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O ROBÔ TERRÍVEL

Autor
H..G. EWERS

Tradução
RICHARD PAUL NETO

Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
O veículo usado por Perry Rhodan, durante a expedição de
Andrômeda, para avançar na área diretamente sob o domínio
dos misteriosos senhores da galáxia, é a Crest III.
Trata-se de um veículo espacial esférico, que é a nova
nave-capitânia do Império Solar. A Crest III tem 2.500 metros
de diâmetro e é tripulada por 5.000 terranos pertencentes à elite
astronáutica terrana. O armamento ofensivo e defensivo da nave
representam o máximo da técnica — mas nem por isso foi
possível impedir que a nave gigantesca tivesse de enfrentar
problemas...
Os calendários terranos registram os últimos dias do mês
de março de 2.404. A Crest já penetrou na área proibida de
Andrômeda e teve alguns encontros com as espaçonaves dos
guardiões do centro.
No curso dos combates os terranos conseguem aprisionar
um cruzador tefrodense chamado Askaha. Perry Rhodan vê
nisso sua grande chance de descobrir mais alguma coisa a
respeito dos guardiões do centro e dos donos de Andrômeda.
Abandona a Crest e sobe a bordo da nave-patrulha, pois
pretende levá-la ao estaleiro do engenheiro cósmico, onde será
submetida a um exame mais demorado.
Mas o colecionador de destroços impede que ele faça isso
— e O Robô Terrível se vê obrigado a lutar contra outras
criaturas de sua espécie, para salvar Perry Rhodan...

======= Personagens Principais: = = = = = = =


Lucky Log — Um robô terrível.
Gucky — O rato-castor que luta — e faz poesia.
Perry Rhodan — Cuja nave é aprisionada pelo colecionador de
destroços.
Atlan — O lorde-almirante que assume o comando da Crest III.
Melbar Kasom — Um especialista da USO.
Baar Lun — O último dos modulares.
Icho Tolot — Um amigo de Perry Rhodan, vindo de Halut.
1

As duas figuras esquisitas que assistiam à montagem de um transmissor de arco


conversavam na língua dos terranos, mas não eram naturais do planeta Terra. E não eram
seres humanos.
A primeira destas figuras parecia o resultado do cruzamento entre um rato e um
castor, que tivesse crescido além da medida. As orelhas redondas faziam movimentos
abruptos, e a mesma coisa acontecia com a cauda larga em concha, que varria o
revestimento de plástico do piso do hangar de naves auxiliares.
A segunda figura tinha uma semelhança remota com os terranos. Pelo menos
possuía uma cabeça, um tronco, dois braços e duas pernas. Era bem verdade que a
semelhança com os humanos terminava ali. O tamanho era bem menor que o de um
terrano recém-nascido. Chegava exatamente a trinta centímetros, não alcançando sequer
um terço da figura de que falamos em primeiro lugar. A cabeça esférica ocupava pelo
menos metade desses trinta centímetros. O tronco, o braço e as pernas completavam a
outra metade.
O ser maior vestia um conjunto-uniforme verde-suave, do qual saía a cauda nua. O
ser menor não usava qualquer vestimenta. Sua “pele” brilhava que nem uma superfície de
verniz negro.
O número um era geralmente conhecido. Bilhões de seres humanos residentes em
inúmeros planetas deleitavam-se com a leitura das aventuras do rato-castor chamado
Gucky. E, para o aborrecimento das professoras solteironas, mal-humoradas e alienadas
que ainda eram encontradas de vez em quando, os alunos adoravam o rato-castor, um ser
valente, esperto e travesso, e sempre tentavam imitá-lo.
A figura número dois não era nenhuma celebridade no Império Solar. Na Terra
distante todos ignoravam sua existência. Fazia apenas três dias que Log, um robô psi,
aparecera pela primeira vez. Mais precisamente, atraíra Tolot e o Administrador-Geral
para seu pequeno império, situado no interior do planetóide Runaway. Impusera-lhes sua
vontade por meio de um processo de sugestão, uma proeza de que nem mesmo Gucky
seria capaz. Mas suas intenções para com os terranos não eram hostis. O que o levara a
praticar aqueles atos, que moralmente talvez não se justificassem, fora somente a
curiosidade. Mas acabara se transformando em amigo de Perry Rhodan — se é que os
robôs conhecem o sentimento da amizade.
Ninguém sabia de onde viera Log quando fora parar em Runaway, e qual era o
papel que desempenhava na área de influência dos senhores da galáxia, que continuavam
completamente desconhecidos. Log mantinha um silêncio obstinado a este respeito.
Gucky já não se interessava mais pelo trabalho dos técnicos. Bocejou. De repente
pôs à mostra o dente roedor solitário e lançou um olhar matreiro para o “companheiro”.
Tirou uma cenoura enorme de um dos bolsos de seu uniforme e ofereceu-a ao robô.
— O que posso fazer com isso? — perguntou Log em anglo-terrano.
O rato-castor soltou um assobio estridente.
— Comer. Que mais poderia ser, cabeça de bola?
— Sinto muito — respondeu Log em tom solene. — Não preciso de alimento.
Infelizmente não dependo da atividade antiestética de comer.
O dente roedor de Gucky desapareceu no mesmo instante. Os olhos agitados negros
assumiram uma expressão indignada. A cauda tamborilava nervosamente o chão.
— Uma atividade antiestética? Ainda não sabe que as cenouras terranas são uma
delícia?
Log fez um gesto de pouco-caso com o braço minúsculo. A cabeça de bola fez um
movimento que imitava o abanar de cabeça dos terranos.
— Como é que eu poderia saber, dente solitário? Afinal...
Provavelmente ainda quis explicar que não possuía boca, nem o sentido do sabor ou
os órgãos digestivos, mas não sabia que o rato-castor era tão sensível a qualquer alusão
ao seu dente roedor solitário.
De repente o robô subiu que nem um foguete e fez alguns loopings embaixo do teto.
— Que tal? Está gostando? — gritou Gucky em tom debochado. Atirou a cenoura
para o ar e a fez subir telecineticamente. — Cuidado, cabeça de bola! Lá vai um foguete!
A cenoura correu atrás de Log numa velocidade incrível. Passou a descrever
círculos em torno do robô, dando a impressão de que era o satélite de um astro que
fizesse loopings.
Os técnicos terranos da Crest III, que até então pareciam interessados
exclusivamente no trabalho, interromperam sua atividade e acompanharam espantados o
espetáculo que lhes era oferecido no interior de um dos hangares de naves auxiliares da
Askaha.
De repente o rato-castor gritou assustado.
— Onde está minha cenoura, seu safado? O que fez com ela?
Seus fluxos telecinéticos apalparam o ambiente, mas não encontraram a cenoura,
que desaparecera completamente.
— Quem sabe se teleportou para longe? — perguntou Log.
— Seu patife! — gritou Gucky, zangado. — Trate de dar logo uma resposta sensata,
senão eu o deixo cair.
Os técnicos riram. Conheciam o rato-castor e sabiam o que pensar das ameaças que
fazia. Apesar de seu jeito marcial, Gucky era o sujeito mais bonachão que se poderia
imaginar. Só sabia ser implacável com os inimigos. E Log certamente não era inimigo de
Gucky.
As risadas dos técnicos deixaram Gucky ainda mais furioso. Soltou um assobio
agudo, o que no rato-castor era um sinal de grande nervosismo.
Mostraria uma coisa a este robô anão.
Retirou subitamente o fluxo de sua energia telecinética. Queria deixar cair Log, para
só segurá-lo com suas forças telecinéticas quando ele quase batesse no chão.
Isso lhe serviria de lição!
O dente roedor de Gucky desapareceu, pois Log continuava a fazer seus loopings.
Nem reagia à ação de Gucky.
Em compensação alguma coisa caiu ruidosamente bem à frente do rato-castor.
Apavorado, Gucky viu os restos de uma cenoura esmagada. Fechou os olhos. Os
pêlos tremeram.
Um homem obeso, que trajava o uniforme de oficial científico, separou-se do grupo
de técnicos e aproximou-se de Gucky. Parou à frente do rato-castor, que parecia perplexo,
e apontou para o mingau de cenoura.
— Faço votos de que isso seja retirado daqui — e logo, oficial de patente especial
Gucky!
Gucky fitou o físico-chefe como quem não tinha compreendido. Levou algum
tempo para compreender o que o Dr. Spencer Holfing queria que ele fizesse. Seu dente
roedor voltou a aparecer. Mas se o cientista pensava que o rato-castor se divertia com ele,
estava muito enganado. Em Gucky o dente roedor posto à mostra nem sempre era um
sinal de bom humor.
— Vamos logo! — berrou o homem enfurecido.
Antes não tivesse feito isso.
No mesmo instante o mingau de cenoura ficou grudado em seu rosto.
O Dr. Spencer Holfing perdeu as estribeiras. Batia com os pés, soltava gritos
confusos e tentava tirar o mingau do rosto. Os técnicos soltaram estrondosas gargalhadas,
o que deixou o técnico ainda mais nervoso.
Quando voltou a enxergar mais ou menos, levantou o pé...
Mas seu pontapé não atingiu o alvo. Gucky se teleportara a alguns metros de
distância.
O físico respirou profundamente e saiu correndo.
Mal acabara de dar o primeiro passo, quando de repente um objeto negro brilhante
apareceu entre seus pés. Holfing tropeçou e caiu pesadamente.
Log caminhou calmamente para junto do rato-castor e estendeu-lhe a mão metálica.
— Vejo que gente pequena como nós tem de ficar unida. Vamos fazer as pazes,
Gucky?
Gucky olhou para a mão. Parecia desconfiado. Lançou um olhar na direção do Dr.
Spencer Holfing. O cientista gemia enquanto tratava de pôr-se de pé e saiu correndo.
O rato-castor deu uma risadinha e apertou a mão do pequeno robô.
— Isso mesmo, cabeça de bola — disse em tom solene. — Temos de ficar unidos.
Na verdade, deveria ver em você uma concorrência incômoda. Mas afinal de contas não
sou um humano. Sou um homem de espírito, e por isso defendo a colaboração. Meu
gênio e meus truques farão de nós dois uma equipe invencível.
Cocou fortemente a cabeça.
— Mas uma coisa você tem de me contar, Log. Onde foi parar minha cenoura,
depois que tinha desaparecido?
Log deu uma risadinha. Foi uma risadinha bem humana. Gucky perguntou-se como
um robô do centro de Andrômeda podia adaptar-se tão perfeitamente aos terranos dentro
de três dias.
— Sou um robô psi, Gucky — se é que você ainda não percebeu...
O rato-castor fez um gesto contrariado.
— É só o que ouço: psi. Afinal, também sou dotado de certas funções psi. Mas não
seria capaz de fazer desaparecer essa cenoura — seu rosto peludo enrugou-se,
transformando-se numa máscara grotesca. — A não ser que eu a tivesse comido...
— Você acaba de salientar a diferença fundamental entre nós dois, se bem que o fez
inconscientemente — respondeu o robô. — Você não passa de um ser vivo que possui
certas funções psi, enquanto eu sou um robô...! Tenho um controle cem por cento das
minhas parafaculdades. Quanto à cenoura, eu a transportei ao paraespaço e a mantive lá
por algum tempo. Ainda poderia estar lá, se eu não tivesse resolvido outra coisa.
