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Sumário
Resumo
Exte texto tem por objetivo debater a aplicação dos princípios jurídicos em sistemas iuspositivistas
levando-se em consideração a sua inserção no evento permanente e imutável da Globalização e sua
instrumentalização. O texto se permite discutir os princípios como elementos que exercem duas funções:
uma interna, organizadora dentro do sistema, como fundamentos de distribuição de justiça na formação
de e entre normas e regras, e outra função, externa, de fundamento para a concessão argumentativa
judicial de distribuição de justiça na prolação. Neste particular, tem por desiderato demonstrar a
insuficiência do sistema iuspositivista para esse fim (distribuição de justiça) e a necessidade de formação
de nova sistemática que antecedentemente considere os valores, interesses, a composição do interesse
enquanto manifestação de necessidades, adequações e utilidades e a fixação de princípios permanentes e
embasadores de regras e normas, o estabelecimento da ética e seus valores como elementos substanciais e
objetivos para afastar as decisões ilícitas –dadas em contrário à conduta permitida e obviamente entendidas
como diferentes de ilegais-; decisões anti-éticas –contrárias a valores éticos-; decisões a-éticas –que sendo
indiferentes à ética, produzem indiretamente ilicitudes porque não se posicionam contra resultados que
vulnerem valores universais que devem sempre ser reafirmados-; decisões imorais –que na tentativa de
seguir o preceito contido nos valores éticos universais justificam a adoção de outra tese, contrária
moralmente, em virtude da sua aplicação desviante, em verdade não aplicam o princípio ético porque o
fazem em conformidade com a maneira com que apreendido cultural e utilitariamente em determinada
região-; e decisões amorais –em que indiferentes à moral, vale dizer indiferente à maneira com que os
preceitos universais da ética são apreendidos culturalmente, levam, por essa desconsideração e
indiferença, a resultados que são verdadeiros descumprimentos dos princípios e valores universais da
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Carlos Newton Pinto, é Desembargador Federal do Trabalho, do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª
Região, em Natal, Rio Grande do Norte, Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro, Mestre em Ciências Jurídicas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro,
Especialista em Política e Estratégia pela Escola Superior de Guerra, Diplomado em Estudos Avançados
pela Universidad del País Vasco - España, Mestrando e Doutorando em Sociedad Democrática, Estado y
Derecho pela Universidad del País Vasco – España, Especialista em Relações Internacionais pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Especialista em Direito e Processo do Trabalho prela
Universidade Católica do Rio de Janeiro e Professor Adjunto de Teoria Geral do Processo e Processo
Civil da Universidade Potiguar – Natal, Brasil.
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ética, a fim de que, na proposta de criação de nova compreensão de um sistema de direito, se possa
efetivar, mediante elementos objetivos aplicáveis às próprias decisões judiciais por uma teoria da decisão
judicial que denominamos iusinterativismo, em virtude da constatação da evidente insuficiência da lei
positivada.
Resume
This paper has the objective to discuss the legal principles enforcement right over the legal systems toward
its insertion on the permanent and immutable Globalization and its updating instruments. The text allows
to discuss principles as two functional elements: first, an internal, organizer inside the system, as
fundaments of justice distribution on the construction of and between norms and rules, and another
function, external, grounding the judicial arguments for justice distribution on sentences searching justice-
on-decisions. On this purpose, intend to demonstrate the non-sufficiency of the updated legal system for
justice distribution and the needing of a new system that previously consider moral values, ethical
interests, the interest as an objective necessity, an adequacy of means and result of utilities and, on the
other side, a settlement of permanent principles that grounds rules and norms, based on ethics values to
throw away from the legal system the non licet decisions – given as opposite of the permitted conduct and
obviously comprehended as different of illegal, that is firmly forbidden-; anti-ethical decisions –against
universal ethical values-; non-ethical decisions –indifferent to ethics, produce non licet actions because its
results and effects affect and violate universal ethics values that must be affirmed; immoral decisions –that
trying to follow the precept of universal ethical values, used to justify the adoption of another thesis –
opposite morally- on virtue to causes an ethical detour of judicial aplication about this same ethical
principle according to as culturally learned in a specific country, region or area-; non moral decisions –that
indifferent to the moral constructed as learned and applied universal ethics principles on each country, or
region, or area transform this non consideration or indifference in effectives violations of the universal
ethics values and principles. All these situations must be studied in order to recognize the necessity to
establish a new legal system to make objectives the elements of the judicial decisions –with a new Theory
of Judicial Decision we call iusinteractivism- because the evident non sufficiency of the legal positivist
system to distribute effective justice-on-decisions.
