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RESUMO
Este trabalho explora o processo de ensino de música nas bandas filarmónicas em Portugal. Parte de um estudo de
caso realizado na Banda dos Bombeiros Voluntários de Ílhavo – Música Nova. As Bandas Filarmónicas são instituições
seculares responsáveis pela formação inicial de grande parte dos instrumentistas de sopro em Portugal. O desinteresse
que os estudos musicológicos revelaram por esta realidade musical explica-se pela persistência de um paradigma
essencialista da cultura que exclui as práticas situadas entre os domínios erudito e folclórico. Enquadra-se num estudo
mais amplo que compreende a atividade filarmónica no concelho de Ílhavo. O meu contributo circunscreve-se ao
ensino-aprendizagem de música nas bandas filarmónicas e à atividade performativa da Música Nova ao longo de 2012,
procurando averiguar o impacto que a formação de músicos nas bandas filarmónicas teve e tem na vida musical em
Portugal, nomeadamente na formação de músicos profissionais.
Palavras-chave: Bandas Filarmónicas; Ílhavo; Ensino; Escolas de Música
ABSTRACT
This study explores the process of teaching music in the community bands in Portugal, through qualitative and
quantitative methods. It is part of a case study conducted in Banda dos Bombeiros Voluntários de Ílhavo – Música
Nova. The Wind Bands are secular institutions, responsible for the initial training of most wind players in Portugal.
The disinterest musicological studies revealed by this reality is explained with the persistence of essentialist a cultural
paradigm that excludes practices situated between academic and popular domains. It fits in a larger study comprising
Philharmonic activity in the municipality of Ílhavo. My contribution is limited to the teaching and learning of music in the
wind bands and to the performative activity of Banda dos Bombeiros Voluntários de Ílhavo – Música Nova throughout
2012, trying to ascertain the impact of the musical education in the wind bands in the musical life in Portugal, particularly
in the training of professional musicians.
Keywords: Community Wind Bands; Ílhavo; Teaching; Music Schools
[29] RPEA
menos abastadas. Nas outras, infelizmente, e
Introdução em relação à generalidade, poucas dedicações
se encontram. É no pedreiro, no trabalhador,
A filarmónica é uma autêntica instituição nacional? no sapateiro, no carpinteiro, no empregado
Sem dúvida. Há neste caso que protegê-la, dar- humilde enfim, que se encontra a verdadeira e
lhe o relevo que necessita e fazer dela uma forte desinteressada dedicação: o sustentáculo das
“construção”. (Freitas, 1946: 30) Bandas Populares, o sacrifício do dinheiro, o
martírio dos ensaios depois dos dias exaustivos
As bandas filarmónicas são instituições secula- de trabalho, o cansaço, a paciência, a abnegação,
res, consideradas por muitos como escolas de vida, e por último o amor verdadeiro e sincero à Causa.
São estes os obreiros anónimos que sustentam
além de serem importantes centros de aprendiza- no país, e sem remuneração, a música do povo.
gem musical, de onde saem bons instrumentistas (Freitas, 1946: 29-30)
de sopro. Pedro de Freitas (1894-1987), filarmónico Mais recentemente, os autores Sardinha e Ca-
nascido em Loulé, ferroviário e militar, escreveu macho (2001) fazem referência ao importante
um importante livro sobre estas instituições, in- papel social e educativo das bandas filarmónicas:
titulado História da Música Popular em Portugal, ... Por outro lado, estas instituições musicais são
no qual faz uma descrição das bandas existentes responsáveis por 150 anos de educação musical
no nosso país, e fizeram-na sem a ajuda do
na primeira metade do século XX, contabilizando Estado, que durante muito tempo foi alheio a um
cerca de 200 filarmónicas espalhadas pelo país. verdadeiro programa de alfabetização musical.
Até ao 25 de Abril de 1974 estas sociedades
É um trabalho importante pela singularidade de foram os conservatórios do povo e não se
dados que fornece para o conhecimento desta pense que a sua vocação ficava só pela prática
musical. O teatro, o desporto e até a instrução
realidade que retrata o papel relevante das bandas primária foram alguns dos seus contributos para
filarmónicas na vida musical da sociedade por- a evolução global do país. Nos meios rurais onde
a escola tardava em chegar era a banda onde
tuguesa, enquanto associações de impacto local se aprendia a ler, a escrever e contar. Pelas
e regional, sendo o próprio autor um entusiasta bandas filarmónicas passaram, e ainda passam,
por estas associações. Além de destacar o papel alguns dos melhores músicos de sopro do país.
