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A ESFERA DO TEMPO
E DO ESPAÇO
Autor
CLARK DARLTON

Tradução
RICHARD PAUL NETO

Digitalização
DENIZE BARTOLO

Revisão
ARLINDO_SAN
O avanço terrano para a área dominada pelos senhores
das galáxias sofreu uma interrupção no mês de setembro do
ano de 2.402. A súbita ativação dos mobys, que eram
considerados mortos, até chegou a obrigar Perry Rhodan a
retirar as unidades de sua frota para a periferia da nebulosa
Andro-Beta. Somente uns poucos jatos espaciais — trata-se
de veículos espaciais pequenos, velozes e extremamente ágeis
— foram destacados para voltar ao inferno de Andro-Beta
para descobrir a posição do hipertransmissor, cujos impulsos
tinham ativado os mobys e os levavam a empreender sua
ação destruidora.
Durante essa operação arriscada o Capitão Don
Redhorse, um cheiene impetuoso, fez uma descoberta da
maior importância estratégica em
Gleam, um planeta até então desconhecido para os
terranos. Um plano muito detalhado foi elaborado — e um
comando especial partiu. Sua missão consistia em fazer calar
a lua Siren... Os mobys voltam a “morrer” assim que os
sinais do hiper-transmissor de Siren silenciam. O perigo foi
afastado.
No momento em que os terranos pretendem dirigir-se
novamente ao planeta Gleam, o Imortal do planeta Peregrino
rompe a muralha do silêncio — e quando os terranos descem
em Gleam, encontram A Esfera do Tempo e do Espaço...

======= Personagens Principais: = = = = = = =


Perry Rhodan — Administrador-Geral do Império Solar.
Capitão Thomas — Comandante da KC-38.
Gucky — O rato-castor que é raptado.
Major Curd Bernard — Um homem cheio de manhas.
Major Fracer Whooley — Comandante do satélite secreto
Tróia.
Aquilo — Um ser espiritual do planeta Peregrino, que
aparece de surpresa.
Harno — A esfera do tempo e do espaço.
1

