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Escola Tomista
Professor Carlos Nougué
Aula 3
Bem-Vindos à terceira aula de nossa Escola Tomista. Lembremo-nos que
estamos na segunda aula da introdução filosófica às diversas ciências e às
diversas artes. Quero pedir-lhes perdão pela voz, mas não há outra maneira, é
preciso cumprir o cronograma de gravações, e se a cada gripe que eu tiver, no
meio deste frio em que vivo, eu adiar a gravação das aulas, a Escola Tomista
terminará em dez anos. Tenham-me hoje neste vídeo, como um professor
gripado diante de vocês em sala de aula. Mas, tentemos que aula seja a
melhor possível.
Eis, porém, que entre os animais brutos e o homem, há outro salto, outro salto
impressionante. É o salto do conhecimento meramente sensível para o
conhecimento intelectual, intelectivo, espiritual. Nós temos uma potência em
nossa alma que vai muito além, incomensuravelmente além do modo de
conhecer dos animais brutos, e assim como o objeto da visão é a cor e o objeto
da audição é o som, assim, o intelecto humano tem por objeto “o que é”. Não
me esqueço, obviamente, de que nós também temos o conhecimento sensível,
nós também temos os cinco sentidos externos, nós também temos os sentidos
internos, temos o sentido comum, a memória, a imaginação, a estimativa, mas
agora com outro nome, chama-se cogitativa ou razão inferior. Por quê? No
homem, ao contrário dos animais brutos superiores, nos quais a estimativa é o
que eles têm de superior para o seu conhecimento; nos homens ela se diz
cogitativa ou razão inferior, porque está submetida à razão superior.
entre ser e existência. Temos três noções: ente, ser e existência. São três
coisas distintas, conquanto às vezes o verbo ser possa substituir-se por existir.
Eu tenho no meu livro “Estudos Tomistas”, que saiu pelas Edições Santo
Tomás, um opúsculo em que trato exatamente isto, opúsculo que termina com
a tradução de uma parte de um livro importante do padre Cornelio Fabro. Não
lhes estou dizendo que compre nem que leiam agora, repito que isso demanda
tempo, apenas lhes indico; além do mais, sempre haverá, no momento
adequado, ofertas de livros meus a vocês por um preço bem baixo. Pois bem,
então apenas para saber que vocês terão orientação no momento adequado, lá
adiante, quanto a isto; deixo, no entanto, já posto como uma seta de estrada
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que vai indicando o caminho. Isto vai ficar marcado na mente de vocês, um dia,
repito, acordarão sapientíssimos e entenderão esta distinção que acabo de
fazer, desde que tenham a paciência de acompanhar-me durante anos na
devida ordem do aprendizado. Pois bem, é este mesmo aprendizado que faz
que o conhecimento do sábio, do cientista, do filósofo seja mais excelente que
o conhecimento do comum dos homens. Isso é o que diz Aristóteles na
Metafísica, na passagem já indicada na aula passada.
Pois bem, tudo isso se oferecerá a vocês no devido tempo, por enquanto
vamos pondo setinhas que vão demarcando o caminho de modo que não
tomemos atalhos errados. Mas vejam bem, tanto as artes com as ciências têm
algo perfeitamente em comum, são intelectuais, pressupõe conhecimento. Por
exemplo, pergunto-lhes: na arte da agricultura (porque o é, ela faz algo), quem
é o artista, o agricultor ou o agrônomo? Poderia parecer que fosse o agricultor,
mas, como se trata de hábito intelectual, é antes o agrônomo, o ideal é que o
agrônomo seja agricultor e o agricultor seja agrônomo. Porque quando se tem
o hábito da arte na mente é-se capaz de ensinar essa arte. Ora, o agrônomo é
capaz de ensinar, e muito especialmente se também for agricultor, ao passo
que o agricultor no máximo ensina por experiência, não porque domina
intelectualmente as causas que fazem que aquela arte seja bem sucedida.
Então, duas distinções. Primeira, entre ciência e arte, ambas são hábitos
intelectuais e têm em comum o conhecimento das causas, por isso é que o
agrônomo é mais artista que o agricultor. Tanto a ciência como as artes
conhecem o seu assunto pelas causas. Com a diferença de que a arte faz algo
externo, sua finalidade é fazer algo, ao passo que a outra é um mero conhecer,
é um mero descansar na superação de certa ignorância. Mas, ambas em
conjunto se diferenciam, por sua vez, da mera experiência, que conquanto
humana, tem pontos de contato com a experiência animal adquirida pela
estimativa.
Então, a pergunta funda a filosofia, funda a ciência, enquanto a lógica (ou arte
de reger a razão a seus fins) lhes permite aos sábios, aos filósofos não só
perguntar, mas perguntar corretamente e na ordem correta. E mais, permite-lhe
expor as dificuldades para a obtenção da resposta. Permite-lhe conhecer a
atadura, porque se não se conhece a atadura, não se pode soltar, só se solta
se se conhece a atadura, lembremo-nos, é uma palavra de Aristóteles. Pois
bem, a arte da lógica é a que vai ensinar os sábios a fazer as perguntas
corretas, na ordem correta, com ordem, com facilidade e sem erro.