Depois de as frequentarem, ficam aptos a evoluir
associativo das filarmónicas, Freitas também as para outros patamares nos conservatórios ou
engloba no meio ‘popular’, uma vez que, para o nas escolas superiores de música. (Sardinha e
Camacho, 2001: 9 cit. in Gomes, 2007: 172)
autor, é este sector da população que mais apoio
dá a estas instituições. Este argumento faz sentido O meu contributo circunscreve-se ao ensino-
se pensarmos que as filarmónicas propiciam novas -aprendizagem de música nas bandas filarmónicas,
sociabilidades e são importantes centros de ensino tendo como objetivos compreender o impacto que
musical, sendo que em alguns períodos da história a formação de músicos nas mesmas teve e tem
portuguesa as bandas foram, nas localidades onde na vida musical em Portugal, nomeadamente na
estavam sediadas, a única instituição onde os seus formação de músicos profissionais, além da ca-
habitantes podiam aprender formalmente música: racterização e descrição do desenvolvimento do
Às Sociedades Filarmónicas quem lhes empresta processo de ensino ministrado nas bandas. Este
mais solidariedade? Quer no campo artístico quer trabalho pretende também conhecer esta reali-
no campo económico, são, em geral, as classes
dade e compreender em que medida e como as
RPEA [30]
bandas filarmónicas em Portugal têm contribuído campanhas de angariação de fundos, bilhetes de
para a formação de músicos profissionais, além concertos, etc.); fundos provenientes de organi-
da educação de cidadãos. zações estatais como Autarquias, Secretaria de
O trabalho está integrado no projeto “Mimar”, Estado da Cultura, Instituições Comunitárias Eu-
projeto conjunto entre a Câmara Municipal de Ílhavo ropeias, Instituto Português da Juventude, etc. e
e a Universidade de Aveiro enquadrando-se, por donativos de privados (Granjo, 2005). Performam
isso, num estudo mais amplo que compreende então em festas e eventos religiosos que ocorrem
a atividade filarmónica no concelho de Ílhavo. O no verão; cerimónias comemorativas de feriados
presente artigo, resultante do meu trabalho para nacionais (25 Abril, Natal, Páscoa, entre outros),
a realização de uma dissertação de mestrado na que podem ser organizadas por instituições es-
Universidade de Aveiro, em 2013, foi apresentado tatais; concertos de aniversário da associação;
no II Seminário de Bandas Filarmónicas da Asso- eventos de cariz social, entre outras situações
ciação de Bandas do Funchal – Região Autónoma possíveis.
da Madeira, no passado dia 19 de Novembro de A partir da pesquisa realizada, pude constatar
2016, em Santa Cruz. que desde os finais do século XX, com exceção do
maestro, a maior parte dos músicos que integra
Bandas Filarmónicas as bandas filarmónicas exerce profissões fora do
em Portugal – Breve âmbito da música, sendo que mais recentemente
tem começado a haver músicos que optam por
Contextualização
uma carreira profissional no domínio musical não
As bandas filarmónicas são agrupamentos dependendo, no entanto, dos rendimentos que ob-
musicais constituídos preferencialmente por ins- têm das bandas filarmónicas. Predominantemente
trumentos de sopro e percussão. Com origem masculinas durante décadas são, no início do século
nas sociedades filarmónicas que, segundo Paulo XXI, organizações mistas cujo número ascende às
Lameiro (2010), foram importadas de Inglaterra, sete centenas. Também ao nível dos instrumentos
desempenham um papel associativo e recreativo, que integram estas instituições, observa-se que a
além de serem importantes centros de aprendi- diversidade que caracterizou as constituições ins-
zagem musical ao alcance de todas as classes trumentais das bandas ao longo dos séculos XIX e
sociais. Estes agrupamentos, geralmente orga- XX, vem a dar lugar a uma certa homogeneidade
nizados como associação recreativa, sobrevivem ao nível instrumental. De igual modo, o número de
dos proventos que auferem das suas actividades instrumentistas que constitui a banda variou ao
performativas e comunitárias, sendo que o dinheiro longo do tempo, sendo que no início do século XX
necessário para estas instituições se manterem estaria entre vinte e cinco e oitenta elementos.
provém principalmente de quatro tipos de fontes: As bandas filarmónicas podem ter uma existência
quotas anuais dos seus sócios; pagamento à banda autónoma ou serem integradas em sociedades
pelas suas atividades (festas religiosas, contratos, privadas, desenvolvendo neste caso atividades tão
[31] RPEA
dedicando os escassos momentos de lazer aos
diversas como o desporto, a filantropia, o teatro ensaios que decorriam, na sede da Filarmónica.