Keywords : Legal System. Positive and Statute Law. Principles and Rules. Interpretation. Global
World. Iusinteractivism.
Toda criação de um sistema jurídico e de seus princípios -estes últimos como forma de
resolver ou indicar os preceitos ou normas a serem aplicados ou para tornar uma regra
mais clara, ou para decidir uma questão concreta- deveria se pautar sempre pela busca,
aplicação e distribuição de justiça.
Todavia, ao longo dos anos e séculos, nunca foi assim. Também nunca se desejou criar
um sistema jurídico como se fora um desejo de expressa manifestação de vontade de
alguém ou de um povo. Os sistemas teóricos de direito podem ser criações teóricas de
juristas em virtude de seus estudos, porém os sistemas de direitos práticos, emanados
do exercício frequente do poder e vigentes nas mais diversas Nações e Estados, o
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foram, e têm sido, uma construção paulatina e constante arrimada nas experiências
sociais, econômicas e políticas de cada povo ou nação. E continuam se desenvolvendo a
cada século. Não estou falando nada de novo. Mas preconizo a busca da distribuição
da justiça para a justiça das decisões judiciais.
Não obstante isto, a construção de sistemas ou ações de poder sempre foi efetuada
mediante justificação de interesses e manutenção de valores e de poder que, em nome
dessa preservação nem sempre eram manifestados expressamente ou de forma clara
aos súditos ou aos cidadãos.
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de 1170, quase um século após a primeira e criada pelo Bispado de Notre Dame-,
ambas, obviamente, não eram amplamente democráticas nessa transmissão e difusão
porque dependiam de autorização ou do clero, ou do governo monárquico ligado à
Igreja, para funcionar e admitir seus alunos, os quais normalmente eram oriundos da
nobreza de diversas regiões do planeta.
Toda e qualquer atitude de sistematizar o poder tinha um valor por detrás que
justificava um determinado interesse. Fosse profissional, técnico, social, econômico ou
político, místico ou religioso, sempre houve um valor ético a justificar a criação ou
utilização de princípios, organizados e sistematizados para determinar uma ordem
valorativa de regras para justificação do exercício do poder.
Para isso, antes de mais nada, é necessário compreender o que sejam princípios ,
valores e interesses.
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http://mundoestranho.abril.com.br/materia/onde-e-quando-surgiu-a-primeira-universidade ; pode-se
verificar que mesmo sendo uma forma de ampliação de transmissão de conhecimento, era direcionado a
pessoas e famílias abastadas, o que restringia o universo de pessoas para a transferência e a apreensão do
conhecimento.
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Em tudo e por tudo e por todos, os interessados no poder (seja na sua conquista ou na
sua preservação ou conservação) utilizavam-se de valores e de sua justificação de
interesses. Falamos de valores e de interesses. Mas o que são valores e interesses para o
nosso objetivo?
A definição mais clássica e conhecida do direito e que utiliza o interesse como conceito
é a criada por Rudolf Von Jhering 6, como sendo o direito o interesse juridicamente
protegido, o que nos leva, imediatamente, à compreensão de que o direito é um valor
que formula uma pretensão direcionada pelo indivíduo a uma finalidade e que deve se
encontrar protegido por uma norma, um costume ou um princípio, sendo o interesse
esse bem da vida assim adequadamente protegido, conforme o que entendemos pelo
vocábulo direito na ampla acepção de um Estado Democrático de Direito. Nem sempre
foi considerado assim. Mesmo que talvez se tenha que melhor definir mais
acuradamente estes conceitos para o que denominamos de Jusinterativismo
verificamos que a definição de direito de Jhering contém a subliminarmente embutida
a ideia de valor e de norma enquanto definição do conceito de direito.
Comecemos pelos interesses para chegarmos aos valores que lhes são prévios e
posteriormente ao direito como resultado de criação de todo um sistema, para afinal e
imperiosamente, chegar-se ao conceito de justiça, como o principal elemento de busca
6
JHERING, Rudolf Von. A luta pelo direito. Coleção A obra prima de cada autor. Tradução de José
Tavares BASTOS. São Paulo: Ed. Martin Claret, 2002.
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para a solução dos conflitos sociais7. E para isto veremos as insuficiências do sistema e
suas necessidades de transformação.
