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Acadêmica Docente
Vol. III, Nº. 6, Ano 2009
RESUMO
Guilherme A. de Lima Nicésio
Faculdade Anhanguera de Campinas Esse artigo apresenta como tema principal, em continuidade do conteúdo já
unidade 3 apresentado em artigos anteriores do módulo “Técnicas de Comunicação
guilherme.nicesio@gmail.com
Docente”, o texto como instrumento essencial do labor acadêmico e
pedagógico. Primeiramente, há a exposição de definição básica e orientativa
do texto e de suas características estruturais; em um segundo momento do
artigo, expõem-se tanto os elementos estruturantes do texto (frase, oração,
período), como os problemas decorrentes do uso inadequados desses
componentes que são, na verdade, considerados desvios na norma culta da
língua, em ocorrência de frases lacunas, estruturas tópico-comentário. Por
fim, o componente do texto a ser tratado é o parágrafo, como recurso coesivo
de um texto, suas características e sua aplicação. O objetivo do artigo é
instrumentalizar os alunos do curso de Capacitação Docente para a
produção de textos acadêmicos adequados, de acordo com as exigências das
condições de trabalho em cursos de ensino superior.
ABSTRACT
This article presents as its main theme, in continuation of the content already
presented in previous articles of the module “Teaching Communication
Skills” the text as an essential instrument of academic work and teaching.
First, there is the basic definition and explanatory text for guidance and its
structural features, in a second moment of the article sets out both the
structural elements of the text (phrase, sentence, period), as the problems
arising from inappropriate use of these components that are actually
considered deviant in the cultural norms of language, gaps in the occurrence
of phrases, topic-comment structures. Finally, the text component to be
treated is the paragraph, as use of a cohesive text, its characteristics and
application. The purpose of this article is orchestrate the students of Teacher
Training for the production of academic texts adequate in accordance with
the requirements of the working conditions in higher education courses.
Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 6, Ano 2009 • p. 169-184
como prática ilegal, que fere a privacidade individual e ameaça as instituições públicas
que necessitam de sigilo para gerir assuntos de Estado).
1ª propriedade:
Um texto possui coerência de sentido, o que significa que ele não é um amontoado de
frases. Ao contrário, é um todo organizado de sentido. A palavra texto vem de uma das
formas do verbo latino texo, que quer dizer “tecer”. O texto é um tecido, não um
aglomerado desconexo de fios. Nele, o sentido de suas partes constituintes é dado pelo
todo. Logo, por extensão, o significado de uma frase do texto será devidamente
compreendido se mantivermos sempre em vista a totalidade do texto original, do qual a
frase faz parte (e que define seu contexto); também podemos depreender a seguinte
conclusão: a mesma frase utilizada em um contexto diferente poderá apresentar outros
sentidos.
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a) Acabou a água lá em casa. Não sabíamos a que se devia o fato. Pensamos que fosse
um corte de abastecimento não anunciado pela Sabesp, mas, quando fomos ver, era
a bomba.
b) Um telefonema foi recebido por nós, avisando que uma bomba tinha sido colocada
no prédio. Notificamos a polícia, que mandou evacuar o edifício e passou a
procurar algum objeto suspeito, até que, em um dos banheiros, localizou um
pequeno embrulho: era a bomba.
c) O porta-voz do Banco Central anunciou uma máxi-desvalorização do real. Era a
bomba que, segundo insistentes boatos, o governo lançaria sobre o mercado.
d) Apesar de ter estudado bastante, Pedro não tinha ido bem no vestibular. O que
temia não era a bomba, mas ter que recomeçar o cursinho.
2ª propriedade:
O texto é delimitado por dois brancos, isto é, por dois espaços de não sentido. Se a
primeira característica de um texto é ser um todo organizado de sentido, um texto não
precisa ser necessariamente verbal: um filme, um livro, um quadro, uma telenovela, uma
história em quadrinhos, um gesto, uma peça musical são textos. Independentemente de
sua forma de manifestação (visual, sonora, verbal, etc.), o texto tem um início e um fim.
Antes do começo e após o término, há dois espaços de não sentido (dois brancos, dois
momentos de silêncio) que delimitam o texto.
3ª propriedade:
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Uma definição de frase adequada aos nossos propósitos poderia ser a seguinte:
Construção que encerra um sentido completo, podendo ser formada por uma ou
mais palavras, com verbo ou sem ele, ou por uma ou mais orações; pode ser
afirmativa, negativa, interrogativa, exclamativa ou imperativa, o que, na fala, é
expresso por entonação típica e, na escrita, pelos sinais de pontuação. (cf.
HOUAISS, 2002)
Que calor!
Contramão.
Ótimo!
“Muito riso, pouco siso”. (provérbio popular)
Tomara que vocês sejam felizes!