ou o artesanato (Granjo, 2005). Que belo e encantador exemplo o destes jovens
e homens dos ofícios, desta gente humilde que,
Em ambos os casos, são organizações que depois de regressarem a casa derreados pela
compreendem uma direção administrativa e ou- dureza do trabalho do nascer ao sol-pôr, após
depressa enganarem a fome, corriam para a
tra artística. A direção administrativa organiza os sede, com o coração vestido de alegria, para
concertos, assina contratos para a banda, tem a participarem em mais um ensaio! (Catana, 2003:
seu cargo gerir a parte financeira da associação 127)
e assegurar a divulgação da mesma, entre ou- O repertório executado pelas bandas é variado,
tras funções, pedindo em algumas situações a dependendo do contexto em que vão tocar. É, no
opinião do maestro. A direção artística e musical entanto, maioritariamente constituído por mar-
das filarmónicas fica a cargo do regente ou mes- chas, muitas vezes feitas pelos regentes. Tocam
tre, que tem como funções a seleção, aquisição, também rapsódias, hinos, fantasias e aberturas,
transcrição e arranjo do repertório, a realização específicas para esta constituição ou então ar-
de ensaios e a direção em concertos, acompanha- ranjos de música erudita, jazz, música ligeira ou
mento nas arruadas e é também responsável pelo pop-rock. Destacam-se, entre os compositores
ensino de música da instituição, sendo apoiado pelo portugueses que escreveram para banda, os se-
contramestre, um músico escolhido de entre os guintes: João Carlos de Sousa Morais, Sílvio Pleno
elementos da banda. As bandas apresentam-se ao (1932 – 2015), Duarte Pestana (1911 – ?), Miguel
público com uma farda, com chapéu e, em alguns de Oliveira, Ilídio Costa, Amílcar Morais, Jorge Sal-
casos, com insígnias. gueiro (n. 1969), Carlos Marques, Afonso Alves
As filarmónicas performam, a maior parte das (n. 1959), Valdemar Sequeira, Samuel Pascoal (n.
vezes, em espaços ao ar livre, ambiente para o qual 1986), Lino Guerreiro e Luís Cardoso (n. 1974). Na
estão vocacionadas dada a sua constituição ins- maior parte das atuações, o público não tem de
trumental. Contudo, são cada vez mais chamadas pagar pelos espetáculos; no entanto, a entidade
a atuar em locais fechados (salas de concerto e organizadora que contrata a banda para fazer os
auditórios), frequentemente integradas em come- concertos e festas religiosas paga à filarmónica
morações autárquicas ou de âmbito nacional ou um determinado valor, acordado anteriormente
em eventos festivos da banda, além de concursos ou, em caso de alguma alteração no programa,
e encontros de bandas. Em algumas localidades decidido no dia da atuação (Granjo, 2005).
são muitas vezes chamadas a dar acompanha-
mento musical a touradas. Em qualquer evento Ensino e Aprendizagem
das filarmónicas, é visível a dedicação dos seus nas Bandas Filarmónicas
constituintes à banda. Sobre esta vertente humana
das bandas, António Catana diz: As bandas filarmónicas são instituições que pro-
Mesmo em noites de frio intenso, nada era movem a integração de novos elementos. Para tal,
impeditivo para o filarmónico dar o melhor de si, apostam no ensino formal de música, quer seja em
RPEA [32]
aulas específicas de solfejo e instrumento musical, ou o contramestre (Costa, 2009). Neste modelo
ou durante os ensaios. Contudo, as filarmónicas o aprendiz começa com aulas de solfejo, a partir
são também escolas de vida, difundindo valores dos manuais de ensino de Freitas Gazul e Artur
diversos: Fão, e só após alcançar uma determinada lição é
... na verdade, as Filarmónicas ou Bandas foram encaminhado para um instrumento, de acordo com
e são autênticas Escolas do Povo, porque a necessidade e possibilidades da banda. Depois de
permitiram e permitem que os jovens e os adultos
aprendam a ser mais amigos, mais respeitadores saber algumas notas no instrumento, começa a
e mais solidários. (Catana, 2003: 12) frequentar os ensaios e só quando é considerado
apto pelo maestro integra os serviços externos da
As bandas implementam um processo de ensi- banda. O modelo de transição é observável desde
no-aprendizagem que lhes é particular, distinguin- os anos 1980 e caracteriza-se por incluir mais
do-se, assim, das outras instituições de ensino professores: o maestro orienta as aulas de solfejo