O rato-castor ouvira espantado, com o queixo caído. Escorregava nervosamente
sobre o traseiro.
— Só mesmo você, Log — apressou-se em dizer. — Quer saber uma coisa? Você
poderia ajudar-me a escrever a página seguinte da epopéia da conquista do Universo.
Fiquei preso num lugar. Vamos logo! A epopéia não pode esperar.
Log deu uma risadinha.
— A epopéia não pode esperar...? Ou será que você quer dar o fora antes que
chegue o Administrador-Geral? Você já percebeu que o físico-chefe fez sua caveira, não
é mesmo...?
— Lorotas! — disse Gucky. Quis pegar o braço de Log para teleportar com ele, mas
o robô já tinha desaparecido.
Gucky deu alguns saltinhos, indeciso. Finalmente resolveu acompanhar o estranho
robô para o camarote que lhe fora dado na Askaha.
***
O Dr. Spencer Holfing fez recuar a escotilha, entrou apressadamente no hangar e
apontou para a frente.
— Lá está ele, senhor...!
Mas no mesmo instante viu que Gucky não estava mais lá. Engoliu em seco e
voltou a cabeça para o Administrador-Geral.
— Há pouco ainda estava aqui, senhor. Olhe ali... — levantou a mão. — O robô
anão...!
— Também se tomou invisível — completou Perry Rhodan em tom indiferente. —
Será que o senhor não andou sonhando, Spencer?
O cientista ficou com os ombros caídos.
— Só contei o que vi, senhor! — disse, levantando a voz. — Tive de ver com meus
próprios olhos este maldito Gucky fazendo o robô anão girar no ar...
— Foi por isso que eu vim — respondeu Perry. — Não deve pensar que realmente
iria perder tempo por causa da briga que teve com o oficial de patente especial Gucky.
Tive certos receios por causa de Log, mas ao que parece o rato-castor não o danificou.
— Ele o fez dar alguns loopings! — exclamou Spencer Holfing, fungando nervoso.
— Tentei distrair a atenção de Gucky do robô. Certamente me interpretou mal.
Perry Rhodan sorriu.
Conhecia o físico-chefe. Em sua especialidade ninguém melhor que ele. Mas
infelizmente o cientista obeso era um tipo colérico, que se enfurecia ao menor pretexto.
— Mais precisamente, Gucky esqueceu de ler seus pensamentos, Spencer — riu e
deu uma palmadinha no ombro de Holfing. — Esqueça! O fato de que o senhor não é a
única vítima das artes do rato-castor deve servir-lhe de consolo.
Foi para junto da complicada aparelhagem na qual os técnicos continuavam a
trabalhar. Spencer Holfing acompanhou-o. Sua raiva já desaparecera.
— Excelente trabalho — disse Rhodan em tom de elogio.
Voltou o rosto para Holfing e sorriu.
— Quanto tempo ainda levará, Spencer?
— Quatro horas, senhor. Não me apresse. Não liberarei o transmissor enquanto não
tiver certeza de seu perfeito funcionamento. Não quero arriscar uma pane — ao menos na
missão maluca que o senhor pretende realizar com a Askaha. Perdão, senhor!
Perry sorriu.
— O senhor não vai arriscar nada, pois ficará na Crest. Mas concordo com o prazo
que pediu. Também não quero arriscar uma pane.
Fez um gesto e saiu andando.
Mal saiu do lugar, a expressão de seu rosto mudou. Ficou com a testa enrugada.
Perry Rhodan tinha preocupações.
Lembrou-se do que acontecera há três dias. Pouco depois de a Askaha ter pousado
no planetóide Runaway, seus quatrocentos tripulantes arriscaram uma operação de
libertação. Por pouco os homens de Andrômeda, que lutavam corajosamente, não
conseguiram dominar a equipe de investigação terrana. A virada só veio com a ação de
Icho Tolot. Ao vê-lo, os tefrodenses entraram em pânico e em seguida tombaram mortos.
Feita a autópsia, constantou-se que um hiperimpulso fizera explodir os receptores
de estímulos implantados no crânio dos tefrodenses. Tinham sido sacrificados
propositadamente por seus donos, os senhores da galáxia.
Encostou o rádio de pulso aos lábios e ativou-o.
— Rhodan falando! Alô, Rakal e Tronar Woolver! Favor responder!
Rhodan franziu a testa. Ninguém respondeu. Os gêmeos Woolver tinham sido
encarregados de usar a parafaculdade do acompanhamento de ondas para procurar uma
eventual carga explosiva. Os lógicos da Crest III eram de opinião que talvez a carga não
tivesse reagido, em virtude de um defeito. Desta forma, havia o perigo de o acionamento
de qualquer interruptor fazer detonar uma eventual carga explosiva. Por isso os
cavalgadores de ondas e o modular Baar Lun tinham sido incumbidos de interromper
qualquer condutor de energia que lhes parecesse suspeito.
Por que nenhum deles respondia ao seu chamado?
Até parecia que a pergunta que Perry não chegara a formular era uma senha, pois de
repente se ouviu um chiado fraco.
O Administrador-Geral virou o rosto e viu uma névoa branca que saía de uma
tomada. A névoa condensou-se, tornando-se mais escura, levantou-se — e Rakal
apareceu no corredor.
Levou alguns segundos para estabilizar a estrutura de seu corpo. Depois aproximou-
se e fez continência para Rhodan.
O Administrador-Geral retribuiu com um sorriso de alívio. Mas seu rosto logo
voltou a assumir uma expressão séria.
— Encontrou alguma coisa, Rakal?
O mutante ficou em posição de sentido.
— Por enquanto nada, senhor. Nem nós nem Baar Lun conseguimos imaginar um
lugar em que a carga explosiva ainda possa estar escondida. Seguimos todos os fluxos de
energia, por menor que fosse sua intensidade.
— De qualquer maneira, quero que bloqueie todos os condutores e fios de rádio que
não sejam absolutamente necessários, Rakal!
— Perfeitamente, senhor! O modular ajudou bastante. A única coisa que tem de
fazer é olhar para um condutor, e a energia transforma-se numa matéria isolante que
bloqueia o fluxo.
Rakal sorriu.
O Administrador-Geral continuou a falar em tom grave.
— Não se esqueçam da importância do trabalho, Rakal. A Askaha é tão preciosa
que não podemos arriscar-nos a perdê-la por um descuido. Entendido?
O cavalgador de ondas voltou a ficar sério.
— Sim senhor. Entendido.
— Pois continue! — ordenou Rhodan.
Rakal Woolver desapareceu, e Rhodan continuou andando, pensativo. Um homem
coerente como ele não podia conformar-se com a idéia de que os senhores da galáxia
pudessem ter feito uma coisa pela metade.
Estava com o rosto sombrio quando entrou no elevador antigravitacional mais
próximo. Pretendia ir à sala de comando, para certificar-se de que os trabalhos no
equipamento de hiper-rádio prosseguiam. As instalações originais tinham sido destruídas
durante a revolta dos prisioneiros. Mas como Perry Rhodan tinha seus planos todo
especiais com a nave apresada, mandou vir da Crest o hiper-comunicador transportável e
deu ordem para que fosse montado.
Atingiu o convés central e saiu do elevador. Atravessou o corredor, distraído. Era o
lugar em que estavam alojados os cinqüenta homens do comando especial, que deveriam
substituir a equipe de investigação, composta de cento e cinqüenta homens. Nenhum dos
homens estava presente. O engenheiro cósmico Kalak estava instruindo os cinqüenta
astronautas especializados sobre a maneira de lidar com as máquinas da Askaha.
Diante disso o Administrador-Geral parou admirado ao ouvir vozes saídas de um
dos camarotes. Quis prosseguir, pois detestava escutar junto à porta de alguém.
Mas de repente estacou o passo. Acabara de ouvir uma coisa que não combinava de
forma alguma com o ambiente perigoso da nave apresada.
Perry superou os escrúpulos e encostou o ouvido à fresta da porta, que estava
apenas encostada.
Houve uma pausa...!
Depois a voz voltou a soar.
— ...sobre a solidão retumbante erguem-se as estrelas de uma nova época...
Uma voz diferente piou:
— ...ultragigantes envoltos nas névoas, deixando para trás o fogo, a fumaça...
A boca de Rhodan escancarou-se de espanto. Fora a voz de Gucky!
Mas a primeira voz, que lhe era desconhecida, voltou a fazer-se ouvir.
— ...fazem tremer os senhores da galáxia, agitam-se e bramem que nem cavaleiros
de ferro...
De novo o piado de Gucky:
— Terranos querendo farejar o vento matinal, um rato-castor... ora... um rato-
castor...! Vamos! Ajude, anão!
— Um rato-castor querendo alimentá-los com cenouras...
Ouviu-se alguém chiar de raiva. Alguma coisa foi arrastada ruidosamente pelo chão.
A voz estridente do rato-castor soou de novo.
— Quer fazer gozação comigo, bola de lata? Conspurcar minha epopéia com suas
brincadeiras de mau gosto! Onde já se viu? Seu escriba nojento!
O Administrador-Geral abriu a porta.
Logo compreendeu o que estava acontecendo. O rato-castor estava sentado num
sofá baixo, sacudindo o punho pequeno. Peças de um despertador antiquado estavam
espalhadas no chão. Parecia que Gucky o atirara ao chão num acesso de fúria.
Log, o robô, estava de pé no centro da mesa baixa. Segurava uma caneta de
impulsos com ambas as mãos. Havia um banco de impulsos ativado à sua frente.
Rhodan pigarreou.
— Que tal? Um rato-castor arrebentando um despertador...
Parecia que só então Gucky notara a presença do Administrador-Geral. Virou a
cabeça, assustado, perdeu o equilíbrio e só não caiu porque no último instante se apoiou
telecineticamente.
— Como... Como é mesmo...? — balbuciou.
Os cantos da boca de Rhodan tremiam de forma bastante suspeita. Teve de fazer um
grande esforço para enrugar o rosto, dando-lhe uma expressão séria.
— Um rato-castor arrebentando um despertador. Foi isto que eu disse. Que tal? Não
estava procurando uma rima que combinasse com a última linha?
O rato-castor parecia embaraçado. Levou algum tempo para recuperar a
autoconfiança. Mas quando isso aconteceu ficou todo empertigado.
— Quando o poeta fala, o ignorante se cala! — lançou um olhar de reprovação para
o texto. — Duas almas se encontram para escrever a epopéia grandiosa da conquista do
Universo — e lá vem você com sua pena, rabiscando a manifestação de seus instintos
baixos! Você não deveria ter feito isso comigo, Perry.
— Mas você não arrebentou mesmo o despertador? — continuou a zombar Perry.
— Você é um escriba nojento que nem Lucky Log, Chefe. O que é que a verdade e
a arte têm em comum? Absolutamente nada!
— Talvez eu seja um escriba — respondeu Rhodan, sarcástico. O que significa
mesmo essa palavra? E desde quando Log também usa o nome de Lucky?
— Um escriba é... bem... é alguém...! — Gucky cocou a cabeça. — Bem, o certo é
que um escriba é alguém que tem a mania de escrever ou dizer alguma coisa, quer suas
palavras tenham um valor permanente, quer não tenham. Um escriba é mais ou menos o
contrário de mim, que sou um bardo.
