Você está na página 1de 12
HE es1.0 00 conttcwrento GESTAO DO CONHECIMENTO NAS ORGANIZACOES OU DO DESCONHECIMENTO DA REALIDADE ORGANIZACIONAL? KNOWLEDGE MANAGEMENT IN ORGANIZATIONS OR LACK OF KNOWLEDGE ABOUT THE ORGANIZATIONAL REALITY? Fladimir F. dos Santos ese o Marcelo Macedo urse | Marco Aurélio Batista de Souza se Tibério Mitidieri urse RESUMO. Este artigo discute a validade dos propésitos da gestdo do conhecimento como ferra enta de intervencao organizacional, descrevendo alguns paradoxos existentes entre a sua teoria e pratica nas organizacOes, Argumenta-se que seus propésitos originais de criagao, difusao € incorporacao de um novo conhecimento na organizacao estao dando lugar @ uma abor dagem que nao condiz com a realidade das organizacdes. Faz-se também uma leitura da evolucio das teorias administrativas para elucidar como esse novo paradigma da adminis tracdo est sendo abordado nas empresas. Propde-se que se trata de uma reificacao da maxima taylorista, cujos propésitos originals estao se convertendo em mais um instrumen- to de manipulacdo humana nas empresas, Ao final, em substituicao 20 modelo gerencial vigente, 6 proposto um proceso de gestéo baseado em valores. ABSTRACT This article discusses the validity of knowledge management intentions as a tool for organi zational intervention, describing existing paradoxes in its theory and practice in organizati ons. The author's proposition is that the original aims of creation, diffusion and incorporation of new knowledge in organizations are giving way to an approach unrelated to reality within those same organizations. A correlation 1s also made with the evolution of management theories to explain how this new management paradigm is being approached in corporati- ons. The article suggests that this situation is @ reification of the Taylor maxim in which its original proposals are becoming a further tool for human manipulation in organizations. In FACES Adm Belo Haron 2p 36-7 jo er, 2008 FLADBIRF OOS SANTOS: MARCELO MACEDO. MARCO AURELIOBATISTADESOUZA. TKERIORNTIDIS? conclusion, the authors defend a value-based management process as an alternative to the present managerial model. PALAVRAS-CHAVE Gesto do conhecimento; Taylorismo; Paradoxos. KEYWORDS Knowledge management, Taylorism, Paradoxes. INTRODUCAO E cada vez mais frequente 0 sutgimento de novos modelos organizacionais, que recebem as mais variadas denominacdes: “organizacaes do conhecimento”, “organizacbes de aprendizagem’, “organizagdes disso” ou “organizacoes daquilo”. Por isso, a transicao da "era industial” para a “era da informacao" e, mais recentemente, para a “era do conhecimento” tem sido amplamente discutida, tanto nos trabalhos académicos, quanto na charnada “Titeratura de aeroporto”. Mesmo com algumas diferencas, esses tipos de organizacdo apresentam um ponto em comum: a valorizacao crescente do ser humano e da gestéo do conhecimento nas organizacoes. Entretanto, 0 discurso da mudanca nem sempre esté ancorado em praticas substantivas. Ou seja, as chamadas “organizacbes do conhecimento" parecem ser caracterizadas por uma distancia muito grande entre o discurso e a pratica gerencial. O discurso tra- ta de conceitos avancados de gestio do conhec- mento, considerando as organizacdes como quase “ambientes ideais" de trabalho. A prética, por outro lado, é hibrida, misturando quadros sofisticados com condigdes taylorstas de gerendamento, Os atuais “gurus” da administracdo vem pre- gando que as mudancas estruturais trazidas pela “era do conhecimento” estdo obrigando as orge- nizacdes a uma adequacdo aos novos tempos, 0 que inclui considerar @ maneira de faciitar e esti- mular a participacao de seus colaboradores. Peter