E qual é a primeira pergunta que faz não só o sábio, mas todos os homens? “O
que é?” O que é esta coisa? A diferença é que o sábio vai encontrar a resposta
correta, enquanto muitas vezes, talvez a maioria das vezes, o comum dos
homens não dê uma resposta adequada, correta, cabal, perfeita, ou não dê
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Não é difícil notar que debaixo do relincho do cavalo, de seu cavalgar, de seu
empinar-se está algo. Que é este algo? É a importantíssima noção filosófica de
substância. É o documento três desta aula que lhes dou. O que é substância?
Substância é aquilo que sub stat, que está sob, que está debaixo dos
acidentes, e sem a qual os acidentes não poderiam existir. Olhamos para o
céu, vemo-lo azul, sabemos que esse azul não é do céu, é de algo, porque se
não houvesse algo que sustentasse a cor, ainda que esta cor seja só visível a
nós e desde certa distância, não poderia haver cor. Que não seja o céu, então,
é o quê? Algo tem de sustentar os acidentes, cor, figura, tamanho, dimensões;
algo tem de sustentá-los. Este algo é o que está sob, algo que está debaixo
dos acidentes, é um suporte, é um sustentáculo (vejam, todas palavras
começadas com “su”), é a substância.
lógica, a cada pergunta quid sit (o que é esta coisa). Se é por semelhanças e
diferenças que devemos progredir para encontrar a resposta cabal, completa à
pergunta quid sit, e, se já vimos uma semelhança, tudo é substância e esse é o
gênero supremo, de modo que este gatinho, aquele gatinho, este cão, aquele
cão, aquele cavalo, aquela zebra, eu, aquela árvore somos todos substância,
no entanto, há uma diferença clara que também é um aspecto quiditativo (ou
essencial), conquanto não vá entrar na resposta, na quididade à pergunta quid
sit. É que tudo é substância, mas este gato é numericamente um, e aquele
outro gato é numericamente um; distintas substâncias numericamente falando,
eu sou um, cada um de vocês é um, este gato é um, aquele é um, um cavalo é
um , o outro cavalo é um; todos são substâncias, mas todos são diferente
numericamente.
Encontramos, antes de tudo, a quididade que torna as coisas iguais entre si,
por esta parte elas são iguais, são todas substância. Este é o gênero supremo,
é por aí que nós começamos a responder a pergunta quid sit. Vimos agora que
há uma diferença, uma diversidade entre as coisas, entre aquelas mesmas
substâncias que vimos ser iguais entre enquanto são substâncias, mas elas na
verdade não são iguais, porque elas são semelhantes e ser semelhante implica
uma diferença, e a diferença primeira que encontramos é que elas são
numericamente diferentes, cada substância é uma e não é a outra; cada gato é
aquele gato irrepetivelmente, é ele, enquanto outro é outro, cada um é um.
Mas agora, assim como já se disse com muita propriedade, que o grande
universo se visto no tempo, ou seja, com as coisa sucedendo-se umas atrás
das outras, o grande universo é como uma longa e bela sinfonia, as de Anton
Bruckner, por exemplo, que são longas mesmo. Então, o universo visto do
ângulo do tempo é como uma longa e bela sinfonia. Visto do ângulo do espaço,
ou seja, do estático, é como um grande mural (no sentido de afresco), é um
grande afresco. Pois bem, assim como o universo é do ângulo do tempo uma
longa e bela sinfonia, e do ângulo do espaço é um imenso mural; olhemos
agora o mundo à nossa volta como se fora um teatro, uma peça teatral, um
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Olhemos para tudo isto, não nos será difícil, se usarmos a inteligência (inter
legere), notar que se todas essas coisas são substâncias e numericamente
diversas entre si, com diferença numérica, por isso são semelhantes e
diferentes, porque em partes são iguais e em partes são distintas. Não nos é
difícil ver uma distinção. Não nos é difícil ver que no palco do mundo algumas
substâncias têm vida, enquanto outras não a têm. De um lado do palco estão
as substâncias viventes, do outro lado do palco estão as não-viventes; foi com
isso que começamos a nossa passada e esta aula mesma. Aquele salto que há
do não-vivente (inorgânico) ao vivente, esta distinção não nos é difícil ver, aliás,
para a maioria dos homens é fácil, qual homem não consegue distinguir entre
um ser vivo e um ser não vivo. Claro, já se disse que alguns fungos para
distingui-los de uma ferrugem é muito difícil, ou uma esponja de um vegetal,
mas isto são os casos limites, são os casos extremos. Não é difícil ao comum
dos homens, e muito mais ao filósofo, ver que este palco do mundo, depois da
igualdade de substâncias e da diversidade numérica destas mesmas
substâncias, estas mesmas substâncias se dividem em dois grandes grupos,
em duas grandes classes: a dos entes viventes e a dos entes não-viventes.