— Ah, é...? — exclamou o Administrador-Geral com um gemido. — Muito bem.
Acho que o adjetivo que melhor combina com seus versos é pomposo.
Parecia que o rato-castor nem o ouvira. Prosseguiu sem olhar para Rhodan.
— Quanto ao apelido de Log, fui eu que dei há meia hora, quando tentei em vão
arrancar uma lata de pontas de aspargo do Major Bernard — bateu com a mão na região
do estômago. — É a diferença que existe entre mim e o feliz Log. Por isso lhe dei o nome
de Lucky Log.
— Foi a primeira coisa lógica que você disse, Gucky. Aproximou-se da mesa e
encarou Log.
— Você me deixa preocupado, robô. Nem sei por que não volto a trancá-lo em seus
alojamentos no planetóide. Temos problemas que chega. Por que hei de permitir que
alguma coisa que pode tornar-se perigosa continue em minha nave...?
— Por quê...? — Log deu uma risadinha. — Primeiro, porque o senhor não pode
botar-me para fora. E depois porque não represento nenhum perigo para o senhor.
— Muito bem! — Perry teve de reconhecer que realmente não seria nada fácil
retirar Log da nave. Um robô com tantas faculdades psi era praticamente invulnerável. —
Quem me garante que você não é perigoso?
O robô psi irrompeu numa gargalhada. Como das outras vezes, sua voz parecia soar
em todo o corpo metálico. Não se conseguia identificar qualquer órgão vocal mecânico.
— Gucky e eu somos amigos, senhor. E enquanto durar sua amizade com Gucky, o
senhor não terá nada a recear da minha parte.
— Estou novamente no papel principal, Chefe! — gritou Gucky, estufando o peito,
o que fez com que caísse do sofá. Logo voltou a pôr-se de pé e bateu no uniforme para
limpar uma poeira que só existia em sua imaginação. — Bem...! Talvez você possa
explicar isto ao velho Major Bernard, Perry. Quer apostar que neste caso ele me
Concederá uma ração extra de dez quilos de cenouras por dia?
— Ele cancelaria seu nome da lista de distribuição de alimentos, meu chapa. O
Major Bernard não é o tipo de homem com quem se possa fazer chantagem. Continuem a
divertir-se com sua epopéia “grandiosa”.
— Hoje ele está sendo malvado comigo! — queixou-se Gucky depois que Perry
tinha ido embora.
— Pelo contrário — respondeu Log. — Seus pensamentos são bem diferentes das
suas palavras...
***
Perry Rhodan e Icho Tolot usaram uma eclusa secundária para sair da Askaha.
Movimentavam-se protegidos por campos de deflexão.
Os projetores antigravitacionais permitiram que flutuassem sobre a superfície escura
do planetóide Runaway. Era para onde a Crest III tinha rebocado o cruzador tefrodense
que conseguira apresar, isto porque em torno do sistema de Atrum continuava a rugir a
batalha espacial entre os maahks e os tefrodenses, em meio à qual seriam certamente
detectados.
A revolta da tripulação aprisionada da Askaha, abafada há três dias terranos,
atrasara os reparos da espaçonave, já que causara novas avarias ao lado das antigas.
Era bem verdade que dali a seis horas a Askaha estaria em condições de partir.
O halutense e Rhodan queriam resolver outro mistério. Enquanto se lutava com a
tripulação amotinada da Askaha, Icho Tolot desaparecera de repente. O Administrador
constatara que o halutense entrara por engano no canal perfurado por um tiro dos maahks,
e seguira o mesmo caminho. Fora dar numa abertura circular da superfície do planetóide.
A arma energética de Tolot estava jogada no chão, janto á abertura. Perry descera
embaixo da superfície, pois sabia que Icho Tolot nunca se separaria voluntariamente de
sua arma. Uma vez lá embaixo, fora dominado por uma força sugestiva que o conduzira a
um recinto subterrâneo, onde foi encontrar o halutense, que se encontrava no mesmo
estado que ele. A constrição sugestiva desapareceu em seguida. Mas em compensação os
campos energéticos envolveram seus corpos, tomando impossível qualquer movimento.
Foi então que apareceu o robô Log, o mesmo com que Gucky acabou fazendo
amizade.
Log só queria conversar com Tolot e Rhodan. Fora ao menos o que afirmara e
continuava a afirmar. Por isso mesmo atendera imediatamente à sugestão de Rhodan,
indo para a Askaha em companhia do halutense e do Administrador-Geral.
Por enquanto o comportamento de Log parecia confirmar suas palavras. Mas os
ocupantes da Crest ficaram sabendo que possuía outras capacidades, além da de ler
pensamentos e exercer uma constrição sugestiva. A telecinesia e a teleportação também
faziam parte do repertório de Log.
Era bem verdade que no passado Perry Rhodan colhera muitas experiências
desagradáveis com seres que pareciam inofensivos. Muitos tinham abusado de sua
confiança. Diante das formidáveis parafaculdades de Log, o Administrador-Geral estava
interessado em descobrir mais alguma coisa sobre o robô anão, que reunia as faculdades
de um exército de Mutantes.
Foi esta a finalidade da misteriosa excursão que estava fazendo.
O homem e o gigante desceram junto à abertura redonda. Os rádio-capacetes,
regulados para o alcance mínimo, mantinham-nos ininterruptamente em contato.
— Continua tudo como estava — cochichou Rhodan.
— Parece que sim — respondeu Tolot.
O gigante halutense não tirou a arma que trazia no cinto do uniforme. Sabia que não
havia arma capaz de resistir a uma força paramental. Tolot continuava meditando sobre o
fato inconcebível de que existia um ser que se revelara capaz de romper seu bloqueio
mental, dando a impressão de que este nem existia.
— Descerei primeiro, senhor.
— Está certo — respondeu Rhodan. Também não sacara a arma, porque seria inútil.
Talvez conseguissem penetrar no alojamento de Log sem que ninguém os percebessem.
Se não, nem mesmo um canhão desintegrador poderia ajudá-los.
Por um instante Rhodan pensou em voltar para trazer um robô de combate, mas
logo abandonou a idéia. Se usassem a força bruta, só conseguiriam arranjar um inimigo
implacável.
— Já cheguei embaixo! — informou Tolot.
— Está bem! — respondeu Perry.
Saltou para dentro do poço vertical. O campo antigravitacional que notara no dia da
descoberta continuava lá.
A palavra descoberta fez Perry sorrir num acesso de auto-ironia. Na verdade, não
tinham sido eles que descobriram o robô, mas este fizera com que viessem à sua presença
sem antes consultá-los.
Quando chegou no fundo do poço, seu campo de deflexão tocou no de Tolot. Os
dois viram-se por um instante, mas o halutense logo desapareceu da vista de Rhodan.
— Vou arrombar a porta — informou Tolot.
Perry não ouviu nada. Runaway não possuía atmosfera. Nem sequer havia qualquer
vestígio gasoso que pudesse conduzir o som. Mas Rhodan confiava nas forças imensas do
gigante. A porta oculta não resistiria.
— Pronto! — disse a voz potente de Icho Tolot no receptor de Rhodan. — Faça o
favor de seguir-me.
Perry Rhodan viu a abertura e enfiou-se por ela. Uma vez do lado de dentro,
desligou o campo de deflexão. O halutense imitou seu exemplo. Pelo menos se viam sem
poderem ser vistos por quem se encontrava na Askaha.
Mas se Log estivesse controlando seus pensamentos, logo descobriria suas
intenções. Mas Rhodan acreditava que Log e Gucky ainda estavam trabalhando na
epopéia. Por isso mesmo chamara Tolot e saíra imediatamente com ele.
Teve uma sensação desagradável ao ver o corredor em espiral que se estendia atrás
do halutense. Teve a impressão de que estava agindo como um ladrão e constantemente
tinha de dizer a si mesmo que era obrigado a fazer isso.
De repente sobressaltou-se.
— Tolot!
— Que houve, senhor?
— O ar! Da primeira vez havia ar neste corredor. Se agora também houvesse, nós
sentiríamos. Há algo de errado.
Icho Tolot soltou a risada estrondosa que lhe era peculiar.
— Pois da última vez Log disse que encheu o corredor de ar especialmente para
nós, senhor. Não havia motivo para que continuasse assim para sempre.
Perry respirou aliviado. Talvez se sentisse meio desconfiado. De qualquer maneira,
Tolot tinha razão. Que motivo teria o robô para manter o corredor cheio de ar, se não
esperava mais nenhum visitante?
Dali a um minuto viram uma porta brilhante branco-prateada à sua frente. Os feixes
de luz dos faróis embutidos em seus capacetes deslizaram sobre o estranho metal. Atrás
dessa porta ficava a sala em disco, em cujo interior tiveram o primeiro encontro com Log.
— Não estou gostando nem um pouco! — resmungou o halutense.
— Não está gostando de quê?
— De ter de usar a força bruta para abrir esta porta. Quem sabe lá que estrago não
faremos? Acha que já conhecemos o alojamento propriamente dito?
Perry suspirou. Também não se sentia nem um pouco satisfeito com o que estavam
fazendo, mas afinal não tinham alternativa.
— Se quisermos conservar a amizade de Log, de qualquer maneira teremos de
indenizar o prejuízo. Pode forçar a porta, Tolot!
O halutense encostou-se à porta. Em condições normais, nenhuma escotilha
blindada teria resistido por três segundos que fosse à pressão concentrada.
Mas a porta resistiu.
Icho Tolot deu um passo para trás. Investiu com toda a força de seu corpo
gigantesco contra a superfície metálica branco-prateada. Rhodan viu que o halutense dera
a dureza do aço terconite à estrutura de seu corpo.
Mas não conseguiu nada.
Perry sacou a arma energética.
— Não faça isso, senhor! — advertiu Tolot. — Como não consegui abrir a porta na
segunda tentativa, o senhor teria de usar pelo menos três quartas partes da potência da
arma. Isso faria desabar o teto.
O Administrador-Geral reconheceu que realmente era assim.
Num gesto de resignação, voltou a guardar a arma.
O halutense fez sinal para que recuasse até a primeira curva do corredor. Voltou a
tomar impulso, desta vez de dez metros de distância. Graças à velocidade enorme
desenvolvida pelo gigante e à estrutura superdura de seu corpo, ele seria capaz de
despedaçar até mesmo uma parede de rocha.
De fato, nem mesmo a porta prateada resistiu à concentração tremenda de energia.
O material rompeu-se. Até parecia uma folha de pergaminho esticada, que tivesse
sido atravessada por um projétil. Icho Tolot desapareceu soltando gritos de triunfo.
Perry Rhodan dirigiu o feixe de luz para o buraco gigantesco que acabara de ser
aberto. Só havia alguns fragmentos revirados da porta presos ao batente. Perry não teve
nenhuma dificuldade em ver o que havia atrás dela.
Não havia a menor dúvida. Era a sala em forma de disco em cujo interior se tinham
encontrado pela primeira vez com o robô. Havia uma luz verde que iluminava até o
último canto.
Mas não se via sinal do halutense.
— Tolot! — gritou Rhodan para dentro do rádio-capacete.
Não houve resposta.