de música em Portugal. Essas singularidades são (da maneira atrás referida, ou seja, segundo os
patentes nas competências musicais dos músicos livros de Freitas Gazul e Artur Fão), mas dá a parte
que se iniciam neste universo. Entre aprendizes e do ensino do instrumento a diferentes músicos
profissionais de música, sobretudo no que se re- monitores (Costa, 2009). O método atual, patente
fere aos instrumentos de sopro, é de destacar a desde os anos 1990, aproxima-se do método utili-
facilidade de leitura de partituras dos músicos que zado em conservatórios e outras escolas de ensino
tiveram ou têm no seu percurso uma experiência especializado de música. Apesar desta tentativa de
performativa no domínio das bandas filarmónicas. sistematização por décadas dos diferentes méto-
De acordo com Maria João Vasconcelos, citada dos de ensino, não se trata de uma divisão temporal
no estudo realizado pelo maestro Maurício Soares fixa, uma vez que, dependendo de cada banda, é
da Costa: escolhido o método que lhe seja mais adequado,
Atualmente, no universo das Bandas Filarmónicas, contribuindo para isso diversos fatores internos,
‘coexistem várias formas organizacionais de como a formação do maestro, dos músicos e da
escolas de música, desde o modelo tradicional
de ensino até outros mais modernos. Contudo, o própria direção, além das condições financeiras da
objectivo principal é sempre o mesmo: preparar filarmónica (Costa, 2009).
músicos o mais rapidamente possível para que
se juntem à banda como elementos ativos’. Uma vez que as bandas filarmónicas aceitam
(Vasconcelos, 2004 cit. in Costa, 2009: 31) sem reservas quaisquer candidatos, a formação
inicial pode ir de um a três anos, dependendo das
Segundo autores como Vasconcelos e Costa, capacidades de cada músico. As escolas de música
podem ser distinguidos três modelos de ensino. das bandas são então de grande importância, pois
O modelo tradicional refere-se ao tipo de ensino constituem, para algumas pessoas, a única escola
praticado até aos anos 1970 que se caracteriza de música da sua região. As bandas começaram
por ter apenas um responsável pelo ensino do sol- a especializar os professores de instrumento das
fejo e dos instrumentos, normalmente o maestro suas escolas, melhorando a qualidade dos músicos
[33] RPEA
e apressando a aprendizagem nos instrumentos. em algumas bandas é comum haver pagamentos
Assim, mantêm as suas escolas para o repertório aos músicos no final da época, que geralmente
a executar, enviando os seus alunos para as aca- acontece durante o mês de Outubro. Esses pa-
demias e conservatórios. Por sua vez, a abertura gamentos têm em conta, relativamente a cada
de cursos superiores de música em universidades músico, a assiduidade aos ensaios e serviços, a
e escolas superiores dos vários institutos politéc- qualidade musical e a responsabilidade e causa à
nicos veio facultar novas especializações dentro da instituição.
música, fazendo com que a qualidade de ensino e Estas instituições, para além da componente de
dos próprios músicos nas bandas subisse (Bessa, formação musical e cívica, enriquecem em outros
2009; Lameiro, 2010). aspectos os seus intervenientes. Começando no
Ao longo da minha investigação, nesta área das seio da instituição, existe toda uma forte con-
bandas filarmónicas, constatei outros fatores in- vivência emocional entre os diferentes naipes e
trínsecos que valorizam e enriquecem em muito gerações de músicos. É de lembrar que as atuais
toda a construção de uma personalidade do indiví- bandas filarmónicas incluem pessoas adultas que
duo dentro destas instituições. A formação obriga trabalham nos diferentes sectores (Primário, Se-
desde logo à assimilação matemática de toda a cundário e Terciário) e gerações mais novas que
construção musical e ajuda a estimular toda a tomam contacto com a sua realidade ao longo
nossa capacidade de abstração para poder ler e dos anos compreendendo e interiorizando o seu
entoar, assim como sentir diferentes ritmos e dinâ- dia-a-dia. Em alguns casos, quando os indivíduos
micas para poder executar instrumentalmente as chegam a idade adulta, muitas destas pessoas que
peças musicais. Dentro destas instituições existe conheceram ajudam tanto no arranjar de emprego
um cultivar contínuo da disciplina, começando desde como no encaminhamento profissional.