Drucker, 0 primeiro "guru" da adminis- tracdo a usar em suas aulas 0 termo “trabalhador do conhecimento’, foi também um dos primeiros consultores organizacionais a chamar a atencao para 0 fato de que todos os tipos de trabalho, técnicos ou nao, estéo cada vez mais baseados no conhecimento. Segundo Drucker (2002), a origem do capi- tal intelectual esta relacionada com o surgimen- to da “saciedade do conhecimento” ou socieda- de pés-capitalista, logo apés a Segunda Guerra Mundial. Essa época foi marcada por inovacées, mudancas e transformacdes, quando a informa- 80 @ 0 conhecimento, teoricamente, passaram a ter um papel fundamental As empresas que sabem adquiri-los, manté-los e utilizd-los de forma eficiente e eficaz terao certamente um importante diferencial competitivo. Esse diferencial representa o capital intelectual, que, juntamente com os recursos naturals, m30- de-obra e capital, formam os fatores de producdo presentes no pracesso produtivo. Muitos autores, no entanto, s80 imprudentes a0 afirmar que 08 trés Ultimos fatores tornaram-se secundarios, porque podem ser obtidos mais facilmente quando existirern o conhecimento e a inteligéncia das pessoas. Na “sociedade do conhecimento" preconizada pelos “gurus”, as pessoas $30 0 maior ativo que as empresas podem ter. Mas poucas praticam 0 que pregam ou acreditam verdadeiramente nisso. A maioria acredita naquilo que os empregadores do FACES. Adm Belo orzonte 09,29 S647 idee, 2008, (GESTAD DO CONHCIIENTONAS ORGANIZACOES OU DODESCONHELIMINTODAREADADE ORGANZACON século XIX acreditavam: “As pessoas precisam mais das empresas do que as empresas delas” © que acontece atualmente € que muitas organizacdes apenas seguern modismos gerenciais tidos como praticas vélidas universalmente e pro- motoras indispensdveis da qualidade e da perfei- a0. Adotam as mudancas de forma “cerimonial”, ignorando muitas outras varidveis intervenientes, come, por exemplo, 2 cultura organizacionel, 0 contingencialismo ambiental e a influéncia do contexto social e econdmico sobre as acdes de mudancas organizacionais (MOTTA, 1999). Nesse contexto, € preciso ter cuidado com os novos modismos de gestdo e suas técnicas geren- ciais milagrosas, projetadas de forma universal, descontextualizadas e desprovidas de valores cul- turais. Muitas dessas ferramentas propoem a per feicdo e 0 controle “total” das variaveis gerenciadas, Ora, 0 processo de ctiacdo de conhecimento nao ocorre independente dos contextos sociais, cul- turais € historicos (OAVEMPORT; PRUSAK, 1998). Por isso, no que se refere a qualquer atividade que envolva pessoas, questionével a aplicacao de modelos de gestao "da moda”, bem como de suas ferramentas de controle ou de inovacdo como proposta de implementacio da perfeicao e controle “total” das varidve's internas e externas & organizacao. Qualquer organizacéo que utiliza uma ferra- menta que venha propor um sistema infalivel, com rotinas rigorosamente seguidas € sem ertos, € pessoas totalmente motivadas, na realidade est fazendo apologia d ilusdo e & arrogancia, pois afi- nal estamos tratando de pessoas (MOTTA, 1999) Dada a importancia atribuida a gestao do conhecimento pelas organizacées modemas, este artigo propde mostrar um lado da questao que vem sendo negligenciado. A proposta de gestdo do conhecimento observada na pratica das organi- zacées parece estar se desviando de seu objetivo original e seguindo um caminho que @ transforma em mais uma panactia capaz de solucionar todos 05 problemas de uma empresa de forma eficaz. FACES. Ada BcloHoiznte-v 49.29.3647 lite 2005 Tal imprudéncia coloca em risco a confiabilidade do tema, 0 que pode fazer da gestao do conheci- mento apenas mais um modismo. Por