O Administrador-Geral aproximou-se, nervoso. Não parecia haver nada de suspeito
na sala.
A não ser...
O corpo superpesado de Tolot, duro como aço terconite, não poderia ter deixado de
produzir uma deformação no chão abaulado para baixo. O impacto do gigante teria de
produzir seus efeitos. Mas Perry Rhodan não descobriu o menor arranhão.
Infelizmente não refletiu bastante. A preocupação que sentia pelo amigo fez com
que saltasse pela porta despedaçada. Segurava firmemente a arma energética.
Mas esta não poderia ajudá-lo contra aquilo que viria em seguida.
Mal atravessara a porta, os restos dela e a sala em forma de disco desapareceram.
Só ficou... o nada.
Perry Rhodan teve a sensação de cair num abismo sem fim.
***
— O que foi isso? — perguntou Gucky, endireitando o corpo.
— Nada — respondeu Log. — Vamos lá! Só faltam quatro linhas para terminarmos
o trabalho de hoje.
A barba do rato-castor tremia, como se estivesse farejando alguma coisa. De fato,
algo semelhante se passava em sua mente, com a diferença de que do fenômeno não
participavam os centros olfativos, mas o parassetor de seu cérebro.
Gucky murmurou.
— Tive a impressão de que ouvi o Chefe pedir socorro — resmungou, contrariado.
O robô fez a caneta energética circular com suas forças telecinéticas.
— O Administrador-Geral...? Que motivo poderia ter ele para pedir socorro? Neste
caso eu ouviria primeiro.
— Pois é justamente isso! — o rato-castor fitou Log com uma expressão difícil de
interpretar. — Infelizmente não consigo captar os pensamentos de Rhodan. É estranho.
Não costuma instalar um bloqueio tão forte em sua mente.
Log deu uma risadinha.
— Não se esqueça da minha presença, Gucky. Rhodan certamente não quer que eu
espreite seus pensamentos.
— Você deve achar que Perry é um pateta! — fungou o rato-castor, irritado. — Ele
sabe perfeitamente que contra você não tem nenhuma defesa. Logo, nem tentará.
Gucky olhou para o teto, como se ali pudesse encontrar uma resposta às sua
perguntas. No mesmo instante desmaterializou, produzindo um ploc bem perceptível.
Lucky Log ficou olhando por uma fração de segundo para o lugar em que o rato-
castor estivera pouco antes.
Em seguida também desapareceu por um caminho invisível.
Mas não demorou a voltar.
Quando reapareceu, foi tão desajeitado que atravessou a tampa da mesa e bateu
fortemente no chão. Logo voltou a ficar de pé e lançou um olhar furioso para a porta
aberta.
O modular Baar Lun estava parado na soleira. Sua boca larga abriu-se num sorriso
estranho.
— Então...? — perguntou com uma amabilidade exagerada. — Por que toda essa
violência, baixinho? Tomara que não esteja ferido.
Os órgãos visuais invisíveis de Log dirigiram-se sobre a figura esbelta de Lun.
— Ah, sim! — o modular acenou com a cabeça como quem compreende. — Foi a
telecinesia. Infelizmente em mim também deixou de funcionar. Para ela você precisa de
energia, Lucky Log. E a energia é minha especialidade — ergueu a mão, num gesto de
defesa. — Por favor, não leia nos meus pensamentos. Se houver um confronto direto
entre nossas forças, seu parassetor entrará em curto-circuito.
Log subiu no encosto da poltrona mais próxima.
— O que quer que eu faça, Lun?
O rosto de Baar Lun assumiu uma expressão muito séria.
— O Administrador-Geral desapareceu. E Icho Tolot também!
— Será que eu tenho alguma coisa com isso? — perguntou Log.
— Talvez não. Mas tenho a impressão de que tem muita coisa. Em matéria de
parafaculdades você ê um fenômeno. Gente como você — ou melhor, máquina como
você — pode criar uma porção de problemas para a gente. Infelizmente você mantém um
silêncio obstinado sobre sua origem e seu relacionamento com os senhores da galáxia.
Isso foi motivo mais que suficiente para visitar seu alojamento sem prévio aviso.
— Que coisa horrível! — protestou o robô. — Até mesmo segundo as leis de vocês
a violação de domicílio é um crime grave.
— Na guerra as leis são outras! — objetou o modular, endurecendo subitamente a
voz. — E no momento está sendo travada a guerra mais implacável que se poderia
imaginar. Do resultado desta guerra depende o destino da raça humana — e não somente
desta.
Os olhos de Baar Lun pareciam chispar fogo.
— Antes de sair, o Administrador-Geral deu ordem para que eu montasse guarda
junto à porta de Gucky, isso para impedir você de teleportar-se para seu alojamento. Foi o
que fiz. Além disso acompanhei sua conversa, usando um aparelho ultra-sensível, e por
isso estou informado sobre o desaparecimento de Rhodan. Dou-lhe...
Log riu sem que parecesse haver motivo para isso.
— Não precisa dizer mais nada, Lun! Afinal, eu sei quando perdi o jogo.
— Onde estão Rhodan e Tolot? — insistiu o modular com a voz assustadora. — Se
alguma coisa lhes aconteceu, transformarei a energia de seu conversor de matéria em
metal liquefeito.
— Acabo de aludir ao jogo! — disse o robô em tom enfático. — Nada aconteceu
aos dois. Somente os prendi num campo paratemporal. É o castigo pela sua curiosidade.
Nunca se deve enganar uma máquina.
Baar Lun respirou aliviado.
— Se isso é verdade, você escapará com um sermão, baixinho. Mas quero provas.
Faça com que Rhodan e Tolot possam voltar sãos e salvos.
Log voltou a dar uma risadinha.
O modular enrugou ameaçadoramente a testa.
— Não estou fazendo pouco de você, grande Lun — apressou-se Log a dizer. —
Afinal, fui concebido e construído por gente da sua espécie.
— Como...? — Baar Lun arregalou os olhos. — Você foi concebido e construído
por gente da minha espécie...?
— Faça disso um segredo somente seu, uma herança do clã dos Lun. Por enquanto
não saberá mais nada. E se falar com alguém sobre isto, nunca mais lhe contarei nada.
— Vamos ao que importa, Log!
— Muito bem — mais uma vez o robô deu uma risadinha. — Só poderei libertar os
dois seres do campo paratemporal se puder usar minhas faculdades psi, não é mesmo?
— Ah! — fez Lun com a voz apagada. — Quer dizer que você quer que eu o deixe
teleportar à vontade? Seria confiar demais em você.
— Não preciso teleportar. Basta usar uma paraforma da telecinesia. E, se não
confiar em mim, Rhodan e Tolot nunca voltarão.
— Pronto! Capitulo — reconheceu o modular. — Mas é uma grande
responsabilidade.
— Posso começar? — perguntou Log.
Baar Lun limitou-se a acenar com a cabeça. Bem no seu íntimo preparou-se para
pôr em ação a parafaculdade da conversão de energia, caso o robô tentasse teleportar. Já
aprendera a estabelecer distinção entre os diversos campos psi.
Dali a pouco notou a presença de um pré-campo, que parecia ter as características
específicas do preparo da atividade telecinética.
No mesmo instante o halutense e Perry Rhodan materializaram bem à sua frente.
O Administrador-Geral respirava fortemente. Estava com o rosto desfigurado pelo
pavor. O halutense não dava sinais diretos do choque que acabara de sofrer.
Mas a intenção de Tolot era muito clara. Levantou a mão enorme e teria varrido
Log de cima do encosto da poltrona, se Rhodan não tivesse gritado um enérgico “Pare”.
— A culpa é dele! — resmungou Icho Tolot. — Acha que não deve ser castigado
por isso?
— Com o castigo que o senhor queria aplicar, ele se transformaria num montão
inútil de chapas retorcidas.
Perry Rhodan já tentava sorrir de novo.
— Vamos ouvir primeiro o que Baar Lun tem a nos contar.
O modular fez um relato objetivo do que tinha acontecido na ausência de Rhodan.
Mal tinha começado a falar, quando Gucky voltou e sentou no sofá sem dizer uma
palavra.
O modular concluiu o relato. O Administrador-Geral sorriu com um gesto de
aprovação.
— Muito obrigado, Lun. O senhor fez muito bem confiando no robô. Não havia
outra solução.
Virou o rosto para Log e fitou o robô anão por alguns segundos, sem dizer uma
palavra.
— Antes de mais nada — principiou em tom arrastado — quero pedir desculpas por
ter entrado em seus alojamentos sem pedir licença. Gostaria que compreendesse que não
poderia ter agido de outra forma. Em tempo de guerra as leis dos tempos de paz só valem
até certo ponto.
— Reagi de forma parecida — respondeu Log com uma risadinha. — Estamos
quites, senhor.
— Está bem!
O Administrador-Geral deu uma risada áspera.
— Do ponto de vista psicológico, o campo paratemporal foi um verdadeiro inferno.
Mas você nos deixou sair ilesos. Vejo nisso um aspecto positivo — sua voz assumiu um
tom áspero. — Se não fosse assim, eu o destruiria. No futuro Baar Lun ficará
constantemente a seu lado. Espero ter sido bem claro.
— O senhor está sendo injusto comigo — retrucou o robô em tom solene. — Mas
não posso deixar de reconhecer que o senhor só pode estar desconfiado.
Perry fez um gesto de pouco-caso.
— Quer dizer que ficou tudo esclarecido.
— Espere aí! — gritou Gucky, que continuava comodamente sentado no sofá. —
Nada está esclarecido, Chefe!
O Administrador-Geral encarou-o como quem quer perguntar alguma coisa.
O rato-castor fitou o modular como se quisesse pedir desculpas e perguntou:
— Baar Lun poderá estar presente quando eu...
— Confio nele! — limitou-se Rhodan a responder.
— Ok! — exclamou Gucky com a voz estridente. — Você mandou que a equipe de
investigações composta por quinhentos homens voltasse à Crest. Chegaram no momento
em que perguntei a Atlan se sabia algo a respeito de seu paradeiro...
O rosto de Perry assumiu uma expressão sombria. Sabia o que viria em seguida.
— Continue!
— O arcônida está furioso, Perry! Diz que você é um idiota por querer ficar na
Askaha, embora os lógicos suspeitem de que há uma carga explosiva escondida na nave.
Q rosto do Administrador-Geral transformou-se numa máscara.
— É só isso? — perguntou.
— Quer mesmo que eu recite todos os títulos que o lorde-almirante lhe conferiu
num momento de raiva...?
Perry Rhodan fez um gesto contrariado.
— Pode aproveitá-los em sua epopéia, mas deixe-me em paz.
Virou-se abruptamente e saiu caminhando em direção à porta.
— Deixemos que o destino siga seu caminho! — cochichou Gucky e suspirou
profundamente.
2

O Administrador-Geral estava de pé junto à parede frontal do centro de computação


positrônica do cruzador tefrodense.
Passou os dedos ágeis pelas inúmeras teclas e botões. Seus olhos assumiram uma
expressão sonhadora, enquanto pegava a fita com símbolos que saiu da fenda.
— Quantos segredos não estarão escondidos nesta fita!— cochichou.