Siren levou duas semanas para morrer de vez. Siren era a única lua existente num
estranho sistema estelar situado bem em cima do núcleo central da nebulosa Beta,
anteposta a Andrômeda. Era nele que ficava o centro de controle remoto dos mobys
teleguiados, que serviam de defesa aos senhores das galáxias.
Não seria necessário dizer mais nada.
O fato é que Siren morreu.
A lua foi devorada por uma fogueira atômica. Foi-se consumindo lentamente numa
incandescência que progredia de dentro para fora, quando os três mobys incumbidos da
vigilância não conseguiram sugar mais a energia liberada. Também morreram, por falta
dos impulsos vivificantes do dispositivo de comando. Desta forma os acontecimentos se
encadeavam e o círculo ia se fechando.
O cálculo de Rhodan tinha dado certo.
O inimigo mais perigoso da expedição terrana à nebulosa de Andrômeda, que eram
os gigantescos mobys, estava reduzido à impotência.
Depois da explosão das instalações hiperenergéticas de Siren, os mobys deixaram
de representar um perigo.
No dia 4 de outubro do ano 2.402 Siren transformou-se num inferno chamejante. As
ondas de calor atingiram o planeta Gleam, que ficava a somente duzentos e quarenta mil
quilômetros.
Além disso o equilíbrio dos campos gravitacionais do planeta e da lua fora
perturbado.
Finalmente Siren explodiu e deixou de existir.
Os mobys passaram a vagar ao acaso pelo espaço. De vez em quando um deles
entrava no campo gravitacional de um dos sóis solitários da nebulosa Beta e ia acabar no
interior do inferno chamejante.
Mas os mobys não foram os únicos que sofreram os efeitos dessa ação. Os
twonosers também sofreram prejuízos. Quem não fosse morto durante a queda dos mobys
num sol escaldante morria antes por causa dos ataques furiosos dos mobys. Uma
confusão tremenda estabeleceu-se no sistema defensivo de Andrômeda, o que ajudava
bastante a Rhodan e seus companheiros.
Finalmente passou a reinar o silêncio.
Só os twonosers chamados de trombas azuis, que estavam de serviço nas naves-
patrulha ovais, escaparam ao destino cruel. Continuariam a gozar do privilégio de montar
guarda, lutar e morrer pelos senhores das galáxias.
Os terranos, tomados de surpresa pela seqüência rápida dos acontecimentos, de
repente viram-se sós junto à nebulosa Beta, que era o último baluarte antes de
Andrômeda.
Estavam sozinhos demais.
A calma, o silêncio, a paz — já estavam desabituados a isso. Não se podia confiar
nisso.
Era apenas a calma antes da tempestade.
De uma tempestade que ameaçava destruir qualquer coisa que se atravessasse em
seu caminho.
***
Onze espaçonaves gigantescas estavam estacionadas no abismo sem estrelas, a
quinhentos anos-luz da nebulosa Beta. Vista de lado, esta se parecia com um grão de
lentilha. Era uma figura oval achatada formada por milhares de estrelas. Obliquamente
atrás dela, a pelo menos cem mil anos-luz de distância, via-se o brilho de Andrômeda,
que era o objetivo distante dos terranos. Por enquanto esse objetivo era inatingível, por
causa de inúmeras armadilhas mortais, montadas no curso dos milênios por uma raça
desconhecida, chamada de senhores das galáxias, entre Andrômeda e a Via Láctea.
Destas onze naves, seis eram cargueiros pesados, enquanto as cinco restantes eram
gigantescas belonaves. O nome da nave-capitânia era Crest II.
O comandante, o Coronel Cart Rudo, um epsalense, ia pedir que o Tenente-Coronel
Brent Huise, que era o imediato, o substituísse, quando o sinal de chamada do
intercomunicador se fez ouvir. O rosto de Rhodan apareceu na tela. Estava falando em
seu camarote.
— Coronel, poderia fazer o favor de convocar a oficialidade para uma conferência?
Será na sala dos oficiais. Peça a Atlan, que se encontra na Imperador, que também
compareça, além de Melbar Kasom, Icho Tolot, Wuriu Sengu e os pilotos da nave-girino
KC-38. Não é necessário mencionar que também desejo a presença de Gucky. Pelo que
sei dele, já está informado por via telepática. Diria que a conferência poderá ser realizada
dentro de uma hora. Posso deixar por sua conta?
— Naturalmente, senhor. Dentro de uma hora, na sala dos oficiais.
A tela apagou-se.
O Coronel Rudo ficou olhando algum tempo para outra tela, que mostrava tão
nitidamente a nebulosa Beta que até parecia que a gente podia tocá-la com a mão.
Finalmente acenou com a cabeça e comprimiu vários botões ao mesmo tempo.
Algumas telas iluminaram-se. Vários rostos fitaram Rudo com uma expressão de
curiosidade. O coronel transmitiu as ordens de Rhodan. Cerca de vinte pessoas reuniram-
se na sala dos oficiais. Tolot, um gigante halutense, estava sentado na cabeceira da mesa
comprida, porque dificilmente caberia em outro lugar. Kasom, que era o segundo em
tamanho, estava sentado a seu lado. Rhodan e Atlan estavam sentados na outra
extremidade da mesa. O pequeno rato-castor Gucky estava sentado no meio dos oficiais,
ocupando duas cadeiras encostadas uma à outra. Parecia muito sério. Via-se que se
esforçava para fazer-se de compenetrado.
Rhodan lançou um olhar ligeiro para os homens reunidos e disse:
— No que diz respeito à nebulosa Beta, a situação não abre margem a dúvidas. Os
senhores das galáxias tomaram medidas extremamente rigorosas, e com isso
prejudicaram-se mais que a nós. Neste ponto não há motivo para ficarmos preocupados.
Mas há outras coisas em jogo. Precisamos de uma base segura na nebulosa Beta. Por
enquanto todos os redutos que instalamos foram descobertos dentro de pouco tempo e
tiveram de ser abandonados. Estou decidido a instalar uma fortaleza no interior da
nebulosa Beta e manter a mesma.
“Mas existe mais uma coisa que me preocupa. Faz tempo que não mantemos
contato pelo rádio com o sistema Chumbo de Caça. Quem está no comando por lá é
Reginald Bell. Não sabemos o que aconteceu. Talvez só não tenhamos recebido os sinais
de rádio combinados porque os mesmos foram absorvidos pelos hiperimpulsos dos
transmissores instalados em Beta, tornando-se imperceptíveis. Talvez haja outros
motivos. Temos que descobrir.
“Além disso é indispensável cuidarmos de Tróia. Espero que o planetóide secreto
continue a percorrer a órbita prevista. Acontece que não temos notícia de seus ocupantes.
Os mesmos certamente também estão preocupados conosco.
“Por isso resolvi enviar uma expedição que verificará o que está acontecendo em
Tróia, e também no sistema Chumbo de Caça. Participarei da expedição. Atlan assumirá
o comando das dez naves restantes.
“Acho que todo mundo já compreendeu que a operação cabeça-de-ponte estará
condenada ao fracasso se nos contentarmos em ficar à espera para ver qual será o
próximo passo do inimigo. Temos de conservar a iniciativa. Precisamos impor aos
senhores das galáxias o caminho a seguir. E precisamos saber o que está acontecendo
com Tróia e com Bell.”
Rhodan ficou calado e todos permaneceram em silêncio. Sabiam que a situação era
difícil e às vezes poderia parecer desesperadora, mas também sabiam que se desistissem
naquele momento, tudo estaria perdido. A retirada seria o equivalente à derrota completa.
— Quando vai partir? — perguntou Atlan com voz calma.
— Obrigado, Atlan — respondeu Rhodan com um sorriso ligeiro. — Sua pergunta
representa a resposta a todas as afirmativas que acabo de formular. Quer dizer que
também acha que a expedição é necessária?
— Sem ela provavelmente ficaríamos à espera durante anos a fio, sem que
acontecesse nada. Os guardiões da nebulosa de Andrômeda se retiraram, destruímos um
de seus redutos mais importantes, ou seja, a lua Siren. Os senhores das galáxias sofreram
um revés, o que sem dúvida representa um sucesso para nós. Mas se ficarmos inativos, o
inimigo terá tempo e oportunidade de inventar mais uma de suas ações diabólicas. Além
disso devemos considerar a incerteza em que nos encontramos sobre o destino de nossos
companheiros, com os quais perdemos todos os contatos... Realmente, não existe nenhum
motivo plausível para não concordar com seu plano.
— Quando partiremos? — piou Gucky. Havia um brilho arrojado em seus olhos.
Rhodan virou o rosto e ergueu as sobrancelhas.
— Será que você não pode esperar...?
Gucky levantou de um salto. Empertigou todos os cem centímetros de seu corpo e
pôs-se a esbravejar:
— A gente vê como os terranos são injustos! Atlan fez a mesma pergunta, e você só
derramou agradecimentos sobre ele. Enquanto isso eu sou repreendido. Será que isso é
justo?
Rhodan sacudiu a cabeça.
— No momento devemos preocupar-nos com outras coisas, mas vou explicar. E
claro que ambos formularam a mesma pergunta, mas Atlan a formulou em primeiro
lugar. Aí está a diferença. Além disso você se incluiu na pergunta, dando a entender que
já está resolvido que vai participar da expedição. Como vê, há dois pontos negativos para
você, baixinho.
Gucky voltou a sentar.
— Daqui a pouco também começarei a fazer cálculos — profetizou em tom
sombrio.
Rhodan acenou com a cabeça, com uma expressão amável, e voltou a dirigir-se aos
oficiais.
— Capitão Thomas, o senhor deve ser capaz de imaginar por que foi convidado
para participar desta reunião. É o comandante da KC-38. Pretendo fazer a expedição com
uma nave-girino.
Thomas, que era um homem jovem, de cabelos escuros e olhos azuis, fez um gesto
afirmativo. Era esbelto e vistoso. Havia um brilho estranho em seus olhos muito grandes.
— Sinto-me feliz, senhor, porque minha nave foi escolhida para participar da
expedição.
Rhodan sorriu.
— Agi sob o efeito do instinto de autoconservação, capitão. O senhor é conhecido
como um oficial circunspecto, e a circunspecção é uma qualidade cuja importância não
pode ser exagerada na expedição que vamos realizar.
Alguém pigarreou fortemente. Era Gucky. Sorriu, mas preferiu ficar com a boca
calada.
— Agradeço pela confiança que deposita em mim, senhor — disse Thomas.
— Não há por quê. A tripulação básica não será alterada. É composta de quinze
homens, não é mesmo?
— Incluindo minha pessoa, senhor.
— O senhor será acompanhado por uma equipe de mais trinta homens, formada por
cientistas e outros especialistas, sem contar Tolot, Kasom, Sengu, Gucky e eu. Quer dizer
que será um total de cinqüenta pessoas. Tome as providências necessárias para que a
nave possa decolar dentro de duas horas.
— Sim senhor.
— Muito bem. O senhor está dispensado. Vamos encontrar-nos no hangar três,
daqui a duas horas.
O Capitão Thomas levantou-se, foi até a porta, virou-se e fez continência. A porta
voltou a fechar-se silenciosamente atrás dele.
— Lá vai ele e não chora mais — declamou Gucky em tom sério.
Alguns dos oficiais sorriram, mas ninguém disse nada.
Atlan foi o único que fez uma observação sarcástica.
— Nosso baixinho hoje está cheio das travessuras. Estou curioso para ver quanto
tempo dura isso.
— Até que tenhamos de enfrentar os senhores das galáxias — observou Rhodan em
tom de mistério. — Ali tanto ele como nós outros perderemos a vontade de rir.
— Talvez — murmurou Atlan.
Rhodan leu uma lista de nomes. Eram os nomes dos homens que iriam participar da
expedição. Seriam avisados pelos oficiais incumbidos dos respectivos setores. Atlan
ouviu os nomes em silêncio, mas quando Rhodan mencionou o Major Curt Bernard,
oficial-intendente da Crest, ergueu as sobrancelhas num gesto indagador. Rhodan notou.
— Alguma objeção? — perguntou.
— De forma alguma. Você deve saber quem vai levar. Só gostaria de saber o que
um oficial-intendente poderia fazer numa missão deste tipo. Você acaba de referir-se a
um grupo de especialistas.
Um sorriso ligeiro passou pelo rosto de Rhodan.
— Tenho meus motivos — disse. — Foi Bernard que pediu — lançou um olhar
para os outros participantes da conferência. — Peço sua compreensão, senhores. A tarefa
de Bernard consiste em controlar os estoques de mantimentos e os equipamentos da
Crest, registrar as saídas e elaborar listas de entrada. Cabe-lhe cuidar do soldo da
tripulação. Passa os dias em seu escritório. Não é de admirar que também tenha vontade
de ter uma participação mais ativa nos acontecimentos. Eu pelo menos não me admirei
nem um pouco. Foi em atenção ao seu pedido que o designei para participar da
expedição.
— Foi um motivo muito humano — disse Atlan e fez um gesto compreensivo. —
Ele pode ser dispensado por algum tempo na Crest. Naturalmente achará a KC-38 um
tanto pequena, já que seu diâmetro é vinte e cinco vezes menor que o da Crest.
— Eu já disse que ele não conhece nada além de seu camarote — disse Rhodan,
encerrando o assunto. — Espero os oficiais e tripulantes cujos nomes acabo de citar
dentro de uma hora e meia, no hangar três — levantou. — Muito obrigado, cavalheiros.
Tolot e Kasom foram os últimos a sair da sala dos oficiais. No meio deles Gucky
parecia um verdadeiro anão. Mas se alguém acreditava que o rato-castor iria ter
complexos de inferioridade por causa disso, estaria muito enganado. Pelo contrário.
Gucky tinha plena consciência de sua capacidade.
— Isso pode ficar muito divertido — proclamou em tom sombrio.
Kasom deu uma risada.
— Você acha?
— Acho.
— O sentido da palavra divertido é um tanto ambíguo. Você a usou em sentido
positivo ou negativo?
— Em ambos os sentidos — resmungou Gucky e teleportou para seu camarote, pois
queria arrumar as coisas que teria de levar.
***
A KC-38 encontrava-se no hangar três, pronta para decolar.
Os participantes da expedição foram chegando um após o outro e instalaram-se na
nave-girino. O Capitão Thomas distribuíra os camarotes, cuidando para reunir as diversas
graduações, os colegas e as pessoas de gênio compatível. Mas teve problemas com
Gucky. Não havia lugar para dar um camarote individual ao rato-castor. Finalmente uma
luz nasceu em sua mente. Deu ordem para que Gucky e o Major Bernard ocupassem o
mesmo camarote.
Rhodan chegou pontualmente, cinco minutos antes da hora marcada.
— Todo mundo instalado — anunciou Thomas.
— A KC-38 está às suas ordens, senhor.
Rhodan tirou do bolso um cartão perfurado e entregou-o ao oficial.
— São os cálculos de determinação da rota de Tróia. Só podem estar certos se neste
meio tempo não tiver havido nenhuma modificação. Vamos procurar no lugar resultante
dos cálculos — virou a cabeça e aproximou-se de Atlan, que também viera ao hangar.
— Atlan, confio em que aquilo que foi combinado seja cumprido. Aconteça o que
acontecer, você ficará à minha espera neste setor. Se necessário, mandarei transmitir uma
hipermensagem, deixando de lado as precauções. Mas somente se houver uma
necessidade premente. Se tudo der certo, voltaremos a encontrar-nos dentro de uma
semana. É o tempo-limite. Mas peço-lhe que por enquanto não faça nada, mesmo que não
voltemos dentro de uma semana. Acho que convém esperar duas semanas.
— Está bem; duas semanas — respondeu Atlan e retribuiu o aperto de mão de
Rhodan. — Boa sorte.
— Obrigado, amigo.
Rhodan virou-se abruptamente e entrou na nave-girino atrás do Capitão Thomas,
passando pela escotilha aberta.
A tampa redonda produziu um ruído surdo ao fechar-se.
Atlan saiu do hangar antes que o ar fosse sugado.
Dali a cinco minutos a gigantesca escotilha de saída do hangar três abriu-se, e a KC-
38 foi deslizando lentamente para o espaço, onde a nebulosa Beta se destacava como um
monstro cintilante formado por luzes e nuvens escuras. Os quinhentos anos-luz pareciam
um pulo de gato. E eram mesmo.
Quando chegou à sala de comando, Rhodan dirigiu-se a Thomas.
— A rota a seguir até Beta não deve ser nenhum problema, mas dali em diante
começam as dificuldades. Nossa presença não deve ser notada. Em qualquer lugar
devemos contar com a possibilidade de as naves de patrulhamento dos twonosers
aparecerem à nossa frente e nos atacarem. Mas isso não seria o pior. O mais grave seria
se informassem os senhores das galáxias de que estamos avançando de novo. Isso
provocará reações da parte deles, e é exatamente o que quero evitar. Estamos numa
missão de reconhecimento, não num ataque.
— A rota para Beta está à minha frente — respondeu Thomas em tom indiferente.
— Pois vamos embora — Rhodan pôs-se a estudar os mapas siderais. — Até a
periferia da nebulosa, não há sóis ou planetas no nosso caminho. Sugiro que executemos
duas fases de vôo linear.
— Duas horas, senhor?
— De acordo. Dessa forma pouparemos os propulsores.
Enquanto a KC-38 alcançava a velocidade da luz e a ultrapassava, Rhodan ficou
examinando os cálculos de rota que lhe tinham sido entregues por Cart Rudo.
Tróia, o planeta escavado por dentro, era de formato cúbico. Suas arestas chegavam
a quarenta quilômetros de comprimento. Em sua superfície existia uma cidade dos
maahks destruída há muito tempo. Tróia era um fragmento de um planeta que se
arrebentara. O que mais chamava a atenção eram os destroços de uma ponte arrancada
dos suportes, que se estendiam em direção ao abismo cósmico. Tinha trezentos metros de
comprimento e possuía seis pistas de rolamento. A guarnição terrana dera à ponte
destroçada o nome de ponte goniométrica, porque apontava na direção em que se
deslocava o planetóide.
Nos gigantescos espaços escavados no interior de Tróia estavam depositadas todas
as mercadorias imagináveis, além de peças sobressalentes. Centros geradores gigantescos
e jatos-propulsores permitiam que o planetóide se deslocasse a cinqüenta por cento da
velocidade da luz e pudesse mudar de rota a qualquer momento. Mas isso só aconteceria
no caso de uma eventual descoberta. Para os senhores das galáxias Tróia deveria
continuar a ser um asteróide sem vida.
Tróia não possuía atmosfera. Não passava de um bloco de pedra vazio e desolado,
que vagava pelas imensidões sem fim do espaço intergaláctico.
Mas em seu interior os terranos estavam à espera.
A quatrocentos mil anos-luz do sistema Chumbo de Caça e cem mil anos-luz antes
de chegar a Andrômeda estendia-se a nebulosa Beta, também conhecida como Andro-
Beta. Era o destino da KC-38. Tróia devia descrever sua órbita no interior desta nebulosa,
numa região bem próxima ao centro.
A Via Láctea, de onde tinham vindo os terranos, ficava um milhão, trezentos e
cinqüenta mil anos-luz atrás da KC-38. Era uma minúscula mancha luminosa, muito
distante e sem a menor importância. A luz emitida pela mesma, que naqueles momentos
atingia o setor do Universo percorrido pela KC-38, já brilhara numa época em que o
homem primitivo habitava as cavernas.
Rhodan colocou os papéis sobre a mesa e levantou.
— Vou dormir duas horas. Acorde-me assim que atingirmos a nebulosa Beta.
Retirou-se da sala de comando.
Saiu caminhando para seu camarote, muito devagar e absorto em pensamentos.
Havia alguma coisa que o preocupava, mas não sabia o que era.
***
O Major Curt Bernard devia ter seus quarenta e cinco anos. Parecia baixo e
atarracado e tinha cabelos ralos. Suas faces rechonchudas eram atravessadas por
veiazinhas vermelhas, que levavam à conclusão de que se tratava de um homem colérico.
Na verdade, sabia ser a calma em pessoa quando isso se tornava necessário, embora desse
a impressão de ser um pessimista e pintasse tudo nas cores mais negras. Seria capaz de
tentar convencer um botânico de que uma rosa vermelha era completamente preta.
Depois de algum tempo o botânico acabaria concordando com a afirmação.
Bernard remexia sua bagagem. Estava arrumando o armário. De vez em quando
virava a cabeça e lançava um olhar sombrio para seu companheiro de camarote. Acabava
murmurando algumas palavras e voltava a dedicar-se ao trabalho.
Gucky estava preguiçosamente estirado na cama, acompanhando o trabalho de
Bernard.
Isto parecia deixar Bernard nervoso. Acabou levando os micro livros à pequenina
sala do chuveiro e guardou os artigos de toucador no banheiro.
Gucky continuou deitado e abriu-se num sorriso de deboche. Pôs à mostra o dente
roedor e grunhiu de tão satisfeito que se sentia.
Bernard virou-se e apoiou as mãos nos quadris, que não eram nada esbeltos. Parecia
um vulcão prestes a entrar em erupção.
— Não sei qual é a graça. Bem que poderia tratar de arrumar suas coisas, oficial
especial Guck — tirou do bolso uma lista e comparou os objetos constantes da mesma
com o que tinha guardado. — A ordem representa a metade de nossa vida.
— Pois eu gosto mais da outra metade — respondeu Gucky em tom seco.
Bernard tirou a pistola energética da sacola, segurou-a com as pontas dos dedos
para examiná-la melhor e acabou por pendurá-la com um evidente mal-estar no gancho
junto à porta, especialmente previsto para isso.
— Até parece que o senhor ainda não se deu conta de que vamos cumprir uma
missão muito difícil, para a qual precisamos de homens valentes e disciplinados, oficial
especial Guck. A indolência não nos levará a nada.
— É verdade — respondeu Gucky e exibiu um sorriso ainda mais cínico.
Espreguiçou-se e bocejou. — É por isso que estou descansando.
O argumento deixou Bernard um tanto confuso. Voltou a consultar sua lista e pôs-se
a revirar nervosamente sua sacola de bagagem. Seu rosto mudou de cor. Até parecia que
estava embaixo de um chuveiro muito quente. As veiazinhas foram ficando azuis. Retirou
parte do conteúdo da sacola e espalhou na cama e no chão.
— A ordem representa a metade da vida — disse Gucky em tom solene.
Bernard remexeu as coisas com tamanha fúria que até se poderia ter a impressão de
que sua vida estava em jogo.
— Consta da lista — resmungou em tom de perplexidade. — Eu mesmo tive isso
nas mãos, e de repente não está mais aqui — endireitou o corpo e lançou um olhar
desconfiado para Gucky. — O senhor não chegou a este camarote antes de mim, tenente?
— É claro que cheguei. Teleportei. Por quê? Está faltando alguma coisa?
— Meu uniforme. Não consigo encontrá-lo. Um brilho alegre surgiu nos olhos de
Gucky, embora seu rosto continuasse muito sério.
— Ah, é? O uniforme? Consta da lista e não está na bagagem? Isso é lamentável,
major. Isso acontece por causa de sua mania de ordem.
— Senhor oficial de patente especial, o senhor está me ofendendo. Seria preferível
que me ajudasse.
— O senhor sempre costuma ser tão metódico? — perguntou Gucky. — Será que
toda vez que viaja faz uma lista do que vai levar?
— Naturalmente. Assim não perco nada.
— Mas perdeu o uniforme.
O rosto de Bernard era da cor de um tomate muito maduro. Os músculos em torno
do queixo tremiam fortemente. Gucky levantou. Foi sentando e deixou balançar as
pernas.
— Quer apostar — perguntou — que com um pouco de calma e reflexão
descobriremos onde está o uniforme?
Bernard estava com a testa enrugada. Via-se que refletia profundamente. Gucky
voltou a sorrir.
— Então?
Bernard sacudiu a cabeça.
— Não adianta refletir. O uniforme só pode estar aqui, pois consta da lista. Todo
mundo sabe que minhas listas sempre conferem. Não cometo erros.
— É verdade — confessou Gucky em tom alegre.
— Pois então! Neste caso o uniforme deveria estar aqui.
Gucky escorregou da cama para o chão e examinou a sacola de bagagem. Apontou
para a lista.
— Também aposto que faltam outras coisas. Dê uma olhada.
Bernard sacudiu os ombros e continuou a esvaziar a sacola. Ao tirar qualquer
objeto, mesmo que fosse um lenço, uma camisa ou uma escova de dentes, assinalava o
mesmo na lista. Quando não havia mais nada na sacola, olhou com o rosto tenso para a
lista. Um tanto abatido, resumiu o resultado da conferência.
— Faltam outras coisas. Uma ceroula, uma camiseta, uma camisa, um lenço... até
uma gravata. Alguém andou me pregando uma peça. Nem mesmo as botas estão aqui. Se
eu descobrir quem andou atrapalhando minha lista...! — lançou um olhar desconfiado
para o rato-castor. — Caso saiba alguma coisa e não queira dizer, eu me queixarei a
Rhodan. Afinal, a triste fama de suas brincadeiras de mau gosto, ou daquilo que o senhor
chama assim, correu por toda a frota. Quem poderia ser culpado disso a não ser o senhor?
— O senhor — piou Gucky e deu uma risada estridente. — A missão que vamos
cumprir deve tê-lo deixado completamente confuso.
— Eu? — Bernard sentou na cama e com um gesto distraído tentava afastar uma
poeira imaginária da jaqueta do uniforme. Sacudiu a cabeça e lançou um olhar pensativo
para as botas. A risada estridente de Gucky parecia atacar seus nervos, que já tinham sido
bastante maltratados. — Como pode dizer isso?
Gucky não agüentou mais. Nunca fizera uma lista dos objetos que levava consigo.
Nunca esquecera nada. E este intendente, este tipo pedante e pretensioso...
— Preste atenção, major — sugeriu Gucky. — Eu lhe dou uma dica. Tire tudo que
traz no corpo e...
— O quê? — berrou Bernard. — Tirar a roupa? O senhor ficou louco?
Gucky deu de ombros e voltou para a cama. Deitou e fechou os olhos. Dali a um
instante começou a roncar suavemente.
Bernard engoliu em seco.
— Está bem. Tiro a roupa. E depois?
Gucky ficou com os olhos fechados enquanto dava seu conselho.
— Tire a roupa e coloque as coisas na sacola. Depois vai tirar uma após a outra e
assinalar na lista. Quer apostar que tudo estará aí? O uniforme, a ceroula, a camisa, as
botas...
Houve um segundo de silêncio.
Gucky foi abrindo os olhos.
O Major Bernard continuava sentado na cama. Parecia muito tranqüilo e não estava
mais com o rosto vermelho. Pelo contrário; estava muito pálido. Segurava a lista
vergonhosa nas mãos. Parecia hesitar um pouco, mas de repente amassou o papel e
atirou-o num canto. Parecia furioso.
Gucky suspirou, satisfeito, e voltou a fechar os olhos.
— Obrigado, Gucky — disse Bernard em tom embaraçado. Mas logo voltou a falar
em tom firme. — Vejo que sabe levar uma brincadeira. Naturalmente sabia desde o início
que só estava brincando.
— É claro que eu sabia — garantiu Gucky entre um bocejo e outro. — Um homem