logo pelo professor / maestro e seus ensinamen- Um outro ponto fundamental é o contacto que
tos. Além do maestro, os dirigentes das bandas os músicos têm durante os serviços com o meio
preocupam-se essencialmente com a pontualidade envolvente. Durante a minha investigação, observei
(aulas marcadas e ensaios), cuidados a ter com a que os músicos conhecem os locais e os exploram
farda e instrumento assim como ter o reportório durante as horas vagas, convivem com diferentes
em dia. Por fim, os chefes de naipe fazem ligação pessoas de diversos estratos e falam de variadís-
entre o maestro e a direção e verificam todos simos assuntos, e tudo isto de uma forma muito
estes pontos anteriores e tentam educar e aju- intensa. Todas estas interações dão aos indivíduos
dar os mais novos para que os serviços possam uma capacidade de estar, falar e observar, com-
correr da melhor forma antecipando problemas. pletando-se, desta forma, mais enquanto cidadãos.
Toda esta disciplina e cuidados por parte destes As bandas filarmónicas, para além destes aspe-
atores neste meio faz nascer dentro do indivíduo tos socioeducativos, transmitem um sentimento de
o sentido de corporativismo e responsabilidade. O nacionalismo muito forte aos jovens. O reportório
fator económico também é importante, sendo que popular português tem toda uma mistura de rit-
RPEA [34]
mos e melodias das diferentes regiões de Portugal nas escolas de ensino artístico com paralelismo
(bailinho da madeira, cantares alentejanos, fado de pedagógico em Portugal Continental e Regiões
Coimbra e Lisboa, corridinho do Algarve, vira do Autónomas, no sentido de procurar responder à
Minho, entre outros) que ajudam todos os indivíduos seguinte questão: qual o impacto das bandas no
a respeitar com orgulho a cultura musical nacio- ensino especializado de música em Portugal? Ape-
nal. Este sentimento de cariz nacionalista verifico sar dos inquéritos terem sido direcionados para os
hoje no trabalho de campo que estou a realizar professores de sopros e percussão, recebi alguns
em França, junto da comunidade portuguesa em que foram respondidos por professores de outras
Paris, através da criação, pelo associativismo, de áreas curriculares que não se integram nas bandas
agrupamentos musicais que representam musi- filarmónicas (ciências musicais, instrumentos de
calmente a identidade nacional portuguesa (Filar- corda e flauta de bisel), tendo estes começado a
mónica Portuguesa de Paris, ranchos folclóricos, sua formação musical numa banda. Contudo, estes
Academia de Fado, grupos de fado). não foram contabilizados.
Ao longo das entrevistas que realizei a mú- Relativamente às entrevistas realizadas, que
sicos de bandas filarmónicas, verifiquei que em tiveram como público-alvo seis professores de ins-
muitos casos estes indivíduos, em idade adulta, trumentos de sopro do Conservatório de Música de
preocupam-se em transmitir aos filhos, sobrinhos Coimbra, as questões que coloquei centraram-se
e afilhados o gosto pela música. Tentam encami- em dois tópicos principais:
nha-los logo cedo para um conservatório e, se o 1) Saber se os professores de instrumentos
meio proporcionar, para uma banda filarmónica. de sopro que atualmente lecionam nos conserva-
Se esta não existir apoiam para a integração e tórios iniciaram a sua aprendizagem no contexto
participação noutros géneros de grupos, como das bandas filarmónicas;
por exemplo grupos de baile, rock, pop, música de 2) Saber qual a importância atual das bandas
câmara, quintetos diversos, entre outros grupos na formação inicial dos candidatos a instrumentos
possíveis. Estes adultos que incentivam os mais de sopro.
novos para estes meios valorizam tanto o fator Dos seis músicos entrevistados (um de clarine-
música, como toda a convivência que daí se extrai te, dois de saxofone, um de fagote, um de flauta
para a vida futura. transversal e um de trompete), cinco começaram
a aprender música nas bandas filarmónicas. O único
Impacto das Bandas no que não começou numa filarmónica foi o profes-
Ensino Especializado de sor de flauta transversal. Todos os professores
entrevistados salientaram as diferenças entre os
Música em Portugal
alunos que concorrem para os conservatórios e
Na minha dissertação de mestrado, realizei seis escolas de música. Segundo sustentaram, os que
entrevistas e um questionário aplicado aos pro- vêm de uma banda filarmónica “desenvolvem-se
fessores de instrumentos de sopro e percussão mais rapidamente”, uma vez que já possuem algu-
[35] RPEA
mas bases do instrumento para o qual concorrem a aprender música nas filarmónicas, mantendo-se
(entr. Papel, 2012). ligados às mesmas apenas 58. Os restantes, ou
Depois de realizar estas entrevistas decidi alar- já não estão ligados a filarmónicas (40), ou apenas
gar o âmbito da minha auscultação a um leque mantêm colaborações pontuais (20). Relativamente
mais vasto de professores, no sentido de saber se aos seus alunos, os professores que têm menos
noutras localidades do país as bandas filarmónicas alunos nas bandas são os de oboé e fagote, sendo
também têm um impacto idêntico na formação que os que têm mais alunos são os de clarinete,
dos músicos. Na impossibilidade de me deslocar saxofone e trompete.