Apertou a tecla de acionamento. A corrente elétrica passou pelos condutores,
renovando a carga dos campos positrônicos do interior da máquina. Luzes de controle
coloridas acenderam-se na parede frontal. Um zumbido fraco se fez ouvir, fazendo vibrar
as pontas dos dedos encostadas à parede.
Perry Rhodan ficou com o rosto vermelho de tão entusiasmado que se sentia. Ele, o
homem de ação, sempre frio e lógico, ele, que numa série de raciocínios objetivos
construíra um império gigantesco e chegara a Andrômeda para explorar a segunda
galáxia em benefício da Humanidade — ele, Rhodan, pela primeira vez na vida vira sua
mente entrar em curto-circuito diante dos segredos guardados nos bancos de dados
positrônicos da Askaha. Se conseguisse decifrar os mistérios do código de símbolos ainda
desconhecido, muitos dos segredos da zona central proibida encontrariam a solução.
O Administrador-Geral virou-se que nem um sonâmbulo e foi para perto do cubo
brilhante do tanque de mapas. Seus dedos comprimiam ora as teclas de acionamento, ora
as de desativação. As projeções de mapas tridimensionais apareciam constantemente no
interior do cubo e voltavam a apagar-se.
Por enquanto ninguém era capaz de interpretar estes mapas. Baseavam-se,
provavelmente por uma questão de sigilo, num sistema desconhecido.
Rhodan deu uma risada áspera.
O gigantesco centro de computação positrônica da Crest III seria capaz de resolver
até mesmo este segredo.
Uma ruga profunda apareceu entre seus olhos, quando ouviu o ruído de passos
conhecidos, vindo de trás.
Virou abruptamente a cabeça — e deparou-se com o rosto tenso de Atlan.
Perry riu um tanto embaraçado. Estendeu o braço, apontando para as luzes do centro
de computação positrônica.
— Eis aí parte do grande mistério, arcônida!
Os olhos de Atlan pareciam antes cristais de gelo. Dava a impressão de que queria
perfurar o amigo com o olhar. Fez um gesto enérgico, mandando embora os técnicos que
estavam instalando um aparelho portátil de hiper-rádio.
Inclinou o corpo e agarrou os ombros de Rhodan.
— Você é um idiota! — cochichou. — Três vezes idiota e cego.
Perry ergueu violentamente os ombros e afastou as mãos do lorde-almirante.
Atlan deu uma risada rouca. Lançou um olhar de desprezo para a parede frontal do
computador de bordo.
— Você tem toda razão, bárbaro! Ali está parte do grande mistério! — levantou a
voz. — Mas ali também está a morte, Perry! A Askaha é uma nave condenada à morte. É
uma loucura um homem na sua posição querer participar pessoalmente de um comando
suicida.
Rhodan fez um movimento repentino, desligando o tanque de mapas. Aproximou-se
da galeria de telas panorâmicas. Um brilho fanático iluminou seus olhos, enquanto
contemplava as estrelas de Andrômeda.
Voltou a virar a cabeça para Atlan. Sua voz parecia nervosa.
— Lá — disse — entre os milhões de estrelas do centro, vivem os seres que numa
arrogância sem limites se chamam a si mesmos de senhores da galáxia. Quanto tempo
você acha que um terrano pode agüentar este desafio sem deixar de acreditar em si
mesmo? Estamos próximos ao objetivo, e nesta mapoteca e no banco de dados deste
computador existem elementos sem os quais não poderemos chegar a uma decisão.
— Temos tempo, Perry — advertiu Atlan. — E o tempo trabalha a nosso favor.
Você pode perfeitamente guardar a Askaha, mandar guarnecê-la com um comando
especial. Mas é bom que fique longe desta nave e mantenha seus mutantes afastados dela.
Para falar em termos de xadrez, você é nosso rei. E se o rei for posto em xeque-mate,
Andrômeda está perdida. Será que você já se esqueceu de que o bem-estar do Império
Solar depende de sua pessoa?
— Isto é uma coisa que você não compreende, arcônida — respondeu Rhodan numa
súbita resignação. — Como quer que eu mande cinqüenta dos meus melhores homens
numa missão suicida, enquanto eu mesmo fico numa relativa segurança a bordo da Crest,
esperando o momento em que a Askaha voe pelos ares?
O lorde-almirante empertigou o corpo.
— Está bem, terrano! — disse em tom enérgico. — Sendo assim, faço questão de ir
também a bordo da Askaha.
O Administrador-Geral parecia ter saído de um transe, de tão perplexo que ficou
enquanto fitava o amigo — que ao mesmo tempo era seu crítico mais implacável.
De repente soltou uma estrondosa gargalhada. Mas calou-se de repente, ao notar um
brilho estranho nos olhos de Atlan.
— Não, amigo — disse em tom conciliador. — Basta que um dos homens que
dirigem o Império entre na armadilha mortal. Você ficará na Crest!
— Nem pense nisso! — respondeu o arcônida, exaltado.
— Você tem de ficar, senão contradiz seus próprios argumentos. Neste momento
entrego-lhe o comando da Crest. Caso aconteça algo comigo, você ficará investido no
comando da expedição de Andrômeda.
Naquele momento Perry Rhodan nem desconfiava de que, ao dar esta ordem,
salvara a própria vida — sua vida e a da maioria dos homens que participariam da missão
suicida...
***
Enquanto Perry Rhodan e Atlan discutiam na sala de comando da Askaha, alguns
conveses embaixo o engenheiro cósmico Kalak realizava um trabalho importante.
Cabia-lhe designar a tarefa de cada um dos técnicos e cosmonautas que formavam a
nova tripulação do cruzador apresado.
O andarilho de barba vermelha sabia lidar muito bem com máquinas. Até oitocentos
anos atrás as gigantescas plataformas-estaleiro dos engenheiros cósmicos cruzavam a
nebulosa de Andrômeda de lado a lado, com exceção do setor de alerta e da zona proibida
do núcleo central. Por isso tinham-se encontrado constantemente com as naves esféricas
dos tefrodenses. Naquela época os comandantes das naves tefrodenses formavam o
grosso da clientela dos engenheiros cósmicos. Sempre que suas espaçonaves sofriam
alguma avaria nas viagens comerciais ou de pesquisas, os andarilhos faziam os reparos e
às vezes até chegavam a instalar equipamentos mais aperfeiçoados.
E não se deram mal com isto. Infelizmente há oitocentos anos terranos os senhores
da galáxia não acabaram somente com o negócio lucrativo dos estaleiros espaciais, mas
puseram fim à própria vida da maioria dos andarilhos. Ao que parecia, os seres
misteriosos que dominavam Andrômeda se sentiram incomodados com o crescente poder
econômico dos engenheiros. Talvez pensassem que um dia os andarilhos pudessem
competir com eles também no terreno político. Foi o bastante para que este povo genial
em matéria de tecnologia fosse exterminado. Só umas poucas plataformas-estaleiro
escaparam à destruição. Os senhores da galáxia costumavam conceber seus planos com
uma minúcia que só era observada nos terranos. Um dos estaleiros espaciais que escapou
à destruição foi KA-barato, a plataforma do andarilho Kalak.
Perry Rhodan descobriu KA-barato ao avançar pela primeira vez para a zona
periférica de Andrômeda. Houve alguns mal-entendidos, mas Kalak acabou por
transformar-se em aliado dos terranos. Colocou seu estaleiro à disposição dos terranos,
para que estes o usassem como base o centro de abastecimentos e de reparos. O preço que
os terranos tiveram de pagar por isso foi a libertação de seis mil engenheiros da
plataforma OL-Prestativo, que durante a ação de extermínio se recolhera a um dos
planetas de um sol verde chamado Esmeralda, situado no centro de uma nebulosa escura
de densidade extraordinária, chamada Hades. Houve uma avaria nas máquinas, e aquilo
que deveria ter sido um pouso acabou sendo uma queda. Antes disso, os engenheiros
cósmicos tiveram de lutar durante oitocentos anos terranos contra a inteligência vegetal
coletiva que habitava o planeta Bengala.
Uma vez libertados, os seis mil andarilhos e suas famílias passaram a residir em
KA-barato. Com isso o estaleiro espacial de Kalak voltou a transformar-se num
eficientíssimo centro de reparos.
Mas Kalak saiu em companhia de Perry Rhodan, para quebrar a força do mal em
sua essência, que era como costumava chamar os senhores da galáxia. Escolheu o antigo
substituto do proprietário de OL-Prestativo, um andarilho cujo nome era Osiku, para
administrar sua plataforma na qualidade de comissário. Por estranho que isso pudesse
parecer, o antigo chefe de OL-Prestativo recusou-se a assumir uma posição de maior
destaque. A Crest III já tinha feito uma incursão para Tefrod, o mundo central dos
tefrodenses. Seus ocupantes testemunharam a batalha espacial entre os maahks e os
tefrodenses, que ainda não tinha terminado. E os terranos apoderaram-se de um cruzador
tefrodense chamado Askaha.
Kalak ajudava o Administrador-Geral sempre que podia, usando seu arsenal enorme
de conhecimentos e experiências. Mostrara ser um parceiro leal. Se não fosse ele, a ação
da Crest III provavelmente já teria fracassado durante a primeira incursão no setor de
alerta dos senhores da galáxia.
Sem dúvida a tripulação especial composta por cinqüenta homens não precisaria de
Kalak para familiarizar-se com as máquinas da Askaha. Mas teria perdido mais tempo —
e no estágio em que se encontrava a expedição, o tempo era muito precioso.
O andarilho observou as atitudes firmes da nova guarnição das salas de máquinas.
Estava satisfeito. Os terranos tinham mostrado que eram técnicos altamente
especializados, aos quais nunca se precisava dizer duas vezes a mesma, coisa. Dali em
diante saberiam arranjar-se sem ele.
Kalak fez um gesto de despedida e saiu andando, para explicar à segunda turma o
funcionamento dos reatores do sistema de propulsão, que eram inteiramente
automatizados.
De repente uma figura pequenina apareceu à sua frente. Parecia ter brotado do solo.
Kalak sorriu embaraçado. O robô anão chamado de Log, que se encontrava à sua
frente, tinha algo de assustador para ele. Por isso evitava encontrar-se com ele sempre
que isso era possível. Mas agora não era possível.
— Meus cumprimentos, Kalak! — disse Log, agitando os bracinhos finos. — Como
vão as coisas?
O andarilho puxou a barba, um tanto perplexo.
— Tudo... ein... tudo bem, Log.
Quis sair andando às pressas, mas uma força invisível mantinha seus pés grudados
ao chão. Kalak começou a aborrecer-se.
— Que é isso, seu robô anão? Solte-me imediatamente, senão...
— Senão o quê...? — perguntou Log com uma risada de deboche. — Por que não
cruza a parede? Não está com disposição?
— O que você quer? — perguntou Kalak.
Já se resignara com a situação. Não estava mesmo em condições de enfrentar o
anão.
— Vim para ter uma conversa com o senhor, andarilho. Estou interessado nas
plataformas dos moduladores de gens. Este grupo que se separou do povo dos andarilhos
também desapareceu durante a ação de extermínio?
O rosto de Kalak assumiu uma tonalidade cinza. Ouvia-se que respirava com
dificuldade.
— Sabe alguma coisa a respeito dos moduladores de gens, anão?