do seu tipo sempre possui muito senso de humor. Diverti-me a valer, e caí na brincadeira.
É uma pena, não é mesmo?
— É, sim — resmungou Bernard, distraído e pegou os magazins de reserva de sua
arma energética, colocando-os na gaveta reservada para as provisões de emergência.
Antes de adormecer, Gucky teve uma visão horrível.
Imaginou o que aconteceria se de repente o alarme soasse na KC-38. Era
perfeitamente possível que o Major Bernard tentasse jogar latas de conserva contra o
inimigo, enquanto nas pausas do combate roesse os magazins energéticos.
***
Quando a KC-38 voltou pela segunda vez ao universo einsteiniano, as estrelas
periféricas da nebulosa Beta encontravam-se a somente algumas horas-luz de distância. O
aspecto do Universo estava modificado.
As telas da sala de comando — ou ao menos aquelas que mostravam o espaço à
frente e ao lado da nave-girino — estavam salpicadas de estrelas. Só a tela de popa não
mostrava nada, a não ser uma mancha leitosa. Era a Via Láctea, de onde tinham vindo os
terranos. O Capitão Thomas acordou Rhodan, que se dirigiu imediatamente à sala de
comando.
— Os rastreadores estão mostrando alguma coisa, capitão?
— Nada, senhor. Mas em minha opinião isso não significa nada. Os sóis ficam tão
próximos um ao outro que uma frota inteira poderia deixar de ser registrada pelos
rastreadores. Vamos prosseguir na mesma rota?
Rhodan não respondeu imediatamente. Pôs-se a examinar os mapas e comparou-os
com os cálculos de rota feitos a bordo da Crest. Finalmente acenou com a cabeça.
— Vamos. Por que não? A chance de sermos descobertos é igual em qualquer lugar
em que estejamos. Não sabemos onde pode estar um eventual inimigo. Portanto, pouco
importa o caminho que sigamos. Acho que devemos escolher a rota mais curta para o
satélite secreto. Descanse um pouco. Vou assumir. Dê ordem para que os outros oficiais
também sejam revezados.
Para Rhodan a sensação de pilotar uma espaçonave, de estar sentado atrás dos
controles, era bastante estranha. Lembrava os tempos antigos, e isto o deixava feliz.
Feliz...? Costumava ser feliz com Mory, tão feliz como fora meia eternidade atrás
com Thora. Podia-se amar duas mulheres, mas não ao mesmo tempo. Mas será que na
verdade sua felicidade não era o Universo, o destino da humanidade e sua influência
sobre o mesmo? Será que realmente se sentiria completamente feliz quando a nebulosa de
Andrômeda também pertencesse aos terranos? Nunca havia uma solução pacífica?
Certamente no caso de Andrômeda não havia. A nebulosa era dominada pelos
senhores das galáxias, que não se sabia quem eram. Sabia-se que se tratava de seres
cruéis e extremamente inescrupulosos. Rhodan não se lembrava de já se ter encontrado
com uma raça mais implacável. A mesma não admitia qualquer forma de resistência ou
desobediência. Os senhores das galáxias eram capazes de destruir um sistema planetário
ou vários povos por causa de um único ato de traição. Usar de todos os recursos para
quebrar o domínio desses seres não seria uma má ação.
Olhou fixamente para a tela frontal, que mostrava a aglomeração de estrelas. Será
que ali estava a resposta a todas as perguntas? Ou esta só seria encontrada quando
penetrassem na própria nebulosa de Andrômeda?
Ele não sabia. Mas sabia que ainda lhe estava reservada uma surpresa. Os senhores
das galáxias. Quem eram eles?
E o que eram?
Deviam ser a raça mais estranha, extraordinária e difícil de derrotar que já
encontrara em toda sua longa vida.
Uma raça que podia comparar-se com os terranos.
Rhodan cumprimentou com um aceno de cabeça os cinco oficiais que entraram para
fazer o revezamento. Os mesmos ocuparam seus lugares e passaram a cuidar de seus
trabalhos de rotina. Thomas e sua equipe retiraram-se para descansar.
A KC-38 penetrou na nebulosa Beta, desenvolvendo velocidade igual à da luz.
Rhodan colocou a mão sobre a alavanca do acelerador.
— Vamos entrar novamente em vôo linear, minha gente. Prosseguiremos na mesma
rota. Devemos prestar muita atenção às indicações fornecidas pelos rastreadores. Quero
ser avisado imediatamente caso seja notada qualquer coisa, mesmo que possa parecer
insignificante. Se estivermos na posição correta, Tróia se encontra três mil e quinhentos
anos-luz à nossa frente. Logo saberemos.
A KC-38 precipitou-se para dentro do espaço linear.
Assim que a velocidade da luz foi ultrapassada, as estrelas desapareceram das telas.
Filtros especiais foram antepostos às mesmas, e o Universo voltou a ser mostrado por
uma das telas.
As estrelas foram passando lentamente. A velocidade era tão elevada que não
podiam ser vistas a olho nu, pois a luz não conseguia alcançar a KC-38. Mas os raios dos
aparelhos de rastreamento funcionavam numa hiperbase. Para eles a velocidade da luz
não representava nenhum problema. Atingiam qualquer objeto, mesmo que se deslocasse
a velocidade superior à da luz.
De repente o jovem tenente que estava de serviço junto ao rastreador avisou:
— Objetos móveis pela frente, senhor. Distância... — houve uma ligeira pausa —
distância cerca de trinta anos-luz.
Era praticamente impossível identificar uma espaçonave isolada a uma distância tão
grande. Se os objetos eram móveis, devia tratar-se de mobys ou de várias frotas.
— Qual é a rota? — perguntou Rhodan.
— Vêm obliquamente em nossa direção, senhor.
Rhodan deu ordem para que a velocidade fosse reduzida. Saiu de seu lugar e
dirigiu-se a passos rápidos ao rastreador. Viu imediatamente as manchas cintilantes.
Olhando melhor, notou que as mesmas se destacavam em vários pontos luminosos muito
pequenos.
— São frotas. Era o que eu imaginava. Devem ser milhares de naves. Devemos
prestar atenção. Não conseguiremos enfrentar uma força deste tamanho.
Rhodan voltou ao seu lugar.
Usou o intercomunicador para entrar em contato com Tolot.
O halutense possuía dois cérebros, um dos quais funcionava praticamente como um
pequeno computador positrônico. Por isso podia substituir o onisciente cérebro
positrônico instalado na Lua terrana, conhecido como Natã. Ninguém era capaz de
transformar as possibilidades e os dados tão depressa em fatos e probabilidades como
Icho Tolot. Ele o fazia em poucos segundos.
— Pois não. Tolot falando.
— Compareça imediatamente à sala de comando. Tenho um trabalho para o senhor.
Dali a alguns minutos o gigante halutense entrou na sala de comando. Foi para perto
de Rhodan e sentou no chão. Assim mesmo seu rosto ficava acima dos olhos de Rhodan.
— É uma frota, Tolot. São milhares de naves. Seguem em direção à extremidade
superior da nebulosa Beta. Além disso...
— Senhor! — a voz do jovem tenente que trabalhava junto ao rastreador parecia
exaltada. — Estão mudando de rota. A mudança é de quase cento e oitenta graus.
Rhodan levantou e foi para junto do rastreador. Tolot seguiu-o. Os dois levaram
quase dez segundos fitando a tela. Finalmente entreolharam-se.
— Pois é — disse Rhodan, dirigindo-se ao halutense. — Que acha?
— É simples, senhor. As frotas dos twonosers se reúnem. A súbita mudança de rota
prova que seus rastreadores são excelentes. Já nos descobriram...
Tolot não deixou que ninguém o interrompesse. Nem mesmo Rhodan.
— Descobriram-nos e mudaram de rumo, embora para eles o ataque não
representasse nenhum risco. Será que agiram assim por estarem com medo? Não acredito.
Só vejo uma possibilidade. Estão obedecendo a ordens. Receberam ordem para retirar-se
sempre que aparecermos. E o fato de terem feito uma mudança tão acentuada da rota,
passando a deslocar-se em direção à extremidade superior da nebulosa, ou seja,
exatamente na direção de Andrômeda, só permite uma conclusão.
— Qual é? — perguntou Rhodan, ao notar que Tolot permanecia calado.
— Abandonam a nebulosa Beta e dirigem-se para Andrômeda.
Rhodan ficou calado e mordeu o lábio inferior. Via-se que não estava acreditando
nas palavras de Tolot, embora o halutense fosse praticamente incapaz de cometer um
engano. Nunca cometera, da mesma forma que Natã nunca errava.
No entanto...!
— Estão se retirando? — Rhodan balançou a cabeça. — Por que fariam uma coisa
dessas? Uma única nave não representa nenhum perigo para eles.
— Não é por nossa causa — explicou Tolot com a paciência de um sábio. — Quem
manda aqui são os senhores das galáxias. E foram eles que deram ordem para que os
twonosers se retirassem. E, por estranho que possa parecer, os mesmos até devem ter
recebido ordem para não nos atacar mais.
Rhodan contemplou a tela do rastreador. Via-se perfeitamente que as manchas
cintilantes se afastavam, aumentando de velocidade. Voavam exatamente na direção da
nebulosa de Andrômeda, que ficava atrás de Andro-Beta.
— Talvez o senhor tenha razão, Tolot — Rhodan voltou para sua poltrona e
acomodou-se na mesma. Tolot seguiu-o e ficou de pé a seu lado. — Obrigado, Tolot. Vá
deitar e procure descansar mais um pouco. É possível que daqui a duas horas saibamos
mais alguma coisa.
O halutense retirou-se com um cumprimento.
Rhodan esperou que a porta se fechasse e dirigiu-se ao tenente.
— Mantenha a frota na tela enquanto for possível. Preste atenção a eventuais
mudanças de rota.
— Sim senhor.
Rhodan colocou a mão sobre a chave de controle do sistema de propulsão linear.
Fez avançá-la lentamente.
A KC-38 continuou a precipitar-se para dentro da nebulosa Andro-Beta com os
conversores Kalup uivando.
***
Alguma coisa acordara Gucky.
O ruído penetrara em seu subconsciente e ali permanecia com uma estranha
obstinação. O rato-castor começou a espantar-se com isso quando ainda estava dormindo.
Sempre tivera o sono muito leve, mas na segurança do camarote, e deitado numa cama
com lençóis limpos, costumava dormir muito bem.
Mas naquele dia isso não estava acontecendo.
O ruído continuou.
Estava escuro; não se via absolutamente nada. Gucky voltou a fechar os olhos para
concentrar-se. Por um simples acaso captou os impulsos de seu companheiro de
camarote.
Bernard dormia, mas estava pensando. Sonhava.
Era um sonho agitado, cheio de aventuras excitantes, nas quais o herói e salvador
evidentemente era o Major Curt Bernard. Sozinho e com uma simples arma energética o
valente mestre intendente exterminou uma tribo inteira de feras sanguinárias, que na
verdade nem existiam.
Quando finalmente vieram os terranos para salvá-lo, encontraram um vencedor
radiante, que tinha enfrentado sozinho a população de um planeta. Recebeu com a maior
calma as honrarias que lhe foram dispensadas. Até mesmo Rhodan, que pendurou a
medalha de bravura em seu peito e o promoveu ao posto de general, estava pálido de
inveja.
— Hihihi — fez Gucky, rindo para dentro, mas não pôde deixar de confessar que
ele mesmo já tivera sonhos parecidos. Afinal, quem não tivera? Mas e daí...
Voltou a lembrar-se do ruído.
Quem sabe se o equipamento de climatização do camarote estava com defeito? O
ruído que crescia e diminuía lembrava uma grade solta. Era bem possível que fosse isso.
Sempre que a correnteza de ar passava, ouvia-se o ruído. Mas Gucky logo percebeu que a
direção não conferia.
O ruído vinha do lugar em que estava deitado Bernard.
Gucky compreendeu.
O major estava roncando.
Os olhos de Gucky já se tinham acostumado à penumbra. Viu que Bernard estava
deitado de costas, com o nariz bem levantado. Cada vez que respirava, seu nariz se
agitava que nem as tampas de uma válvula. Era isso que causava o ruído característico
que tinha acordado Gucky.
— Veja só! Resolveram enfiar-me no mesmo camarote com um tipo como este! —
cochichou Gucky, furioso, e olhou em torno, para ver se conseguia descobrir um objeto
que pudesse atirar na cabeça do major. — Espere, que eu lhe mostrarei!
Não encontrou exatamente o que estava procurando e não queria que as suspeitas
logo caíssem nele. Telecinesia... era isso!
Fez cuidadosamente a determinação exata da posição do major e tampou seu nariz.
A distância não era superior a três metros. Por isso Gucky não teve problema em ver
perfeitamente o nariz de Bernard, que estava deitado na cama, com os olhos
semicerrados.
O Major Bernard passou a respirar com dificuldade.
Gucky quase engasgou de tão contente que ficou ao notar que os roncos se
interromperam de repente. Por um segundo o silêncio foi completo, mas logo se teve a
impressão de que uma gigantesca bolha de ar acabara de estourar num tanque de água.
Foi um borbulhar, fungar e espirrar.
Gucky piscou os olhos na direção de Bernard, que acabara de levantar e tentava
romper a penumbra. De qualquer maneira não roncava mais.
Bernard pigarreou.
Gucky ficou bem quieto e fez de conta que dormia profundamente. Para reforçar
esta impressão, esforçou-se para roncar um pouquinho. Era apenas o sopro de uma brisa
primaveril.
Bernard voltou a pigarrear.
— Que falta de vergonha! — resmungou e deixou-se cair novamente nos
travesseiros. — Não é de admirar que não se possa dormir. Dividir o mesmo camarote
com um roncador destes... Não há quem agüente.
Dali a três segundos voltou a roncar violentamente.
Gucky enfiou-se embaixo das cobertas. Naquele momento gostaria de estar só no
Universo.
A KC-38 levou vinte e quatro horas atravessando a nebulosa Beta em vôo linear. De
vez em quando voltava a deslocar-se em velocidade inferior à da luz, para que Rhodan e
o navegador pudessem orientar-se.
Parecia que Tolot tinha razão. Não foi detectada mais uma única nave de
patrulhamento dos twonosers. Uma única vez o cadáver de um moby gigante cruzou sua
rota, mas não havia o menor indício da existência de seres vivos em seu interior.
Deslocava-se em direção a um sol próximo, e pelos cálculos realizados a bordo deveria
precipitar-se no mesmo dentro de uns quinze dias.
Assim mesmo Rhodan continuou desconfiado.
No fim do segundo dia de vôo — quando estava anoitecendo segundo o calendário
— Rhodan voltou a assumir os controles da nave-girino. O veículo desenvolvia apenas a
velocidade da luz e aproximava-se de um sistema solar. Tratava-se de uma estrela
amarela, em torno da qual circulavam dois planetas do tamanho da Terra. Na superfície
de um desses planetas viam-se edifícios baixos e extensos, além de dois portos espaciais
com as respectivas instalações.
— Pode acreditar em mim, senhor — disse Tolot, sem tirar os olhos da tela de
imagens próxima. — Aqui o senhor verá confirmada minha teoria. As instalações estão
intactas, mas não há mais ninguém para defendê-las.
— Acho isso pouco provável — respondeu Rhodan. Alguns dos oficiais fizeram um
sinal de assentimento. — Que motivo poderiam ter os twonosers para abandonar suas
bases se apenas uma nave-girino penetrou na nebulosa Beta?
— O verdadeiro motivo não é este. Se a retirada se verificou agora, foi por simples
acaso. Destruímos Siren, e os senhores das galáxias perderam o centro de comando de
suas gigantescas instalações de vigilância. O sistema de defesa da nebulosa Beta baseava-
se praticamente nos mobys. As naves de patrulhamento dos twonosers desempenhavam
funções secundárias. Sem os mobys não valem muito. Foram chamadas de volta para
evitar que também se perdessem. Pode acreditar, senhor... estamos sós na nebulosa Beta.
Rhodan ficou calado. A hipótese de Tolot parecia pouco provável. Além disso
representaria metade da vitória. Ou então...
— Talvez se trate de uma armadilha na qual estamos entrando sem desconfiar de
nada — disse, esticando as palavras. — Estamos sendo atraídos para uma armadilha.
— É possível, mas não será agora. A armadilha será montada em Andrômeda. A
nebulosa Beta é nossa, senhor.
— Não confio muito nisso, embora deseje muito que o senhor tenha razão —
respondeu Rhodan. — De qualquer maneira vamos dar uma olhada nesse planeta. Quero
ver as provas de sua teoria.
— Pois verá, senhor.
Melbar Kasom apoiou o peso do corpo na outra perna.
— É possível que aquilo que Tolot está dizendo seja verdade, senhor, mas acho que
devemos ter cuidado. Não convém pousar logo. Os vigilantes devem ter tomado suas
providências antes de abandonar a base. Afinal, deviam contar com a possibilidade de
descobrirmos este planeta por acaso e resolvermos examiná-lo. Mesmo que não haja um
ser vivo por ali, os robôs não serão menos perigosos.
— Não nego esta possibilidade — disse Tolot.
A tela panorâmica já mostrava os detalhes do planeta. A maior parte da superfície
encontrava-se no estado primitivo, com planaltos rochosos, montanhas, grandes estepes e
pequenos mares. A vegetação era escassa e havia muitos desertos. Só em dois lugares
viam-se as instalações já mencionadas e sinais da presença de habitantes. Como
praticamente só se tratava de dois portos espaciais, não havia a menor dúvida de que o
planeta só servia como base. Era possível que dali partissem as frotas de vigilância.
Talvez tivessem a seu cargo certo setor espacial, por cuja segurança eram responsáveis.
Rhodan fez a nave-girino entrar numa órbita e foi descendo devagar.
Não havia satélites de alarme, nada de estações de satélites ou fortes defensivos.
Ninguém fez qualquer tentativa para impedir a KC-38 de aproximar-se do planeta sem
nome ou pousar no mesmo.
Rhodan deu duas voltas em torno do planeta. Finalmente disse:
— Vamos pousar no maior dos dois portos espaciais. Não acredite que alguém nos
queira colocar uma armadilha. Na nebulosa Beta existem alguns milhares de planetas
como este, que são usados como base, e cada um deles, só por si, não tem nenhuma
importância. Se todos eles representassem uma armadilha, teriam levado vários anos para
montar todas elas.
— É isso mesmo — confirmou Tolot em tom seco.
A KC-38 pousou.
— Vou dar uma olhada nas instalações — disse Rhodan. — Cinco homens irão
comigo: Tolot, Kasom, o Dr. Berger, Sengu e...
— Quem mais poderia ser? — piou Gucky e pôs-se a abotoar o casaco do uniforme.
Rhodan deu uma risadinha.
— Eu disse cinco homens. Você fica aqui. Tenho um bom motivo para isso. Quero
ter certeza de que na nave há alguém que pode ajudar-nos a sair das dificuldades logo que
isso se torne necessário. Você não pode deixar de reconhecer que se trata de uma
incumbência honrosa, baixinho.
Um sorriso triste apareceu no rosto de Gucky.
— Reconheço — disse, abatido e orgulhoso ao mesmo tempo.
Rhodan fez um gesto amável.
— O fato de você ficar aqui representa uma tranqüilidade enorme para todo mundo.
Só assim podemos ter certeza de que voltaremos à nave sãos e salvos. — olhou para os
lados. — Major Bernard, será que o senhor teria vontade...?
— Estava prestes a oferecer-me como voluntário — disse Bernard em tom
apressado. — Peço-lhe que espere um momento. Vou pegar minha arma energética.
— Se possível, coloque o traje espacial — recomendou Rhodan. — A atmosfera do
planeta é venenosa para nós.
Dali a dez minutos os seis homens estavam de pé no piso duro do campo de pouso,
carregando o equipamento completo. O chão tinha certa semelhança com o concreto, mas
o primeiro ensaio revelou que era muito mais resistente.
Os edifícios baixos jaziam à luz do sol amarelo. Seu aspecto era pacato e pareciam
esperar alguma coisa. Tinha-se a impressão de que os habitantes do planeta estavam na
pausa do almoço e poderiam voltar a qualquer momento para recomeçar o trabalho. Era
tudo tão pacato que quase chegava a amedrontar.
Bernard mantinha a arma energética destravada nas mãos. Seu rosto, que aparecia
atrás do visor do capacete, apresentava um brilho vermelho. Era a primeira vez que
participava de uma missão fora de seu escritório.
— Calma — recomendou Rhodan. — Não há perigo, pelo menos no momento.
Bernard acenou com a cabeça, mas manteve o dedo polegar encostado ao botão
acionador da arma.
— Este silêncio não me cheira bem — murmurou Tolot. — Não me refiro apenas a
este planeta. Isto se aplica a toda a nebulosa, e até à missão que estamos realizando. Os
senhores das galáxias não tinham nenhum motivo grave para abandonar todas as bases
que possuíam nesta nebulosa. Há alguma coisa atrás disso, mas não sei o que é.
Rhodan não respondeu. A qualquer momento poderia chamar Gucky, para que os
levasse a um lugar seguro, usando a teleportação. A KC-38 até poderia decolar antes que
estivessem a bordo. Não haveria nenhum problema. Gucky era capaz de teleportar a uma
distância de milhares de quilômetros.
Chegaram ao primeiro edifício. Ao lado do mesmo havia um gigantesco centro
gerador com enormes paredes de vidro. Via-se perfeitamente que as máquinas estavam
paradas. Eram tão brilhantes e pareciam tão novas que até se poderia ter a impressão de
que tinham sido instaladas há apenas uma semana. Ou de que só tinham sido paralisadas
e abandonadas há poucas horas.
Entraram no edifício baixo que abrigara a administração, além de alojamentos para
a guarnição da base.
— Estas instalações não foram abandonadas às pressas — constatou o Dr. Berger.
— O senhor tem razão — disse Rhodan. — Todo mundo levou seus pertences
pessoais, e aquilo que ficou foi muito bem arrumado. Ainda há documentos guardados
nestes armários. Até parece que os seres que trabalham aqui devem voltar a qualquer
momento. Quase se chega a ter a impressão de que só foram fazer uma pausa para o
almoço.
— As impressões enganam — murmurou Tolot.
— Acho mais provável que nunca mais alguém volte para cá.
Rhodan fitou-o com uma expressão de surpresa, mas não disse nada.
Dirigiram-se ao edifício seguinte.
O quadro era o mesmo. As luzes de controle dos grandes painéis negros estavam
apagadas, as telas dos videofones mostravam-se escuras. Não se ouvia o zumbido que
costumava estar presente nos centros de comunicação, e os geradores permaneciam
calados.
Uma tela de imagem que emitia um brilho fraco cobria uma das paredes mais
estreitas. Os controles ficavam bem embaixo da mesma, dispostos em longas fileiras
horizontais.
Rhodan ficou parado à frente dos mesmos e examinou-os.
— Gostaria de saber o que mostra esta tela — disse.
— Enquanto o sistema de abastecimento de energia não estiver funcionando, será
inútil tentar ligá-la
— garantiu Tolot. — Acho que se trata de um sistema de comunicação interestelar.
É possível que por meio desta tela os twonosers recebessem suas ordens diretamente dos
senhores das galáxias. Mas não acho isso muito provável, pois nunca nos encontramos
com ninguém que tivesse visto um dos tais senhores.
— Assim mesmo estaria disposto a fazer uma experiência, Tolot, se com isso não
assumisse o risco de revelar nossa presença.
Saíram da sala e atravessaram mais alguns recintos do mesmo edifício. No subsolo
encontraram um arsenal com armas dos tipos mais modernos. A começar com punhais de
aço de primeira qualidade, o mesmo daria para equipar uma companhia inteira, desde os
uniformes até as carabinas energéticas e as metralhadoras de impulsos. As armas e os
equipamentos ainda estavam na embalagem de fábrica. Não teriam sido deixados ali, se
os seres que ocupavam a base não tivessem a intenção de voltar.
— Deveríamos fazer explodir isto — murmurou Kasom.
— Acho que não — Rhodan abanou a cabeça. — Se fizermos isso, em outro lugar
alguém ficará sabendo no mesmo instante que estamos aqui. Não vamos cair numa
armadilha tão grosseira.
Kasom acenou lentamente com a cabeça.
— O senhor tem razão. Infelizmente. Finalmente examinaram o centro de
geradores.
Bem abaixo dos alicerces do mesmo havia um reator atômico, guardado sob placas
protetoras de alta segurança. Os olhos de espia de Sengu atravessaram essas placas e
constataram que o reator estava parado. Diante disso não havia dúvida de que não existia
nenhuma forma de energia na base. Talvez houvesse algum mecanismo de emergência
que pudesse ser posto em funcionamento rapidamente, assim que a guarnição da base
voltasse.
Quando se viram novamente do lado de fora, respiraram aliviados.
Rhodan entrou em contato com a KC-38.
— É o Capitão Thomas?
— Tudo em ordem, senhor.
— Vamos voltar. Decolaremos dentro de trinta minutos.
Não se apressaram. Passaram devagar pelo campo de pouso. O Major Bernard
conversava com Sengu. Afirmava constantemente que o espírito ordeiro dos
desconhecidos que guarneciam a base o havia impressionado bastante. Parecia estar triste
por não poder creditar isso a si mesmo.
Rhodan, Kasom e Tolot caminhavam lado a lado.
— Em toda parte as coisas devem ser como aqui — conjeturou Kasom. — Os
senhores das galáxias evacuaram a nebulosa Beta. Quanto a isso não pode haver dúvida.
É um procedimento insensato, e é justamente isso que me deixa tão preocupado.
— Também fico — confessou Tolot. — Não confio nesta calma aparente. Os
senhores das galáxias têm alguma coisa em mente, mas mesmo usando minha lógica não
consigo descobrir o que é. O que poderiam ganhar abandonando voluntariamente seu
último reduto antes de Andrômeda, que é também o mais forte? Mas não fizeram isso. Ao
que tudo indica, pretendem voltar, e dentro de pouco tempo. O que há atrás disso?
— Talvez não demoremos a descobrir — disse Rhodan. — O que mais me preocupa
no momento é Tróia. Não podemos perder mais tempo. Precisamos descobrir quanto
antes o planetóide. Nossos companheiros devem estar muito nervosos. Faz muito tempo
que não recebem notícias nossas.
Era uma atitude típica de Rhodan pensar antes de mais nada nos homens que
estavam trabalhando no interior do planetóide. Sabia colocar-se em seu lugar e conseguia
imaginar como se sentiam. Afinal, Tróia não era uma espaçonave na qual a gente pudesse
voltar à Via Láctea, se não chegasse nenhum auxílio.
— Amanhã estaremos em Tróia — profetizou Tolot em tom otimista.
Rhodan fez um gesto de concordância, mas via-se que não acreditava muito nas
palavras de Tolot.
Dali a quinze minutos a KC-38 partiu, deixando que o sol amarelo e seus dois
planetas mergulhassem nas profundezas do espaço cósmico.
2