fisicamente a todas as escolas, elaborei um curto Posteriormente, prossegui para as escolas das
questionário dirigido aos professores de sopro e restantes zonas (Norte, Lisboa e Vale do Tejo,
percussão, onde os questionava relativamente à Alentejo, Algarve, Açores e Madeira). Dos 875
instituição onde tinham tido formação inicial. professores destas regiões (400 da região Nor-
Comecei por fazer uma pesquisa, junto das ex- te, 276 da região de Lisboa e Vale do Tejo, 60 do
tintas Direções Regionais de Educação (Norte, Alentejo, 74 do Algarve, 38 dos Açores e 27 da
Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo, Algarve, Madeira, aproximadamente), responderam 48 da
Açores e Madeira), dos estabelecimentos de ensi- região Norte, 26 da região de Lisboa e Vale do Tejo
no de música existentes em Portugal. Procedi ao e 11 docentes dos Açores, ou seja, um total de 85
levantamento dos contactos das várias escolas respondentes, sendo que existem professores
de ensino artístico com paralelismo pedagógico que dão aulas em mais do que uma escola, sendo
de Portugal Continental e Regiões Autónomas, de apenas contabilizados uma vez.
modo a poder enviar por email e, nalguns casos, Em relação à formação dos professores des-
recolher pessoalmente o inquérito destinado aos tas regiões, começaram numa filarmónica a sua
professores de sopro e percussão das mesmas. aprendizagem musical 53. Apenas cinco nunca
Nas escolas da região Centro, o período de aplica- estiveram ligados a nenhuma banda. Mantêm-se
ção foi parte do primeiro semestre (Março a Julho) ligados às filarmónicas 37 professores, 14 apenas
do ano 2012, sendo que nas restantes regiões foi pontualmente e os restantes 29 já não têm liga-
de Outubro de 2012 a Maio de 2013. Dos 209 pro- ção a estes agrupamentos. Os professores que
fessores de sopros e percussão da região Centro, têm menos alunos nas bandas são os de oboé e
responderam-me 121. Destes, apenas três nunca trompa, sendo que os que têm mais alunos são
integraram nenhuma banda filarmónica, sendo que os de clarinete e saxofone.
um deles esteve apenas numa orquestra de so- Deste estudo pode-se concluir que as filarmó-
pros, continuando a não estar ligados a nenhuma nicas tiveram e ainda têm um importante papel
banda. A formação inicial dos professores é diversa, e uma presença decisiva no estabelecimento da
podendo ter sido realizada em bandas, em escolas profissão de músico em Portugal, uma vez que
de música oficiais ou não, ou então com familia- uma percentagem significativa de professores
res; contudo, 85 dos respondentes começaram iniciou a sua formação musical nestes agrupamen-
RPEA [36]
7 6
26
21
85 53
Banda Filarmónica Outra Instituição Outro Bandas Filarmónicas Outra Instituição Outro
Gráfico 1 – Formação musical inicial dos Gráfico 3 – Formação musical inicial dos
professores de sopro e percussão da região professores de sopro e percussão das restantes
Centro que responderam ao inquérito. regiões que responderam ao inquérito.
20 14
37
58
40 29
[37] RPEA
tos. É também possível constatar que as bandas homens. Tal como qualquer banda filarmónica, a sua
filarmónicas não excluem candidatos, estando as constituição foi variando, sendo que na altura em
suas escolas de música acessíveis ao público em que era regente José Nunes Morgado (entre 1944
geral, não havendo nestas diferenciação de classes e 1970) contava com trinta e quatro elementos
sociais ou de estatuto económico, ao contrário (entr. Ramalheira, 2013).
do que acontece nos conservatórios, nos quais
existem provas de seleção que limitam o acesso
a uma formação musical especializada.
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