Todo o interesse, em qualquer teoria que se utilize, verificar-se-á que é formado por
três elementos substanciais, sendo um deles obrigatório e outros dois contingentes, que
atuam em conjunto e ao mesmo tempo e formam o interesse. Necessidade
(obrigatório), adequação (contingente) e utilidade (contingente).
2.1. Necessidade.
Para que um ser humano se interesse sobre algo é obrigatório que isso se apresente
necessário de alguma maneira à sua vida. O ser humano deve precisar, no mínimo, ou
de um fato, ou de um ser ou de um objeto de alguma maneira e por algum motivo. A
necessidade advém de um obrigatório valor prévio de subsistência ou um valor
antecipado de manutenção de um estado de coisas. Guarda em si um valor positivo de
aquisição e/ou de manutenção, vale dizer, em qualquer hipótese, para suprir algo que
mantenha a vida e que pode ser caracterizado como uma simples mantença ou
mudança de situação ou de posição.
2.2. Adequação
Faz parte integrante de nossa vida, para que possamos conviver socialmente, que
consigamos, além do quanto necessário que sejam os meios, que eles –os meios-
possam satisfazer essa manutenção de vida. É de relação contingente com a
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Faço questão de formular a objeção, neste momento, que o conceito de justiça ou de justiça-nas-
decisões que preconizo para o iusinterativismo ou iusnaturalismo fenomenológico não é um conceito a
priori, vale dizer, não é pré-estabelecida a sua existência, por origem divina ou da própria natureza.
Assim como a existência de qualquer regra (tanto ética, quanto jurídica) de conteúdo indicativo de
conduta não traz um conteúdo apriorístico, exceto a hipótese fática prevista, e do mesmo modo que o
direito não é um conceito a priori, porque depende da existência recíproca de seres humanos e da própria
ocorrência de conflito de interesses, a justiça ou a justiça-nas-decisões, embora deva ser –e é-
considerada um valor, também depende da existência recíproca de seres humanos e da prática de suas
condutas e está por isso mesmo intimamente relacionada com a Ética e o com o Direito e constitui-se em
uma ideia, valor e atividade de expressão universal, jamais absoluta –quer se dizer, ocorre de modo
permanente, constante por todos os tempos e lugares- porém de aplicação relativa –quer se dizer,
distinta e mutável de acordo com suas identidades e finalidades em virtude dos fenômenos sociais,
valores éticos e normas vigentes- perfazendo-se em um elemento de característica relacional,
parametrizado, iusinterativo. As mais das vezes se confunde o conceito individual e puramente empírico
opinativo e subjetivo de justiça –o qual valor nenhum tem para efeito científico- com este a que estamos a
sustentar, afirmando-o ser de impossível concreção e objetividade. É como se ao ver o sol eu dissesse que
não creio que ele seja um astro e nisso eu viesse a crer firmemente. Desta afirmação surge uma verdade
puramente pessoal, subjetiva, obtida por uma mera convicção pessoal, mas não concretada nem
demonstrada cientificamente e a qual se o seu emissor não mudar de ideia jamais deixará de existir,
embora equivocada. Quando falo de iusinterativismo, de justiça ou de justiça de modo concreto, ou
ainda de justiça-nas-decisões estou a considerar um fenômeno concreto e específico, oriundo de um caso
judicial concreto e específico, que não admite outra decisão senão a mais ajustada para o conflito. E ser a
decisão mais ajustada ou iusinterativa, ou justa, como se queira dizer, para o conflito, não é simplesmente
decidi-la de acordo com as suas convicções próprias –muitas vezes eivadas de preconceitos ou de
manifestações culturais pessoais indevidas a um julgador no momento de decidir- e tampouco é
considerar as provas e aplicar a lei, imaginando estar fazendo justiça. É dever do juiz conhecer os fatos,
os fenômenos sociais, as normas vigentes, os valores éticos incidentes aos fenômenos em análise e,
considerando os Vetores Naturais (o tempo, o, lugar, a finalidade e a identidade) desses elementos
realizar uma decisão que se apresentará mais ajustada à solução do conflito social de interesses, sendo,
portanto, iusinterativa.