No dia seis de outubro, dois dias depois de ter partido, a KC-38 atingiu a órbita
previamente calculada do asteróide Tróia. Todas as telas mostravam a aglomeração de
estrelas que era uma das características do centro de uma galáxia. Na verdade, a nave
encontrava-se quase exatamente no núcleo central da nebulosa Beta.
— Tróia deveria estar exatamente cinco horas-luz à nossa frente, em linha reta —
disse o Capitão Thomas assim que voltou para junto de Rhodan, que se encontrava em
frente dos controles. — O planetóide afasta-se de nós desenvolvendo vinte e cinco por
cento da velocidade da luz. Não demoraremos a alcançá-lo em vôo linear.
— E os rastreadores?
— Por enquanto não há nenhum reflexo, senhor.
Rhodan não respondeu. Parecia que seus piores receios se confirmavam. Se a base
secreta tivesse sido descoberta pelo inimigo, o comandante, Major Fracer Whooley, não
teria alternativa senão fugir em uma das naves ou mudar a rota de Tróia.
A KC-38 deu início ao vôo linear.
Dali a dez minutos, quando retornou ao espaço normal, os rastreadores registraram
um eco. Os cálculos foram iniciados imediatamente, e o Capitão Thomas não demorou a
anunciar o resultado.
— Um corpo em forma de cubo, dois minutos-luz à nossa frente. O comprimento
das arestas do cubo é de trinta a quarenta quilômetros.
— É Tróia — exclamou Kasom, aliviado.
— Graças a Deus — disse Rhodan.
— Conseguiram.
— Eu sabia desde o início — afirmou Gucky com a maior calma. Estava sentado
num sofá, junto à entrada da sala de rádio. — Mas não querem acreditar em mim.
— Não me lembro — disse Tolot em tom de recriminação — de Você ter afirmado
uma coisa dessas. E olhe que tenho boa memória.
— É possível que não tenha ouvido — disse o rato-castor em tom petulante,
fazendo-se de ofendido. — A gente deve lavar as orelhas todos os dias.
— Isso mesmo — confirmou o Major Bernard e olhou com uma expressão ansiosa
para as telas. Tróia devia aparecer a qualquer momento. — Um banho frio de manhã
prolonga a vida...
— Se é assim, não demoraremos a ficar sem o senhor — interrompeu Gucky. — Só
o tenho visto tomar chuveiros quentes.
— Ali está Tróia — disse o halutense em tom calmo.
Ninguém disse mais nada.
O asteróide apareceu na grande tela frontal sob a forma de um objeto que emitia
uma débil luminosidade. Tróia refletia a luz das estrelas, mas isso não bastava para que se
tornasse visível a milhares de quilômetros de distância. Rhodan reduziu a velocidade da
KC-38 e aproximou-se do objeto que vagava pelo espaço. A ponte goniométrica não
permitia a menor dúvida de que realmente se tratava de Tróia.
— Estabeleça contato pelo rádio, Capitão Thomas.
Dali a dois minutos a voz do Major Whooley encheu a sala de comando.
— Meu Deus... senhor! Já pensamos que nunca mais viesse. O que aconteceu?
— Tudo bem por aí, major?
— Tudo bem, senhor. Quer que abramos a eclusa principal?
— Quero. Passaremos um ou dois dias com os senhores. Seria pouco aconselhável
arriscar a camuflagem de Tróia.
A nave-girino deu uma volta em torno do asteróide desolado e aproximou-se de
uma cadeia de montanhas baixas, que não subia mais de cem metros espaço a fora. De
repente um paredão de rocha mudou de posição, deixando livre uma abertura quadrada.
Um dos hangares ficava atrás dessa abertura. A pequena nave esférica foi entrando
devagar na rocha oca e finalmente pousou com um suave solavanco.
A gigantesca escotilha voltou a fechar-se. O ar começou a entrar na câmara.
Dali a mais cinco minutos Rhodan pôde apertar a mão do comandante de Tróia.
***
O Coronel Pawel Kotranow não parecia nem um pouco abatido. Tinha certeza do
que estava fazendo e apresentou seu relatório, cônscio de ter agido corretamente. Os
homens estavam reunidos no escritório de Whooley, que ficava bem embaixo da
superfície do asteróide.
— Peço-lhe que compreenda, senhor, que na situação em que me encontrava
Reginald Bell era meu chefe supremo. Quando o cruzador Bagalo chegou ao transmissor
Chumbo de Caça com quinze dias de atraso, por ter sofrido avarias nas máquinas,
ficamos todos bastante preocupados. Ninguém sabia o que tinha acontecido e o que ainda
poderia acontecer. Além disso as comunicações de rádio com o senhor e as onze naves
tinham sido interrompidas. Dessa forma seria perfeitamente possível que o senhor tivesse
sido destruído pelo inimigo. Não tivemos alternativa. Fomos obrigados a agir por conta
própria.
— Não o acuso por isso — esclareceu Rhodan.
— Só quero saber o que foi feito e por ordem de quem.
— Foi por ordem de Reginald Bell. Era de opinião que devia haver um contato
entre Tróia e o sistema Chumbo de Caça, e se possível também com a Crest. Não
conseguimos localizar a Crest, mas encontramos Tróia.
Rhodan sentira-se bastante chocado ao encontrar a Androtest III, uma nave de
quatro estágios, no hangar do asteróide. Supusera que ainda se encontrasse no sistema
Chumbo de Caça, onde poderia garantir a volta dos terranos à galáxia de origem.
Acontece que a Androtest se encontrava ali.
— Faz sete dias que chegaram?
— Isso mesmo, senhor — confirmou Kotranow.
— Em minha opinião a decisão de Bell, de que só nós fôssemos, foi sábia e
ponderada. Poderia ter abandonado a base. Dessa forma só arriscamos uma nave.
Rhodan fez um gesto de assentimento.
Começou a compreender que os acontecimentos tinham tomado exatamente o rumo
pretendido por ele. A Androtest III era um fator novo, com o qual não contara. Se não
havia contato de rádio com Bell, seria possível mandar a Androtest de volta para informá-
lo e transmitir-lhe novas instruções.
— Devo confessar que Bell agiu com circunspeção — disse, dirigindo-se ao
comandante da nave exploradora. — A proibição estrita de usar o rádio, que existe e será
mantida, faz com que sua nave seja o único meio de transmitir informações a Bell. O
senhor partirá daqui a três horas em direção ao sistema Chumbo de Caça. Levará novas
instruções para Bell. A base situada naquele sistema não será abandonada. Um dia
também voltaremos para lá. O importante é que não haja novas remessas de
abastecimentos para Tróia. Não sabemos por quanto tempo poderemos usar o asteróide
como base secreta, nem por quanto tempo ainda precisaremos dele. Pode haver uma
modificação profunda de um dia para outro. Os senhores das galáxias evacuaram a
nebulosa Beta. Acho que não há dúvida que não foi por medo de nós. Quer dizer que
tiveram outro motivo para isso. Não conhecemos este motivo. De qualquer maneira
devemos estar preparados para, se necessário, abandonar Tróia.
O Major Whooley pigarreou como quem quer formular uma objeção.
— Espero que não, senhor — disse com a voz rouca.
Rhodan sorriu com uma expressão compreensiva.
— Apenas mencionei uma possibilidade, major. Só isto. É claro que estou
interessado em manter Tróia enquanto isso for possível. O planetóide é nossa base
avançada mais importante. Só dei ordem para que não fossem realizados mais transportes
de abastecimentos para cá. É muito arriscado. Além disso a partir deste momento o uso
do rádio é rigorosamente proibido. Os senhores possuem uma guarnição básica composta
por vinte oficiais e especialistas. Ela permite que Tróia seja defendido — ou, se
necessário, evacuado. Um dia o senhor terá que tomar a decisão. Talvez.
O Coronel Kotranow olhou para o relógio.
— Daqui a três horas. Até lá o relatório para Mr. Bell estará pronto. Aguardo-o no
hangar em que está estacionada a Androtest.
Depois que o coronel se tinha retirado, o Major Whooley fez uma pergunta.
— O senhor tem certeza de que sua suposição é verdadeira?
— Que suposição?
— A suposição de que os twonosers abandonaram a nebulosa Beta...
— Tenho bastante certeza, major. O senhor acha que se não fosse assim teria sido
deixado em paz? Realmente acredita que Tróia continuaria em órbita sem que ninguém o
perturbasse? Pois então. Pelo que vejo, nem mesmo o senhor acredita nisso.
— Seria pouco provável — concordou Whooley.
— Perfeitamente. De forma alguma tenho a intenção de abandonar Tróia, mas de
outro lado acho inútil continuar a ampliar a base. É bem possível que dentro em breve
não precisaremos mais dela. Mas também é possível que um dia dependamos de sua
existência. Quer dizer que continuaremos com ela. O senhor ficará aqui com seus vinte
homens, major. Tróia continuará a percorrer sua trajetória, aparentando ser um asteróide
inútil e sem vida. Em hipótese alguma deverá ser usado o rádio, major! Se for descoberto
e atacado, fuja com sua nave, mas em hipótese alguma transmita um pedido de socorro. O
senhor está só na nebulosa Beta. É ao menos o que os senhores das galáxias devem ser
levados a acreditar.
— Compreendi, senhor.
— Muito bem. Pois vamos conversar sobre o que já aconteceu. Suponho que tenha
recebido os impulsos expedidos pelo transmissor Beta.
— Os mesmos nos deram bastante dor de cabeça, senhor, mas deixaram-nos
bastante preocupados quando foram interrompidos de repente.
— Foram interrompidos?
— Sim senhor. Durante alguns dias os impulsos foram recebidos quase
ininterruptamente. Todos os transmissores de matéria instalados na nebulosa Beta devem
ter sido colocados em funcionamento, e isso no sentido da transmissão. A julgar pela
intensidade dos impulsos, devem ter sido transportadas unidades gigantescas da frota.
— Isso mesmo; foram transportadas na direção da nebulosa Andrômeda. Isso prova
que a afirmação de Tolot, de que os senhores das galáxias abandonaram a nebulosa Beta,
é correta.
— É verdade. Os impulsos cessaram tão de repente como tinham começado.
— Também para isso existe uma explicação. Naquele momento não existia mais
nenhuma unidade de vigilância dos twonosers na nebulosa Beta. E os mobys estão
mortos.
O Major Whooley olhou demoradamente para Rhodan.
— O que significa isso, senhor?
— Não sei. Ninguém sabe. Não existe qualquer explicação que tenha fundamento
lógico ou base estratégica, mas tenho certeza de que a atitude dos senhores das galáxias
tem uma finalidade bem definida.
— A idéia não me deixa nem um pouco tranqüilo, senhor.
— Nem a mim. Pelo contrário.
Os dois ficaram calados por algum tempo, cada um absorto nos seus pensamentos.
— Não quero abandonar Tróia, mas acho preferível procurarmos um planeta
apropriado, que possa ser usado como base e trampolim — disse Rhodan depois de
algum tempo. — Deve ficar na nebulosa Beta e não provocar suspeitas. Vamos encontrar
um. O senhor será avisado, para ir atrás de nós.
— Deve haver milhares de planetas desabitados na nebulosa Beta.
— Pois é. Havemos de encontrar um.
***
Ainda neste mesmo dia a Androtest III, comandada pelo Coronel Kotranow, iniciou
a viagem de volta ao sistema Chumbo de Caça — ao qual já pertencera o asteróide Tróia,
antes que o transmissor solar tivesse colocado o asteróide numa nova órbita. O oficial
levou o relatório de Rhodan. Dentro de três dias, o mais tardar, Reginald Bell estaria
perfeitamente informado sobre a situação.
A nave gigantesca desapareceu nas profundezas infinitas do espaço e sua imagem
foi empalidecendo nas telas dos rastreadores de Tróia.
— Podemos ter certeza de que a Androtest chegará ao destino — disse Tolot. —
Ninguém seria capaz de detê-la. Na verdade, não existe motivo para que as onze naves
terranas permaneçam em posição de espera fora da nebulosa.
— Queira desculpar, Tolot, se não concordo com o senhor. O senhor mesmo disse
que não confia nesta calma repentina. Por que haveríamos de arriscar levianamente onze
naves? Podemos dar-nos por satisfeitos porque Tróia ainda não foi descoberto. Onze
naves de grandes dimensões seriam detectadas imediatamente, mesmo que seja apenas
pelas estações que funcionam automaticamente, cujas guarnições se retiraram. Os
senhores das galáxias ficariam sabendo imediatamente que penetramos na nebulosa Beta.
E é justamente isso que não queremos que eles saibam, ao menos por enquanto. Seria
preferível que pensássemos num meio de descobrir um lugar em que possamos instalar
uma base poderosa. Deve ser no interior da nebulosa Beta. Quando chegarmos à Crest,
deveremos ter encontrado uma resposta a esta pergunta.
Tolot acenou com a cabeça, mas não fez nenhum comentário.
Gucky voltou da excursão que fizera. Acabara de dar uma olhada em Tróia e usara a
teleportação para chegar aos espaços vazios mais afastados, que tinham sido escavados
ainda ao tempo dos maahks. Havia conjuntos de máquinas e centros de comando
paralisados. Vinte homens eram pouco para guarnecer o planeta oco, mas no momento
Rhodan não podia dispensar um número maior. Além disso teve um pressentimento de
que Tróia não demoraria a completar sua missão.
— É uma verdadeira espaçonave, caso esteja interessado em saber — informou
Gucky. — A gente poderia ficar andando à toa por horas a fio e até morrer de fome, se
não encontrasse o caminho de volta. Povos inteiros poderiam sobreviver no interior deste
asteróide. Talvez até pudessem percorrer o abismo intergaláctico. É bem verdade que isso
demoraria alguns milênios.
— Hoje em dia já se conhecem métodos mais eficientes — observou o Major
Bernard, que havia realizado juntamente com o Major Whooley uma inspeção do
equipamento de Tróia e acabara de elaborar uma lista do mesmo. — A ponte dos
transmissores.
Gucky fitou-o por cima do ombro.
— O que está escrevendo, major?
— É uma lista. Será que o senhor não enxerga?
Gucky respirou profundamente.
— Uma lista de ceroulas que não foram encontradas?
O rosto de Bernard ficou muito vermelho.
— Acho que o senhor nunca aprendeu o que é ordem, não é, Gucky? Se não me
engano, já falamos sobre isto...
— Sim. Especialmente sobre as ceroulas que faltavam.
Rhodan interveio na conversa.
— Não sei sobre que estão falando, mas acho que no momento o assunto não é
importante. Gucky, você não tem nada que ver com as ceroulas do Major Bernard, e além
disso...
— ...além disso não fui eu que comecei — interrompeu Gucky em tom irritado. —
Quem começou foi Bernard com suas listas malucas. Vive fazendo listas o dia inteiro.
Até parece que não tem outra coisa a fazer. Como não gosto muito de listas, ele acha que
sou um tipo relaxado... ou melhor, um homem... não, um rato-castor. Isso não é uma
injustiça? Será que sou obrigado a fazer uma lista cada vez que respiro o ar?
Rhodan teve de fazer um grande esforço para continuar sério. Tolot e Kasom
sorriam sem o menor constrangimento. Bernard parecia embaraçado enquanto examinava
sua lista. O único que permaneceu neutro foi o Major Whooley.
— A tarefa de Bernard consiste em fazer registros de tudo. Só assim é possível
determinar as quantidades de suprimentos a serem requisitadas. Acho que uma lista pode
ser muito útil, Gucky.
— Até pode ser verdade, Perry, mas o que é que eu tenho a ver com isso? Diga-lhe
que me deixe em paz com suas listas. Basta que eu não consiga dormir de noite. É que o
Major Bernard ronca que até parece alguém serrando a KC-38 em pedaços.
Bernard parecia um cavalo ofendido.
— Roncar, eu? Isso é uma difamação! Faça-me o favor, oficial especial Guck... Não
foi o senhor que nas últimas noites me acordou várias vezes pelo ruído que acaba de
mencionar? Toda vez que dormia profundamente, levei um susto tremendo...
— Era só o que faltava! — fungou Gucky, fora de si, bestificado em sua poltrona.
— Quer dizer que fui eu que ronquei?
Tolot adiantou-se.
— Vou fazer uma sugestão — disse. — Vamos perguntar a Iltu. Assim saberemos.
— Vou anotar — anunciou Bernard e escreveu alguma coisa. Continuou com o
rosto impassível.
Gucky escorregou da poltrona para o chão, fitou Tolot e Rhodan com uma
expressão indefinível e saiu arrastando os pés.
— Que coisa esquisita — disse Bernard enquanto guardava o bilhete no bolso
enorme da jaqueta do uniforme. — Ainda existe gente que tem medo da verdade.
— É verdade — disse Tolot em tom ligeiramente irônico.
***
A KC-38 iniciou a viagem de volta. Atravessou metade da nebulosa Beta em linha
reta e aproximou-se da periferia da mesma. O grupo de naves que estava à sua espera
ainda se encontrava a seiscentos anos-luz de distância.
O Capitão Thomas levantou para ceder o lugar a Rhodan. Tolot e Kasom ficaram
mais um pouco, para conversar com ele. Rhodan mandara interromper o vôo linear há
alguns minutos, para não estragar os propulsores. A KC-38 passava junto ao sol
geminado vermelho, desenvolvendo a velocidade da luz.
— As estrelas já não são tão abundantes — disse Kasom, apontando para a tela
panorâmica. — Pelo menos na direção do vôo.
— Em compensação estão fortemente aglomeradas na tela de popa.
Tolot estava sentado ao lado de Rhodan, examinando os mapas estelares.
— Sei no que está pensando, senhor. Na base que tem em mente. Posso fazer uma
observação?
Rhodan acenou com a cabeça.
— Naturalmente, Tolot. O senhor aprecia a crítica honesta.
— A idéia de transformar o cadáver de um moby em esconderijo para as onze naves
não é nada má. Mas pergunto a mim mesmo por que não nos refugiamos logo no interior
de Tróia. Isso nos pouparia muito trabalho. Tróia não é melhor nem pior que um moby.
— Hum... Qual é mesmo sua sugestão, Tolot?
O halutense folheou os mapas estelares. Finalmente encontrou aquele que parecia
estar procurando. Tratava-se de um mapa provisório, pouco preciso, confeccionado a
grande distância, que não apresentava maiores detalhes. Mostrava a área situada em cima
do núcleo central da nebulosa Beta. Por ali não havia muitas estrelas, mas as poucas que
havia eram notáveis.
Rhodan olhou para o mapa. Seu rosto permaneceu impassível.
— Existe um planeta situado na nebulosa de Beta, que até pouco tempo atrás estava
no centro dos acontecimentos. Refiro-me a Gleam. Mas depois da destruição da
respectiva lua, denominada Siren, Gleam perdeu a importância. Ainda acontece que os
senhores das galáxias retiraram seus povos de vigilantes da nebulosa. Mesmo que
voltassem, Gleam seria o último lugar em que acreditariam que estivéssemos. Sugiro que
Gleam seja usado como base, senhor.
Era como se alguém sugerisse que entrassem no quartel-general dos senhores das
galáxias, para tomar um café.
Por alguns segundos as pessoas que se encontravam na sala de comando ficaram em
silêncio. Os oficiais que estavam presentes levantaram os olhos dos instrumentos e dos
controles. Seus rostos revelavam incredulidade e até pavor. Logo Gleam! No momento
aquilo devia ser um inferno.
— Tolot, o senhor sabe que respeito sua opinião — disse Rhodan em tom calmo. —
O funcionamento de seu cérebro é mais rápido e preciso que o do meu. Seu senso lógico
não abre margem a dúvidas. Todavia... logo Gleam? O senhor tem um motivo especial
para preferir justamente Gleam?
— Tenho uma série de motivos, senhor. Gleam será o último lugar em que nos
procurarão. Mas isto eu já mencionei. Além disso a situação de Gleam é favorável. Os
três sóis do sistema Tri ficam em cima do centro da nebulosa Beta. A distância dali para a
periferia é igual em todos os lugares. O lugar oferece uma visão direta para Andrômeda.
Gleam possui uma atmosfera de oxigênio. Quer que continue a enumerar as vantagens,
senhor? Ou as que acabo de indicar bastam?
Rhodan hesitou. Já vira muitas vezes Tolot apresentar sugestões que pareciam
insensatas ou ao menos perigosas, mas acabavam por revelar-se corretas.
— Pensando bem — murmurou Kasom, tentando dar um tom convincente à voz —
há muita coisa a favor da idéia de Tolot. Gleam seria uma excelente base de operações, se
por lá encontrássemos um bom esconderijo. Se não estou enganado, por lá existem
montanhas.
— Redhorse fez referência às mesmas — admitiu Rhodan, esquivando-se por
enquanto da decisão. A idéia de instalar uma base em Gleam era tão arrojada que ainda
não queria concordar com o halutense. — Antes de tomarmos uma decisão, teremos de
informar Tróia e Reginald Bell.
— Isso pode ficar para depois. Tanto o Major Whooley como Bell sabem que no
momento não têm nada a fazer. Só lhes resta esperar. Se lhes apresentarmos os fatos
consumados, será mais fácil obter sua concordância. Isto se precisarmos dela.
Rhodan mordeu o lábio inferior. Teve a impressão de que nunca se vira numa
situação como esta. Mas o fato era que se podia confiar no halutense. Ele já dera uma
sugestão errada?
Rhodan acenou com a cabeça.
— Está bem, Tolot. Vamos instalar nossa base em Gleam.
Tolot respirou aliviado. Kasom também parecia mais tranqüilo.
Rhodan pretendia respirar profundamente e sacudir a carga que pesara sobre ele,
quando uma estrondosa gargalhada quase chegou a estourar seu crânio. Vinha de todos os
lados e enchia todos os cantos da sala de comando. E não era só isto.
A gargalhada foi ouvida em toda a nave.
Rhodan tapou os ouvidos, apavorado, mas não adiantou. Neste momento Gucky
materializou na sala de comando. Deu dois saltos na direção de Rhodan e pulou para
cima de seu colo. Piou alguma coisa com a voz estridente, mas não conseguiu superar a
terrível gargalhada vinda do nada.
Mas Rhodan compreendeu de repente o que Gucky acabara de gritar.
Tirou as mãos de cima dos ouvidos e pôs-se a escutar. A gargalhada foi diminuindo
aos poucos. Era ouvida em toda nave, mas era de natureza telepática e não acústica. Era
por isso que Gucky sofria mais com ela do que os outros.
— Peregrino — repetiu Gucky. Desta vez Rhodan compreendeu. — É o imortal.
A gargalhada voltou a fazer-se ouvir, para terminar de repente. A voz do ser
inconcebível passou a falar num cochicho. Fazia cerca de quatrocentos anos que Rhodan
se encontrara pela primeira vez com esse ser.
— É verdade, amiguinho. Sou eu. Espantado?
Gucky olhou com uma expressão medrosa para todos os lados. Até parecia que
esperava ver uma das brincadeiras óticas do imortal. Era perfeitamente possível que de
um instante para outro alguma coisa materializasse na sala de comando — um ser
humano, um animal, um monstro fantástico. Mas não aconteceu nada.
— Estamos bastante espantados — respondeu Rhodan no lugar do rato-castor. —
Não esperava voltar a encontrar-me com você.
— Ora, meu caro Rhodan, o que significam quatro séculos? Você não se arranjou
sem mim? Agora nos encontramos no limiar da nebulosa de Andrômeda. Muito bem,
terrano, muito bem.
— Por onde você tem andado?
— Você deveria ter perguntado quando fui... Bem, talvez andei visitando uns bons e
velhos amigos, que se encontram além do espaço e do tempo. Talvez só tenha esperado
por você. Você percorreu um caminho muito longo, mas para mim isso só foi um instante
na vida.
— Tenho o direito de escolher o que acho certo?
— Perfeitamente, terrano. E agora... passe bem...
— Vai deixar-nos de novo? Pensei...
— Pois pensou errado! — o imortal voltou a dar uma gargalhada. Felizmente desta
vez não foi tão estrondosa. — Voltaremos a encontrar-nos, Perry Rhodan. Quando? Isso
depende de você. O fato é que você encurtou o tempo aceitando a recomendação de seu
amigo Tolot. A decisão de voltar a Gleam renderá bons frutos. Bem... por falar em
frutos, acho que já está na hora de lhe dar mais uma ajuda. Veja nisto uma recompensa
por nunca me ter decepcionado. Você encontrou o caminho que leva para Andrômeda, e
um dia chegará ao destino. Nesse dia voltaremos a encontrar-nos. Mas é bom que saiba
desde logo que será colocado diante de uma decisão terrível, que também diz respeito a
mim. Um dos numerosos círculos do Universo se fechará em Andrômeda. Tudo tem um
começo e um fim, Perry Rhodan. Este círculo porá fim à vida de uma grande raça.
— Que raça é esta? — perguntou Rhodan, mas não obteve resposta.
A gargalhada infernal, que ainda trazia em si um tom de elogio a contragosto,
voltou a percorrer a nave para perder-se nos longos corredores e nas extensas salas de
máquinas.
De repente tudo ficou em silêncio.
Gucky ainda estava sentado no colo de Rhodan, bastante perturbado, quando a porta
se abriu e o Major Bernard entrou correndo. Estava com os olhos arregalados e os raros
cabelos completamente arrepiados. Parecia que as veiazinhas vermelhas de sua face
rechonchuda iriam estourar. Começou a falar. Dava a impressão de que a qualquer
momento morreria sufocado.
— Que foi isso, senhor? Alguém andou brincando com o equipamento estéreo?
Neste caso devo lembrar que todos os equipamentos desta nave estão sob o controle...
— Cale a boca! — interrompeu Gucky sem o menor respeito, deixando de lado a
consideração para com Bernard, que lhe fora recomendada por Rhodan. — Equipamento
estéreo. Será que isso também consta de sua lista?
Bernard esteve a ponto de dar uma resposta agressiva, mas os rostos de Rhodan,
Tolot e Kasom, que continuavam pensativos, serviram-lhe de advertência. Levou apenas
alguns segundos para compreender que havia algo mais que o equipamento estéreo em
jogo, segundo correspondia ao seu caráter.
— Bem que eu pensei que não fosse o equipamento. O som foi muito nítido. No
primeiro instante acreditei que fosse uma experiência do Dr. Fuxer. Todo mundo sabe
que ele aprecia as brincadeiras acústicas e...
— A brincadeira não teve nada de acústica — esclareceu Rhodan antes que dissesse
mais alguma coisa que pudesse oferecer um flanco aos ataques de Gucky. — A
gargalhada e a voz, se é que o senhor a ouviu, foram de natureza telepática.
— A voz? — havia uma expressão de perplexidade no rosto de Bernard. — Só ouvi
a risada. Não percebi nenhuma voz.
Rhodan compreendeu que o imortal só dirigira a palavra a ele. A ele e aos homens
que se encontravam na sala de comando. Só a risada fora ouvida em toda a nave.
— O senhor já deve ter ouvido falar em Peregrino, o planeta da vida eterna,
Bernard. Foi lá que recebemos a ducha celular que prolonga a vida. O mundo era
governado por Aquilo, um ser imortal feito de energia condensada, uma concentração
espiritual... Não sei o que vem a ser Aquilo. Sabemos ou acreditamos que em outros
tempos Aquilo era uma raça inteira, que resolveu abandonar seus corpos. A raça se uniu
numa esfera de energia, formando Aquilo. Tornou-se imortal. A renúncia à
individualidade de cada ser representou um sacrifício, mas em compensação esta raça
desconhecida conquistou a imortalidade.
Bernard acenou lentamente com a cabeça.
— O senhor sabe que quando começou a história de Peregrino eu ainda não tinha
nascido. Mas ouvi falar nela. Acontece que só agora compreendo o que vem a ser Aquilo.
É a concentração espiritual de uma raça. Trata-se de uma coisa grandiosa, extraordinária,
senhor. Talvez até chegue a ser inconcebível.
Rhodan sorriu.
— Fico me perguntando muitas vezes como deve ter sido essa raça espiritualizada,
mas nunca encontrei uma resposta a esta pergunta. Aquilo nunca nos deu qualquer
indicação.
— Em compensação recebemos outra indicação, senhor — disse Tolot. — Aquilo
disse que quando chegarmos à nebulosa de Andrômeda, uma grande raça morrerá. Que
raça será esta?
— Aquilo gosta de falar em oráculos, Tolot. Essa profecia é bastante ambígua. Pode
referir-se a nós ou aos senhores das galáxias. Mas não há dúvida de que eles ou nós
desapareceremos. Mais cedo ou mais tarde — o rosto de Rhodan se parecia com uma
máscara de pedra. — Devo confessar que a decisão anunciada pelo imortal já pesa sobre
mim. É possível que o único meio de salvarmos nossa espécie e o planeta Terra seja
desistirmos da intenção de chegar à nebulosa de Andrômeda.
— Não senhor — Tolot levantou e foi para perto de Rhodan. Bernard continuava
parado no mesmo lugar. Parecia incapaz de fazer qualquer movimento. Gucky estava
sentado no colo de Rhodan. Pela primeira vez em toda vida parecia ter perdido a fala. —
O tal do imortal, que o senhor parece prezar tanto, deu a entender perfeitamente que em
sua opinião a idéia de usarmos Gleam para instalar uma base é acertada. Afirmou sem
sombra de dúvida que isso lhe renderá alguma recompensa. Não sei de que espécie pode
ser essa recompensa, mas ela nos foi prometida para o caso de escolhermos Gleam como
local de nossa base. Dali se conclui que o imortal de Peregrino deseja que cheguemos a
Andrômeda. Quer dizer que certamente não está aludindo aos terranos quando fala no fim
de uma grande raça. Também disse que a decisão que o senhor terá de tomar quando
chegar lá também interessa a ele. De alguma forma que não conhecemos, mantém contato
com a raça desconhecida que deverá desaparecer. Não disse se essa raça é a dos senhores
das galáxias. Talvez sejam os maahks, ou então os twonosers.
— Acho que não — respondeu Rhodan. — Aquilo não teria rompido seu silêncio de
quatrocentos anos só por isso, ao menos agora.
— É exatamente o que penso — reconheceu Tolot. — Quer dizer que não há dúvida
de que o imortal se refere aos senhores das galáxias. Essa raça, ou a dos terranos, terá que
desaparecer — Tolot levantou. — Quero que me diga com toda franqueza, senhor. Confia
plenamente no imortal?
Rhodan acenou prontamente com a cabeça.
— Sim; confio nele. Foi ele que me deu a ducha celular e me entregou as armas que
usei para fundar o Império terrano, além disso me deu bons conselhos e muitas vezes me
ajudou a sair das dificuldades. Tenho de confiar nele, senão a vida perde todo sentido
para mim. Por que fez essa pergunta, Tolot?
Tolot voltou ao seu lugar e sentou.
— Gostaria de ter certeza de que não são os terranos que estão condenados à
destruição — disse em tom calmo.
3