Log deu uma risadinha. Parecia que nem sabia dar uma risada de verdade — ou
então só queria blefar e confundir seu interlocutor. Em geral as pessoas deixavam-se
enganar e subestimavam o pequeno robô.
— Sei que eles têm acesso ao setor central de Andrômeda — respondeu Log,
falando devagar. — Parece que trabalhavam para os senhores...
Kalak gemeu baixinho.
— Você é um demônio, Log! Por que teve de tocar na única mácula de meu povo?
Faz tempo que os moduladores de gens foram expulsos da comunhão de nosso povo.
Provavelmente colaboram com o mal em sua essência. Por que está tão interessado nisso?
Desta vez o robô não deu nenhuma risadinha. Depois de um silêncio prolongado
voltou a falar, tão baixo que Kalak mal o entendeu:
— Eles realizaram algumas modificações genéticas forçadas com os seres que me
construíram, e os transformaram dentro de dez gerações em seres do reino vegetal. As
criaturas humanóides transformaram-se em plantas monstruosas.
A frase seguinte foi gritada em voz tão alta que o andarilho estremeceu.
— A inteligência vegetal de Bengala é o produto desta atividade criminosa.
— Então é por isso... — cochichou Kalak depois de algum tempo. — Foi por isso
que transformaram os ocupantes da plataforma de botânicos em escravos. E foi por isso
mesmo que investiram com um ódio indescritível contra o estaleiro de Ollok.
— É isso mesmo — confirmou Log. — E o único motivo que tiveram para realizar
a transformação diabólica de seres humanos em organismos vegetais é o fato de que os
seres que me construíram vieram para Andrômeda exclusivamente para localizar e
destruir os senhores da galáxia.
— Quer dizer que realmente fizeram isso! — exclamou Kalak, apavorado. — Os
rebeldes acabaram colaborando com o mal em sua essência.
— Talvez isto o ajude a compreender — prosseguiu o robô num tom mais cordial
— por que quero encontrar os moduladores de gens. Volto a perguntar: Sabe o que
aconteceu com eles, Kalak?
— Sinto muito — cochichou o andarilho com a voz embargada. — Não sei nada. Se
soubesse, eu contaria — apressou-se em acrescentar.
Log deu outra risadinha.
— De mim você nem poderia esconder, Kalak. Só resolvi conversar com você para
fazer um exame demorado de sua mente. Ela não registra absolutamente nada sobre o
destino que tomaram os moduladores.
O engenheiro cósmico pôs-se a refletir por algum tempo.
— Gostaria de fazer um pedido — disse finalmente. — Gostaria que não falasse
com ninguém sobre os renegados de meu povo. Pode fazer isso?
— Com muito prazer, enquanto meu silêncio não prejudicar ninguém — respondeu
Log. — Pode continuar seu trabalho.
Fez um gesto de despedida — e desapareceu. A teleportação não deixou o menor
sinal além de um ruído fraco.
Kalak ficou parado mais alguns minutos, olhando para o lugar em que estivera o
robô.
— Bengala...! — cochichou, deprimido.
Saiu andando com passos claudicantes.
***
O campo energético do transmissor em arco produziu alguns estalos ao ser ativado.
A luz superintensa deixou ofuscada a equipe de manutenção.
O Dr. Spencer Holfing fez mais uma verificação dos controles. Finalmente virou o
rosto para o Administrador-Geral e sorriu. Parecia satisfeito.
— Tudo em ordem, senhor. Quanto a mim, não tenho mais nenhuma objeção a que
a Askaha parta.
Perry Rhodan retribuiu o sorriso.
— Obrigado, Spencer. Vou fazer uma experiência.
Fez um sinal para o andarilho Kalak, que o acompanhara ao pavilhão das naves
auxiliares, que estava completamente vazio, com exceção do transmissor. Finalmente
entrou no portal energético.
Ninguém viu absolutamente nada do fenômeno que se seguiu. O corpo de Rhodan,
suas vestes e equipamentos foram analisados até os menores detalhes de sua estrutura
atômica, transformados num hiperimpulso da quinta dimensão e irradiados para o ponto
de coordenadas previamente fixado.
Este ponto de coordenadas ficava num arco de transmissor semelhante ao primeiro,
instalado na sala de comando do ultracouraçado Crest III. Ali ocorreu o mesmo
fenômeno, em sentido contrário — e no mesmo instante em que entrou no arco do
transmissor, Perry Rhodan saiu do receptor.
O andarilho, o modular Baar Lun e Gucky vieram atrás dele. Em seguida a figura do
robô anão chamado Log materializou atrás de Baar Lun. Log não passara pelo
transmissor. Teleportara-se para a Crest.
Os mutantes John Marshall, André Noir, Ivã Goratchim e os gêmeos Woolver já
estavam à espera junto à mesa dos mapas, juntamente com o arcônida Atlan, o
comandante da Crest, Coronel Rudo, e Melbar Kasom, um especialista da USO. Icho
Tolot assumira o comando da nave tefrodense apresada.
O Administrador-Geral sentou, e os outros seguiram seu exemplo.
Rhodan foi bastante lacônico. Depois das primeiras frases, fez um relato da
situação.
— O último hipertorpedo não trouxe nenhuma novidade importante, minha gente —
Perry sorriu com uma ligeira ironia no rosto. — Só transmitiu algumas informações sobre
a extensão da ofensiva dos maahks. Nossas naves-patrulha descobriram que o plano dos
respiradores de metano é muito mais sofisticado do que imaginávamos.
“As frotas maahks lançaram ataques maciços em vários pontos ao mesmo tempo.
As frotas de vários povos servis foram derrotadas na primeira investida. Além disso
dirigem-se com uma precisão incrível a centenas de mundos que talvez possam servir
para a construção de bases dos metanitas.
“Trata-se de mundos que possuem uma atmosfera de hidrogênio, metano e
amoníaco. Estes mundos são ocupados assim que os maahks conseguem destroçar as
defesas. Por enquanto os maahks se limitam à conquista de mundos situados na periferia
da nebulosa de Andrômeda, mas provavelmente já devem ter fixado seus objetivos nas
zonas mais centrais.
“Será muito difícil para os tefrodenses e os outros povos servis dos senhores da
galáxia, reconquistar as posições em que os maahks se fixaram. Um fluxo ininterrupto de
estaleiros espaciais pré-fabricados, depósitos e fortalezas cósmicas sai de Andro-Alfa em
direção aos mundos em que os maahks pretendem instalar suas bases. Dentro de algumas
semanas estes planetas se tornarão invulneráveis.
“Felizmente KA-barato ainda não foi descoberto. Façamos votos de que continue
assim. Nosso fluxo de abastecimento também continua, se bem que não pode ser
comparado com a quantidade de materiais transportados pelos metanitas.”
O Administrador-Geral fez um sinal para Kalak.
— No momento temos outros problemas, não menos importantes. A matança dos
quatrocentos tefrodenses por meio da explosão dos receptores de estímulos neles
implantados mostrou que o braço dos donos de Andrômeda é muito longo.
“Depois deste acontecimento alarmante, mandei recolher imediatamente a equipe de
investigações que trabalhava no cruzador tefrodense, e dei ordem para que a Crest se
deslocasse a uma distância em que estivesse fora de perigo caso houvesse uma explosão.
Afinal, ainda existe o perigo de haver uma carga explosiva nuclear a bordo da Askaha,
carga esta que poderá ser detonada pelos senhores da galáxia por meio de um
teleimpulso.”
Atlan levantou os olhos. Havia uma expressão sombria em seu rosto. Rhodan sorriu.
— Para nós o cruzador é tão valioso que em hipótese alguma podemos deixá-lo em
Runaway. Pretendo levá-lo a KA-barato, ou ao menos a uma das bases que nossos
engenheiros espaciais estão criando na periferia de Andrômeda. O exame dos propulsores
compactos dos tefrodenses nos ajudará a fechar uma lacuna em nossas pesquisas, que faz
com que ainda não tenhamos alcançado o mesmo desempenho dos tefrodenses. Por outro
lado, a solução dos mistérios que encontramos no tanque-mapoteca e no computador
positrônico da Askaha ajudará a descobrir certos segredos do setor central.
“Como vêem, é muito importante que o cruzador tefrodense seja levado a um lugar
seguro.
“Foi por isso que mandei que uma equipe de cosmonautas com especialização em
certas áreas da técnica ficasse a bordo da Askaha. Kalak forneceu as necessárias
instruções a esta equipe. Além disso a aparelhagem de rádio destruída foi substituída por
potentes hipercomunicadores. Para possibilitar a salvação dos ocupantes em caso de uma
emergência, foi instalado um transmissor de arco, ajustado para o receptor da Crest. O
alcance do transmissor é de cinco anos-luz, o que nos garante uma boa margem de
segurança, se considerarmos que a Crest permanecerá apenas três milhões de quilômetros
atrás da Askaha...”
Atlan pigarreou e bateu com a palma da mão na mesa.
— Todos sabemos que uma explosão é tão rápida que a tripulação de uma
espaçonave não tem tempo para pôr-se a salvo no transmissor. Será que você não se
esqueceu deste detalhe, Perry...?
Rhodan fez um gesto negativo.
— É um risco que temos de correr, amigo. Além disso nossos lógicos chegaram à
conclusão de que só há quinze por cento de probabilidade de que no interior da Askaha
esteja escondida uma carga explosiva bastante forte para destruir instantaneamente a
nave. Quer dizer que nossas chances de sobrevivência são de oitenta e cinco contra
quinze.
Sentiu um movimento atrás de suas costas e virou ligeiramente a cabeça.
Era o robô Log, ao qual Gucky dera o nome de Lucky Log, que subira no encosto
largo de sua poltrona anatômica. Desceu para a braçadeira em curva e empertigou-se,
para ver o que havia sobre a mesa dos mapas.
— Ora veja! — disse Atlan, sarcástico. — A bola de futebol com pernas também
quer dizer alguma coisa...
— Isso mesmo, lorde-almirante — respondeu Log com ama risadinha, dando a
impressão de que aquilo o divertia a valer. — Quero fazer uma observação sobre aquilo
que o Administrador-Geral acaba de dizer. Sou de opinião que as chances a favor dos
ocupantes da Askaha chegam a ser de noventa e nove a um. Como sabe, possuo
excelentes parafunções. No entanto, não consegui localizar qualquer carga explosiva no
cruzador.
Saltou sobre a mesa.
— Apesar disso também quero preveni-lo, senhor! — apontou a mão pequenina,
com cinco articulações, para Rhodan. — A Askaha é uma nave medonha.
Perry franziu a testa.
— Não vejo o que há de tão medonho nela.
O robô voltou a dar uma risadinha.
— Sobre isso não posso dar nenhuma informação concreta, senhor. Mas conheço
minhas parafaculdades e sei que preciso de dois por cento de energia além do normal
para teleportar para fora da nave tefrodense.
Baar Lun inclinou o corpo. Parecia nervoso.
— Acha que um campo antipara está sendo gerado na nave? Não acredito, pois
nesse caso Gucky também teria notado.
— Não senti nada — disse o rato-castor.
— Isso não quer dizer nada — respondeu Log. — Não quero ofendê-lo, Gucky, mas
você não passa de um ser orgânico. Não possui instrumentos capazes de indicar o volume
de paraenergia de que precisa para fazer uma teleportação. Sua mente extrai do corpo a
quantia necessária. Você nem chega a notar um excesso de dois por cento. Mas eu noto.