Penso; logo, existo. (Descartes)
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A ESTRUTURA FRASAL
É importante, contudo, destacar que, mesmo que não dominemos esses conceitos, ou
lancemos mão deles em momentos de produção de texto (como esquemas de aula,
inventários, textos complementares, gabaritos e expectativas de resposta para questões),
sempre notamos a presença de elementos constituintes para a compreensão da frase.
Observe a primeira oração, exposta acima, e sua decomposição a seguir:
Ou seja: aquilo de que estamos falando (o sujeito) e aquilo que dizemos a respeito
do sujeito (o predicado) constituem o que denominamos informação básica, cuja
estrutura pode ser aplicável a quase todas as orações, já que uma oração bem escrita deve
contar, no mínimo, com essas duas partes.
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Naquele dia, quando menos esperava, Flávia recebeu uma nova proposta de emprego.
Note que, no caso do exemplo anterior, as circunstâncias são formadas por uma
locução adverbial (“naquele dia”) e por uma oração adverbial temporal (“quando menos
esperava”). Outros tipos de oração e de locução podem desempenhar a função de
informação complementar:
Tendo estudado bastante, os estudantes obtiveram boas notas, vendo então seu esforço recompensado.
Informação Complementar Informação Básica Informação Complementar
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O réu, parente de senador, conseguiu, pela segunda vez, adiar o seu julgamento.
aposto circunstância
Inf. Básica Inf. Complementar Inf. Básica Inf.Complementar Informação Básica
Frases Lacunares
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ESTRUTURA TÓPICO/COMENTÁRIO
Outro aspecto que evidencia as diferenças bastante marcadas entre a modalidade oral da
língua e a modalidade escrita, além das frases com lacunas, diz respeito à construção
sintática dos enunciados. É bastante comum na língua falada a chamada estrutura
tópico/comentário, que pode ser assim exemplificada:
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Observemos o enunciado acima: o falante inicia a frase com o termo “as vagas”,
que expõe o assunto sobre o qual vai tecer comentários. Trata-se do tópico. O que vem a
seguir na sentença é um comentário feito por uma oração completa “ele não pode participar
do processo de preenchimento”. Há evidente relação temática entre o tópico e o comentário,
mas o tópico não se articula sintaticamente com o restante da oração. Ele acaba por
"sobrar" na estrutura sujeito/verbo.
A escrita quase nunca admite essas rupturas sintáticas na sua modalidade formal
(a não ser em contextos especiais, por exemplo, em textos poéticos em que a ruptura é
intencional, visa a um propósito artístico). Na modalidade escrita, seria conveniente
estabelecer também a conexão sintática e a frase resultante seria: ele não pode participar do
processo de preenchimento das vagas do concurso.
Nesse caso, há uma redundância: uma mesma idéia aparece duas vezes. O
enunciado é iniciado pelo termo “Os estudantes que fizeram a prova substitutiva”. Esse
termo é o tópico. No entanto, o tópico não se articula sintaticamente com o restante da
oração, uma vez que a palavra "todos" substitui o tópico como complemento do verbo
"aprovou" (ou seja, os termos “todos” e “os estudantes que fizeram a prova substitutiva”
tem a mesma função sintática: são complementos verbais).
Nesse caso, para adequar a primeira oração acima citada para o padrão escrito
formal, utilizamos estruturas como:
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Em/Com relação aos estudantes que fizeram a prova substitutiva, não sabemos se o
professor aprovou todos.
A ESTRUTURA DO PARÁGRAFO
Cabe lembrar que, por ser uma unidade de composição do texto de caráter
intuitivo, não existe correspondência sempre direta entre as divisões realizadas pelo autor
e o plano de estruturação do texto. Além disso, a paragrafação dependerá da intenção, do
destinatário e do assunto do texto. O bom domínio do parágrafo não é simplesmente uma
questão técnica de escrita: a noção de parágrafo depende, de certo modo, da percepção
mais ou menos intuitiva que temos de uma hierarquia de ideias e de fatos, de uma
organização de mundo que não se reduz a somente a um macete ou a uma regra fixa.
Esse procedimento visa evitar dois tipos básicos de problemas com relação à
produção de um parágrafo, que afetam sensivelmente a macro-estrutura do texto:
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O parágrafo padrão contém uma introdução, em forma de uma frase, que é a exposição,
de maneira sucinta, da ideia central do parágrafo (chamada de tópico frasal); um
desenvolvimento do tópico e, muito raramente, uma conclusão. Como unidade textual
menor, o parágrafo reproduz a estrutura básica de um texto.
Exemplo:
1. Generalização – consiste em uma declaração afirmativa (ou negativa) de uma idéia cuja
justificação ou fundamentação será feita no desenvolvimento, por meio de exemplos,
exposição de razões, comparações, analogias, confrontos de posicionamentos, etc.