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necessidade e com o próprio interesse, porque por vezes, pode existir um meio não tão
adequado, mas útil a necessidade. Ou não tão útil, mas adequado ao interesse, e
obviamente, à necessidade. Não se faz suficiente obter o necessário à vida ou à sua
preservação se o meio não é adequado, ou não permite a sua manutenção por longo
tempo. A obtenção de meios proficientes que atendam à necessidade e que permitam
realizar o objetivo os torna adequados. Assim, se algo é adequado, em qualquer
hipótese, o é porque o meio ou instrumento utilizado faz ou torna permanente aos
objetivos desejados, no mínimo, um objeto –ou um fato, ou um ente- conquistado ou
obtido.
2.3. Utilidade
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Por adentrarmos aos valores, como essenciais à própria Vida Humana poderíamos ser
criticados por estarmos trazendo uma teoria supostamente velha e já amplamente
debatida. Mas não é tão simples assim e não é disto que se fala. Afirmar ser
iusnaturalista qualquer concepção que busque a aplicação de valores é um
reducionismo iuspositivista aberrante, insuportável e anticientífico! É preciso
reconhecer e demonstrar –constantemente- que a existência de valores éticos anteriores
à própria existência da lei, enquanto disposto normativo, já efetuava regências nas
sociedades primitivas baseadas no costume e em princípios não-costumeiros, mas,
eram verdadeiros valores éticos, relativos ao respeito e à dignidade do ser humano
para manutenção, condução, avanço e preservação da Vida Humana.
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O que Kelsen não cita nem estuda –porque disso quer se afastar como princípio fundamental de sua
teoria- é o evidente fenômeno dos valores éticos naturais e universais aplicáveis permanentemente à
Humanidade, mediante critérios culturais, porque o ser humano sempre apropria os elementos naturais
(identidade, tempo, lugar, e finalidade) de maneira cultural (Fenômeno social, Valor ético e Norma
vigente) e não de modo absoluto, s e sim sempre relativamente. E na sua concretização real efetua a
distinção, que pode sim ser justa. Por exemplo, por que a monarquia inglesa, como tal, não poderia ser tão
democrática quanto a república norte-americana? Mudou o conceito de democracia? Este valor se
alterou? Não. Do mesmo modo, a propriedade coletiva em determinado país pode se apresentar mais justa
e democrática do que a propriedade privada, e vice-versa, tudo dependendo da forma de apreensão e de
concretização cultural desses elementos naturais e culturais (Vetores e Dimensões) o que não implica
dizer que os valores éticos universais não foram contemplados se utilizarmos tal razoamento iusinterativo
como método de compreensão, fazendo atuar o iusnaturalismo fenomenológico, ou iusinterativismo Em
ambos os exemplos o valor democracia é universal e se espraia na realidade natural de cada País ou
Nação mediante os Vetores Naturais de forma típica a cada um deles próprios, realizando justiça. Daí a
importância do iusinterativismo ao magistrado para aplicar a decisão judicial justa e o evidente equívoco
metodológico de Kelsen.
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O imoral, porque embora existam valores éticos universais a serem cumpridos quando
se deparam com a cultura de um país, ou de uma região, ou de um determinado local
ou área populacional, é um fenômeno que, embora se fundamente na aparente
utilização desses valores éticos, vem a contrariar expressamente a interpretação
cultural costumeira e local desses valores éticos universais. É preciso que o juiz venha a
sopesar a predominância entre os valores objeto do Fenômeno Social em análise, em
interação com a Norma Vigente e os Vetores Naturais para realizar justiça-nas-
decisões.
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Para formação dessas definições pelo autor cf. EDUARDO C. B. BITTAR: Ética Geral e Profissional.
Curso de Ética Jurídica, São Paulo. Editora Saraiva, 2007, pág. 105, nota 139; cf. RANGEL JUNIOR,
Princípio da moralidade institucional, conceito, controle e aplicabilidade na Constituição Federal de
1988, São Paulo, Editora Juarez de Oliveira, 2001, página 26.
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Não vamos trabalhar, portanto, como se vê, do modo como o faziam Kelsen ou Bobbio,
com os conceitos restritos e relativos de permitido ou proibido, porque se apresentam
limitados para a realidade que vivemos no século XXI. Entre a permissão e a proibição
há um vasto campo neutro, em que se admite tudo. Todo e qualquer sistema de direito
e regras, ao iusinterativismo, é injusto e insuficiente, se não se apresentar ético.