Havia três gigantescos sóis vermelhos suspensos no espaço vazio, exatamente em


cima do centro da nebulosa Beta. Estavam dispostos em linha reta, como se tivessem sido
enfileirados numa corda. A distância entre um sol e outro era sempre de oito e meio
bilhões de quilômetros. Qualquer observador notaria à primeira vista que alguma técnica
inconcebível colocara os três sóis em sua posição atual.
Estes sóis estavam registrados nos mapas estelares dos terranos com os nomes de
Tri I, Tri II e Tri III.
Destes três sóis, o do meio, denominado Tri II, era o único que possuía um planeta.
O nome desse planeta era Gleam.
Gleam não era menos extraordinário que os três sóis que ficavam no mesmo eixo.
Era um planeta achatado, motivo por que seu perfil era elíptico. O diâmetro de pólo
a pólo chegava a dez mil e quatrocentos quilômetros, enquanto na altura do equador o
mesmo chegava praticamente ao dobro, pois era de aproximadamente vinte e um mil
quilômetros.
Gleam circulava em torno de seu sol na direção de pólo a pólo, ficando sempre com
a face equatorial voltada para o mesmo.
O conteúdo de oxigênio de sua atmosfera era seis por cento superior ao da
atmosfera terrana. O teor de hélio também era ligeiramente superior.
Na superfície havia montanhas, que saíam de mares amplos e raros. Em sua maioria
estes mares estavam cobertos por plantas aquáticas, motivo por que raramente se via a
água. Constatou-se que as áreas que pareciam ser formadas por gigantescas pradarias
eram oceanos pantanosos, nos quais cresciam os cogumelos mais estranhos. As florestas
baixas existentes no planeta também eram formadas por cogumelos.
A Crest e as dez naves que a acompanhavam foi-se aproximando lenta e
cautelosamente do sistema solar disposto em corda. Depois de algum tempo entrou numa
órbita em torno dos três sóis. Encontrava-se a quinze horas-luz de Tri II.
Mais uma vez Rhodan deu ordem para que o Capitão Thomas preparasse a KC-38.
A tripulação foi a mesma que tinha ido a Tróia.
Atlan ficou na Crest.
— Se você tem tanta certeza de que Gleam foi evacuado, por que está tomando
todas estas cautelas? — perguntou no momento em que Rhodan foi avisado de que todos
os tripulantes se encontravam a bordo da nave-girino. — Por que não pousamos com a
Crest?
— Pois é isso — confessou Rhodan. — Não tenho tanta certeza de que Gleam foi
completamente evacuado. Tolot tem, mas a lógica não pode dar resposta a todas as
perguntas. Por isso prefiro fazer um reconhecimento antes de expor nossa nave.
— Também penso assim, Perry. Boa sorte. Nossos hipercomunicadores ficarão
constantemente na recepção. Acho que uma mensagem ligeira não representará um risco
muito grande.
— Qualquer risco, por menor que seja, é demais, Atlan. Só estabeleceremos contato
se houver uma emergência muito grave.
— Está bem. — Atlan fitou Rhodan com uma expressão pensativa e perguntou: —
O que foi que Aquilo quis dizer quando falou numa recompensa? Você tem uma idéia?
— Não. Se houver uma recompensa, nós a encontraremos aqui mesmo, em Gleam.
Não se esqueça de que foi nossa decisão de instalar uma base em Gleam que levou o
imortal a fazer sua aparição telepática. Quer dizer que Gleam representa uma espécie de
encruzilhada.
— Foi o que Tolot disse — respondeu Atlan. — Afirmou textualmente que a Terra
acaba de passar por mais uma prova. Se não fosse assim, Aquilo não teria aparecido. Não
sei por que isso teria acontecido justamente agora, mas talvez isso tenha alguma coisa a
ver com o fato de os senhores das galáxias terem evacuado a nebulosa Beta.
— Sem dúvida. E também tem alguma coisa a ver com Gleam.
— Logo com Gleam — resmungou Atlan e despediu-se, apertando a mão de
Rhodan.
Enquanto descia pelo elevador para o hangar da Crest, Rhodan lembrou-se de mais
um ponto positivo ligado à situação de Gleam. O sistema dos três sóis ficava exatamente
sobre o núcleo central da nebulosa Beta, na periferia de seus braços mais afastados. A
distância direta para Tróia devia ser naquele momento de quase exatamente trezentos e
dezoito anos-luz.
A KC-38 saiu pela eclusa, deixando rapidamente para trás a Crest e as outras dez
naves, enquanto se aproximava de Tri II. Ultrapassou a velocidade da luz por alguns
minutos. Quando retornou ao espaço normal, Gleam encontrava-se a apenas alguns
minutos-luz de distância.
As telas dos rastreadores não mostravam nada. Não havia mais nenhuma nave
estranha no sistema Tri.
— Gleam cai no nosso colo que nem uma fruta madura — disse Gucky em tom
solene, caminhando todo empertigado, com o peito saliente.
— De onde você tirou essa expressão antiquada? — perguntou Rhodan em tom
espantado.
Estava sentado junto dos controles, ao lado do Capitão Thomas.
— De Bell. Ele não me ensina somente palavrões, mas também frases clássicas.
— É verdade — observou Bernard, que estivera conversando com Tolot. — Faz
somente meia hora que citou um poeta chamado de Goethe. Se isso é clássico...!
— Não foi bem isso que eu quis dizer — respondeu Gucky como quem pede
desculpas. — Estas palavras só me escaparam da boca.
— Bem que eu imaginava que isso não devia ser interpretado literalmente —
respondeu Bernard. Passou a dirigir-se a Rhodan: — É claro que não atendi ao convite
que havia na citação de Goethe.
— Ora, os clássicos — murmurou Kasom sem tirar os olhos da tela panorâmica.
Gleam tinha crescido bastante e aproximavam-se do planeta em alta velocidade. — Não
podemos interpretar literalmente tudo que eles escrevem.
— Ali fica Siren. A lua ainda está incandescente. — observou o Capitão Thomas.
— É apenas parte de Siren — corrigiu Rhodan.
— Sabemos que a lua explodiu, e o centro de comando com ela. Os fragmentos
circulam em torno de Gleam, mas não acredito que ainda exerçam alguma influência
sobre as condições gravitacionais.
— Estas condições não poderiam mesmo ser mais malucas — resmungou Tolot.
— Tanto faz — observou Rhodan. — Afinal, temos os trajes de combate, e com
eles podemos adaptar-nos a qualquer força gravitacional.
A superfície de Gleam foi projetada em grande escala sobre a tela, e Rhodan
percebeu à primeira vista que tinha havido algumas modificações importantes. A
ausência da lua devia ter provocado uma catástrofe, e as forças da natureza ainda estavam
em ação.
Tormentas gravitacionais varriam Gleam, remexendo os mares pantanosos. A maior
parte dos cogumelos certamente fora destruída. Novas ilhas de origem vulcânica haviam
surgido nos oceanos, e as mesmas atiravam as massas de lava incandescente para a terra
firme. Havia crateras gigantescas, e no fundo das mesmas via-se uma luminosidade
avermelhada. A água que penetrara nas crateras tinha provocado tremendas explosões,
abrindo fendas na estrutura da superfície.
— Não parece ser um ambiente muito agradável. — observou Rhodan, dirigindo-se
a Tolot.
— Os cientistas logo poderão dizer se as naves podem pousar sem enfrentar maiores
riscos — disse o Capitão Thomas. — Em algumas áreas a crosta do planeta deve ser mais
resistente, evitando o aparecimento de vulcões. Além disso tenho certeza de que as forças
da natureza logo voltarão a ficar em repouso. É possível que a órbita mude um pouco,
fazendo com que as condições gravitacionais voltem ao normal.
— Vamos aguardar — recomendou Rhodan.
A KC-38 desceu para Gleam que nem um falcão saindo das nuvens. A nave passou
a sobrevoar a paisagem estranha a pequena altura e em velocidade reduzida. De vez em
quando viam-se seres gigantescos que se arrastavam pesadamente sobre o solo, tentando
desesperadamente voltar ao seu ambiente, que era a água. Tinham sido atirados para fora
do mar pela violência das erupções vulcânicas.
A divisão física transmitiu o resultado dos primeiros exames. Quem entregou o
relatório na sala de comando foi o Dr. Berger.
— Os dados não são muito preocupantes, senhor. Os deslocamentos gravitacionais
provocados pela súbita ausência da lua naturalmente não poderiam deixar de produzir
suas influências no planeta, cujas condições já eram instáveis. Vulcões de lama se
formaram nos oceanos pantanosos, mas temos certeza de que o planeta propriamente dito
não corre nenhum perigo. Dentro de algumas semanas ou meses o ambiente ficará bem
mais tranqüilo. No momento será preferível pousar em regiões mais elevadas, nunca nas
áreas situadas ao nível do mar.
Rhodan acenou com a cabeça.
— Obrigado, Dr. Berger. E a atmosfera?
— Graças ao teor de oxigênio mais elevado, continua respirável. Os gases
venenosos resultantes das erupções vulcânicas foram arremessados para a estratosfera,
onde estão circulando em torno do planeta. Em parte ficaram depositados sobre o mar,
mas não representam nenhum perigo, em virtude de sua densidade reduzida.
— Quer dizer que para sua divisão não há dúvidas quanto à possibilidade de
pousarmos no planeta?
— Nenhuma. Ao menos nenhuma dúvida séria.
— Quer dizer que vamos pousar nas montanhas...! — Rhodan olhou para a tela
panorâmica. — Vamos tentar junto ao pólo sul, Capitão Thomas.
As telas dos rastreadores tinham ficado vazias o tempo todo. Já não havia a menor
dúvida de que a KC-38 era a única nave que se encontrava na área do sistema Tri, com
exceção das onze espaçonaves sob o comando de Atlan.
Rhodan usou o rádio comum para avisar Atlan de que pretendia pousar no planeta.
A resposta deveria demorar pelo menos trinta horas.
Uma paisagem primitiva foi passando pela tela.
Mares pantanosos revoltos se alternavam com montanhas baixas, em cujas encostas
não havia nenhuma vegetação. As planícies estavam cobertas por estranhos cogumelos,
que vistos de cima se pareciam com florestas. Monstros gigantescos movimentavam-se
pesadamente nas áreas livres.
— O que é isso? — perguntou Kasom em tom de curiosidade. — Não sabia que por
aqui existem sáurios.
— Devem ter sido expulsos dos mares pelas erupções vulcânicas — conjeturou
Tolot. — Não representam nenhum perigo para nós; ao menos um perigo muito grande.
Enquanto não aparecerem seres mais inteligentes, não teremos motivo para preocupar-
nos.
— Tente pousar nessa área rochosa — disse Rhodan, dirigindo-se ao Capitão
Thomas. — Ela se ergue quase cinqüenta metros acima do nível dos mares pantanosos.
Ainda não sabemos se serve para instalar uma base.
— As montanhas do elevador são mais altas — lembrou Tolot.
— É verdade. Mas lá a gravitação também é maior. Aqui as condições são
semelhantes às da Terra.
Tolot ficou calado.
A KC-38 pousou. Os propulsores foram desligados.
— Vamos pegar um carro voador? — perguntou Kasom. Lançou um olhar para a
tela. — Poderíamos ir a pé, mas não sei. O ambiente não parece muito convidativo.
— Só quero fazer um reconhecimento no planalto. Quero ver se os sáurios terão
dificuldade em subir pelas encostas.
— Senhor — disse o Dr. Berger em tom indiferente. — Não se trata de sáurios, mas
de monstros dos pântanos. Espalham a insegurança pela terra firme, depois de terem
vivido no oceano pantanoso. Não gostaria de encontrar-me com um deles.
— Sáurios ou monstros, qual é a diferença? — o Major Bernard sacudiu a cabeça.
— Não devemos ser pedantes, meu caro doutor.
— Quer dizer que o senhor não se importa em saber por quem vai ser devorado?
— Não tenho a intenção de permitir que alguém me devore — disse Bernard com o
rosto desfigurado, enfatizando cada palavra.
— Muito bem! — piou Gucky, entusiasmado. — Eu não recomendaria a essas feras
que atacassem o senhor.
Um sorriso alegre passou pelo rosto de Bernard. Lançou um olhar agradecido para o
rato-castor.
— Ainda bem que o senhor dá tanto valor à minha vida. Quer dizer que se houver
um ataque o senhor me defende...
— Será que eu disse isso? — Gucky exibiu o dente roedor e mostrou um sorriso
alegre, já que Bernard tinha caído na armadilha. — O que quero dizer é que as feras não
sobreviveriam ao ataque. O pobre do animal que devorasse o senhor arranjaria umas
úlceras de estômago e morreria tristemente...
Rhodan interrompeu a discussão.
— Vamos no carro voador, para evitar qualquer risco. Irei com quatro homens.
Gucky ajeitou o uniforme.
— Desta vez estou no jogo — constatou em tom enérgico. — Alguma objeção?
Ninguém formulou qualquer objeção.
***
O blindado voador foi rolando devagar pela rocha nua. A KC-38 estava parada
numa depressão baixa e o terreno descia em todas as direções. Por isso o veículo espacial
logo deixou de ser visto pelos homens. Mas as comunicações pelo rádio foram mantidas.
Gucky se mostrava muito calado. Acomodou-se em um dos assentos e não parecia
interessar-se pelo que acontecia do lado de fora. Parecia prestar atenção constantemente
ao que se passava somente no interior. Rhodan, que o conhecia muito bem, acreditava
que queria captar impulsos mentais telepáticos.
Impulsos mentais? Neste planeta em que, segundo parecia, só existiam sáurios?
Sengu tentou fazer um reconhecimento do que havia embaixo deles, mas não havia
espaços ocos sob a superfície rochosa.
Tolot e Kasom estavam sentados ao lado de Rhodan, que pilotava pessoalmente o
carro voador.
— Este platô é muito pequeno — opinou Tolot. — Se formos descobertos e
atacados por alguém que se encontre no espaço, nossas possibilidades de defesa serão
muito restritas.
— Infelizmente vejo-me obrigado a concordar com o senhor — disse Rhodan. —
Mas vamos dar uma olhada. Eu já lhe disse por que não me sinto muito atraído pela zona
equatorial, que parece mais favorável, embora não tenhamos nenhuma dificuldade em
enfrentar as condições gravitacionais adversas. Mas receio que não teremos outra
escolha, se não encontrarmos alguma coisa por aqui.
As encostas que desciam para a área pantanosa não eram muito íngremes. Se os
sáurios resolvessem tomar o platô de assalto, certamente conseguiriam. Teriam de estar
constantemente em guarda contra eles.
Rhodan ligou os campos antigravitacionais. O blindado desprendeu-se da superfície
e passou a deslocar-se a dois metros de altura. O chão começava a descer mais depressa,
e os primeiros sinais de vegetação apareceram na tela.
Sengu já desistira das tentativas de usar a capacidade de espia para descobrir
alguma coisa. Pôs-se a observar Gucky, cujo comportamento era bastante estranho.
O rato-castor não se interessava pelo que acontecia em torno dele. Ficava com os
olhos fechados. Fechara as mãozinhas. Estava bem quietinho, dando a impressão de que
seus pensamentos estavam bem longe dali.
— Está notando alguma coisa, Gucky? — perguntou Rhodan em voz baixa. —
Estabeleceu contato com Thomas ou Atlan?
Gucky sacudiu a cabeça de forma quase imperceptível. Abriu os olhos por um
instante, e Rhodan leu neles a súplica de não perturbá-lo por enquanto. Rhodan respeitou
o pedido sem fazer qualquer comentário. Sabia que, se Gucky não queria ser
incomodado, ele tinha seus motivos para isso.
Mas se não estava em contato telepático com a KC-38 nem com a Crest, com quem
mais poderia estar?
Rhodan resistiu ao desejo de perguntar ao rato-castor. Fez o carro voador descer
para a planície e contornou o platô, que se erguia na área pantanosa coberta de florestas
como se fosse uma ilha.
Descobriram um monstro dos pântanos numa clareira.
Parecia uma cobra gigantesca com pelo menos duas dezenas de pernas curtas que
terminavam em pés cujos dedos estavam ligados por membranas natatórias. O animal
tinha cerca de vinte metros de comprimento. Quando notou a aproximação do veículo
voador, ergueu-se com um berro trovejante.
Rhodan fez subir o carro voador.
— Que companheiro desagradável — resmungou Tolot enquanto olhava
atentamente pelo pára-brisa do veículo. — Se estivesse na zona equatorial,
provavelmente seria esmagado pela gravitação. Até mesmo aqui tem bastante trabalho
para locomover-se. Vê-se perfeitamente que é um habitante dos mares.
Gucky abriu os olhos e inclinou-se para a frente.
— É um belo exemplar — reconheceu e fez um gesto apressado em direção ao céu.
— Será que poderíamos subir mais um pouco?
Rhodan atendeu ao pedido.
— Será que você não poderia dizer com quem manteve uma conversa tão
interessante? — perguntou, depois que a serpente dos pântanos que se encontrava na
clareira já estava bem longe.
Gucky acenou com a cabeça.
— Teria muito prazer, se soubesse. Captei impulsos. Foram impulsos conhecidos.
Foi mais ou menos o que aconteceu há pouco tempo em Destroy, quando descobrimos os
laurins. Reconheci imediatamente seus impulsos mentais, mas não sabia quem os tinha
emitido. Todavia, o que acabo de captar não foram modelos mentais comuns. Trata-se de
uma espécie de mensagem, cujo sentido não consegui decifrar. Talvez tenha sido um
simples pedido de comparecer a determinado lugar.
— Uma mensagem telepática? — perguntou Rhodan, desconfiado. — Quem
poderia saber que estamos aqui? E se alguém souber, por que este alguém não vem em
pessoa?
— É possível que este alguém não possa — conjeturou Tolot.
— Gucky — disse Rhodan em tom paciente — precisamos ter certeza se o
desconhecido que entrou em contato com você dirigiu-se conscientemente a um telepata,
quer dizer, a você, ou se é um hipno capaz de insinuar uma mensagem em qualquer
cérebro normal.
— Não pude constatar a diferença. Aliás, não constatei nada. Os impulsos foram
breves e entrecortados, tornando-se pouco nítidos. Tratava-se antes de um contato
preliminar, durante o qual desempenhei um papel bastante passivo. Respondi, mas não
sei se meus impulsos chegaram ao destinatário. Só sei que os impulsos vieram do norte.
Kasom inclinou-se na direção de Gucky.
— Você acaba de dizer que conhece o modelo... Pois tente lembrar algum detalhe.
Trata-se de uma lembrança antiga? Tem uma conotação desagradável? Você sente medo
ou alegria quando ela lhe vem à mente?
— Não sinto medo; quanto a isso não há dúvida — garantiu Gucky num tom que
quase chegava a ser apressado, dando a impressão de que sabia perfeitamente o que
estava dizendo. — Quanto ao tempo... Sou capaz de apostar que já faz bastante tempo.
Foi há alguns séculos. Nunca captei este tipo de impulsos no caminho para Andrômeda.
A lembrança deles é muito antiga. Tão antiga que quase me esqueci.
Rhodan fez o carro voador voltar para o platô. A planície com os pântanos e seus
terríveis habitantes foi mergulhado embaixo deles.
— Você acha que pode ser o imortal? — perguntou de repente.
Gucky enfrentou seu olhar e sacudiu lentamente a cabeça.
— Não acredito, Perry. Mas sei que existe uma ligação entre o desconhecido que
transmite as mensagens e o imortal de Peregrino. Até parece que são parentes. Não é por
coincidência que os dois entraram em contato conosco na mesma semana — disse
alguma coisa na linguagem chiada e estridente de sua raça, que ninguém entendeu. — Se
ele voltar a chamar, teleportarei. Vou encontrá-lo, seja quem for.
Rhodan ficou quieto. Queria evitar que Gucky se precipitasse, mas de outro lado o
rato-castor era o único que poderia encontrar o transmissor das mensagens telepáticas. E
Rhodan gostaria de saber quem era o velho conhecido que resolvera acompanhá-los no
caminho que levava para Andrômeda.
Um sorriso matreiro apareceu no rosto de Gucky.
— Que pensamentos lindos estão passando pela sua cabeça, Perry. Você quer saber
quem é o desconhecido. Também quero. Não há necessidade de preocupar-se comigo;
basta que eu mesmo me preocupe. Portanto, a única coisa que você pode fazer é esperar.
— Vamos voar para o equador. Não era o que você pretendia sugerir?
— Era. Os impulsos vieram de lá.
Rhodan não fez mais nenhum comentário. Fez o carro voador entrar pela escotilha
bem aberta da nave-girino e o pousou com certa violência.
Com uma violência fora do comum, para dizer a verdade.
4

A distância que separava Gleam de seu sol era quase exatamente de quinhentos e
vinte milhões de quilômetros. Nunca mudava, já que a órbita do planeta era perfeitamente
circular. Dessa forma o planeta recebia quase sempre a mesma quantidade de calor e não
havia grandes diferenças de temperatura. As tormentas eram muito raras. Se não fossem
as grandes diferenças na gravidade, Gleam poderia ser um bom lugar para se viver.
Mas do jeito que estavam as coisas infelizmente não era.
À medida que a KC-38 se aproximava do equador, a força de atração do planeta
elíptico aumentava.
Os campos gravitacionais voltaram a compensar-se.
Rhodan mandou que o Capitão Thomas voasse bem devagar e muito baixo. A
paisagem mudava quase constantemente. Os mares já eram mais raros, mas em
compensação o terreno subia e se tornava cada vez mais seco. Os vulcões e campos de
lava achatados pela gravidade não eram de molde a despertar muita confiança. Parecia
que os monstros não tinham chegado até lá.
Cruzaram a primeira cadeia de montanhas que merecia este nome. Havia densas
florestas nas montanhas, que chegavam quase até o topo. Havia alguns vales que
pareciam ser um bom local de pouso, mas desta vez Gucky fez uma objeção.
— Não, por favor, por enquanto não. Não me perguntem por que não estou de
acordo, pois eu mesmo não sei. Os impulsos não vêm daqui. Mais para o norte, e depois
vamos seguir um pouco para o leste...
— Voltou a estabelecer contato? — perguntou Rhodan.
— Não — Gucky sacudiu a cabeça. — Mas conheço a direção aproximada. Não
fica muito longe daqui.
Até parecia que Gucky estava sendo orientado por um ser invisível. Revelou uma
segurança de sonâmbulo enquanto dirigia o Capitão Thomas por cima dos amplos
planaltos e das pradarias pantanosas que apareciam de vez em quando, sendo limitadas
pelas montanhas que ficavam junto à linha do horizonte. Sua forma era estranha.
— Suba mais um pouco — disse Rhodan.
A KC-38 subiu a cinqüenta quilômetros. Dali via-se toda a cadeia de montanhas. A
mesma tinha certa semelhança com uma grande cratera situada na Lua terrana, mas não
havia dúvida de que não era de origem vulcânica.
A montanha formava um anel quase circular constituído por rochedos de quatro a
seis quilômetros de altura, que cercavam um vale cujo diâmetro era exatamente de cento
e quarenta e dois quilômetros. Neste vale quase não havia elevações e em alguns lugares
viam-se gigantescas florestas de cogumelos. Era atravessado por um grande rio, que num
lugar abrira caminho entre as montanhas gigantescas. As águas formavam cachoeiras
enormes ao precipitar-se para a planície situada mais embaixo, perdendo-se nos grandes
pântanos que literalmente engoliam o rio.
A KC-38 permaneceu imóvel sobre o vale.
— É isto — cochichou Gucky. — A base será aqui. Não existe lugar melhor. Eu sei.
Até parece que alguém me disse.
— Eu escolheria este lugar, mesmo que você não tivesse ouvido nenhuma voz —
disse Rhodan, esforçando-se para não dar um tom irônico à sua voz. — Parece ter sido
feito de propósito para a instalação de uma base. As montanhas nos protegem de
visitantes indesejáveis, a não ser que estes prefiram descer diretamente do espaço, tal
qual fizemos. A atmosfera é limpa, o que é confirmado por Berger. Existe água. Capitão
Thomas, pouse na clareira que fica junto ao rio. Isso mesmo; exatamente no centro do
vale.
A nave esférica precipitou-se para baixo, só se detendo alguns quilômetros acima do
lugar indicado. Dali a pouco tocou a superfície.
***
Os exames já tinham sido concluídos. Rhodan saiu da nave, acompanhado de mais
alguns homens. Desta vez não colocou traje protetor. Um gravoprojetor fazia com que a
gravidade continuasse normal a um quilômetro de distância. Dentro destes limites os
homens podiam movimentar-se livremente.
O ar era límpido, fresco e gostoso. O alto teor de oxigênio produzia efeitos
agradáveis nos homens.
O céu era azul, mas seu brilho já não era tão intenso como na época em que o
campo refletor ainda estava em atividade. A destruição da lua Siren provocara uma
erupção vulcânica que destruíra o centro de geradores do respectivo campo energético.
Os exames minuciosos, realizados por meio de sondas teleguiadas, ainda revelaram
que os habitantes de Gleam, os chamados gleamors, tinham sido vítimas da terrível
catástrofe da natureza. Os monstros, que eram mais fortes e resistentes, eram os únicos
que tinham escapado ao extermínio.
Rhodan não tinha a menor dúvida de que o vale em que se encontravam teria sido
um lugar ideal para sobreviver à catástrofe. Mas não havia ninguém no vale, além dos
ocupantes da nave-girino. Estava vazio e desabitado.
O Major Bernard caminhava todo empertigado sobre suas pernas curtas e robustas,
entre a grama e os cogumelos. Aproximou-se de Rhodan, que conversava com Gucky, e
quase chegou a espetá-lo com o dedo.
— Gostaria de fazer uma sugestão, senhor.
— Diga — respondeu Rhodan, bem-humorado. Bernard girou várias vezes em torno
do próprio eixo e ergueu os braços num gesto dramático.
— Estamos num lugar inadequado — afirmou. — Isso mesmo, completamente
inadequado! As montanhas não servem absolutamente para nada, porque ficam muito
longe. Deveríamos ficar mais perto das rochas. Aqui estaremos desprotegidos. É como se
não houvesse montanhas.
Para surpresa de Rhodan, Gucky não teve nenhuma objeção. Pelo contrário.
— Excepcionalmente o major tem toda razão — disse o rato-castor.
— Por que você acha que este lugar não serve para instalar nossa base? —
perguntou Rhodan.
— Acho a mesma coisa que o Major Bernard. Aqui poderemos ser derrubados
como se fôssemos pombos. Além disso estive nas montanhas. Foi só por alguns minutos.
Acho que é exatamente o lugar que estamos procurando. É mesmo um lugar ideal. Há
encostas íngremes, e na montanha você encontra tantas cavernas quantas quiser. Por lá
pode ser guardada muita coisa.
O Major Bernard foi para junto de Gucky e deu uma palmadinha em seus ombros.
— Meus parabéns, senhor oficial de patente especial! Se eu fosse seu superior
direto, faria imediatamente uma proposta para que o promovessem.
— Esta não! — respondeu Gucky, assustado. — Se quisesse, já poderia ser general
— sorriu. — O senhor pode dar-se por satisfeito porque não sou, major.
— Por quê?
— É melhor não perguntar.
Bernard notou a expressão de advertência nos olhos de Rhodan.
Não repetiu a pergunta.
— Você poderia levar-me ao lugar que lhe parece mais apropriado? — perguntou
Rhodan, dirigindo-se a Gucky. — É claro que poderíamos ir de carro voador...
— Por que vamos fazer a coisa mais simples se dá para complicar? — Gucky foi
para perto de Rhodan e segurou sua mão. — Vamos saltar.
O Major Bernard sentia-se fascinado toda vez que via um teleportador durante o
trabalho. Viu Gucky olhar para longe, concentrando-se num destino imaginário. Não
devia ser difícil, pois já tinha estado lá.
As duas figuras desmaterializaram. Houve um ligeiro ploc quando o ar entrou no
vácuo que se formara. Bernard chegou a sentir a correnteza de ar e estremeceu.
Rhodan e Gucky rematerializaram uns setenta quilômetros mais ao norte. Ligaram
imediatamente seus gravoneutralizadores, para evitar que a gravitação os perturbasse.
Rhodan olhou demorada e atentamente para todos os lados. Percebeu ao primeiro
relance de olhos que Gucky tinha razão. Se no planeta em que se encontravam havia um
lugar que realmente se prestava para a instalação da base, era aquele em que estavam.
Na direção do fundo do vale estendia-se uma planície coberta de grama, na qual se
viam plantas de pequeno porte. O chão da planície era bastante sólido para suportar até
mesmo o peso dos gigantescos couraçados espaciais, ainda mais se os campos
gravitacionais eram ativados. Mais para o lado do vale a vegetação se tornava mais alta,
formando florestas de cogumelos. As montanhas ficavam na direção oposta. As encostas
desciam na vertical de uma altura de cinco mil metros. Em muitos lugares viam-se os
orifícios das entradas das cavernas. Rhodan teve a impressão de que a cadeia de
montanhas era oca por dentro.
— Então? — perguntou Gucky.
Rhodan fez um gesto de aprovação.
— O que eu faria se não fosse você, baixinho? Bem que eu poderia ter pensado
nisto.
— Acontece que não pensou! — respondeu Gucky em tom de triunfo.
— É verdade! Só me admiro de que o Major Bernard, que não tem nenhuma
experiência nestas coisas, tenha feito uma sugestão deste tipo.
— Eu também — Gucky voltou a levantar os olhos para os cumes da cadeia circular
de montanhas, que avançavam em direção ao céu azul de Gleam. — Vamos dar uma
olhada lá em cima?
— Por quê?
— Não devemos esquecer os impulsos — disse Gucky. — Estão aí de novo. E vêm
de cima.
Rhodan hesitou. Os impulsos mentais partidos de um lugar desabitado o deixavam
assustado. Nem mesmo Gucky sabia de onde vinham. Mas o imortal de Peregrino os
havia felicitado pela decisão de instalar sua base em Gleam. Aludira a uma recompensa, a
alguma forma de auxílio. Portanto, não era possível que os impulsos mentais proviessem
de um ser cujas intenções fossem hostis.
— Está bem; vamos dar uma olhada — disse depois de algum tempo.
Desta vez dispensaram a teleportação. Os trajes de combate possuíam um
equipamento de vôo gravotécnico. Além disso Rhodan queria ter uma percepção
consciente do ambiente, para poder orientar-se.
Foram subindo devagar em direção ao paredão de rocha.
Rhodan notou que as cavernas penetravam profundamente na montanha. De
qualquer maneira os gigantescos espaços vazios se prestariam muito bem à instalação de
centros geradores e à guarda de provisões, além da construção de instalações defensivas.
— Os impulsos estão ficando mais fortes — disse Gucky, para acrescentar depois
de algum tempo: — Noto alegria e excitação nos mesmos.
— Acho que já sei quem está à nossa espera — disse Rhodan.
— Eu também — afirmou Gucky.
Chegaram ao cume da primeira montanha e mudaram de direção. Deslocaram-se
para o leste em pequena altura, desviando-se das rochas pontudas e sobrevoando vários
desfiladeiros. Notaram uma elevação arredondada maior que as outras, que ficava uns
quatro ou cinco quilômetros à sua frente. Não possuía as saliências pontudas encontradas
nas outras montanhas, parecendo antes uma abóbada polida.
Havia uma coisa pontuda no alto da abóbada.
— É isso aí — cochichou Gucky e seguiu na direção da abóbada.
Rhodan foi atrás dele.
Quando chegaram mais perto, Rhodan também captou os impulsos telepáticos. Sua
faculdade telepática era pouco intensa, mas os impulsos eram tão fortes que não poderia
deixar de registrá-los. Mas do alto da abóbada ainda não vinha um modelo claro, apenas
sentimentos. Sentimentos de alegria e felicidade.
A coisa brilhante era um amigo.
Harno estava deitado em cima da abóbada, numa pequena depressão.
5

