pretendo discutir com os senho- tude, *neo.na sua forma esvaziada ni como superagao antitética do. saber socie¥lhEMaEhWSSER os conadus inconcientes da poique s90 concedides como sendo 0 niiclvo de realidede, mas nao ouso mais dizer que a f6 se tranafare pero estes dois mficleos, j& que eles nao conservan quase n nhuma dimensao do trans- eendente. que né aociedade e no subconsciente e f€ est& totalmente realisa- da, sem deixer nenhum residuo do abaurdo, A sociedade eo cubconsciente aao en'tese totalmente isentos daquele ardor que caracteriza a £6, sao totalmente auto-suficientes. Se ainda temos mértires da sociedade e do subconsei=nte, e se, com efeito, seo estes mirtires os que caracterizam 0 nosso tempo, como’ por exemplo Trotsky e Kofke, isto se deve aos Gltimos restos de f6 que ainda inspi— rom eseas realizagoes completes. Porque J& podemos vislumbrer a sociedede com plete e 0 subconsciente completimente consciencialisado, portanto » Gltima re alizagao do cristianismo. 4 segunda vinda do Mesaiss s¢ tornou superflua, eats realizeda na felicidade integral da sociedade e na psique totalmente reelizedas. 0 projeto do Ocidente esté, do ponto de vista da f%, inteiromente alcangado, Nes Heste instante acontece uma revirevolta curiosa, A realidede cheia © inte- gral alcangada por este projeto causu-nos, 20 envez de felicidade, nojo. A sb- Giedede nerfeite, @ tecnologia penfeita, a felicidade aleangada por mbtodos ans- Jitieos, causam-nos tédio e nojo. E isto 6 uma outre maneira de dizer que estas realidcies perf itae deixerum de ser reslidedes. A £6 6 a nosse canaeidede de ceptor 2 realidade. Quando ¢ f€ se realize, yuondo se esvezia, 0 realidade des- eparece. E surge um novo absurdo. so o absurdo da fé, mas o absurdo da nao- {8. EB com este observagao abandono este ergumento. | ; Considerenos agoka 8 histérie do Ocidente como » hint6rie des obres. #0 eonces, to "mitsvi" que agora quero apresenter-lhes. 8 um conceito intimemente ligndo #6 aa transfornagso, originalmente no sentido do Bvengelho: "Sereis transformoios", © esbogo de carreira de £6 no Ocidente que acabo de Ihes provor fecilita a minha ter fano cu-po da obra, j& yue ve trate de duos cerreires paraleles e entreli- gedos, No inicio de sva carreira 2 obra identica a0 sacrificio, tal como se conserva rituelnente no missa. 0 s0crificio, isto 6 o trabalho sagrado, 6 a frensformegao do vinho em sangue, © 08 cristaos grimitivos, #0 se sacrificarem, se transformeram em "novos homens", e nisso residia a sue obre. Infelizmente nao disponho de tempo pera ilustrer essa obra, ¢ a importancis gue gara nla ti hha 0 "agape", epse anor isboriose. S quero’dizer que “omnis vineit enor" e “omni vaneit labor" s10 sinbnimos nesse estégio pleno de vbra. A obra, isto 60 sacriffcio pelo enor, trensformava 9 existencialnente desinteressente em re Siidede. eo havia portento, nesse estégio, difercngo entre £6 © obre, ¢ a a> Gotomia obra: fb ainda nao existia. Pelo contrério, = obra era o ssxncto existe eneial de fe, @ a 16 era a forga mobbiz de obra, Be obre era absurda tonto quanto a £6,'porque 0 socriffcio & easencislnente nbsurdo. Ae contrfrio do ot Qignde razoavel, era a obra ums atividade wbsurde, e a atividade razoavel era, y mo, pecaminosa. AO"rdede mecie’s obre mou de caréter, enbora tonha gonservado alge do seu aro ne de seorificio primitiyo, 0s dois obreiros ou operérios tipicos da Tdade mé= ja eno 0 monge co cavaleiro. Obediencie, pobreza ° cactidede sao ce tres con Gigoes do obre. Blao iluminam a tendencia'da obra. En uma polevra: a tendencie @ Scoridede. As obras de ceridade atusis sao os