isso, @ partir da evolucao da teoria das organizacdes e das transformacoes do ambiente organizacional, este artigo discute a validade desse modelo como instrumento de intervencao orga- nizacional, Faz-se uma analogia entie 0 taylorismo @ a gesto do conhecimento, mostrando-se 0 vacuo existente entre a teoria e a pratica no que se tefere a esse assunto e apresentando-se algumas criticas e propostas em relacao a esse instrumento gerencial em voga A EVOLUCAO DAS TEORIAS ORGANIZACI- ONAIS: DO TAYLORISMO AO CONTINGEN- CIALISMO A teoria das organizacdes mostra que 0 pro- cesso de adaptac3o das organizacées ao ambiente teve inicio com o desenvolvimento da adminis- tracdo cientifica por Taylor (1995), que pregava © alcance da maxima produtividade com menor custo e eficiéncia constante e equilibrada, através da racionalizacdo do trabalho, visando a atender a demanda crescente do mercado. Com a evolucao da teoria das organizacdes, surge a escola das relacdes humanas, em oposi¢ao & teoria classica. Essa teoria nasceu da necessidade de se cortigir a forte tendéncia 8 desumanizac&o do trabalho surgida com a aplicacdo de métodos rigorosos aos quais os trabalhadores deveriam submeter-se (CHIAVENATO, 2000). Num periodo anterior, Max Weber desenvolveu seu modelo de burocracia, que contemplava tanto a diferenciaco (pela divisao do trabalho e espe- cializacao das tarefas) quanto a integracdo (pela hierarquia de autoridade e regras e regulamentos escritos) (WAGNER et al, 1999). Jé nos anos 50, em resposta a forte pressdo econémica da época, voltada inicialmente para lucros e custos, que nao se revelam suficientes para FADIMIRF 00S SANTOS: MARCELOMACEDO. MARCOAURFLO BATISTA DESOUZA. TIBEAIONITIDIERL explicar a organizacao social e humana, é criada a administracao por objetivos ou escola neoclassica. £m seguida, surge a escola estruturalista, que procura inter-relacionar as organizacées com seu ambiente externo, a sociedade maior, ou seja, a sociedade das organizacoes caracterizada pela interdependéncia entre as organizacoes. Essa escola buscou relacionar os principios da teoria classica com os da teoria de relagoes humanas. Por conseguinte, a teoria das orgenizacoes, evoluiu, a fim de explicar 0 funcionamento das empresas através do conceito de sistemas com- postas por varios elementos que se inter-relacionam em toma de um propésito. As organizacées sao vistas como sistemas abertos que precisam adaptar-se as condigdes externas mutantes para desempenharem corn sucesso suas atividades ao longo do tempo. Essa abordagem, segundo Chiavenato (2000), propiciou um vasto campo para estudos sobre a relagao da organizacdo com o seu ambiente, (© que incentivou 0 surgimento da teoria contin- gencialista, segundo a qual a estrutura que melhor contribui para a efetividade organizacional pode vatiar em situacdes ou circunstancias ambientais diferentes. Para se adaptarem ao ambiente, as ‘empresas precisam ser permeaveis ao ambiente social, politico e econémico. Segundo 0 autor, a abordagem contingencial representa a primeira tentativa séria de responder 4 questo de como ‘8 sistemas intercambiam com o seu ambiente. Ela tenta proporcionar algo mais ttl e pratico para a administracdo das organizacdes complexas. A visdo contingencial requer habilidades de diagndstico situacional € no somente habilidades de aplicar ferramentas ou esquernas de trabalto. Assim, percebe-se que 0 modelo taylorista de organizacao esté se tornando cada vez mais inadequado para enfrentar os desafios impostos as empresas. Como resposta a essa situacdo, a literatura oferece inumeras propostas e relatos de implantagdo de estruturas organizacionais mais ino- vadoras e que buscam alavancar a criatividade, o conhecimento e a capacidade de aprendizado dos varios niveis hierdrquicos das empresas. Para isso, algumas organizagdes vém implantando e experimentando solucdes que rompem com 0 paradigma taylorista vigente. Nos anes mais recentes, muitas novas ten- déncias tém-se desenvolvido na anélise organiza- ional, quaiquer que seja seu campo de aplicacdo. 