Harno, que era um ser esférico feito de energia e tempo, tinha voltado ao presente.
Estava deitado sobre a cadeia de montanhas, à espera dos amigos que tinham recebido
seu chamado. Harno era uma esfera negra brilhante com cinqüenta centímetros de
diâmetro. Harno brilhava e pulsava enquanto Gucky e Rhodan se aproximavam e foram
parar junto à depressão.
— Harno! — disse Gucky, inclinando-se para a esfera para tocá-la num gesto que
quase chegava a ser carinhoso. — Imaginei logo que fosse você. Por que só pensa em
modelos emocionais, não em idéias claras e compreensíveis?
Desta vez a resposta foi tão nítida e intensa que até mesmo Rhodan a compreendeu.
Até parecia que a esfera estava falando em voz alta.
— Não poderia ter sido de outra forma, mas o fato é que vocês me encontraram.
Uma época chegou ao fim. E este fim é assinalado por um acontecimento que parece
insignificante: o fato de vocês terem escolhido este mundo para instalar sua base.
— Alguém já nos disse isso há poucos dias.
— Já sei, Gucky, já sei. É por isso que estou aqui. Estava à sua espera.
Concederam-me a graça de poder ajudar vocês, embora seja por pouco tempo e de
forma limitada. É bom que saibam que ainda existo e me conservo para vocês.
— Por onde tem andado durante estes séculos?
Uma onda de espanto precipitou-se sobre Rhodan e Gucky. Finalmente Harno disse:
— Foram alguns séculos do calendário terrano? Não sabia que estive longe de
vocês por tanto tempo. Para mim o sentido do tempo não é este, pois a maior parte de
minha substância consiste no mesmo. Uma parte da mesma vive de energia, e a outra do
tempo. Aliás, vocês sabem onde estive. Eu lhes contei naquela oportunidade, séculos
atrás. Estive nos confins do tempo, ali onde o futuro deixa de existir. Onde se pode olhar
para trás, mas não para a frente. Ali onde o tempo fica parado. Para todo o sempre.
Rhodan sentou numa pedra redonda que ficava a menos de um metro da depressão.
Sentiu uma calma benfazeja tomar conta dele. Se não fosse assim, não teria sido capaz de
fazer sua pergunta.
— Você acaba de dizer que o tempo fica parado. Então é o tempo que se
movimenta? Não somos nós que nos movimentamos através do tempo?
— Tudo está em movimento — respondeu Harno prontamente. — Vocês se
movimentam, o tempo se movimenta, tudo permanece num fluxo contínuo. Mas há de
chegar o dia em que tudo ficará parado. O tempo, as estrelas, a vida. Quando isso
acontecer, será como se tudo estivesse congelado, inclusive o Universo com suas
dimensões. Será o momento da compreensão final. Mas será que então haverá mais
alguém para olhar para trás?
— Quem será?
Harno não respondeu. Gucky acariciou a esfera.
— Ainda bem que você veio, Harno. Senti sua falta.
— Também senti sua falta, amiguinho. Você se viu em situações nas quais teve
necessidade de mim? Só ouvi seu chamado uma única vez, mas não pude vir. Tenho de
submeter-me a certas leis.
— Sabemos disso — disse Rhodan — e respeitamos sua posição. Estamos mais que
agradecidos por ter vindo agora.
— Isso aconteceu por causa das mesmas leis — explicou Harno em tom seco.
Gucky levantou-se.
— Quer acompanhar-nos para nossa nave?
— Não; vou ficar aqui. Sua nave não demorará a pousar ao pé das montanhas.
Depois estarei à sua disposição. Poderei ajudá-los, dentro de certos limites.
Rhodan ficou sentado na pedra em que estava.
— Gucky, teleporte para a nave e avise o Capitão Thomas. Faça com que a KC-38
decole o mais depressa possível e traga-a para cá. Pousem lá embaixo, no vale, junto às
cavernas. Ficarei à sua espera aqui.
Gucky parecia não gostar muito dessa decisão, mas finalmente acenou com a cabeça
e desmaterializou. Rhodan olhou para Harno.
— Por que Gleam é tão importante? — perguntou.
No início a única resposta foi uma risada telepática, mas finalmente Harno começou
a falar.
— Talvez nem seja propriamente por causa de Gleam. Sua decisão, de instalar uma
base justamente neste mundo, que já foi o centro nervoso do sistema defensivo de
Andrômeda, foi muito importante. Prova que os terranos ainda não perderam o arrojo e
a vitalidade. E prova mais que os terranos ainda não estão degenerados. Vocês não
perderam a pista através do tempo e do espaço, Perry Rhodan. Seguem a mesma com
uma coragem inabalável e um formidável poder de decisão. É por isso que receberão
auxílio; só por isso.
— Quem decide sobre isso?
— Vocês — respondeu Harno.
— Nós? Você está dizendo isso em sentido figurado, não está? A decisão que for
tomada em qualquer tempo depende do nosso comportamento.
— Não estou falando propriamente em sentido figurado. São vocês que decidem
sobre o que acontece, sobre se posso e devo ajudar, se e quando passo a ser. Vocês estão
colocados no começo da linha, enquanto eu me encontro no fim. No meio dela fica
aquilo que vocês chamam de evolução, progresso ou simplesmente de tempo.
Mais ou menos a mesma linguagem tinha sido usada por Aquilo, isto é, pelo imortal
de Peregrino, lembrou Rhodan. Será que a ligação entre este e Harno era mais intensa do
que acreditara? Haveria uma ligação entre os dois?
De repente uma idéia maluca passou pela cabeça de Rhodan.
Será que Harno e o imortal eram a mesma coisa?
Harno logo captou o pensamento de Rhodan.
— Você e eu, Perry Rhodan — disse — talvez sejamos tanto ou tão pouco
aparentados como eu sou com Aquilo. Um dia você mesmo terá que descobrir a verdade;
tenho certeza de que descobrirá. Não se esqueça de que estive no fim do tempo e olhei
para trás. O que aconteceu e o que ainda vai acontecer não pode ficar escondido aos
meus olhos. É como um círculo, cujas extremidades ainda não se tocaram. Tudo existe
para que esse círculo se feche, inclusive você.
Estava aí mais uma semelhança com as palavras do imortal.
Será que com isso o enigma do Universo se tornara menor?
Rhodan teve a impressão de que se tornara maior. Pelo menos era mais difícil de
compreender — e, se aquilo que imaginava era verdade — mais inacreditável.
Se estava interpretando corretamente as indicações de Harno, conhecia a solução do
maior enigma de todos os tempos. Nesse caso já sabia o que era a vida. Sabia como
começava, e também sabia como terminava. Terminava na imobilidade definitiva que se
verificaria no fim do tempo.
No fim do tempo...
— Trata-se de um limite — disse Harno, mostrando que acompanhara atentamente
os pensamentos de Rhodan. — De um limite que ninguém pode ultrapassar, nem mesmo
eu. Ninguém. Este limite representa o fim. Se quiser, pode dizer que é o congelamento do
tempo, a cessação de todos os acontecimentos e o fim do próprio Universo. O instante
em que isso acontecer durará uma eternidade. É inevitável e virá. Mas existe uma tênue
esperança de talvez enganar este momento terrível: o rompimento da muralha do tempo.
Deve haver alguma coisa além da mesma! Nós ainda não conseguimos verificar o que é.
— Nós? — perguntou Rhodan, esticando a palavra.
Harno manteve-se calado. Não deu mais nenhuma resposta. Sem dúvida não podia
revelar mais nada.
Será que já tinha dito mais do que devia?
Rhodan olhou para a planície.
Viu os cumes das montanhas do lado oposto na linha do horizonte, a cento e
quarenta quilômetros de distância. A cadeia de montanhas também formava um círculo,
mas tinha um começo e um fim. A KC-38 estava parada no interior desse círculo, se é
que ainda não tinha decolado. E a quinze horas-luz de distância a Crest e as outras naves
estavam à espera.
— Posso avisar Atlan pelo hiper-rádio, Harno?
— Quer saber se existe alguém que poderia ter a atenção despertada pela
mensagem? Não, não há mais ninguém. Pode transmitir à vontade.
— Obrigado.
— Ainda não está na hora de agradecer, Perry Rhodan. Se eu lhe digo que
ninguém pode ouvir suas transmissões, isso não significa que estão sós neste mundo.
— Compreendo. Os sáurios, e possíveis sobreviventes dos gleamors.
— Não me refiro aos sáurios, e os gleamors já deixaram de existir. Pareceram
durante a catástrofe. Espere aí. Eu lhe mostrarei o planeta Gleam. Olhe bem para mim,
e você saberá tudo que precisa saber sobre este mundo.
Harno, o ser feito de energia e tempo, transformou-se numa esfera televisora. Sua
superfície negra passou a emitir um brilho prateado, para em seguida transformar-se
numa tela de três dimensões. Reproduziu a superfície de Gleam em tamanho bastante
reduzido, mas de forma bastante nítida para que Rhodan percebesse os detalhes.
— Você conhece o hemisfério sul de Gleam, mas não o hemisfério norte. Ao menos
não sabe como ficou depois da destruição de Siren. Sofreu muito e provavelmente não há
mais sáurios por lá. Os oceanos de lama chegaram a transbordar com a fervura,
destruindo as florestas que cobriam o solo firme. A maior parte dos lagos pantanosos se
evaporou. Com a perda da lua o planeta praticamente se tornou inabitável.
Rhodan não disse nada. Viu a superfície de Gleam deslizar diante de seus olhos e
viu confirmado aquilo que Harno acabara de afirmar. Parecia que só o vale circular tinha
escapado à destruição. Talvez fosse por causa de sua situação vantajosa, talvez por outro
motivo.
A imagem mudou.
A KC-38 apareceu. Subiu do vale e deslocou-se em velocidade moderada para o
norte. Descreveu uma curva ligeira e pousou ao pé da montanha em forma de abóbada.
Dali a alguns minutos as escotilhas se abriram. Rhodan reconheceu Tolot e Kasom, que
saíram do veículo. Carregavam suas armas energéticas.
— Irei com você para a nave — disse Harno. — Quando Gucky materializar, não
serei maior que seu punho fechado. Coloque-me no bolso como fez da outra vez.
— Vai ficar algum tempo conosco?
— Ficarei pelo tempo que puder — disse Harno, esquivando-se a uma resposta
direta.
Rhodan fez uma pergunta.
— Você acaba de dizer que não estamos sós neste mundo. Quem mais se encontra
aqui?
— Não posso dizer. Só posso preveni-lo. Não demorarão a atacar. É possível que o
façam ainda hoje de noite. Mate-os, pois você não estará matando nenhuma forma de
vida. Eles o matariam. E você vive, Perry Rhodan.
— São robôs?
— Não são robôs, pelo menos não são aquilo que você entende por robôs.
Rhodan estava prevenido.
Dali a instantes Gucky apareceu...
Levou Rhodan e Harno para a nave.
***
Na noite do dia treze para o dia quatorze de outubro do calendário terrano foi
desfechado o ataque dos sirenenses.
Harno não fornecera mais nenhuma informação, mas a pouca coisa que tinha dito
fora suficiente para deixar Rhodan prevenido. Naquela noite as sentinelas dentro da nave
foram duplicadas. O próprio Rhodan só dormiu até perto da meia-noite, tempo de Gleam,
quando apareceu na sala de comando para revezar o Capitão Thomas.
As telas de imagem não mostravam muita coisa.
A cadeia de montanhas estava mergulhada na luz mortiça da nebulosa Beta. A
estepe parecia um oceano que aguardava calmamente o vento. Mil metros mais adiante
começavam as florestas de cogumelos. Eram escuras e misteriosas e podiam esconder um
sem-número de perigos. Mas se estes perigos existiam, não se via o menor sinal deles.
— Nada, capitão?
— Tudo calmo, senhor. As telas dos rastreadores também não mostraram nada.
Quer dizer que não existe nada que tenha vindo do espaço.
— Se interpretei corretamente as informações fornecidas de Harno, o perigo vem de
Gleam. Como vai o centro de controle de tiro?
— As sentinelas acabaram de ser revezadas, senhor.
A porta abriu-se. Tolot e Kasom entraram.
— Vá para a cama, capitão — disse Rhodan e cumprimentou os dois amigos com
um aceno de cabeça. — Ficaremos aqui até o raiar do dia.
Thomas retirou-se.
Tolot acomodou-se sobre o sofá que costumava ser ocupado por Gucky. Kasom
sentou numa poltrona regulável. Contemplou a tela panorâmica.
— Parece que não está havendo nada. Acho que ficaremos sentados à toa o resto da
noite.
— Esta calma pode ser enganadora — observou Rhodan. — Estamos num mundo
estranho, que nem sequer chegamos a explorar minuciosamente. Harno nos preveniu
contra o ataque, e ele sabe que o mesmo será realizado — ou, de seu ponto de vista, já foi
realizado.
Tolot e Kasom já sabiam quem era Harno. Sabiam que contra ele não havia
argumentos.
Rhodan teve a impressão de ter visto um movimento na tela pelo canto do olho.
Inclinou o corpo e concentrou-se. Parecia não ter havido nenhuma mudança na floresta.
Mas o capim da estepe não parecia imóvel como antes. Alguns arbustos se agrupavam, e
Rhodan tinha certeza de que já tinham estado em outro lugar.
Não havia vento, mas o capim se agitava. O movimento era irregular, e só se
verificava em alguns lugares.
— É uma pena que Redhorse não esteja aqui — disse Rhodan sem tirar os olhos da
tela. — Deve estar familiarizado com o método da aproximação furtiva.
— O que quer dizer com isso, senhor?
— Redhorse é um índio, Kasom.
Kasom levantou e aproximou-se da tela principal. Olhou atentamente para a mesma.
— Alguém tenta aproximar-se da nave. Diria que é um método bastante antiquado.
Se ligarmos os holofotes polares, poderemos matá-los como se fossem coelhos, sejam
eles quem forem.
— Harno disse uma coisa estranha. Segundo ele, podemos matar os atacantes sem
qualquer constrangimento, pois não estaremos destruindo nenhuma forma de vida
orgânica. Acredito em Harno, mas a idéia de matar me causa repugnância. Se não são
robôs, o que pode ser?
Tolot também levantou, para examinar melhor a tela.
A luz das estrelas era muito fraca para que se pudesse reconhecer os detalhes. A
única coisa que se via era a movimentação do capim. Os arbustos foram-se aproximando
lentamente da nave.
— Se não são robôs — disse Tolot — devem ser andróides ou outras formas de vida
artificial. Isso naturalmente se Harno disse a verdade.
— Quanto a isso não pode haver dúvida.
— Vá buscá-lo, senhor. Estou me referindo a Harno.
De repente havia uma cintilância na cúpula que formava a sala de comando. A
esfera negra formou-se do nada, foi descendo e ficou deitada no piso metálico, pulsando
constantemente. A superfície negra arredondada assumiu uma cor leitosa. De repente a
área adjacente à nave apareceu na mesma, dando a impressão de que o observador a
sobrevoava em pequena altura.
Vistos de cima, os misteriosos atacantes estavam completamente desprotegidos.
— Vocês os vêem? — perguntou Harno silenciosamente em meio aos seus
pensamentos. — Não são apavorantes, vistos do ângulo humano? Ainda têm alguma
dúvida em destruí-los?
Rhodan não foi capaz de dar qualquer resposta. Tolot e Kasom também
permaneceram em silêncio.
Nem mesmo a fantasia mais arrojada seria capaz de imaginar aquilo que estavam
vendo. O mais estranho naqueles monstros, que se aproximavam cautelosamente da nave,
aproveitando qualquer esconderijo que conseguiam encontrar, era que praticamente cada
um deles tinha uma forma diferente.
Havia bípedes, quadrúpedes, seres de seis pernas e centopéias. Alguns tinham um
aspecto humanóide, enquanto outros se pareciam com medusas ou gigantescas amebas.
Também se viam répteis, serpentes e seres parecidos com caninos. Era uma confusão
inacreditável de todas as formas de vida, um verdadeiro pesadelo.
— O que é isso? — perguntou Kasom com a voz rouca.
A superfície esférica de Harno voltou a ficar negra.
— São os sirenenses, se quiserem dar-lhes esse nome. Os sobreviventes da lua
Siren. Escaparam à catástrofe que houve na lua e puseram-se em segurança aqui. Sua
tarefa consiste em destruir toda e qualquer forma de vida que não conte com a
aprovação dos senhores das galáxias. São os guardiões do centro de comando dos
mobys, que foi destruído. Vieram para destruir vocês. Procurem defender-se.
Rhodan voltou a olhar para a tela panorâmica. A primeira vaga de atacantes não
estava a mais de cinqüenta metros de distância.
— Não poderão fazer nada à nave — disse. A idéia de abrir fogo contra os atacantes
não lhe agradava. Demonstravam uma evidente inferioridade diante da nave-girino e de
seus ocupantes... — Ainda mais se ligarmos o campo defensivo.
— Pode ser — ponderou Harno. — Mas o que acontecerá amanhã e depois? Vocês
pretendem ficar na nave para sempre? De que servirá a base se não puderem sair das
naves?
— Não seria justo matá-los — insistiu Rhodan.
— É possível que Harno tenha razão — disse Tolot. — Pelo menos precisamos dar-
lhes uma lição, senão voltarão sempre e...
— Isso não adianta — interrompeu Harno. — Se vocês matarem metade deles, a
outra metade voltará ao ataque. Até que tenham matado vocês, ou até que tenham sido
mortos.
— Qualquer ser racional... — principiou Rhodan, mas logo foi interrompido por
Harno.
— Eles não são seres racionais, Perry Rhodan. Trata-se dos guardiões da lua
Siren, de formas de vida artificialmente produzidas numa proveta, que foram adaptadas
às tarefas que lhes foram atribuídas. Volto a ressaltar que não se trata de seres vivos
orgânicos, mas de andróides. De andróides que obedecem a ordens.
— Se possuírem um pouco de inteligência, poderemos conversar com eles.
— A inteligência só diz respeito à execução das ordens recebidas, que são de
natureza pós-hipnótica. Ninguém pode modificá-las. Ninguém, a não ser os senhores das
galáxias. E estes pensam que seus guardas em Siren foram eliminados.
— Não seria possível explicar isto aos andróides?
— Não existe a menor possibilidade. Ficarão nas proximidades da nave até que
vocês os matem ou abandonem a base. Querem fazer isso? Vão procurar outro lugar?
Os andróides os descobrirão amanhã ou dentro de três dias, e vocês poderão fugir de
novo.
Tolot aproximou-se.
— Senhor — disse com a voz calma. — Acho que devemos seguir o conselho de
Harno. Vamos eliminar estes... estes seres artificiais. Não são humanos nem seres
racionais. Se não pudermos negociar com eles, não teremos alternativa senão matá-los.
Se não quisermos fazer isso, será preferível sairmos logo de Gleam.
Rhodan manteve-se num silêncio obstinado, olhando para a tela panorâmica.
Mais uma vez a carga pesava sobre ele. Suportava sozinho o peso da
responsabilidade ao dar ordem de destruir formas de vida estranhas quer fossem elas
verdadeiras ou não. Ninguém podia livrá-lo dessa responsabilidade, nem mesmo Harno.
Será que os andróides podiam ser considerados uma forma de vida?
Era pecado destruir a vida artificialmente criada?
Eram os pensamentos que tantas vezes tinham martirizado Rhodan, quando se vira
colocado diante de decisões iguais ou semelhantes. Mas geralmente tinham sido seres
inteligentes que o atacavam e dos quais tinha que defender-se. Nestes casos a decisão era
mais difícil, mas era necessária, se não quisesse ser morto. De qualquer maneira destruía
formas de vida no curso dos acontecimentos, formas verdadeiras de vida.
Desta vez tratava-se de andróides, de seres artificiais.
— Confio em você, Harno — disse e ligou o intercomunicador para o centro de
comando de tiro. — Quem está de plantão?
— Tenente Crows, senhor?
— Os atacantes estão em suas telas?
— Estão, sim senhor. Quais são as ordens?
Rhodan hesitou mais uma vez, mas finalmente disse em tom firme:
— Abra fogo com os canhões polares assim que ultrapassarem o limite dos vinte
metros. Entendido?
— Perfeitamente, senhor. Vou abrir fogo.
Rhodan levantou-se e foi caminhando de um lado para outro. Sobressaltou-se
quando Gucky materializou de repente, ainda mais que estava de pijama.
Era um quadro tão estranho que Kasom irrompeu numa gargalhada trovejante. Até
mesmo Tolot sorriu da forma que lhe era peculiar. Rhodan foi o único que não deixou
que o incidente o distraísse. Afinal, a qualquer momento poderia ter início uma ação
bélica, e as conseqüências da mesma eram imprevisíveis.
— O que está fazendo aqui? — perguntou. — E ainda por cima nestes trajes...
— Não agüentei mais — Gucky caminhou arrastando os pés para o sofá que já
estava vazio e esticou-se no mesmo. — Alguém tem uma objeção a que eu descanse aqui
mesmo?
— Por que não fica na cama? — perguntou Rhodan.
— A culpa é sua, pois sou obrigado a dormir no mesmo camarote com Bernard.
Este sujeito ronca tanto que os glóbulos vermelhos da gente saem correndo.
— Por que não enfia um pedaço de algodão nos ouvidos?
Gucky empertigou-se. Havia uma expressão de espanto em seu rosto. Normalmente
a mesma teria sido motivo de risos.
— Quer que tape os ouvidos? Você acredita que os glóbulos vermelhos saem por
lá?
Kasom foi para perto de Gucky e empurrou-o para cima do sofá.
— Acho que já está na hora de você calar a boca e tentar dormir um pouco. Não
estamos em condições de ouvir piadas sem graça.
— Por causa desses andróides estúpidos? — Gucky voltou a erguer o corpo e
bocejou gostosamente. — Estão preocupados por causa deles? — apontou para Harno. —
Estou acordado há muito tempo e andei escutando um pouco do que vocês andaram
falando e pensando. Os pensamentos e as palavras não foram muito inteligentes. Será que
nos tempos antigos a consciência de alguém doeria só porque este alguém transformou
seu automóvel em sucata? Os andróides não valem mais que automóveis. São veículos,
máquinas, objetos úteis. Pouco importa que se pareçam com seres vivos. O que estão
esperando?
— Ninguém está esperando — informou Rhodan. — O centro de comando de tiro...
Por que estou dizendo isto? Você sabe.
O alto-falante transmitiu a voz do Tenente Crows.
— Atingiram o limite, senhor. Vamos abrir fogo?
Todos olharam para as telas. A tela frontal reproduzia os acontecimentos com uma
nitidez toda especial. Os andróides que se aproximavam furtivamente ergueram-se. Só
agora se viu que estavam fortemente armados. Era bem verdade que as carabinas
energéticas e lança-energia pesados dificilmente poderiam afetar a KC-38, mas bem que
poderiam causar problemas a uma patrulha que saísse no dia seguinte e não estivesse
preparada para um ataque desse tipo.
Dali a mais alguns segundos clareou completamente do lado de fora, e a luta
começou...
***
O carro voador rolava pela estepe.
A KC-38, que continuava pousada junto às rochas, tinha desaparecido há tempo,
mas Rhodan seria avisado imediatamente pelo rádio se houvesse outro ataque dos
andróides.
O ataque noturno fora rechaçado. Na manhã do dia seguinte, quando os comandos
de busca saíram à procura dos corpos dos inimigos, não encontraram nada. Até parecia
que, ao morrer, os andróides se tinham dissolvido no ar. Segundo afirmava Harno,
tratava-se de um fenômeno perfeitamente natural, pois havia um dispositivo de segurança
que provocava a destruição completa de qualquer andróide vigilante que não fosse mais
apto para o serviço.
— Quantos foram mortos? — perguntou Gucky, que protestara violentamente
porque não quiseram levá-lo.
Estava sentado nos fundos da cabine, com Harno, cujo tamanho fora fortemente
reduzido, no colo. Felizmente não irritava mais os músculos do riso de Kasom, pois
trocara o pijama pelo uniforme. — Será que sobrou algum? Harno não está dizendo nada.
— Não fizemos nenhuma descoberta química ou orgânica — disse o Dr. Berger,
que dirigira o exame do campo de batalha noturno. — Diria que só encontramos terra
queimada. Se o centro de comando de tiro não tivesse feito o registro das imagens, a
gente poderia sentir-se inclinado a dizer que os atacantes não passaram de alucinações.
A estepe foi substituída pela floresta. No início as árvores em forma de cogumelo
tinham apenas alguns metros de altura, mas seu tamanho foi aumentando, enquanto a
vegetação rasteira se tornava menos densa. O carro voador não teve nenhuma dificuldade
em passar. Não houve necessidade de sobrevoar a floresta.
O Dr. Berger soltou gritos entusiásticos quando finalmente teve oportunidade de
examinar detidamente a flora de Gleam. O Tenente Crows também parecia entusiasmado.
— Cogumelos! — disse. — Algumas espécies devem ser comestíveis. Bem que
uma variação que interrompesse a monotonia da comida de bordo seria bem agradável.
Sempre gostei de cogumelos.
Realmente havia cogumelos muito estranhos em Gleam. Alguns deles tinham vários
metros de altura e sua substância parecia firme e sadia. Quando ficavam mais velhos
transformavam-se nas árvores que formavam a floresta.
— Também não tenho nada contra os cogumelos — confessou Gucky. — Gosto
deles mais que de qualquer outra verdura — sorriu. — Exceto as cenouras.
Rhodan sorriu. Quando o blindado voador sobrevoou uma clareira, dirigiu-se ao
Tenente Crows.
— Pare um pouco, tenente. Vamos dar uma olhada nestes cogumelos?
Gucky colocou Harno no assento.
— Quer vir conosco?
Harno emitiu um brilho escuro, mas não respondeu.
— Está bem; vejo que não quer — disse Gucky e teleportou para a clareira. Esperou
que a escotilha se abrisse e o Tenente Crows e o Dr. Berger saíssem pela mesma. Rhodan
e Kasom ficaram no carro. — Isto cheira que nem uma plantação de champignons, minha
gente. Resta saber se a gente pode comer isso sem ficar com dor de barriga.
O Dr. Berger tirou um frasco de sua sacola de provisões.
— Estou interessado no problema dos cogumelos de Gleam desde o momento em
que ouvi falar pela primeira vez neste mundo. Quando fiquei sabendo que hoje iríamos
fazer uma excursão, arranjei estes reagentes no laboratório. Bastam algumas perguntas
para verificar dentro de poucos minutos se uma substância orgânica é comestível — tirou
uma faca do cinto e cortou um grande pedaço do caule da árvore de cogumelo mais
próxima. Abriu o frasco e derramou um pouco do líquido sobre o pedaço do cogumelo.
— É assim que se faz. Se a polpa continuar branca, pode ser comida. Se ficar azul ou
vermelha, então é inaproveitável.
Gucky acompanhou o procedimento com bastante interesse, mas acabou se
cansando. Saiu andando pela clareira, com a carabina energética na mão, e entrou na
floresta. Se fosse necessário, poderia teleportar. Mas não haveria essa necessidade, e além
disso o carro voador estava bem perto. Rhodan e Kasom não deixariam de cuidar dos dois
tripulantes que tinham saído à procura de cogumelos.
Atingiu uma corrente de água estreita, que mais embaixo desembocava no lago. A
água era tépida e agradável, corria devagar e era cristalina.
Gucky atravessou a água, lamentando-se de que usava um traje que o privava do
prazer de tomar um banho. Resolveu voltar dentro de alguns dias, nu em pêlo. Então...
O ataque foi tão rápido e surpreendente que Gucky não pôde esboçar nenhuma
defesa e até se esqueceu de teleportar. O mais espantoso era que não tinha notado
qualquer impulso mental, e nem estava notando. Senão isso não teria acontecido.
Quando viu as figuras apavorantes que ficaram agarradas nele concentrou-se para
fazer uma teleportação a pequena distância, mas sua faculdade especial o abandonou.
Não conseguia teleportar.
Desta vez até Gucky ficou com medo.
— Socorro, Harno! Você me ouve? Não posso ligar o rádio, porque estou... com as
mãos cheias.
— Tomara que só sejam as mãos — respondeu Rhodan depois de alguns segundos,
usando Harno como estação retransmissora. — O que houve?
— Os andróides me pegaram. Parece que querem me comer no almoço. Vou botar
sal demais na sua comida.
— Fique quieto. Harno nos levará ao lugar em que você está. Por que não
teleporta?
— Quem dera que eu pudesse! Pelo menos cinco andróides estão pendurados em
mim como se eu fosse sua titia querida, e além disso me sinto parapsiquicamente
paralisado. Nem sei como a telepatia ainda está funcionando.
— Seus amigos estão armados?
— Estão. Têm bordunas, pedras e carabinas energéticas. A gente até tem o direito
de escolher a forma de morrer.
— Logo estaremos aí.
Gucky ficou quieto. Nem pensou em esboçar qualquer reação quando um tentáculo
lhe tirou a carabina energética e outro o punhal que trazia no cinto. Ainda não conseguia
captar qualquer impulso mental, mas sentiu que uma forma de radiação começava a
cobri-lo como se fosse uma rede. A mesma devia partir de cérebros não-pensantes,
exercendo sua influência no espaço de cinco dimensões, que era um componente
indispensável da teleportação. Era a única explicação de seu fracasso.
Os andróides começaram imediatamente a levá-lo. Mesmo que tentasse defender-se,
não adiantaria nada. Também não podia agir telecineticamente, mas conseguia manter
contato telepático com Harno.
De repente Gucky desconfiou de que cometera um erro grave.
Subestimara o inimigo.
E não fora somente ele.
Todos tinham subestimado os andróides.
6