— Não acredito que seja um campo antipara — observou John Marshall.
— Nem afirmei que fosse — respondeu Log. — Mas o fato é que há na Askaha
algo que me assusta, porque ela devora parte de minha energia da sexta dimensão.
— Não vamos perder tempo com coisas sem importância! — Perry Rhodan fez um
gesto de impaciência, batendo com os dedos na mesa. — Quem sabe se Log não acaba
descobrindo o que o deixa assustado na Askaha. Pois não, Atlan.
— Volto a insistir pela última vez — disse o arcônida. Via-se que tinha de fazer um
grande esforço para controlar-se. — Tenho fortes dúvidas de que você deva participar de
um comando suicida, terrano. Você conhece meus motivos.
O Administrador-Geral acenou com a cabeça. Seu rosto continuou impassível.
— Sugestão rejeitada, arcônida. Levantou-se abruptamente.
A Askaha decolará no dia 30 de março, à zero hora e dez minutos, tempo de bordo.
A Crest seguirá trinta minutos depois mantendo, por questões de segurança, uma
distância de três milhões de quilômetros.
Saiu caminhando calmamente em direção ao transmissor e desapareceu.
Os outros também se retiraram, e Atlan ficou sozinho junto à mesa dos mapas.
Ficou em silêncio por algum tempo, absorto em suas reflexões. Finalmente golpeou a
mesa com o punho.
— Mais trinta minutos para chegarmos ao inferno! — disse, depois de olhar para o
relógio.
***
Exatamente na hora estipulada, a Askaha subiu da superfície do planetóide.
A simples força de seus projetores antigravitacionais, cuja polarização fora
parcialmente invertida, subiu para o negrume do espaço. Depois de algum tempo os
fluxos de partículas branco-azuladas saíram dos bocais de jato.
Dali a trinta segundos os jatopropulsores instalados na protuberância equatorial da
Crest III também chamejaram.
O ultragigante passou silenciosamente, que nem um fantasma, a mil quilômetros de
Runaway.
Os comandantes das duas naves fizeram no mesmo instante a retificação da rota.
Depois aceleraram fortemente.
O cruzador tefrodense era pilotado pelo Administrador-Geral em pessoa. O
ertrusiano Melbar Kasom ocupava o assento do co-piloto, enquanto à esquerda de
Rhodan o halutense Icho Tolot se acomodara na poltrona do navegador, que fora
reforçada para suportar seu peso.
Entre os dois gigantes — um deles absolutamente humano, o outro absolutamente
não-humano — Perry Rhodan parecia um anão. Só mesmo Lucky Log, que se acomodara
na cabeça do halutense, era menor que ele. Em comparação com Tolot parecia um
periquito sobre a cabeça de um homem.
Os instrumentos mostraram que dentro de um minuto a nave alcançaria a velocidade
da luz. Rhodan respirou aliviado. Virou a cabeça para Kasom e disse:
— Os minutos que se seguiram à decolagem foram bem cansativos. A nave poderia
ter explodido praticamente a qualquer momento. Que acha, Melbar?
O ertrusiano sorriu debochado.
— Tive o cuidado de trazer uma muda de roupa de baixo. Ainda bem que não
precisei.
Icho Tolot soltou uma estrondosa gargalhada.
— Não fique alegre antes da hora, Kasom. Quem sabe se a carga explosiva secreta
não foi acoplada com o conversor do vôo linear? — Viu o rosto assustado de Rhodan e
acrescentou: — Se bem que não acredito nisso.
— Está mentindo! — constatou Log laconicamente.
Perry sorriu. Naturalmente Tolot aguardava ansioso a primeira manobra de vôo
linear. Ele mesmo estava ansioso. Antes disso não se saberia se a Askaha era
relativamente segura.
Olhou para um instrumento no qual piscava uma luz verde. Enquanto a luz não se
apagasse, a Crest III estaria por perto. Pelos padrões astronáuticos, os três milhões de
quilômetros que separavam as duas naves eram uma distância insignificante.
Rhodan puxou o microfone para perto da boca.
— Alô, Kalak. O senhor me ouve, Kalak?
— Ouço, sim senhor! — respondeu uma voz calma. O andarilho não se abalava por
nada. Era ao menos o que parecia. O Administrador-Geral encarregara-o de cuidar da sala
de máquinas.
— Como estão os controles do conversor linear?
— Tudo em ordem, senhor.
— Muito bem. Dentro de noventa segundos entraremos no semi-espaço. Desligo.
Perry desligou o intercomunicador e ficou de olho no velocímetro. O traço luminoso
foi subindo em direção à marca VL. A Askaha era uma boa espaçonave. Chegava a
acelerar mais depressa que um cruzador leve terrano.
Quando os noventa segundos chegaram ao fim, Rhodan comprimiu a tecla vermelha
do conversor que impeliria a nave para o espaço linear.
Não houve o menor abalo quando a Askaha penetrou no semi-espaço, em cujo
interior parecia haver uma estranha distorção.
Melbar Kasom respirava fortemente. Até parecia um duto de ventilação ligado.
— Um grande peso acaba de cair das minhas costas, senhor — confessou.
Antes que Perry Rhodan tivesse tempo de dar uma resposta, Log deu mais uma de
suas risadinhas tolas.
— Qual é a graça, seu grão de poeira? — rugiu a voz de Kasom.
No mesmo instante uma prensa invisível parecia comprimir o gigante de encontro à
poltrona anatômica. Melbar gemeu. Ficou com o rosto muito vermelho. O peso invisível
saiu de cima de seu peito, e o ertrusiano voltou a respirar ruidosamente.
— Então...? — perguntou Lucky Log. — Como vê, um grão de poeira é mais forte
que um ertrusiano convencido. Gostou do exercício respiratório? Depois do peso que lhe
caiu de cima das costas, a pressão do músculo que faz o bombeamento não lhe deve ter
feito nenhum mal.
— Senhor! — disse Kasom em tom queixoso. — Este anão tem uma mente de
psicopata.
Icho Tolot divertia-se a valer. Só parou de rir quando a tela de seu intercomunicador
se quebrou ruidosamente.
Perry Rhodan acelerou a nave esférica. As manchas coloridas móveis e as faixas
vermelhas do espaço linear confundiram-se, formando névoas confusas.
Depois de alguns segundos o Administrador-Geral desligou o conversor do espaço
linear. Um rugido que soava no interior da nave foi diminuindo cada vez mais. No
mesmo instante a imagem do conjunto espácio-temporal einsteiniano voltou a aparecer
nas telas da galeria panorâmica.
O centro de rastreamento informou que havia quatro naves cilíndricas dos maahks
dois minutos-luz a bombordo. Ao que parecia estavam fugindo.
Os perseguidores não demoraram a aparecer nas telas do hiper-rastreamento.
Não tinha sido possível evitar a pequena distância do plano das órbitas do sistema
tefrodense chamado Atrum. Além disso Rhodan queria verificar mesmo como ia a
batalha espacial que rugia há quatro dias.
Os hiper-rastreadores de alta sensibilidade do cruzador levaram apenas alguns
minutos para formar um retrato da situação. As quatro naves cilíndricas que tinham sido
detectadas em primeiro lugar não eram as únicas que estavam fugindo. Em toda parte as
unidades tefrodenses perseguiam naves isoladas ou pequenos grupos de naves dos
maahks. De vez em quando um sol artificial surgia no espaço — geralmente no lugar em
que pouco antes estivera uma nave maahk posta em fuga.
Os tefrodenses tinham saído vitoriosos, depois da chegada dos reforços. Perto de
duas mil naves de guerra deste povo voltavam a concentrar-se. Só uns poucos grupos
vasculhavam o antigo campo de batalha. Destroços, naves consumidas pelo fogo e
nuvens rarefeitas de substâncias radiativas vagavam ao acaso. Naves tefrodenses
avariadas viajavam em baixa velocidade em direção ao sistema de Atrum.
Nos últimos minutos Rhodan fizera funcionar os propulsores da Askaha em sentido
contrário ao deslocamento da nave, para evitar a distorção das imagens produzida pelo
deslocamento a velocidades próximas à da luz.
Finalmente os rastreadores não mostraram mais nada de interessante e Rhodan
voltou a acelerar.
As piscadas tranqüilizadoras da luz verde do aparelho de controle, bem como os
rastreadores, mostravam que a Crest III mantinha a distância prevista de três milhões de
quilômetros. O sinal naturalmente deixara de funcionar durante a manobra linear. Mas
uma vez concluída esta voltou a acender-se a breves intervalos.
O velocímetro foi subindo para a marca dos setenta por cento VL, oitenta por cento,
noventa...
De repente todas as sereias de alerta do cruzador irromperam num concerto
estridente.
Perry empalideceu e inclinou a cabeça sobre o intercomunicador, para perguntar à
sala de rastreamento por que fora dado o alarme.
Mas logo ele mesmo viu.
Uma mancha luminosa vermelha pulsava junto ao sol Atrum. As pessoas que se
encontravam na sala de comando da Askaha não precisariam de uma calculadora
positrônica para formar uma idéia sobre o tamanho real da mancha luminosa. Bastava
conhecer a distância do fenômeno e ter um conhecimento básico das operações
aritméticas fundamentais.
A mancha tinha cerca de um milhão de quilômetros de diâmetro.
Perry Rhodan pôs-se a examiná-la na ampliação setorial da tela do rastreador.
Um anel de fogo vermelho brilhante agitado por incessantes ondas e pulsações
violetas em seu interior aparecera repentinamente, vindo do nada. Continuava a crescer.
Descargas energéticas tremendas verificavam-se em meio a um tremeluzir alucinante.
Rhodan, Kasom e Tolot entreolharam-se.
— Vamos chegar mais perto! — decidiu o Administrador-Geral.
A decisão veio tarde. Deveria ter sido tomada uma fração de segundo antes. Alguém
— ou alguma coisa — já entrara em ação. A Askaha foi violentamente arrancada da
órbita.
Sua rota passou a dirigir-se exatamente para a abertura da bola de fogo...
***
Os alarmes da Crest III soaram no mesmo instante que os da Askaha. Os hiper-
rastreadores trabalhavam, ininterruptamente.
Atlan, que um minuto antes respirara aliviado, ao ver o cruzador tefrodense
acelerar, ao que parecia sem a menor dificuldade, saltou da poltrona anatômica. Parecia
nervoso.
Prendeu a respiração enquanto contemplava a ampliação setorial projetada na tela
dos rastreadores.
Viu um imenso anel de fogo formar-se em torno do sol Atrum, viu o pulsar violeta
em seu interior — e notou que a Askaha saía da rota, seguindo num ângulo de trinta graus
em direção ao sistema de Atrum.
— Ele só pode estar louco! — esbravejou. — Devia dar-se por satisfeito, pois
conseguiu realizar a primeira manobra linear da Askaha sem arrebentar a nave. Mas em
vez de acelerar para preparar a entrada seguinte no espaço linear e alegrar-se com a breve
chegada a KA-barato, ele se aproxima desta figura suspeita.
O ruído dos propulsores lhe revelou que a Crest III desacelerava ao máximo.
Lançou um olhar espantado para o comandante.