0s teéricos atuais da administracdo preconizam a chamada “era do conhecimento", em que as pessoas sdo consideradas como 0 maior ativo das empresas, Mas € importante tentar explicar 0 que realmente esta acontecendo no ambiente orga- nizacional, que vem migrando para uma economia pos-capitalista, voltada para uma customizacso macica (em oposicao @ producao em massa guiada por principios tayloristas), a partir da andlise evolutiva da teoria das organizacoes. Este artigo analisa criticamente os desafios envolvides no rompimento cam a tradicao taylorista € apresenta alguns conceitos importantes para se discutir e implementar propostas de maior part- Cipacdo intelectual dos trabalhadores e que rompem com 0 velho paradigma de producio em massa. Com isso, pode-se verificar se 0 ambiente organizacional a que muitos autores se referem esté realmente baseado no conhecimento das pessoas ou se, na verdade, nao passa de uma nova roupagem para 0 modelo taylorista ERA DO CONHECIMENTO OU DO TAYLORISMO ‘CAMUFLADO As press6es geradas pelo aumento da com- peligaio no mundo globalizado do final do século x fizeram com que a busca frenética de aumentos em eficiéncia passasse a ser a prioridade de qualquer organizacdo. Entretanto, ao contrario do que pregam os modelos de gestio da “era do conhecimento”, 0 tema nao & novo. Pode-se dizer que ganhou forca em 1911, com Frederick Taylor e @ promessa de alterar as concepgoes, vigentes no ambiente organizacional. FACES. Ad. Belo Horizon 4-2: p 36:47: le, 2005 {GESTADDO COMIFCIENTONAS ORGAMZAGOS OUDODESCONHECINENTODAREALDADE ORGANIZACIONAL? Taylor (1995), ao formular os conceitos até hoje utlizados nas organizacdes, pregava o alcance da maxima produtividade com menor custo, efi- ciéncia constante e equilibrada, através da racio- nalizacao do trabalho, visando a atender a demande crescente do mercado, por meio de mecanismos de mensuragao e observacdo ceentifca. Ao estudar tempos e movimentos para encontrar e eliminar a ineficiéncia dos trabalhadores, Taylor também eliminou os conhecimentos e habilidades de que dispunham, reduzindo-os a regras, leis € formulas imensamente Uiteis para que executassem seu trebalho didvi. Contudo, Taylor se sentiria & que 2 administracao cientifica foi 0 primeiro passo concreto da administraco rumo a uma teoria administrativa. Os conceitos propostos por Taylor (1995) so até hoje utilizados na administracao, s6 que atua- lizados para a nossa realidade. A grande aceitacao dos principios da administracao cientfica e das linhas de montagem € a maior responsavel pela expansao da atividade industrial no mundo CO taylorismo ainda ¢ fortemente enraizado na maneira de administrar das organizacoes conter- pordneas, Para Taylor, otrabalha- dor nao precisava pensar, mas tetia de participar, senao nada vontade ao entrar em qualquer ODISCURSA.CONTEMPORANEO funcion ° heen no cemtte d grande organizacdo da “era do DAAPMINISTRACAOPRIMAPELA —_Tunclonalia, Assim, no centlo da conhecimento”. O modelo GESTAO PARTICIPATIVA, PELO idéia taorsta " ume orien predominante ainda é caracteri- ROMPIMENTO DE ESTRUTURAS. ope ° ss pa pee 10 do tra- zado por grandes linhas de mon- _HIERARQUICAS E. SOBRETUDO. 