As buscas demoraram duas horas, mas foram infrutíferas. O blindado voador


retornou à sua base provisória. Não havia sinal de Gucky. O Tenente Crows e o Dr.
Berger perderam a vontade de comer cogumelos frescos, embora o teste provasse que os
mesmos eram comestíveis.
— Com isto a situação muda completamente — declarou Rhodan, assim que todos
os participantes da expedição se tinham reunido para discutir o problema. — Ao raptar
Gucky, os andróides provaram que possuem a capacidade de neutralizar as faculdades
parapsicológicas. Gucky não foi capaz de teleportar, nem de usar a telecinesia. Só
conseguiu manter contato telepático com Harno — olhou para o teto, junto ao qual a
esfera negra se mantinha imóvel, sem dar resposta às inúmeras indagações que estavam
em sua mente. — Harno não nos pode ajudar. Temos de lidar sozinhos com os andróides.
Mas tenho certeza de que, se Gucky corresse um perigo grave, nosso amigo estaria
disposto a nos dar algumas indicações.
Tolot tinha três metros e meio de altura, e sua cabeça estava na mesma altura de
Harno. Tocou a esfera com a mão e sentiu a resistência que a mesma oferecia.
Provavelmente seria incapaz de movê-la, por um milímetro que fosse.
— Diga pelo menos se o rato-castor enfrenta um perigo grave. Você não pode
permitir que ele seja morto por estes seres feitos na retorta! Afinal, Gucky é seu amigo.
Ou será que não é...?
Desta vez Harno respondeu.
— Se eu os ajudasse, vocês não se esforçariam tanto; passariam a depender de mim.
Não posso permitir que isso aconteça. Gucky ainda está vivo. Mas se não conseguirem
libertá-lo dentro de pouco tempo, os andróides o matarão.
Tolot suspirou e olhou para Rhodan.
— Depende exclusivamente de nós — afirmou em tom sombrio.
Rhodan confirmou com um gesto.
— Deixamos uma guarnição básica no carro e formamos três equipes, todas elas
incumbidas de encontrar Gucky. O ponto de partida das operações de busca será o lugar
em que ele foi raptado. Dali os andróides só podem ter seguido em três direções
diferentes, a não ser que tenham mergulhado no mar. Não teremos nenhuma
consideração. Qualquer andróide que for encontrado será destruído imediatamente.
Entendido?
— Vamos nos carros voadores?
— Cada grupo será acompanhado por um carro voador, mas sugiro que façamos as
buscas a pé, para não perder nenhuma pista. Afinal, os andróides não podem ter-se
tornado invisíveis e não sabem voar. Gucky certamente compreendeu a situação e deve
ter feito o possível para deixar alguma pista. Temos de prestar atenção a todos os
detalhes. — Rhodan calou-se por um instante e acrescentou: — Para mim isto também é
uma novidade. Poucas vezes vi Gucky reduzido à impotência.
Os três grupos empenhados nas buscas foram formados e voaram juntos para o
ponto de partida. Uma vez lá, separaram-se.
Rhodan e seus homens foram para o norte, Tolot para o oeste e Kasom para o sul.
Ao leste ficava o lago.
Uma pequena esfera negra pulsante voava bem acima da floresta, quase
irreconhecível a olho nu. Era Harno.
***
O pânico que tomara conta de Gucky por causa da súbita perda de suas faculdades
especiais cedera lugar à reflexão tranqüila. Provavelmente os estranhos cérebros dos
andróides só eram capazes de influenciá-lo a pequena distância. Bastaria aproveitar um
momento de distração para fugir, afastando-se dos seres que o vigiavam, para que
possivelmente conseguisse teleportar-se a um lugar seguro.
Mas no momento nem poderia pensar nisso.
— Harno! — pensou intensamente. — Por que não responde? Não consegue romper
o bloqueio dos andróides? Ou é outra coisa?
Não houve resposta. Harno permaneceu em silêncio.
Os andróides não tinham amarrado suas mãos, mas formavam uma muralha
compacta em torno dele. Não havia por onde escapar. Empurravam-no para a frente e
mudavam constantemente de direção. Gucky ficou espantado ao notar que um grupo que
ia atrás deles tinha sido incumbido exclusivamente de apagar todas as pistas.
Quer dizer que tinham medo de que alguém os perseguisse.
As pistas eram seu ponto fraco.
As árvores de cogumelo foram ficando mais baixas. Estavam se aproximando
novamente da estepe que ficava mais ao norte. A KC-38 devia encontrar-se à sua direita,
mas não estava à vista. Via-se perfeitamente que os andróides tentavam chegar à cadeia
de montanhas. Provavelmente viviam escondidos nas cavernas que havia por lá.
Gucky apalpou cuidadosamente os bolsos e ficou satisfeito ao constatar que ainda
lhe restavam alguns objetos menores que talvez pudesse perder, se ajudasse um pouco.
Isso naturalmente se os andróides não percebessem suas intenções.
Seus guardas eram figuras humanóides, mas não possuíam rosto. O único olho que
traziam na testa lhes proporcionava um campo de visão bastante limitado.
Cada espécie de andróides tinha uma finalidade definida e possuía formas
diferentes.
Os seres incumbidos de apagar as pistas eram esféricos e possuíam verdadeiros
feixes de pernas. Alisavam o terreno. Gucky tinha certeza de que antigamente sua tarefa
tinha sido outra. Quer dizer que os andróides eram capazes de adaptar-se a situações
novas. Possuíam certo grau de inteligência.
Atravessaram um curso de água pouco profundo, que fluía lentamente. Sua
profundidade no centro era de trinta centímetros no máximo, mas assim mesmo causou
uma grande demora. Gucky notou que os andróides evitavam a água como se fosse ácido
concentrado.
Será que tinham medo da água?
Alguns cogumelos gigantes foram derrubados e seus troncos colocados sobre o
curso de água, para formar uma ponte. Só depois disso a marcha prosseguiu. Os
andróides incumbidos de apagar as pistas usaram suas armas para transformar os troncos
em cinzas, que foram carregadas lentamente rio abaixo.
Gucky aproveitou a oportunidade para “perder” um tablete de água.
Tratava-se de uma pequena pílula branca que não chamou muito a atenção. Caiu ao
chão, rolou um pedaço e foi parar junto do tronco de um cogumelo gigante. Gucky viu
pelo canto dos olhos que os andróides que apagavam as pistas não a notaram, porque se
encontrava alguns metros ao lado da trilha pela qual estavam seguindo.
Mas se Rhodan o procurasse, dificilmente deixaria de notar a pílula.
Saíram da floresta e ficaram desabrigados. O capim não tinha mais de cinqüenta
centímetros de altura. Mesmo que prosseguissem de quatro, o grupo não deixaria de ser
visto do ar.
Mas Gucky viu que sua alegria era prematura.
Havia um vale estreito e profundo que seguia em direção à montanha. Tratava-se do
leito seco de um rio. Talvez os terremotos tivessem coberto a fonte situada nas
montanhas. De qualquer maneira, o vale oferecia ótima proteção, até mesmo contra um
observador que olhasse de cima.
Gucky deixou cair mais uma pílula, antes que os andróides o empurrassem,
obrigando-o a entrar no leito seco. Dali em diante a fuga se tornaria ainda mais difícil,
pois havia paredões de três ou quatro metros de ambos os lados.
Os andróides que apagavam as pistas fizeram um esforço todo especial para evitar
que qualquer perseguidor pudesse ter a idéia de que tivessem entrado no leito seco.
Foram ficando para trás, mas isso não afetou a marcha do grupo.
Gucky começou a sentir os pés. Não estava acostumado a andar, e até detestava
quando era obrigado. Parecia que os andróides não sabiam o que era ficar cansado.
Marchavam como se fossem robôs — o que realmente eram.
Na estepe fazia mais calor que na floresta. Gucky começou a transpirar. Os
andróides não estavam sofrendo. Não traziam qualquer vestimenta. Gucky tinha o pêlo,
além do traje que usava.
Ficou parado.
Um forte soco mostrou-lhe que não tinha o direito de manifestar qualquer desejo.
Virou a cabeça, mas viu logo que seria inútil tentar marcar o guarda que lhe fizera isso.
Eram exatamente iguais. Até parecia que tinham sido fundidos no mesmo molde. Não
havia como distingui-los.
Gucky continuou aos tropeços.
Dali a mais algumas horas finalmente aproximaram-se das montanhas. O leito seco
foi ficando mais estreito e profundo. Só podiam andar um atrás do outro, mas nem por
isso as possibilidades de fuga melhoraram. Pelo contrário. As margens rochosas
tornavam-se cada vez mais altas e íngremes.
O leito seco do rio levava para dentro das montanhas. O terreno foi subindo e de
repente Gucky viu a KC-38 à sua direita, apoiada nas colunas de sustentação
telescópicas. Não estava a mais de cinco quilômetros.
Gucky deixou cair mais um tablete, que rolou para o lado e foi parar numa
pequenina depressão, sem que ninguém o percebesse.
Foram subindo cada vez mais. Já não se via a KC-38. A marcha terminou, pois a
rocha subia na vertical, não oferecendo apoio nem mesmo aos pés dos andróides. A
entrada ficava à direita do leito seco do rio, que terminava ali mesmo.
Quando se encontravam a dez metros da caverna, Gucky “perdeu” o último tablete.
Em virtude do forte declive do solo rochoso, o mesmo saiu rolando depressa e foi
notado pelos guardas. A marcha foi interrompida. Vários andróides se abaixaram, mas o
tablete foi mais rápido. Saiu rolando entre suas pernas, chegou ao fim do pequeno platô e
caiu na planície.
Gucky levou um soco muito forte e entrou cambaleante na penumbra da caverna.
Virou-se e, louco de raiva, bateu com o punho fechado no rosto disforme do
andróide. Teve a impressão de estar batendo numa peça de borracha.
Foi arrastado caverna a dentro e atirado ao chão.
***
O carro voador que rolava lentamente atrás dos homens em marcha estava sendo
pilotado pelo Tenente Crows. O veículo serviria pelo menos para proteger a retaguarda.
Rhodan, o Dr. Berger e o Major Bernard não se apressaram. Examinaram o solo
fofo da floresta, mas não tiveram sorte, pois não descobriram nenhuma pista. Não havia a
menor indicação de que um grupo de andróides tinha andado por ali pouco tempo atrás.
No entanto, Rhodan tinha certeza de estar caminhando na direção certa. Será que
alguém lhe estava sugestionando isso?
Seria Harno?
Caminharam para o norte e atingiram um curso de água estreito.
O Dr. Berger mostrou alguns troncos de cogumelo queimados. Abaixou-se para
examiná-los. Rhodan e Bernard revistaram a área. Voltaram sacudindo a cabeça. Berger
levantou.
— Não existe nenhuma dúvida de que estes troncos foram queimados há poucas
horas. Os vestígios do fogo são recentes, mas não se vê sinal dos troncos propriamente
ditos. Quem sabe se os andróides comem cogumelos?
— Os andróides não precisam de alimento orgânico — Rhodan abanou a cabeça. —
Não sei para que serviram os troncos. O senhor disse que foram queimados há poucas
horas?
— Tenho certeza. A substância orgânica queimada ainda está solta no lugar em que
houve o fogo. Não sofreram a influência do vento ou da chuva. Acontece que o solo está
úmido. Deve ter chovido ontem, pelo menos aqui na floresta.
— Quer dizer que a direção está certa. Acha que devemos seguir o curso de água,
ou vamos para o norte?
Crows, que continuava no carro voador, chamou pelo rádio.
— Kasom vai para o oeste, senhor. Entrei em contato com ele. Também encontrou
um curso de água. Deve ser o mesmo.
Rhodan acenou com a cabeça.
— Obrigado. Vamos continuar na direção norte. Atravessaram a água rasa, que fluía
lentamente.
Assim que chegou à margem oposta, Bernard parou e olhou fixamente para o chão.
Até parecia que tinha descoberto uma mina de ouro. Rhodan, que notou o comportamento
estranho de seu oficial-intendente, também parou e acabou voltando.
Olhou na mesma direção que Bernard e viu o pequeno objeto branco, que se
destacava fortemente contra o solo escuro. Abaixou-se e levantou-o. Colocou-o na palma
da mão e enfiou-o embaixo do nariz de Bernard.
— Estava olhando para isto, major?
Bernard acenou com a cabeça. Ainda estava perplexo.
— Sim senhor. Um tablete de mantimentos. Provavelmente é de água.
Rhodan atirou o tablete para o alto e voltou a pegá-lo.
— Pelo menos já sabemos que estamos na direção certa.
— Posso dar uma olhada, senhor? — perguntou Bernard.
Rhodan entregou-lhe o tablete.
Bernard segurou-o entre as pontas dos dedos e examinou-o. Tirou um maço de
papéis do bolso do paletó, folheou-o cuidadosamente e ficou com uma folha, voltando a
guardar as outras.
Tratava-se de uma lista.
Bernard leu até encontrar o que estava procurando.
— A única pessoa que recebeu tabletes de água nos últimos três dias foi Gucky. Diz
que costuma ter sede de noite. Como tem preguiça de levantar, fica chupando tabletes —
enfiou a lista no bolso e voltou a contemplar o tablete que segurava na mão. — Gucky
infringiu o Regulamento, por ter jogado fora um objeto precioso que é de propriedade da
Frota. Terei que aplicar-lhe uma repreensão.
Furioso, Bernard seguiu na direção norte.
Rhodan e o Dr. Berger sorriram e foram atrás dele.
Bernard teve uma surpresa desagradável. Constatou que Gucky atirara fora mais
algumas vezes certos objetos pertencentes à Frota. O argumento de Rhodan, que explicou
que o rato-castor quisera facilitar as buscas, não adiantou muito. O major foi riscando os
tabletes que iam encontrando numa lista especialmente preparada.
— Ainda restam quatro — declarou em tom pedantesco. — Se não chupar os
mesmos, eu lhe dou uma surra.
— O senhor não pode pôr as mãos num oficial de patente especial — observou
Rhodan, que teve de fazer um esforço enorme para não soltar uma estrondosa gargalhada.
— Esqueça os tabletes. Gucky não deve estar longe.
O último tablete fora encontrado fora do leito seco, logo abaixo de um paredão
íngreme. Rhodan acreditava que Gucky tinha atirado para cima da margem, num
momento em que não estava sendo vigiado. Não podia saber que a caverna dos andróides
ficava bem em cima deles.
O Dr. Berger ficou parado no vale que subia fortemente.
— Não sei se devemos prosseguir sozinhos. Não existe a menor dúvida de que neste
lugar os andróides levaram Gucky para dentro das montanhas. Acho que deveríamos
chamar Kasom e Tolot.
Rhodan confirmou com um gesto.
O carro voador parou ao lado do vale, sob a proteção das rochas. Kasom e Tolot
apresentaram-se imediatamente, informando que não tinham encontrado nenhuma pista.
Receberam ordem para dirigir-se imediatamente ao ponto assinalado pelos sinais
goniométricos e pousar no mesmo.
***
Aos poucos Gucky começou a espantar-se de que não o matavam simplesmente. Por
que o tinham arrastado para dentro da caverna? Quais eram suas intenções? Será que
queriam usá-lo como refém?
Devia haver uns cinqüenta andróides de vários tipos reunidos na caverna. Os olhos
de Gucky já se tinham habituado à penumbra. Observou que os andróides de forma
diferente não se misturavam. Formavam grupos separados. Parecia haver um regime de
castas muito rígido.
Gucky teve a impressão de que os andróides não conheciam qualquer forma de
linguagem. Comunicavam-se por meio de sinais e era provável que usassem uma espécie
de telepatia que para Gucky não fazia sentido. Não captou nenhum impulso. Também não
conseguiu entrar em contato com Harno. O fato de não captar nenhum impulso deixou
Gucky bastante preocupado. Sentiu-se como um ser humano que de repente perdesse a
audição.
Não o amarraram e permitiram que se movimentasse livremente no interior da
caverna. Mas toda vez que se aproximava da entrada era brutalmente empurrado para
trás. Fez várias tentativas de usar a telecinesia, mas as mesmas revelaram-se infrutíferas.
O mesmo aconteceu com o dom da teleportação.
Gucky descobriu uma pedra e sentou na mesma. Ninguém o impediu.
Finalmente teve tempo para refletir um pouco — e examinar o ambiente.
A caverna não possuía as menores condições de habitabilidade. Os andróides
certamente não precisavam de pausas para descansar, ou então dispensavam as
comodidades. A única coisa de que precisavam era de um lugar seguro em que pudessem
esconder-se. Gucky compreendeu que os sobreviventes da lua Siren se tinham separado
em vários grupos, entre os quais provavelmente não havia nenhum contato. De qualquer
maneira, o grupo que prendera Gucky tinha desobedecido ao comando máximo de
destruir imediatamente qualquer forma de vida estranha com que se deparasse. Seus
planos deviam ser outros, mas Gucky não sabia se devia felicitar-se por isso.
Um dos andróides segurava uma carabina energética, enquanto outro carregava um
punhal. Eram os únicos objetos que tinham sido tirados de Gucky. Até mesmo os
magazins de reserva continuavam na bolsa presa ao seu cinto.
Se conseguisse tirar a arma da mão do andróide...
Naturalmente poderia apoderar-se das outras armas energéticas que seus captores
traziam consigo, mas não possuía magazins de reserva das mesmas e não sabia como
funcionavam. De qualquer maneira, no momento não adiantaria tentar. Teria de esperar
para ver se os terranos descobriam os tabletes que tinha deixado para formar uma pista.
No meio da confusão haveria de encontrar uma oportunidade.
A confusão veio mais depressa do que esperara, mas por outro motivo.
Harno apareceu.
De repente a esfera negra pulsante apareceu na entrada da caverna e foi entrando
lentamente na escuridão. À medida que esta aumentava, Harno tornava-se cada vez mais
luminoso e brilhante. Depois de algum tempo uma luz ofuscante se espalhou por todos os
cantos da caverna.
Os andróides pareciam rígidos de pavor, mas de repente começaram a mexer-se.
Vários tiros energéticos chiaram e subiram ao teto embaixo do qual Harno se manteve
suspenso no ar. Os tiros atingiram a rocha, sendo refletidos pela mesma, e acabaram
acertando nos atiradores descuidados ou em outros seres. Gucky deu um salto para
abrigar-se num lugar em que não podia ser atingido.
Os andróides pareciam tê-lo esquecido. Dedicavam sua atenção exclusivamente à
estranha esfera.
— Harno! — pensou Gucky intensamente. — Você me ouve?
— Os outros o encontraram. Já posso ajudá-lo.
Era só, mas foi o suficiente. Harno só não pudera ajudar nas buscas. Mas agora que
seus companheiros o tinham encontrado...
As reflexões de Gucky foram interrompidas tão abruptamente que o mesmo nem
viu os andróides saírem da caverna em fuga desabalada, para proteger-se contra a terrível
esfera.
Harno não acabara de dizer que os outros o tinham encontrado...?
Os impulsos mentais voltaram. De repente não estava mais só. As vibrações
cerebrais atingiam-no de todos os lados. Era ao menos o que parecia. Na verdade, vinham
todas da mesma direção.
Do lado de fora!
Gucky saltou para fora do abrigo e seguiu Harno, que já flutuava em direção à saída
da caverna. Quando chegou lá, Gucky estacou.
Havia três blindados voadores pousados no platô. Rhodan, Tolot, Kasom e outros
homens formavam uma espécie de cordão de isolamento e atiravam ininterruptamente
contra os andróides que os atacavam, e que também não poupavam a munição. De
qualquer maneira, a luta só durou alguns minutos.
Harno deslocou-se na direção em que ficava a base e desapareceu.
Dos andróides não sobrou nada. Mais uma vez dissolveram-se completamente, sem
deixar qualquer vestígio.
Gucky saiu da caverna e fez um esforço valente para esconder o alívio enorme sob a
máscara da indiferença. Enquanto caminhava levantou sua carabina energética, que
estava jogada no chão, entre as armas dos andróides que tinham desaparecido.
— Não sei como encontraram o caminho! — piou ao chegar perto de Rhodan.
— Foi por acaso — afirmou Tolot com uma risada.
O Major Bernard adiantou-se, com uma expressão solene no rosto, que não
combinava com a situação.
— Oficial de patente especial Guck! — disse em tom enérgico, estendendo a mão
sobre a qual jaziam quatro tabletes brancos. — Estes tabletes são seus?
Gucky olhou fixamente para os tabletes.
— Não trazem meu monograma? — perguntou.
— Trata-se de tabletes de água — explicou Bernard, sem tomar conhecimento da
pergunta. — O senhor foi o único que os recebeu nestes últimos dias. Encontramos os
mesmos na pista deixada pelo senhor. Logo, só podem ser seus. Acho que o senhor os
atirou fora para que déssemos com sua pista. Isto é proibido e representa um desperdício.
Vejo-me obrigado...
Gucky lançou um olhar de súplica para Rhodan. Este sacudiu a cabeça de forma
quase imperceptível. Era como se quisesse dizer: Comporte-se e procure compreender
suas peculiaridades de caráter. Ele não quer ofendê-lo.
— Devo tê-los perdido — disse Gucky depois de algum tempo, falando com
dificuldade. — Posso recebê-los de volta? Assim nada será perdido.
Bernard entregou-lhe os tabletes, tirou a lista do bolso e registrou a entrega de
quatro tabletes de água. A conta estava conferindo de novo.
— Não quero que isso aconteça de novo — disse, erguendo ameaçadoramente o
dedo. — O senhor é um indivíduo muito leviano, oficial de patente especial Guck. Talvez
seja por causa de sua filosofia da vida... bem... quero dizer que o senhor por natureza...
— Onde está Harno? — perguntou Rhodan, que não estava muito disposto a ouvir
as preleções psicológicas de Bernard, por mais interessantes que as mesmas pudessem
ser. — Foi ele que tocou os andróides para fora da caverna.
— Harno encontra-se perto da nave! — disse Gucky, que estava novamente no
pleno gozo de suas faculdades, o que fazia com que se lamentasse ainda mais de não ter
conversado demoradamente com Bernard. — Informa que existem mais três grupos de
andróides que teremos que destruir se realmente quisermos instalar nossa base por aqui.
Já sei onde encontrá-los. Ainda tenho que acertar umas contas com eles.
Voltaram para os carros voadores.
Enquanto caminhava, o Major Bernard não viu uma pedra redonda que um instante
antes não tinha estado lá. Pisou na mesma, tropeçou e caiu ao comprido. Seu
equipamento antigravitacional desligou-se na queda, e Bernard ficou estendido no chão,
incapaz de fazer qualquer movimento.
Gucky resolveu ajudá-lo.
— Que é isso, Major Bernard...? Não viu a pedrinha? A gente tem de olhar para
onde anda. Venha. Vejamos a chave do equipamento antigravitacional. Ali está. Ora essa,
veja o que o senhor perdeu...! Suas listas.
Gucky fez como se quisesse pegar as listas, mas estas saíram voando como se
estivessem sendo levadas por uma rajada de vento. Caíram ao chão bem longe dali.
Rhodan levantou os olhos para o céu azul. Não soprava nenhuma brisa. Fez um
sinal para os homens e entrou no carro voador.
O Major Bernard e Gucky entraram pouco depois dele.
Quando pousaram perto da KC-38, o Major Bernard ainda estava agradecendo a
Gucky por ter sido tão amável em ajudá-lo. Garantiu que nunca se esqueceria disso.
Gucky apertou sua mão, emocionado, mas quase estava estourando de tanto rir por
dentro.
7

