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Este ensaio pretende apresentar um pouco da historiografia brasileira no século XIX, ou seja, o
início da construção do pensamento e escrita da história nacional, de forma fluida e
metodologicamente mais consciente do que tudo que anteriormente fora feito. Porém, um assunto
de tamanha envergadura necessita de um recorte mais preciso para que possa caber nas
modestas dimensões deste trabalho.
Para tanto, o século em questão terá uma versão mais enxuta, com quase
quarenta anos a menos, iniciando-se em 1838, o ano da criação do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro. Quanto a outra margem do século o
recorte não é tão preciso, irá até o ano de 1900 sem muito rigor. Mais
correto seria estudar-se até 1930, ponto de virada praticamente indiscutível
do pensamento histórico brasileiro, no entanto, o presente trabalho tem
como preocupação maior mostrar as origens, os primeiros anos deste
pensar nacional, centrando olhares sobre a trajetória de Varnhagen e
Capistrano de Abreu. Alguns nomes importantes não serão contemplados,
como Joaquim Nabuco ou Barão de Rio Branco, o que não os diminui em Joaquim Nabuco
absolutamente nada, apenas deixa-os para uma melhor ocasião.
No dia dois de outubro de 1838 é criado, no Rio de Janeiro, o Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro (IHGB) como proposta do Cônego Januário da Cunha Barbosa e do Brigadeiro
Raimundo de Cunha Matos. Uma data de certa significação se analisada junto aos objetivos
propostos pelos fundadores do Instituto. Estava-se a dois anos do fim da Regência, um período de
extrema importância para a compreensão da formação do Império e do Brasil como Estado
Nacional, fato que vai ao encontro dos objetivos da recém-criada entidade que apesar da forte
carga de idéias nativistas e um tanto ufanistas "os traços mais notáveis do órgão, no entanto, são
o pragmatismo da história e o gosto pela pesquisa", o que não desconsidera o estudo da história
como ferramenta pedagógica "orientadora dos novos para o patriotismo, com base no modelo dos
antepassados." (IGLÉSIAS: 2000, 61)
Apesar destas idéias pedagógicas, é a pesquisa que caracteriza o Instituto e o torna divisor de
águas, pois passa-se a fazer o que nunca havia sido feito. O trabalho anteriormente realizado,
desde o século XVII, era individual, episódico e sem continuidade. O IHGB foi responsável por
reunir os que pensavam a história e estavam interessados em discuti-la, mas não em formá-los
pois a entidade não possuía – e não possui, pois ainda existe – as características de uma
universidade, sua função era de conduzir discussões e, por meio da sua Revista, publicar
documentos pertinentes aos estudos históricos.
Varnhagen
Já von Martius apresentou seu "Como se deve escrever a História do Brasil", escrito em 1843,
publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro em 1845 e, finalmente, dado
como vencedor em 20 de maio de 1847. Trabalho que se situa entre a inovação e o característico
de uma época, "Como se deve escrever..." é fruto de atenta observação do naturalista enquanto
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12/04/2020 O fazer-se da historiografia brasileira - uma introdução
esteve expedicionando pelo interior do Brasil sob patrocínio do rei da Baviera. Na verdade, o
estudioso alemão não apresentou uma periodização, mas sim um tratado contendo todos os
pontos e problemas que deveriam ser elucidados para a compreensão geral e ampla do Brasil. Foi
o primeiro a salientar a importância do índio e do negro, a necessidade de se conhecer mais a
fundo os costumes, a língua e a mitologia indígena, a falta de elementos cotidianos do colono
português e do escravo africano para a compreensão dos mecanismos coloniais. No entanto, é
necessário destacar que a inclusão de outras raças como responsáveis pela construção do país
não excluía, segundo von Martius, a responsabilidade do branco em mostrar os rumos da
civilidade, posição eurocêntrica típica e esperada.
Não se deve pensar que, por ter ganho um concurso, a tese de von Martius passou a ser seguida
como lei, pois cada historiador poderia escrever como bem quisesse. O que ficou realmente como
legado foram as influências e o início de debates, sempre presentes quando algo novo surge. Um
historiador que com certeza ao menos leu "Como se deve escrever..." foi João Capistrano de
Abreu, nascido no Ceará e radicado no Rio de Janeiro desde 1875.
O importante é notarmos o que realmente ocorreu ao longo do século XIX, considerado por alguns
como o "século da História". A História surge então como reveladora de gêneses, não que isso
nunca houvesse sido feito, porém passa-se a pensar como analisá-la , que ferramentas seriam
usadas, que teorias e práticas seriam pertinentes. Na verdade, é no oitocentos que se cria um
caráter científico para o que antes era considerado apenas literatura, adquirindo assim, métodos e
critérios. Segundo Francisco Iglésias o que se tenta fazer, a partir daí, é "reunir o maior número
possível de documentos, seja de produção atual seja de mais antiga, com a recuperação de
papéis perdidos ou desgastados pelo tempo" (IGLÉSIAS: 2000, 41). Estes documentos
proporcionaram bases sólidas para que estudiosos pudessem discutir suas diferentes visões.
Sendo assim, o IHGB foi o responsável por agremiar os historiadores ou apaixonados por história,
para que mais tarde estes autodidatas ou "filosofantes brasileiros", segundo as palavras de João
Cruz Costa, pudessem influenciar as gerações seguintes, disputando a atenção dos mais novos
com as idéias estrangeiras. É interessante pensar também que a "importação" de idéias e
doutrinas se faz mais forte quando não se possui meios com os quais rebate-las ou rechaça-las, e
que grandes revoluções – e aqui se incluem as intelectuais – só ocorrem quando há idéias
trabalhadas e adequadas aos revolucionários.
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12/04/2020 O fazer-se da historiografia brasileira - uma introdução
Este ensaio não pretende, de forma alguma, discutir ainda se a historiografia "pós-anos 30" sofreu
uma revolução ou evolução, mas espera-se que tenha ficado demonstrado que apesar de
possíveis erros, incongruências ou inconseqüências uma futura renovação só pode se realizar
sobre algo pré-existente, ou seja, Francisco Adolfo de Varnhagen, João Capistrano de Abreu,
Joaquim Nabuco, Barão de Rio Branco, João Pandiá Calógeras, entre outros, foram o início para
que depois viessem Gilberto Freire, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior, e
sucessivamente até os tempos atuais.
Bibliografia:
ABRÃO, Bernadette Siqueira – História da Filosofia. São Paulo: Nova Cultural, 1999.
COSTA, João Cruz – O pensamento brasileiro sob o Império. In: HOLANDA, Sérgio Buarque
de – História Geral da Civilização Brasileira. T. II, vol.3. 6.ed. Rio de Janeiro: Bertrand-
DIFEL, 1987.
IGLÉSIAS, Francisco – Os historiadores do Brasil: capítulos de historiografia brasileira. 1.ed.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Belo Horizonte: UFMG- IPEA, 2000.
RODRIGUES, José Honório – Teoria da História do Brasil: Introdução Metodológica. Vol.1.
2.ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1957.
RODRIGUES, José Honório – História e Historiadores do Brasil. 1.ed. São Paulo: Fulgor,
1965.
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