Fesidues da Idade media en née So meio, evidentomento inautenticos na meioriz dos casos. A obra tende, nesse Gstagio, para a transfornagso do xundo ovidente en nonto de partida rach o mn- $o'ae eealidade. B uma obra pedagbgica no mais amplo sentido desea palavra. Peles obras que’o honen prevara o seu Iuger no céu, e sao es obras que o scone banham, como Gnicas testemunhas de sua vida terrestre, quondo se apresenta ante ponuiz® Givino. Com efeito, as obres sao a razao da vida terrestre, porque com figs o vida terrestre acquire un significado extre-terrestre. 0 fato ae que 1 Gssae obres trensformen tenbée 0 mundo secvler & puranente actdentel e isento ras sao as marcas 2 me o8 er eiote un Ceres etinhon 0 ceminho direto ¢ alorioso da £6, que 6 SCudcaido pela graga divina, Reparem que @ dicotomia obra:fé surgiu para jamais Fee oer eens a obra viry transformagao do mundo evidente, primeiro transfor i je tes yrmageo, do homem na sociedade e transforma-, ROG9G ARGUE Hem AMES® HERG. LALALT I Goi PPeado de wtrabelho realizado ~e Eco recoae are era 0 moderno, Neste sentido € uma ponte, ov um» Companhia a ou um livzo sobre és\ pepsines uma "obra", “Guy 'se qi izerem cote epee gr ja € une obra. Neds mais conserva do sei ospecto de sacrificio, @ totaima te profana. verdude que o trubaiho produtor fas obres 6 enaltecide sock tificado tanto pelo capitalismo como pelo socialismo, como testeminho dos tl. Hinos vestigios sacrificsis que a ele sderem, irs nao 6 menos veraade que "| a tendencia € de desprezar o trabalho, j& que 2 civilizagao teonologica con~ siste de "labor saving devises" (truqies vara poupar trabelho) e que Waix chal mou o trabelho de "vergonha da cultura". Bum fato que o trabalho como, tena dencia para sabisfazer desejos, ou ainda para criar desejos a serem satisfei~ tos, results na total profanagao da obra. Ea obra profana 6, por isso mes mo, degredante e diminui 2 dignidade humana, ‘Trebalher 6 ums’otividede ine Gigna, e € por isso que a releganos primeiro o0s animais, mais tarde As m&- quinas e aparelhos. 0 enaltecimento do trebalho hunano é, atuslmente, uma etitude profundemente inoutentica e mentiroea, De qualquer forma 6 meis possivel dizer gue o trebalho ¢ a obra do significado & vida humena. Tendo sido despojada do seu aspecto sacral ¢ scorifical, 6 a obra etualmente um con ceito existencialmente co. oe A indGstria avanga répidemente em diregso da total treneformageo da natureza, a gociedade avanga em diregao da totel trensformagao do homem, ¢ as pesquizes psicol6gicas comegam a movimentar-se em diregao da totel trensformagao da pei que humana, Dentro em breve elcangaremos um esthgio no qual essa transforma” ga0 se cutomatisara e continuarS e funcionar vor impeto proprio cem intertt réncia humena. 0 trebalho humano e a obra humona terao sido superados. 0 cor ceito da obra, por ter sido totalmente realizado, teri sido totolmente esvasi® ado. Nao serh mais reglizade obra nenbuma, neo somente porque neo hever& mo= tivo pare realiza-la, mss ainda porque nao'haver& o que transformer em @bre. © motivo para realizar obres $, como disse, a £6, e Nao hover& fé pera mobic ver obras. Ea transformagao qte 6 a obra “ressupoe uma realidade dentro da quale obra tende, e esse realidade nao haver&, j4 que neo havers f6 para es- tebelece-la. A civilizagao tecnol6gica, a sociedade plenejada e a vsicologia conpreensiva ("verstehende Ysychologie"} representan o esvaziemento, por re- alizagao total, do projeto do Ocidente, do ponto de vista da obra. ' Como vam os sethores, £6 e obra sao conceitos interligados. Nao mo aprofun- darei na discussao dessa relaguo entre os dois conceitos, embora esa discus-+ sao seja mito interessante, Nao @ ferei, porque creio ser suverada essa dig eussa0 nelo desenvolvimento do Ocidente. ‘De certa forma 6 0 histéria do Oci= dente um péndulo entre obra e £6, entre Agostinko (f€) e Tomas (obra), entre Calvino (f6) 2 Marx (obra), mas j& que ambos os extremog do pndulo se torna~ rem tcos, reuniram-se 08 dois conceitos numa uniao que 6 0 avesso da uniao plena no'cristianismo primitivo. 