O Tenente Crows era responsável pelos mantimentos a bordo da KC-38. Naquele


momento ele se lamentava profundamente por isso.
Foi o seguinte:
Dois dos três grupos de andróides foram localizados e destruídos sem demora. Mas
o terceiro saíra do esconderijo e fugira através da mata de cogumelos impenetrável que
ficava ao sul do lago. Gucky se oferecera para encontrá-lo e destruí-lo com o auxílio de
Harno. Rhodan concordara.
Naquele momento Gucky estava parado à frente do Tenente Crows, pedindo a
entrega de mantimentos de campanha.
— Onde vou arranjar cenouras em conservas? — lamentou-se o oficial em tom de
desespero, batendo no peito. — Dou-lhe minha palavra de que nunca tivemos essa
porcaria a bordo da KC-38.
— Repita isso! — disse Gucky, furioso. — O senhor acha que isso é uma porcaria?
— Cenouras! — retificou Crows. — Que culpa tenho eu?
— Trate de usar uma linguagem mais civilizada, conforme é usual entre os oficiais,
senão eu lhe mostro do que é capaz um telecineta.
Crows deu um passo para trás.
— Que bobagem é essa? Será que vai me fazer voar, como fez há algum tempo com
Reginald Bell?
— Então ainda está lembrado? Faz muito tempo que isso não acontece, seu dono de
uma memória fenomenal. Está com vontade de voar um pouco?
— Bem... na verdade, não estou, muito obrigado.
— Pois vou deixá-lo grudado no teto!
— Nem por isso vai receber cenouras.
Era verdade. Gucky resignou-se.
— Pois dê-me uma coisa parecida. Já estou enjoado dos alimentos concentrados. O
que poderia ser? Cogumelos? Está pensando nos cogumelos frescos que o Dr. Berger
andou procurando? Passe para cá. Isto se não forem venenosos. Uma porção dupla, por
favor!
O Tenente Crows apressou-se em cumprir o desejo de Gucky. Respirou aliviado ao
ver o rato-castor teleportar para fora da cozinha com uma bacia enorme cheia de
cogumelos de Gleam que cheiravam deliciosamente.
Gucky rematerializou no interior do blindado voador que estava preparado para
decolar.
— Vamos embora — disse mastigando com a boca cheia.
O Capitão Thomas, que estava pilotando o carro voador, lançou um olhar alegre
para o Dr. Fuxer e decolou. Harno flutuava em algum lugar, no céu azul, para ajudar
Gucky caso isso se tornasse necessário.
Essa segurança deixou Gucky e seus dois homens bastante arrojados.
Voaram em alta velocidade para o sul e pousaram numa pequena clareira que ficava
nas proximidades do lago que se estendia na floresta. Dali não poderiam prosseguir no
carro voador, pois as árvores ficavam tão próximas uma da outra que o veículo não
poderia deslocar-se no solo, e do ar não veriam nada.
— Droga! Teremos de ficar andando por aí — resmungou Gucky, acariciando a
barriga cheia. — Sou um tipo esportivo e não tenho nada contra o exercício...
— Pois é! Teleportar, andar de automóvel, passar pelo transmissor de matéria... —
murmurou o Dr. Fuxer em tom irônico.
Gucky continuou pacato. Harno acabara de comunicar-lhe que não poderia informar
nada.
— Não sei para que tanto segredo — queixou-se o Capitão Thomas. — Quem será
que pode proibir alguma coisa ao tal do Harno?
— Talvez exista alguém maior que Harno — respondeu Gucky em tom solene.
Thomas achou preferível não responder. Naquele dia não se podia conversar com
Gucky.
Abandonaram o carro voador, trancaram-no, pegaram suas armas e saíram andando
para o sul. Harno limitara-se a informar que o último grupo de andróides não era muito
numeroso, motivo por que preferiram não realizar uma busca em grande escala. Cada
homem trazia duas armas energéticas portáteis e tinha várias granadas no bolso. A
experiência mostrara que qualquer ferimento, por mais leve que fosse, era capaz de
dissolver um andróide...
Não havia dúvida de que a paisagem era de um romantismo selvagem. O lago jazia
no meio de um círculo formado por lindos cogumelos gigantes, que cresciam muito bem
nesse lugar. Sua água era límpida e cristalina. Não se via nenhum sinal da eventual
presença de monstros. Nem dos andróides.
Gucky ia ficando para trás e teleportava atrás dos homens. Desta forma evitava o
esforço da caminhada. Thomas e Fuxer marchavam valentemente. Não tinham outra
alternativa.
A floresta era cada vez mais densa. Quando atingiram o primeiro curso de água,
descobriram os rastros dos andróides, que mais uma vez tinham construído uma ponte
para não entrar em contato com a água.
— Estes caras têm medo de tomar banho — resmungou Gucky em tom de desprezo.
— Ainda bem — observou Thomas. — Em Siren certamente não havia água. Por
isso foram construídos sem qualquer proteção contra o líquido.
Atravessaram o curso de água e prosseguiram na marcha.
As pistas dos andróides eram cada vez mais frescas e abundantes.
— Estão muito descuidados — observou Fuxer.
— Devem sentir-se seguros. Acho que logo os encontraremos.
Gucky voltou a consultar Harno, mas não obteve resposta.
— É verdade — disse, dirigindo-se a Fuxer. — Logo os encontraremos.
A floresta era tão densa que a trilha seguida pelos andróides aparecia nitidamente na
mesma.
Thomas entrou em contato com a KC-38 e foi informado de que Atlan já recebera
ordem para dirigir-se a Gleam com a Crest e as outras naves. Não havia outras novidades.
O Major Bernard mandou dizer que deviam poupar a munição.
Isto levou Gucky a fazer uma observação impublicável.
Atingiram outro rio. Desta vez os andróides nem tinham destruído a ponte feita de
troncos de cogumelo.
O terreno foi subindo lentamente e a floresta começou a ficar menos densa.
— Que pena que não consigo captar nenhum impulso mental — queixou-se Gucky.
— Os cérebros dos andróides devem ser muito esquisitos.
O Dr. Fuxer não chegou a dar a resposta que trazia na ponta da língua. Uma
luminosidade branca surgiu a uns vinte metros de distância. O disparo feito pela
retaguarda dos andróides atingiu o chão úmido com um estrondo, passando perto de
Gucky.
O rato-castor teleportou dez metros para o lado e deixou-se cair na vegetação.
Thomas levantou as duas armas que trazia nas mãos e começou a disparar, esquecendo o
aviso de Bernard, de que deviam poupar munição. O Dr. Fuxer também não tomou
conhecimento da recomendação. Atirava ininterruptamente contra os vultos terríveis que
de repente apareceram de todos os lados, tentando cercá-los.
Ainda bem que Gucky tinha teleportado, pois só assim conseguiu pegar os atacantes
pelo flanco. A teleportação resultara de uma reação instantânea de Gucky, mas mais tarde
todo mundo ouviria dizer que o gênio estratégico de Gucky mais uma vez decidira a sorte
de uma batalha. Se não fosse ele...
Mas naquele momento nem se pensava na memória.
Os andróides eram mais numerosos do que tinham acreditado.
Pareciam brotar do solo e avançavam contra os dois homens e o rato-castor. As
primeiras granadas de mão lançadas por Fuxer explodiram rasgando em pedaços alguns
dos andróides e dissolvendo-os no nada.
Thomas e Berger estavam deitados numa pequena depressão, que oferecia um
pouco de proteção. Rhodan perguntou se queriam reforços, mas Thomas recusou
indignado. Gucky juntou-se ao protesto enquanto destruía três andróides que se
aproximavam sorrateiramente.
Os ataques foram ficando menos intensos. Parecia que os andróides só prosseguiam
nos mesmos por serem forçados pelos comandos hipnóticos.
Depois de dez minutos só restava um deles. Um tiro de raspão arrancara-lhe a arma
da mão, mas não estava ferido.
Gucky levantou-se de um salto e saiu correndo para perto dos homens.
— Não atirem. Este nós levamos vivo. Quero saber como é o cérebro deles.
— Não faça bobagens! — advertiu Thomas, de arma apontada.
— Que bobagem que nada! — Gucky saiu correndo na direção do andróide que
parecia indefeso. Sua forma era a de um cilindro cheio de espinhos. — Um sozinho não
pode privar-me de minhas faculdades — parou de repente. — Que coisa esquisita. Hoje
ainda consegui teleportar.
— Cuidado! — berrou o Dr. Fuxer.
O andróide cilíndrico também se pusera em movimento e rolava em direção a
Gucky, para esmagá-lo com seus espinhos.
Antes que Gucky tivesse tempo para provar que sua capacidade telecinética ainda
estava funcionando, o Capitão Thomas atirou.
O último andróide que se encontrava em Gleam foi destruído.
— Eu teria dado conta dele — resmungou Gucky mais tarde, quando estavam
sentados no carro voador e Thomas fez subir cautelosamente o veículo. — Este cilindro
ridículo.
— Ele teria pegado você de surpresa — disse o Dr. Fuxer. — Já estava bem perto.
— Até parece que não vi!
— Eu não sabia que um rato-castor tem olhos atrás da cabeça — disse Thomas em
tom seco. — Você estava falando conosco e olhando para nós.
Gucky não deu resposta. Nem poderia.
***
Atlan fez a Crest pousar do lado sul da cadeia de montanhas circular. Os outros
couraçados e naves cargueiras também pousaram. Era a primeira vez depois de muito
tempo que tinham chão firme sob as colunas de sustentação.
A primeira conferência foi realizada na sala de comando da Crest.
— Pretendo instalar uma grande base neste lugar — informou Rhodan. — Gleam
não oferece mais nenhum perigo para nós, com exceção dos tremores de terra e erupções
vulcânicas, mas estes só ocorrem nas regiões polares. O vale em que nos encontramos é
seguro. Tivemos oportunidade de verificar isto. Além disso alguém cuja palavra merece
muita fé confirmou isto — ficou calado por alguns instantes e levantou os olhos para o
teto da sala de comando, embaixo do qual Harno, a misteriosa esfera feita de espaço e
tempo, se mantinha suspensa. Permanecia em silêncio, mas sua proximidade bastava para
transmitir segurança. — Talvez acabemos abandonando o sistema Chumbo de Caça e
Tróia, depois de termos firmado pé aqui. Uma coisa é certa. Os senhores das galáxias
abandonaram a nebulosa Beta. Nela não existe mais nenhum reduto dos twonosers ou dos
maahks. Os mobys estão mortos. Por isso posso afirmar que Andrômeda nos pertence.
— Andrômeda ainda fica a pelo menos cem mil anos-luz de distância — disse Atlan
em tom sério. — Será a etapa mais difícil.
— Vamos cumpri-la, Atlan — Rhodan apontou para o teto. — Temos nossos
aliados. Harno e o Imortal. Eles nos ajudarão.
— Talvez — limitou-se Atlan a dizer.
— Com certeza! — objetou Rhodan. Depois de uma pausa acrescentou: — Vamos
aos detalhes. Acho que as cavernas existentes nas montanhas podem ser aproveitadas
para a instalação de depósitos e centros geradores. Além disso temos todo motivo para
supor que as florestas de cogumelos...
Enquanto os dirigentes da expedição de Andrômeda conversavam na sala de
comando sobre as próximas medidas a serem tomadas, pesando cuidadosamente os prós e
os contras, Gucky caminhava pelos corredores da KC-38, que continuava guardada ao ar
livre, dirigindo-se ao seu camarote. Pretendia pegar seus pertences para levá-los de volta
à Crest, onde dispunha de um camarote espaçoso, que não precisava dividir com
ninguém.
Conforme era costume nestas situações, não prestou atenção à eventual presença de
impulsos telepáticos. Por isso ficou bastante surpreso ao encontrar o Major Bernard em
seu camarote. Também estava arrumando seus pertences. Estava parado ao lado da cama,
segurando uma de suas listas.
Gucky sorriu e fechou a porta.
— Está faltando novamente alguma coisa? — perguntou Gucky com uma cortesia
bastante suspeita.
O Major Bernard resmungou uma coisa que ninguém compreendia.
— Quem sabe se não posso ajudar a procurar? — sugeriu Gucky. — Já tive sorte
uma vez. Deve estar lembrado.
Bernard virou lentamente a cabeça.
— Em minha vida reina a ordem — anunciou, orgulhoso. — Uma vida sem ordem é
o caos, o fim, o ponto final — olhou para a lista. — Ainda acontece que não falta nada.
Gucky acenou com a cabeça, satisfeito, dirigiu-se ao armário e tirou o saco de
roupas. Atirou-o ao chão com tamanha violência que Bernard estremeceu. Depois olhou
em torno, para ver se não tinha esquecido alguma coisa.
Bernard acompanhou a cena com uma visível repugnância.
— Seu comportamento é indigno de um oficial — disse depois de algum tempo. —
O senhor nunca pode saber se lhe falta alguma coisa. Minha lista...
— Deixe-me em paz com sua lista — resmungou Gucky e fechou o saco de roupas,
para sentar em cima do mesmo. — Se depender da mesma, está fuzilado.
— Não venha me afirmar que com meu espírito de ordem me pode acontecer um
erro.
— Afirmo, sim.
Bernard entesou o corpo.
— Aposto qualquer coisa, oficial de patente especial Guck.
— Aceito. Mantimentos para dez semanas à minha escolha quando estivermos a
bordo da Crest.
— Também aceito — disse Bernard, engolindo em seco, desconfiado, e
examinando sua lista. Quando virou a cabeça, Gucky tinha desaparecido. Preferira
teleportar para a Crest juntamente com seus pertences. Na noite daquele dia o Major
Bernard informou a Perry Rhodan de que seus documentos pessoais tinham desaparecido.
— Talvez tenha sido durante as operações — disse Rhodan.
— Impossível. Hoje de tarde, quando fiz a mudança, ainda estavam comigo.
— Quem sabe se não foi durante a mudança?
— Assinalei os documentos em minha lista, ao arrumar meus pertences —
asseverou Bernard, desesperado. Os outros documentos eram guardados juntamente com
as listas. — Só notei a perda quando passei a ocupar meu camarote a bordo da Crest e
comecei a arrumar as coisas, assinalando cada item na lista.
— Faça mais uma verificação — sugeriu Rhodan, que não estava levando o assunto
muito a sério.
Alguém bateu à porta do camarote de Rhodan. Gucky entrou, andou duas vezes em
torno de Bernard e sentou.
— Algo de errado? — perguntou num tom exageradamente amável.
O Major Bernard fitou-o. Um véu parecia cair da frente dos seus olhos. Respirava
fortemente, mas não conseguiu dizer uma palavra. Gucky tirou uma bolsa de couro da
jaqueta do uniforme e entregou-a ao oficial.
— O senhor perdeu isto, major — disse em tom respeitoso. — E também perdeu a
aposta. Durante dez semanas comerei o que quiser — pôs à mostra o dente roedor. —
Podemos começar hoje de noite. Quero pontas de aspargos com cenouras em molho,
espinafre e tomates ao molho azedo. Como sobremesa chocolate do tipo com que meus
amigos costumam brindar-me...
O Major Bernard agarrou a bolsa e saiu às pressas. Gucky viu a porta fechada à sua
frente.
— Que pena que há tão pouca gente que sabe perder uma aposta com decência —
murmurou em tom triste.
Rhodan contemplou-o e sorriu como quem compreende.
As preocupações, as dificuldades eram tantas. Se havia momentos em que podia
esquecê-las, era graças ao seu amigo Gucky. Mesmo que fosse por um motivo
insignificante. Como desta vez. Todavia...
— Você já viu um rato-castor que sabe ganhar decentemente uma aposta?
Gucky retribuiu o sorriso antes de responder.
— Infelizmente não, Perry. Mas o que vale é o resultado.
Perry não pôde deixar de dar-lhe razão.
***
**
*

Perry Rhodan resolveu instalar uma base do


Império Solar no planeta Gleam. Os trabalhos técnicos
de montagem do posto mais avançado dos terranos
estão progredindo a toda força, mas de repente surge
uma crise.
Os mutantes mais importantes são colocados fora
de ação, quando recebem os pedidos de socorro vindos
do nada...
Pedidos de Socorro Vindos do Nada — são a
solução de um velho enigma, que você pode ler no
próximo volume da série Perry Rhodan.

Visite o Site Oficial Perry Rhodan:


www.perry-rhodan.com.br

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