2 i ° Mas a specs ne tage, onde engenheiros de PELA VALORIZACAO DOSER vroceetos ou ce denen a producdo © especialistas em JMRPNO DEST CONNEC cine ue onganizacdes e métedos conti- unser: Sans eae xe: varam 3 esses res nam crculando, fazerdo ano: secunno venereal. coow, _ SUtedos © wabahador pao Tay tacdes em pranchetas, dese- m3 igente, ESSASPROPOSTASNAOAPAGAM ——_caberia apenas obedecer. nhando fluxogramas, cronome- rope que, “ trando e filmando as operacées. enh aahi Atualmente, pode-se dizer A Gia diferenca em relacao ao aeelctoeesadl que 05 principios sao 0s mesmos, modelo da época de Taylor é cosine __ Vive-se numa especie de tayo que a tecnologia sofisticou-se, mga = rismo camuflado. Apesar disso, ADMINISTRATIVA, ha robés ao lado de pessoas, computadares, cronémetros digitais e cdmaras de video (PEREIRA et al, 2004). © taylorismo € 0 precursor de todos 03 mo- delos de gestao que vieram depois para formatar racionalmente o ato de se produzir qualquer coisa No entanto, muitos autores insistem que esse é um modelo em fase de extincao. © discurso contemporaneo da administrac3o prima pela gestéo participativa, pelo rompimento de estruturas hieraérquicas e, sobretudo, pela valo- tizac3o do ser humano e de seu conhecimento. Mas, mesmo assim, segundo Pereira et al, (2004), essas propostas nao apagam o fato de FACES Ad elo rvomesse Asa 2: p 3647 jar 2005 nao ha nenhume alternativa que tome vidvel a tao pregada part cipacao de todos nas decisdes, sem distincao hierdrquica. Os mais capazes continuam a ser (05 mais bem pagos, justamente por assumiremn a responsabilidade de identificar a melhor maneira de executar as tarefas. Sao os detentores do “conhecimento”, Por isso, a “organizacao do conhecimento" esté se desvinculando da sua proposta original de criar um novo conhecimento, difundilo na organizacao, é incorporé-lo a produtos, servicos e sistemas (NONAKA; TAKEUCHI, 1997), por nao encontrar meios de aplicd-la na pratica organizacional. Esta FLADIMIRE DOS SANTOS: MARCELO MACEDO. AIARCO AURELIO BATISTADE SOUZA. TKERO MITIDNER se tornando um mero discurso, bom para inspirar livios e seminérios, mas sem correspondéncia com a realidade das empresas. Talvez nem seja por rejeicdo & idéia. Mas a verdade € que o sistema taylorista acomodou as empresas. A falta de mecanismos que possibilitem a implementacao de um novo sistema faz com que a maioria das organizacées nao tenha a menor intencao de mudar seu status quo. Assim, apesar da rejeicdo que o paradigma taylorista provoca, 0 “trabalhador do conhecimento” ainda nao foi capaz de substitu-lo por algo melhor, Algo que consiga conciliar efetivamente o conhe- cimento do trabalhador, a eficiéncia no processo produtivo, a lucratividade e a valorizacao do ser humano na forma preconizada pelo discurso tedrico maderno. Como consequiéncia disso, intimeros modismos em administraco aparecem com promessas de viradas radicais nas performances das empresas, tentando camuflar 0 modelo taylorista e seus sistemas otimizados de producao. As organizagdes modemas continuam buscando um modelo “ideal” de gestao, ainda nao encontrado ‘e que nao se sabe como implementar. E enquanto ‘esses modelos “ideais” nao aparecem, s80 desen- volvidos sistemas “revolucionérios” que acabam se revelando apenas como ferramentas de autopro- mocao e marketing pessoal para seus criadores, Por mais que se tente inverter 0 discurso, a realidade, por enquanto, 6 uma $6: um determi- nado produto somente sobressai na concorréncia porque & bom e barato, produzido num sistema racionalizado, que prima pela superespecializacao © pela padronizacao dos processos. Portanto, a tao falada “gestao do conhecimento” pode dar certo no discurso, mas, na pratica, ainda nao apresenta resultados concretos, porque esse novo paradigma da era moderna esta seguindo o mesmo caminho de tantos outros que vieram e ja se