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Não há quem tenha ouvido Debussy e não tenha se encantado.

É só experimentar algumas de
suas peças mais conhecidas como “Claire la lune”, “L’après midi d’un faune” ou “Arabesque”. A
melodia de Debussy é tão doce e delicada que agrada aos ouvidos que qualquer ouvinte
médio. Mas isso não nega um tipo de violência estrutural que perpassa suas composições. Haja
vista a forma como a crítica da época recepcionou seu trabalho. Para eles, não havia qualquer
sentido na base composicional das peças de Debussy. Não havia como compreendê-la. A
música de Debussy não respondia à gramática musical da época, isto é, não se enquadrava no
modelo de sistema tonal da musica erudita, vigente na era do classicismo moderno. Grosso
modo, o sistema tonal consiste na forma padronizada de organização do tempo. Tal sistema
exige basicamente dois princípios: a rememoração (Erinnerung) de um passado, e a
expectativa (Erwartung) de um futuro. A partir desses dois elementos é possível projetar uma
série virtual no tempo articulando memória e imaginação. Debussy não se propõe a romper
com o sistema tonal, tal com Schubert com seu sistema atonal, mas torcê-lo em seu próprio
eixo. Debussy libera o tempo de sua narrativa tonal desarticulando-a deliberadamente. Quer
dizer, sua música não abandona os princípios do padrão tonal, mas já não segue mais seu
esquema pré-estabelecido. É como se sua melodia não possuísse resolução. Melhor dizendo,
Debussy não atendia às exigências de tensão-distensão, antecedente-consequente que
organizavam o movimento sonoro no interior do tempo. Sua melodia é estática, e isso
confundia enormemente os críticos. Mas é exatamente aí que reside a beleza da obra de
Debussy. Trata-se de uma imobilidade musical capaz de combinar sincronicamente elementos
visuais e sonoros, estabelecendo uma organização visual através do tempo. A obra de Debussy
é uma obra revolucionária não porque rompe com a ordem vigente, mas porque nos ensina a
reutilizar essa mesma ordem para além de sua gramática usual.

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