Pois bem, não se assustem com a coisa, que já já vocês terão. Depois da aula
da divisão, que é isto que nós estamos dando hoje explicado mais
formalmente, aí sim poderei dar-lhes a árvore como se fora a árvore de Porfírio.
Estamos do lado dos viventes, que já vimos que é uma espécie do gênero
substância, e que por sua vez tem outras espécies abaixo. Quais são? De um
lado o animal (ou sensitivo), e do outro lado o vegetal (ou vegetativo). Não é
difícil, mesmo ao comum dos homens, distinguir animal de vegetal (excluído
aqueles casos aparentemente fronteiriços, já vimos que até a lesma do mar
realiza a fotossíntese, esse é um caso que estudaremos e que não justifica de
modo algum, diga-se desde já, o evolucionismo). Estamos do lado dos viventes
que sendo espécie de substância, por sua vez, se divide em duas espécies: o
gênero vegetal (ou nutritivo) e o gênero animal. Isso não é difícil, o homem
comum concluirá, o problema é que ele não sabe fazer essa ordem que estou
fazendo aqui, mas não lhe é difícil aprender esta quididade. Cada um destes
galhos da árvore que estou dizendo é um aspecto quiditativo, é um aspecto
essencial (lembremo-nos que deixamos de lado o aspecto da diferença
numérica, agora a diferença se faz por outras coisas).
Vejamos se essa espécie de vivente que é a racional se divide, por sua vez,
em outras espécies. Não. O que vemos é que animal racional é o que se
chama espécie especialíssima. Homem é espécie especialíssima. Por quê?
Porque homem já não é gênero de nenhumas espécies. As diferenças abaixo
de homem são acidentais. Lembremo-nos, não devemos levar em conta para
encontrar a quididade completa de algo com respeito ao qual se pergunta o
que é (quid sit). Mas aqui são acidentes propriamente ditos. Abaixo da espécie
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Pois bem, vamos agora para o lado dos irracionais. Se deixamos de lado os
não vivente e deixamos de lado os vegetais, agora interessa-me que nos
atenhamos um pouco sobre a dificuldade que nos oferece a espécies dos
irracionais. Porque, na verdade, agora temos de perguntar-nos “an sit” (an sit
quer dizer “se é”, “se existe”, agora podemos usar se existe aqui. Lembrem-se,
nem sempre pode usar-se existir pelo verbo ser, por exemplo, eu posso dizer
que ser cão é mais que ser minhoca, e ser minhoca é mais que ser grama, mas
eu não posso dizer que ser cão é existir mais que minhoca, isso não é
possível). Aqui esta pergunta tem que ver com se existe espécies da espécie
irracional, ou seja, se irracional, além de ser espécie de animal, é gênero de
outras espécies. Abaixo do homem só há diferenças acidentais. E abaixo de
irracional, são diferenças acidentais ou há outras quididades, outros aspectos
essenciais que façam que por sua vez irracional seja gênero de outras
espécies? Parece que a resposta é simples, mas não é. Daí a necessidade da
pergunta an sit, se existem espécies animais que constituam como espécie
aspectos essenciais em nossa busca, guiada pela lógica, das respostas à
pergunta quid sit, as quididades ou essências.
faça, nem por isso deixará de receber seu certificado caso termine a Escola
Tomista.
Dou três corolários deste brevíssimo exercício dirigido, apenas para estimular
vocês a acompanhar-me. Vejam aí “Donde”. A) Substâncias de uma mesma
espécie só têm entre si uma distinção essencial ou quididativa: a distinção
numérica. Isso quer dizer o seguinte: a distinção entre um gato e outro gato é
que ele é um gato, e um gato, outro gato. B) Substâncias de espécies
diferentes pertencem a um mesmo gênero quando são semelhantes em certas
partes essenciais. Homem e brutos pertencem ao mesmo gênero de animais,
racionas e irracionais, mas ao mesmo gênero de animas, ou seja, temos uma
igualdade quiditativa e uma distinção específica. C) O gênero mais amplo é
precisamente aquele a que todas pertencem: o gênero das substâncias.
Uma orientação. Pode ser que muitos de vocês, pela novidade da coisa que
estão ouvindo, estejam um pouco aturdidos, é assim mesmo; tenho certeza
que eu passei alguns anos aturdido diante da leitura das obras de Santo
Tomás. Pelo menos de 45 a 52 anos eu era puro aturdimento diante da Suma
Teológica. Vocês estão tendo a possibilidade que eu não tive: alguém que os
guie, que comece do começo, que os levem pela mão como um pedagogo. Só
me começaram a levar pela mão como um pedagogo quando eu já tinha 55, 56
anos. Este aturdimento de vocês é muito mais saudável que o aturdimento que
eu tive. Por quê? Porque é um aturdimento inicial. Eu comecei pelo fim, então
não era aturdimento, era quase um desespero. O que vocês têm agora, se é
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Muito obrigado.