foram, Dentre esses paradigmas, a reengenharia foi, segundo Davenport apud Bar (2000), 0 modismo de maior custo social, tanto que ficou conhecido como a moda que esqueceu as pessoas. Além deste, Caldas apud Bar (2000) demonstrou que foi a im- plementacdo de programas de qualidade total, em- powermente outras modas administrativas que leva- ram 3 extingdo da rea de organizacdo e métodos. Comparando-se 0s principios de Taylor com os de um dos maiores gurus da atualidade, Peter Drucker, instaura-se 0 paradoxo: o ambiente organizacional real versus o percebido, a teoria versus a pratica. Pode-se entéo comparar a proposta da gestio, do “trabalhador do conhecimento” a utilizacao do. estudo de tempos e movimentos na medic30 do desempenho do trabalhador taylorista. Esse "conhecimento” pregado por Drucker (2002) e tantos outros gurus é, na realidade, mais um dos principios tayloristas adaptado & nossa realidade. O conhecimento nada mais é do que uma mer- cadoria, uma commodity, que toma possivel a manipulac3o puramente utilitarista de material simbolico ao qual se atribui um valor de troca (MARIOTTI, 1999). A busca incessante da conhecimento é uma forma que as cigenizacées da “era do conheci- mento” encontraram para camutlar os principios tayloristas. Dizer que as organizacdes esto real- mente preocupadas com o seu “capital intelectual” & imprudéncia e ilusdo. Para que todo esse discurso do “trabalhador do pais das maravilhas” pudesse realmente deixar de ser utopia, seria necesséria uma reviravolta profunda 1nos valores organizacionais vigentes, colocando em, segundo plano 0 lucro financeiro em favor de al- gum tipo de lucro intangivel. Mas seria isso possivel? © CONTEXTO DA NOVA ECONOMIA Na chamada "nova economia’ é muito comum, os gurus da administracao atribuirem um signifi- cado mais dramatico 20s eventos que presenciam ou que imaginam vir 2 ocorrer. Anunciam qualquer mudanca como revolucionéria FACES R.A elo Horizonte: 4-0. 2p, 3647 ple, 2005 {GESTNODO.CONBIECNENTONASORCEANZAGOES QUO DESCONHECISENTO DA REALIDADE ORGANIZACONAL? Segundo Motta (1999), esses autores enalte- cem e popularizam a perspectiva da transformacao surpreendente. Chamam a atencao para a alta velocidade da mudanca, associando-lhe um cardter explosivo, e descrever 0 novo cenério mundial como um momento Gnico e especial da historia As transformacdes contemporaneas sao. consideradas sob trés perspectivas, Na primeira, o presente é visto como a transicao dramatica para odesconhecido e a chegada veloz do futuro como decoréncia de agdes inovadoras instituidas no passado, Na segunda perspectiva, a realidade signi- fica uma ruptura com a modernizacao, sugerindo a existéncia de um mundo totalmente novo e inex- plicavel por critérios evolutivos. Contestam-se os conceitos do passado para explicar o presente € determinar 0 futuro. Por fim, na terceira perspectiva a singularidade da época & menor na realidade das mudancas € maior na mente das pessoas € nos seus ideais de uma sociedade mais justa. Essas perspectivas se contrapdem umas as outras, segundo Motta (1999), incitando uma reflexdo critica € alertando as pessoas para as mudancas dos valores gerenciais, Portanto, se est surgindo realmente uma nova “sociedade do conhecimento’, com novos valores para a producdo € para o “trabalhador do conhecimento’, é necessé- rio, segundo Bowditch & Buono (1992), que os autores contemporaneos estabelecam diferencas entre 0 ambiente real e 0 ambiente percebido O ambiente real consiste nas entidades, objetos € condigdes existentes fora da empresa. Cada organizacao tem um ambiente real, mensurével @ extemo. © ambiente percebido, por sua vez, feflete a interpretacao subjetiva do primeiro, Por isso, 