Queremos dizer, se vamos realizar uma análise doméstica –ou seja, a verificação dos
princípios do nosso próprio sistema nacional-, ou se o propósito é análise interpretativa
de um fenômeno estrangeiro e fora do sistema jurídico nacional –relativo a um sistema
de direito estrangeiro-, o tratamento dos princípios em hermenêutica, necessariamente,
não pode ser o mesmo. Se o fizéssemos –como o iuspositivismo sempre cumpre e
pratica aos sistemas de mesma origem, se civil law ou common law-, equivaleria,
metodológica e cientificamente à mesma atitude antropológica de se analisar os
costumes e moral de uma tribo africana com os preceitos da moral e dos costumes
brasileiros, por exemplo. Seria evidente o equívoco de resultado obtido.
A resposta ao equívoco está, por exemplo, em se considerar que uma adequada análise
antropológica da tribo africana somente se pode dar na compreensão efetiva de sua
moral e de seus costumes próprios distintos, afastados da moral brasileira,
compreendidos em sua própria circunstância nativa, assim como, é imprescindível
ressaltar que na busca da distribuição de justiça –se é exatamente isto o que se deseja
como finalidade a um sistema de direito- não se pode entender como sendo a simples
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De outro modo, mesmo quando recorremos ao nosso próprio sistema doméstico temos
alguns vícios de análise impregnados do iuspositivismo.
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Aqui o sentido de lei é o mais geral possível. Regra. Law, em inglês. Estamos falando dos mais
variados sistemas de direito no mundo, dentre os quais os do common law, ou mesmo aqueloutros de
evidente natureza confessional ou semiconfessional–como o islâmico, o israelense, o indiano- em que não
apenas a norma escrita ou positivada –statute law- se perfaz como norma legitimada institucionalmente,
mas também o costume ancestral e a jurisprudência do precedente trazem um forte caráter de regra
juspositivista porque editada ou promulgada sem qualquer intenção de produzir justiça nas decisões e sem
qualquer adequação à realidade do século XXI.
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Assim, para estabelecer uma regra interpretativa ou iusinterativa (neste último caso,
com a interação de um fato social, de um valor ético e de uma norma vigente à
identidade, tempo, lugar e finalidade de cada uma dessas dimensões realeanas 11) que
leve em consideração todos os princípios éticos, fáticos e jurídicos incidentes e sub
examine é uma tarefa que além de difícil, não é fácil, mas não se apresenta impossível
pela busca e obtenção da justiça. Explico. E assim exponho porque os primeiros
ataques que certamente receberei pelo que estou a escrever é de que esta proposta é
muito difícil de ser eficaz e aceita pelos juristas ou mesmo por meus colegas, juízes; de
que, se possível, não será fácil a sua implementação estruturante; ou de que, seria uma
proposta de impossível de ser concretizada em virtude de sua natureza abstrata ou
apriorística.
11
MIGUEL REALE: O Direito como Experiência, Ed. Saraiva, 1ª edição, São Paulo, 1968, página 53;
ídem: Filosofia do Direito, Título X-Teoria Tridimensional do Direito, Capítulo XXXVIII-Fundamento,
Eficácia e Vigência, São Paulo, Ed. Saraiva, 1986, págs.495-616.
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Não é fácil – e aqui não significa afirmar-se que é difícil- porque implica dizer, sim,
que os métodos, para identificarmos os verdadeiros valores éticos e princípios,
requerem de nós magistrados, ou de intérpretes e operadores do direito, uma atenção
maior para chegarmos a um resultado mais justo ou iusinterativo ao fenômeno em
julgamento. Entram aí, nessas situações mais complexas, componentes mais densos
como os argumentos ou teorias argumentativas. Digo densos, porque os argumentos,
baseados na razão, nem sempre se baseiam nos fatos, ou baseando-se neles, acabam
por construir outra visão distinta do fenômeno real, na busca de sustentações dos
pretensos direitos da parte formuladora ou postulante em outro prisma da mesma
estória e muitas vezes deformadores da realidade ou de um mero e simples esforço de
enquadrar uma norma vigente inadequada a um fato concreto. Se falei anteriormente
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O Supremo Tribunal Federal ao julgar caso envolvendo as relações homoafetivas não encontrou no
ordenamento jurídico brasileiro norma expressa autorizadora do reconhecimento jurídico como
matrimônio ou união estável de relações homoafetivas, mas em decisão única e inovadora entendeu de
conceder a aplicação, ou por via indireta no voto do Ministro Ayres Britto,
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI4277revisado.pdf
ou diretamente aplicadada, em meu sentir, a via iusinterativa, no voto do Ministro Marco Aurélio
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI4277MA.pdf que em análise substanciosa
ao fato, este sim, aplicou-lhe o valor ético consubstanciado no princípio assegurado constitucionalmente
de direito à liberdade de orientação e opção sexual e no fundamento da dignidade da pessoa humana
compreendendo-o como o valor dos valores para garantia de efetiva Cidadania e inclusão social.