Exemplo:
Muitos são os que desconhecem o fato de que a previsão do tempo já é vista como uma
ferramenta estratégica de negócios para grandes empresas dos mais diferentes segmentos
da economia, como energia, petróleo, varejo, bebidas e até agências de publicidade. Por
isso, muitas empresas estão com suas atenções voltadas para a cidade de Cachoeira Paulista (SP),
onde está localizada a sede do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC),
responsável por definir se o El Niño vai estar oficialmente presente entre nós na temporada
2009/2010. O motivo desse acompanhamento por parte das empresas seria a tentativa de amortizar
ou até mesmo evitar possíveis prejuízos, devido aos efeitos do fenômeno fruto da elevação atípica da
temperatura das águas do Pacífico que provoca alterações climáticas em diversas partes do mundo.
No Brasil, o El Niño é sinônimo de temperaturas mais elevadas nas regiões Sudeste e Centro-Oeste
(até 2° C acima das temperaturas habituais), chuvas acima da média no Sul e abaixo do padrão no
Norte e Nordeste.
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(“Lucro das empresas e clima andam juntos” in: Portal Exame. Seção exame/negócios. 28
jul. 2009. Disponível em: <http://portalexame.abril.com.br/negocios/lucro-empresas-
clima-andam-juntos-487658.html>. Acesso em: 28 jul. 2009 – Adaptado)
Exemplo:
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Trens Metropolitanos (CPTM, que disponibilizará cerca de 5 mil títulos e 15 mil exemplares para
doação em 27 estações de trem da Grande São Paulo. Essa campanha tem como única exigência que,
terminada a leitura, o livro seja colocado em algum lugar público para que outro leitor possa
recolhê-lo. Outro projeto com o mesmo objetivo ( outro projeto de incentivo à leitura) é o Livre para
Voar, da Ale Combustíveis, que distribuirá mais de 6,7 mil exemplares de 20 títulos em postos de
gasolina em todo o Brasil. O projeto dessa campanha exige que os leitores registrem na Internet um
comentário sobre o que leram, abandonem o exemplar lido em um local público e indiquem o último
lugar em que o livro foi visto. Segundo o coordenador do Projeto Livro para Voar, essa exigência
possibilita que as obras sejam encontradas mais facilmente por leitores interessados.
(“Pegue, leia e deixe o livro em um local público” in O Estado de S. Paulo. 28 out. 2008.
Disponível em: <http://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/lenoticia.php?id=99971>.
Acesso em: 28 jul. 2009)
Ao dizer que há dois projetos distintos, fica logo clara a direção que o parágrafo
seguirá: no desenvolvimento, as características peculiares das iniciativas deverão ser
expostas, para que o leitor compreenda minimamente a similitude e as diferenças entre
ambas. Já exemplo a seguir demonstra que o tópico frasal por divisão também pode ser
formulado em forma de uma oração interrogativa:
Somos ou não um país racista? O Brasil pode ser considerado um país racista, se por racismo
entendermos a disseminação no nosso cotidiano de práticas de discriminação e de atitudes
preconceituosas que atingem prioritariamente os pardos, os mestiços e os pretos. Práticas que
diminuem as oportunidades dos negros de competir em condições de igualdade com pessoas mais
claras em quase todos os âmbitos da vida social que resultam em poder e riqueza. Por outro lado, há
décadas, o debate sobre "raças" para muitos intelectuais e instituições ficou para trás, substituído
pelo das culturas, como conjunto de comportamentos e valores comuns, o que gera outra leitura:
não somos racistas, mas sim fazedores de preconceitos. Houve um duplo movimento: a afirmação da
importância do fator cultural como fonte de diferença e conflito e a desconstrução da noção de
cultura como algo coerente, inalterado pelo tempo. Aparentemente contraditórias, essas afirmações
introduziram questões muito distantes de "se há racismos ou não". Elas perguntam em que medida
defender minorias ajuda a perpetuar uma diferença que não está longe da idéia de raça, dando
suporte ao etnocentrismo. Ou questionam se o reconhecimento de identidades culturais é
compatível com os princípios de igualdade e liberdade, que são os das modernas democracias.
REFERÊNCIAS
ARISTÓTELES. Retórica (Tradução e notas de Manuel Alexandre Júnior, Paulo Farmhouse
Alberto e Abel do Nascimento Pena). Lisboa: Imprensa Nacional; Casa da Moeda, 1998.
FARACO, Carlos Alberto; TEZZA, Cristovão. Prática de texto para estudantes universitários.
16.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.
FARACO, Carlos Alberto; MARUXO JR., José Hamilton; MOURA, Francisco M. Gramática. 20.ed.
São Paulo: Ática, 2007. (PLT – Vol. 100)
FIORIN, José Luiz; SAVIOLI, Francisco Platão. Lições de texto: leitura e redação. 3ª ed. São Paulo:
Ática, 1998.
GARCIA, Othon. Comunicação em prosa moderna. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas,
2006.
HOUAISS, Antônio et al. Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. São Paulo:
Objetiva, 2001. [CD-ROM].
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MARTINS, Dileta Silveira; ZILBERKNOP, Lúbia Scliar. Português Instrumental: de acordo com as
atuais normas da ABNT. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2004.
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