0 termo “era do conhecimento” deveria caracterizar uma era verdadeiramente de transicao, deixando de lado a procura por eventos simbolizadores do novo periodo, como significados para as novidades dos termos pés-industriais. As diferencas entre as praticas de uma era industrial e as de uma era pés-industrial s80 FACES. Ads. elo annonte: «49,29 Met? obi. 2005 evidentes, caracterizando-se pela transicao de um modelo de organizac&o industrial para um modelo de organizacdo fundamentado no desenvolvimento das tecnologias de informacdo e comunicacao € no consumo. No entianto, 0 excesso de temas € modas criadas para descrever diversos cenarios existentes no contexto pés-industrial como se fossem Unicos é 0 maior dos equivacos da “era do conhe- cimento”. Nao passam de instrumentos merca- dolégicos, advindos de um ambiente percebido, que 80 utlzados pelos gurus para “vender seu peixe” Nesse contexto, a era pés-industrial € vista camo uma proposta de desconstrucao do conhe- cimento e dos valores, que contribui para a formacéo de paradigmas ou modelos (MOTTA, 1999). Na verdade, estamos vivendo a “era do desconhecimento da realidade das organiza- ces", em que se buscam a qualquer custo res- postas e solucdes imediatas para os problemas organizacionais. Inimeras receitas prontas e mo- delos organizacionais surgem como forma de cobrir essa lacuna. Respostas que nao correspondem as questoes da realidade. Com isso, as teorias e praticas em voga nas organizacoes acabam introduzindo al uma série de contradicdes e paradoxos. Talvez isso se deva ao paradoxo que submete ‘os administradores contemporéneas 4 difial escolha entre 0s rigores do pensamento cientifico aplicado 2 administracao e “os dogmas da reengenharia outros produtos da industria de bens e servicos dos modismos administrativos” (BAR, 2000) impostos pelos gurus da administracdo e que s40 fruto, no dos programas de qualidade, mas da administracao cientifica de Taylor. RETOMANDO A PROPOSTA ORIGINAL DA GESTAO DO CONHECIMENTO Segundo Mariotti (1999), 0 conhecimento pode ser obtido pela pesquisa e pels observacao sistematica, Assim, pode-se falar em aquisicdo, producéo e acumulagio de conhecimento, 0 fato de ser acumuulavel faz com que ele seja até certo FLADMIRE DOSSANTOS. BIARCELO MACEDO: MARCO AURFMIOBATISTADF SOUZA. 1HFRIO MTIOIRT ponto contiolavel pelos que 0 acumularam, e desse modo, torne-se disponivel ou nao fora de determinados circulos. Assim, conforme o autor, € possivel estabelecer uma reserva de conhecimento Quando isso acontece, 0 saber pode transfor- snar'se num instrumento de dominacao. Ocore, porém, que a globalizacdo das tecnologias de informacdo e comunicacdo tommou mais dificil essa reserva e esse dominio. Ao transformar a entrada do conhecimento no complexo cérebro- mente num processo praticamente instanténeo, 2 globalizacdo das comunicacdes reforcou nossa consciéncia prética do aqui-e-agora. Por isso, € preciso ampliar 0 conhecimento pela logica da complexidade. Essa providéncia & indispensével para combinés-lo com a sabedona. Caso contrério, continuaré acontecendo © que hoje é uma realidade: 0 conhecimento mantido como algo externo a0 conhecedor. Isso faz com que ele seja visto como uma mercadoria, uma commodity, que toma possivel a manipulacao pusamente utilitarista de material simbélico a0 qual se atabui um valor de troca. Uma forma de capital. (MARIOTTI, 1999) Como conseqtiéncia, haveria a promocao do “trabalhador do imediatismo" com uma mentali- dade extremamente imediatista e uma percepcio do mundo muito limitada Como dito anteriormente, é preciso tomar cuidado para que a “gestao do conhecimento” nao se desvincule da sua proposta origina, tornando-se um mero discutso, sem