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de uma cooptação e uma aculturação secular como dificuldades, agora, como ausência
de facilidades, menciono a estrutura advocatício-judiciária pré-existente toda ela, em
razão do iuspositivismo, baseada em argumentos que tentam, na verdade, em muitos
casos, dar ao juiz uma outra visão da realidade do fenômeno social em análise judicial,
de molde a configurar o direito segundo os interesses de seu constituinte. Isto jamais
será afastado, porque o direito, como a ética, é humano, tem natureza humana, e a luta
pela prevalência de um direito sobre o outro -do mesmo modo que a luta pela
prevalência de um valor ético sobre outro- sempre vai existir enquanto houver seres
humanos. Cabe a nós, juízes, ao juiz natural, ter os instrumentos para realizar, da
melhor maneira a justiça-nas-decisões. E é a isto que estou me dedicando nestas
palavras.
Mas isto é outra estória que somente mais adiante analisaremos. Por hora, fiquemos
aqui na discussão sobre a valoração e análise iusinterativa dos princípios.
Nesses casos, há, sim uma efetiva e aguda batalha que o Iuspositivismo trava contra o
Iusnaturalismo fenomenológico ou Iusinterativismo como se este fora impossibilitado
de buscar, demonstrar e aplicar justiça, como se contivesse no seu nascedouro uma
deficiência inata em virtude de seus conceitos absolutos –que, na verdade, como
continuo a demonstrar, para cada caso concreto se pode identificar a justiça,
objetivamente, modificando-se a natureza do próprio Iusnaturalismo como de simples,
para fenomenológico-, como se houvera uma impossibilidade permanente do Direito
Natural de se aplicar em concretude e uma ineficiência técnica de viabilizar um
método adequado à interpretação ou integração do próprio ordenamento de direito, o
que é, evidentemente, absurdo.
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Dimensões culturais são produtos de uma dada sociedade que refletem as suas
expressões normativa, social e ética, entendidas por Miguel Reale como Fato Social,
Valor Ético e Norma vigente.13
13
M. REALE: Filosofia do Direito, Título X-Teoria Tridimensional do Direito, Capítulo XXXVIII-
Fundamento (Valor ético universal=dimensão axiológica), Eficácia (Fenômeno social=dimensão
sociológica) e Vigência (Norma vigente=dimensão normativa), págs.586-616, São Paulo, Ed. Saraiva,
1986.
14
Z. ZIEMBINSKI: “Analogia legis et interprétation extensive”, em La logique juridique. Travaux du IIe.
Colloque de Philosophie du Droit Comparé, Paris, 1967, página 248 e seguintes.
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Como se pode verificar, ocorre uma visão majoritária no âmbito jurídico, de que há na
configuração racional do Direito, para sua apreensão intelectual em todo, e por todo e
qualquer ser humano, uma fortíssima tendência em se afirmar que as normas
preexistem e que, portanto, após essa existência é que se busca o preenchimento ou a
verificação de seu conteúdo para os casos concretos e que isto é missão do magistrado,
no exercício do poder jurisdicional.
Ao longo de séculos e de nossos anos de bancos escolares o Iuspositivismo nos fez crer
–e praticar- que ao juiz, enquanto solucionador constitucional de conflitos sociais não é
dado decidir mediante a aplicação de princípios gerais do direito, de costumes ou de
analogia, senão quando omissa a lei. Assim o magistrado somente poderia interpretar
a lei quando esta não fosse clara, e pudesse causar uma dúvida ou omissão, ou integrá-
la, porque lacunosa, mediante princípios, costumes ou analogia. E para isso recorreria,
primeiro, às normas para a solução do caso concreto e após essa existência da norma é
que se dirigiria à lacuna ocorrida, verificando-lhe o conteúdo axiológico para o devido
preenchimento.
Como disse antes, não é após a existência da norma que qualquer intérprete ou
operador do direito deve buscar a verificação de seu conteúdo axiológico ou
principiológico, para os casos concretos ou acabar por encontrá-los. Enquanto
depositária e continente de valores e princípios, a norma já foi impregnada desse
conteúdo axiológico e principiológico quando foi objeto de elaboração legislativa. E
diria que nem sempre se emprestou ou se preencheu do conteúdo adequado. Até
porque preexistem valores à própria criação das normas que demandam –eles, os
valores- a criação delas e nem sempre, nelas, são consagrados. Mas, sempre, preexistem
valores éticos em relação a tudo e todos.