0 circulo ritual que ¢ a civilizagso ocidens tal parece querer- fechar-se na sua origem, embora do lado avesso, e a gren- | de festa do Ocidente volta, no seu epilogo, 20 prblogo pera completar-se. Nis+ to talvez reside < sua "eminé" (fidelidade) © a cua "mitev&" (dignidede), | Apresso-me, expostas as premissas, para tentar quebrar o circulo angustidso | que esta aula desenhou, qual cirowlo de giz caucasiano, em redor desta sala, | 4 num esforgo violento de exorcismo, Rebelo-me contra o’esvaziamento da f6 da obra, e quero arrastar os senhores nessa rebelico @# qual estou dedicado. Nao admito a minha infidelidede e luto por minha dignidade, embore talvez es- sa minha revolts seja, ela propria, treigoeira e indigna. 'S com efeito contra Camis e contra Ferreira da Silva que me revolto. Nao creio que a f6, tal co~ no foi projetada pele nosea civilizagao, tenha sido esgotada. E t2o’stmente , um @inico aspecto da f& que tem sido esvaziado. 4A propria absurdidade dequilo que chamam "realidade" por aqui, € capaz, ao meu ver, Provocer uma £6 nove e estabelecer una realidade nova.’ Uma £6 nova nzo no sentido de £6 alheia ao Ocidente. Nao creio que fugas pura o Oriente resultareo em autenticas daidas noves. lias uma £6 nova no sentido de retomada de contacto com a £6 primitive. 0 absurdo daquilo que nos cerca obre de novo uma abertura pera aguilo que nos ~ estabeleceu, cria em n6s um novo eapanto. & desse espento que surgick a nova £6 que tenho em mente, E esse nova £6 trar& consigo um novo ardor, capaz de 1 { motive GSM FLUSSER, Rovus realizeoes, noves obres, Neo digem os senho- Fes que estou me tornando mistico, ov que estou aelirando., Veje os nrimeiros Ciel. a amet eee por mim intuide na cena da stualidade. 0 persamente existen- So men ete? Fobnal © sostics da Lingua, a arte nove, eufian® nove atitude qe Bomem ante o indizivel que 0 cerca, seo’pere mim sintoes de une renovagao do Ocidente em novo plano ontolégico, em nove cemads ac significado. Na gran- Ge Conversagao que 6 0 Ocidente os conceitos "£6" 9 "oprat cs esvasieram e de- corvem gm conversa fiada, porque poz essa conversageo foram reciicien Nas fo Tem Eeatisedos tao somente em algunas Douces ocnades de significnan preciso gbrir moves camades, para que s conversegeo neo estagne. € prices retomer con teeto com as nosses origens, pera que ume nove insbiregeo pootion revivifique o Prgdete gee, Somos: SB Bstou vendo om meu redor es orimeires tentetives neree se sree nan eone Braeils no extremo Ocidonte, tenos um papel tolvez tensive n aoe enpenhar nessas tentativas. A Bienal, Guimeraes Rosa, Vilelobos, o Drowda Vie gyate Ferreira de Silva sao os pontos’de sartida pera’uma nove f% © Dern es meee Hzageo de novas obras, pare 26 mencioner ums poucos fendmenos, enbore encoraje. lores. Este curso de eulas & ume tentativa, embora modesta e limiteda, na mesm liregso indicade pelos grendes e insrireda pele revolte eo cbsurdo gue non enn am peeve: & um novo empenho, um novo engagement, vera o quel Ines convido, om penho em pr6l da fidelidede e dignidade dus queis treton esta aule.

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