equivaléncia com a reali- dade das empresas. A pritica da gestao do conhecimento precisa ser vista sob 0 enfoque das contingéncias, em que tudo é relative, Nada ¢ absoluto e universalmente aplicdvel. Segundo Chiavenato (2000), a abor- dagem contingencial, primeira tentativa séria de responder 4 questdo de como os sistemas inter- cambiam com 0 seu ambiente, tenta proporcionar algo mais util e pratica para a administracao das organizacdes complexas, pois requer habilidades de diagnéstico situacicnal ¢ no somente hebilidades de aplicar ferramentas ou esquemas de trabalho. Vive-se 0 paradoxo de uma épaca que se orgulha de seu saber e de sua tecnologia, mas é insegura quanto a soluco de seus problemas. Produz conhecimentos e valoriza a educacdo, mas é incapaz de definir valores para direcionar a humanidade. Segundo Adams apud Neves & Palmeira Filho (2002), dois mundos parecem instaurados nas organizagdes: um no qual discursos e frases de efeito misturam-se a modelos complicados des- critos em manuais vistosos e outro, o mundo real, representado pelas acdes cotidianas dos funcio- nésios de todos os niveis da hierarquia e quase sempre dissonante do primeiro. De acordo com 0 autor, esse ambiente toma propicia 0 surgimento de um vacuo, onde discurso e pratica ndo se encaixam. Na concepcao de Vasconcelos et al. (2004), © paradoxo entre discurso e pratica traduz-se na existéncia simultane de duas realidades contra- ditérias: 0 discurso da organizagao e a sua pratica efetiva em relacdo a um mesma abjeto, Para os autores, esse paradoxo acaba gerando percepcoes inconsistentes nos individuos, que polarizam a interpretacao da realidade a0 seu redot entre dimensdes opostas do discurso e da pratica Kets de Vries apud Vasconcelos et al, (2004} afirma que: 4a partir de percepcées contraditénas provocadas pelas organizacdes nas quais trabalham, polar zando sua percepeao nas dimensdes “discurso” e ‘prdtica” incoerentes, e de promessas e discursos gerenciais que produzem expectatvas que nao se realizar, alguns grupos de atores sociais desenvolvem reacdes defensivas que aumentam 0 nivel de frustracdo, tensdo e estresse no sistema organizacional.Essas tensdes 1nas organizagdes conduzem a fenémenos como 2 resisténcia organizacional e a emergéncia de FACES. Adm elo Moviconte-w 4. m.2: 3b? jer 2005 ‘GLSTRODO-COMIECILN NTONASORGANIZAGOKS OUDO DFSCONILCINENTO DA KEALIDADE ORGANZACIONAL? LE BON, Gustav. Psicologia das multidées. Rio de Janeiro: Briguie, 1938. MARIOTTI, Humberto. Organizagdes de aprendizagem. Sio Paulo: Atlas, 1999. MOTTA, Paulo Roberto. Transformagao organizacional: a teoria e a pratica de inovar. Rio de Janeiro: Quality- mark, 1999. NNONAKA, |: TAKEUCHI, H. A gestao do conhecimento na empresa. Rio de Janeiro: Elsevier, 1997. PEREIRA, Thais Garcia et al. Taylor e a administracao cien- tifica: uma visio histérica. Anais Egrace 2004. Disponivel em: Acesso em novemibro de 2004. SALDANHA, Ricardo. Para compreender o “trabalhador do conhecimento. Disponivel em: . Acesso em novembro de 2004. TAYLOR, F. W. Principios da administragdo cient So Paulo: Atlas, 1995. VASCONCELOS, Isabella; MASCARENHAS, André Ofenhejm VASCONCELOS, Flivio Carvalho de. Gestdo de pessoas paradoxos organizacionais, gestio de pessoas ¢ tecno- logia na Souza Cruz. RAE eletrdnica, v. 3, n. 2, art. 25, jul./dez. 2004, Disponivel em Erro! A fonte da referéncia nao foi encontrada. Acesso em novembro de 2004, WAGNER, John A.; HOLLEMBE, John R. Comportamento organizacional: criando vantagem competitiva. Sao Paulo: Saraiva, 1999. WOOD Jr., Thomaz. Editorial. RAE eletrdnica, v. 2, n. 2, art. 25, maio=julho, 2003. Disponivel em: . Acesso em novembro de 2004.

Você também pode gostar