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De outro modo, é curioso notar que o valor que tenha influenciado o legislador à época
de criação da norma, muitas vezes não mais é o mesmo valor que exala da norma no
momento da sua promulgação. De outro modo, também pode não ser mais nem o
valor ético constante do momento de produção da norma (anteprojeto de lei), menos
ainda, o valor ético durante a sua tramitação legislativa (como projeto de lei), tampouco
o valor ético contido na época da promulgação da norma (publicação da lei aprovada), e
muito menos quando esta norma for aplicada (decisão judicial=sentença), com um
determinado valor ético, por um magistrado na solução de um caso concreto.
Onde fica a coerência do sistema? Como entender a completude do sistema? Para que
serve a validade do sistema? O que leva um jurista ou um doutrinador do direito a
afirmar existir –ou atribuir- um único conteúdo à norma jurídica para aplicação
judicial, se ela não se apresenta recente? Haveria uma “suposta e implícita
deslealdade” intelectual nesta postura?
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Observe-se que não nos importa o estudo dos preâmbulos legais ou mesmo das
exposições de motivos que possam vir a permitir saltar aos olhos algum preceito da
regra em estudo ou fundar um significado ao diploma legal ou à lei que se tenta
interpretar ou esclarecer. Não que preâmbulos ou exposições de motivos não
expressem fundamentos ou valores éticos. Expressam. Mas disso não se trata. Trata-se
sim, de buscar a melhor aplicação do valor -que até pode estar embutido em
preâmbulos ou exposições de motivos- enquanto fundamento dos princípios que
resulte na viabilidade da solução do conflito. Interrogações concretas com respostas
concretas em processo concreto mediante critérios objetivos de análise do fenômeno
em juízo. Isto é o que se deseja por meio do razoamento judicial com fundamento no
iusinterativismo.
Toda a norma vigente, todo o fato social, ou todo o fenômeno, na Vida, está
impregnado, como seguimos afirmando, de uma espécie de valor ético que se antepõe
19
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Na hipótese da cultura, e das ciências jurídicas, do campo das ciências sociais –que
obviamente no caso do direito seguem relações de imputação e contingência e detêm a
compreensão como elemento lógico de apreensão racional, o magistrado analisa o fato
social –o caso concreto- para apreciar se o valor ético que se desejava proteger quando
da edição da norma vigente persiste no tempo, em identidade, em relação ao lugar
onde foi produzida e em relação à finalidade para a qual foi editada e se o fato
social/fenômeno, existente ou ocorrido, deve ser protegido ou, se violador de um
valor ético ou princípio, deve ser adequado às novas realidades sociais vigentes.
15
NORBERTO BOBBIO: in Nuovissimo Digesto Italiano, verbete ‘Principi generali di diritto’, tomo
XIII, Turim, 1966, página 889 e seguintes, os classifica como 1. Segundo a matéria: substanciais,
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Mas o que importa ressaltar agora é que as dificuldades encontradas para a definição
dos princípios ou mesmo para uma classificação específica e mais exata efetuada por
estes juristas teóricos e positivistas, embora todos eles apresentem estudos sérios sobre
a principiologia e sua formação de significantes e significados para o direito, em
nenhum momento se preocuparam com os princípios direcionados à obtenção e
distribuição da justiça-nas-decisões. Estudaram-nos, sempre de maneira equivocada,
e exclusivamente como elementos estáticos e abstratos de uma ordem jurídica.
Todos os princípios têm natureza dinâmica, porque são formados e informados com
supedâneo em valores éticos. E valores éticos condizem obrigatoriamente com a
realização de condutas apropriadas ou não a tais valores. São elementos objetivos e de
verificação objetiva. Mas assim não são tratados pelo iuspositivismo.
Ora, princípios, como o nome já destaca são inícios e fundamentos para compreensão
de uma proposição, de uma hipótese ou de uma teoria; são dinâmicos por definição;
apresentam-se sempre em vetorialidade para fixação e certeza de um posicionamento
sobre determinado estado de coisas ou seres, em aplicação concreta. Por isso não se
pode classificar um princípio como sendo único em determinada situação. Ele é um
vetor. Um forte indicador de rumo e direção. A classificação que o apresentar como
único para um caso, em dado momento, pode não mais ser a mesma e tampouco
configurar-se como princípio justo, considerando-se a situação a que se aplica ou a que
se aplicará, porque o princípio e sua aplicação são dinâmicos de acordo com os valores
e sua manifestação moral e cultural, vale dizer, a apreensão temporal, geográfica (local)
e teleológica dos valores pelos cidadãos.
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Peço a atenção à ideia de que não é a tipificação ou classificação teórica ou didática que
se atribui ao fato e tampouco aquela atribuída ao princípio aplicável, ambos inerentes
ao conflito em apreciação pelo juiz, que lhe concede essência de justiça, mas sim a sua
aplicabilidade iusinterativa como elemento necessário à busca de justiça-nas-decisões
para a solução do conflito, vale dizer, a interatividade existente e concreta entre os
elementos componentes do fenômeno social tomando-se com base para um caso
concreto:
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a.2. Fenômeno social e tempo (os fenômenos sociais acima referidos, tanto na
Espanha, quanto no Brasil, o momento ou a época pertinente à sua ocorrência devem
ser objeto de análise para a verificação de sua atualidade ou não –pode ser que o
fenômeno social tenha ocorrido há muitos anos e isso possa trazer mudanças de
normas e valores-);
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homoafetivos, sendo essencial que tal finalidade não se tenha modificado ao longo do
tempo);
b.1. Valor ético universal e identidade (Qual se deve supor que seja o valor
ético universal aplicável quanto ao questionamento judicial, efetuado na Espanha,
sobre a constitucionalidade do matrimônio homoafetivo(?); ou qual seria o valor ético
universal que se possa aplicar à união estável homoafetiva, no Brasil, e sua
possibilidade de reconhecimento jurídico-constitucional(?); em ambas as hipóteses,
identifica-se, claramente, que o valor ético universal incidente ao fenômeno social
matrimônio ou união estável homoafetiva é a dignidade da pessoa humana como
condição substancial de garantia da Cidadania e inserção na sociedade sem
preconceitos;
b.4. Valor ético universal e finalidade (a função teleológica aliada ao valor ético
universal tem o objetivo de definir o fundamento e o sentido da ação, do ato, do
fenômeno social que se deseja analisar e sobre o qual se vai decidir; assim, é de extrema
relevância que se o analise em interação axiológica, sociológica e normativa para a
justiça-nas-decisões);
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social ou fato, mas do disposto normativo com o valor que o criou e do disposto
normativo com o fenômeno social a reger ou a ser aplicado);
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Não me parece suficiente –nem ético- constituir-se ordenamento jurídico somente com
o efeito ou o único resultado de exercer-se controle social de condutas e fiscalização de
poder em uma dada sociedade, relegando-se a distribuição e aplicação de justiça-nas-
decisões, a segundo plano ou a eventual acerto subjetivo do julgador de momento, em
nítida aplicabilidade de um conceito apriorístico de justiça à simples existência de uma
lei promulgada. Este sentido era perfeitamente admissível nos idos dos séculos XVI a
XX que foram, cumulativamente, séculos:
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Como podemos verificar, ao longo dos séculos a constituição do ser humano como
indivíduo e sua construção enquanto ser, titular de direitos pessoais individuais,
patrimoniais, e como cidadão enquanto ser titular de direitos civis e políticos, sociais e
econômicos, até hoje têm permitido a construção de um sistema de poder que resulta
em uma ordem jurídica que se destina à manutenção do poder secular existente sem
qualquer preocupação de garantia e/ou de aplicação e distribuição de justiça-nas
decisões. De modo simples e objetivo, sem a intenção de jactanciar-se, mas no estrito
fim de colaborar com o direito e a justiça, o iusinterativismo pretende resolver isto com
concretude para a identificação, distribuição e aplicação de justiça-nas-decisões,
mediante a objetividade de parâmetros e de elementos para que possamos adequar o
ser humano, e torná-lo cada vez mais pleno, titular de direitos informáticos e
informacionais, cidadão de um mundo global.
eleitoral odiosa praticada no Brasil em relação à pessoa humana, ou Cidadão que ainda não tenha o título
de eleitor ou o direito de votar, na forma do que preleciona a Constituição Brasileira, permissa venia não
contribui para a afirmação e constituição do Estado de Direito Democrático e Social. (N. do A.)
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