O Coronel Cart Rudo acenou com a cabeça, respondendo à pergunta que não
chegara a ser formulada.
— Acha que deveríamos ir atrás deles? — perguntou.
O arcônida abanou fortemente a cabeça. A raiva contida e a preocupação pelo
amigo faziam brilhar seus olhos vermelhos.
— Vou à sala de rádio, Rudo. Continue a desacelerar e fique de olho na Askaha.
Primeiro bem devagar, depois cada vez mais depressa, o lorde-almirante saiu
caminhando em direção à escada curta que dava para a sala de rádio. Nos últimos metros
correu.
O Major Kinser Wholey, chefe da equipe de rádio, encarou-o com o rosto banhado
em suor. A parede transparente permitira que acompanhasse os acontecimentos que se
tinham verificado na sala de comando.
— Chame a Askaha! — ordenou Atlan com a voz rouca de tão nervoso que estava.
— Preciso falar com o Administrador-Geral.
— O Chefe deu ordens terminantes para que não usássemos o rádio, senhor! —
Kinser Wholey não deixou que o olhar zangado de Atlan o confundisse. — Só ele mesmo
pode tomar a iniciativa de fazer a ligação.
— Major! — respondeu o arcônida com a voz gelada. — Perry Rhodan me conferiu
o poder de comando pleno da Crest. Portanto, o senhor deve obedecer às minhas ordens.
Qualquer coisa que o Chefe disse antes deixa de valer, desde que eu dê uma ordem em
contrário. Vamos! Ande depressa, senão mandarei prendê-lo por insubordinação.
Quase chegara a gritar as últimas palavras. Kinser Wholey ficou mais calmo e fez a
ligação. A raiva do arcônida desapareceu tão depressa como tinha começado. Sorriu para
o major e disse:
— Desculpe, Kinser, eu estava nervoso. O Chefe é orgulhoso demais para tomar a
iniciativa de entrar em contato conosco. Depois da discussão que tivemos...
— Não sei do que está falando, senhor — respondeu Wholey.
Uma luz verde acendeu-se.
Kinser Wholey apertou uma tecla. A tela do hipercomunicador iluminou-se,
mostrando o rosto do rádio-operador da Askaha.
— Ligue-me com o Chefe — ordenou o Major. — Rápido. Transfira a ligação
diretamente para a sala de comando.
Dali a meio segundo o rosto sério de Rhodan apareceu na tela. Esboçou um sorriso
vago ao reconhecer Atlan.
— Que houve, arcônida...?
Atlan fez um grande esforço para continuar calmo e apresentar argumentos que
parecessem lógicos.
— Você está arriscando a vida de seus homens, Perry. Volte enquanto é tempo. Se
não estou muito enganado, você quer examinar o fenômeno luminoso circular que surgiu
no sistema de Atrum. Por quê? Quer perder a Askaha de novo?
O rosto do Administrador-Geral continuou impassível por alguns instantes.
Finalmente abriu-se num sorriso que fez o arcônida sentir frio por dentro.
— Seu pedido veio um pouco tarde, amigo — respondeu Rhodan com a voz
arrastada.
Um restinho de esperança absurda quis tomar conta de Atlan.
— Quer dizer que já vol...
Calou-se ao ver os olhos de Rhodan. Perry riu amargurado.
— A Askaha não pode voltar mais, arcônida — disse. — Há alguns segundos as
máquinas do cruzador desligaram-se automaticamente, e parece que nem mesmo Kalak é
capaz de fazê-las funcionar de novo. Uma força estranha arrasta-nos em direção ao anel
de fogo. A situação é esta, e nem mesmo você poderá mudá-la.
Atlan fez um gesto confuso, passando a mão pelos cabelos albinos. Seus olhos
encheram-se de um líquido aquoso. O antigo almirante de uma velha frota arcônida do
tempo do apogeu estava extremamente nervoso. Fitava Rhodan com uma expressão de
perplexidade. Seus lábios tremiam.
De repente seus olhos brilharam numa expressão de triunfo.
— Somos idiotas, Perry! Você e eu — exclamou. — Por que não nos lembramos
logo do transmissor? Seu alcance chega a cinco anos-luz. Portanto, os ridículos três
milhões de quilômetros que nos separam não representam nada para ele. Entrem logo no
transmissor, Perry!
— E a Askaha? — perguntou Rhodan com a voz apagada. — Acha que devemos
abandoná-la quando ainda nem sabemos se realmente estamos em perigo?
Atlan recuou apavorado. A obstinação do amigo deixara-o estupefato. Devia ter
nascido de uma vontade fanática de vencer. Este homem, que já comandara centenas de
batalhas espaciais, era capaz de golpear implacavelmente, desde que isso pudesse ajudar
a causa que estava defendendo. Mas também possuía um instinto que lhe dizia quando
devia bater em retirada. Para o velho almirante arcônida só havia duas opções: a vitória
ou a retirada. Era incapaz de compreender que os terranos não pensavam assim.
— Você é o maior idiota de todos os tempos! — gritou, furioso. — Se não der
imediatamente a ordem de retirada pelo transmissor...
— Então o quê? — perguntou Perry Rhodan com a voz fria.
Atlan praguejou.
Mas lembrou-se de que ainda dispunha de um argumento que talvez convencesse o
terrano teimoso. A tela já se apagara.
— O senhor desligou, Wholey? — perguntou em tom ameaçador.
O afro-terrano levantou o rosto e afastou as mãos do sistema automático de
regulagem.
— Não senhor. A ligação foi cortada.
— Foi cortada...? — perguntou Atlan, espantado. — Ou será que o Administrador-
Geral desligou? Faça o favor de ser mais claro.
As veias da testa do Major Wholey incharam de raiva. Mas o rádio-operador
lembrou-se de que o arcônida estava muito nervoso e que não havia tempo para formular
um protesto, por mais justificado que fosse.
— Senhor, a ligação não foi cortada nem na Crest nem na Askaha. O Chefe ia dizer
alguma coisa, quando a imagem se apagou e o som desapareceu. Para mim só há uma
explicação. O Chefe deve estar em perigo.
Atlan nem chegou a ouvir as últimas palavras.
O arcônida de dez mil anos de idade, que era biologicamente imortal, saiu correndo
da sala de rádio e foi para a sala de comando. Até parecia que queria escapar à forca.
O Coronel Rudo fitou-o à sua entrada.
— Senhor! — gritou. — A Askaha entrou no espaço linear há cinco segundos.
***
Quando a imagem de Atlan projetada na tela do hipercomunicador empalideceu,
Perry Rhodan chegou a acreditar que o arcônida acabara de desligar.
Mas o grito assustado de Kasom fez com que compreendesse que estava enganado.
Virou-se abruptamente e viu as faixas deformadas em meio às névoas do espaço linear.
No mesmo instante entrou em contato com a sala de máquinas.
— Kalak! — berrou. — O senhor ligou o conversor EL?
O rosto negro do andarilho continuou impassível como sempre.
— Sinto muito senhor, mas isso seria impossível. O conversor está ligado aos
comandos centrais — não perguntou por que Rhodan fizera essa pergunta estranha, que
não tinha a menor lógica. O cérebro de Kalak funcionava com a precisão de uma máquina
de calcular. Se o Administrador-Geral perguntara se ele acionara o conversor EL, a
Askaha certamente se encontrava no semi-espaço.
Perry desligou o intercomunicador. O suor porejava em sua testa. Apesar disso
sorria.
— Parece que alguém quer fazer das suas com a gente.
A voz de Rhodan recuperara o tom frio.
— Alguém quer fazer das suas! — gritou Log com uma risada histérica. — Vocês
terranos acham que sabem alguma coisa?
O Administrador-Geral fitou o robô anão com uma expressão pensativa. Um sorriso
duro brincava em torno de seus lábios.
— Se não disser imediatamente o que sabe a respeito deste fenômeno, mandarei
Lun converter sua energia.
— Isso é chantagem! — indignou-se o robô.
Perry fez um sinal para o modular, mas Baar Lun não teve tempo de dar uma
amostra de sua paracapacidade a Log.
A Askaha estava saindo do semi-espaço, desenvolvendo velocidade pouco inferior à
da luz...
Um tremendo inferno de fogo agitava-se à frente da nave — e esta corria em sua
direção.
Lucky Log começou a falar com a voz monótona, dando a impressão de que o
perigo que de repente se tornara iminente não lhe interessava nem um pouco.
No mesmo instante sua voz foi abafada pelo bramido do halutense.
— Já compreendi tudo, senhor! — exclamou o gigante. — Deveríamos ter-nos
lembrado disso antes. Este anel de fogo não passa de um gigantesco transmissor em arco.
Alguém parece não poder resistir às saudades que sente por nós.
— Não é nada disso! — interrompeu Log. De repente o pequeno robô aumentou o
volume da voz, superando até mesmo as temíveis gargalhadas de Tolot. — Ninguém tem
o menor interesse por nós. Aposto... — deu uma risadinha ao dar-se conta de que acabara
de usar uma gíria terrana — aposto que eles nem sabem que há uma tripulação estranha
na Askaha!
Rhodan e Kasom contemplaram o robô. Parecia que o pequeno ser mecânico os
deixara estupefatos com seus conhecimentos.
O halutense riu de novo, mas interrompeu-se ao notar a expressão reprovadora no
rosto de Rhodan.
— Olhe para as telas, senhor — disse. — Talvez isso o ajude a compreender a
finalidade do tal transmissor gigante.
Perry atendeu prontamente à sugestão. Dali a pouco também estava rindo, mas não
foi uma risada tão despreocupada como a de Tolot. Compreendera a finalidade do
transmissor circular. Todas as naves tefrodenses que tinham sofrido avarias durante a
batalha espacial com os maahks eram atraídas e transportadas por ele.
— Entramos num colecionador de sucata — constatou Icho Tolot laconicamente.
— Até que enfim vocês começam a compreender — observou o robô anão, usando
o familiar “você”. Geralmente observava as regras da etiqueta porque queria evitar brigas.
— Estamos sendo levados juntamente com a Askaha, para sermos transformados em
sucata. Que tal?
— Hum! — resmungou Baar Lun, que se encontrava mais nos fundos. — Para você
seria a única maneira de passar a valer alguma coisa...
— Silêncio! — disse Perry Rhodan em tom enérgico. — A situação é muito grave,
minha gente. Ninguém poderia esperar que os tefrodenses dispusessem de meios de
transporte fantásticos como este para transportar as naves avariadas. Só faço votos —
acrescentou em tom sarcástico — que o fogo que se agita no interior do arco do
transmissor não corresponda a um forno.
Kasom soltou uma risada forçada. O halutense deu uma palmadinha amistosa em
suas costas. Kasom interrompeu-se e respirou com dificuldade.
— Temos uma porção de medicamentos a bordo — prosseguiu Rhodan em tom
pensativo. — Mas acho que entre eles não existe nenhum que seja capaz de absorver
choques...
Encarou os companheiros um após o outro.
Sabia perfeitamente que a clínica da Askaha não dispunha dos novos medicamentos
de absorção de choque, do tipo depositado na Crest III. Só os medicamentos mais usuais
tinham sido transferidos da nave-capitânia para o cruzador apresado. Ninguém tivera a
idéia de que a Askaha pudesse atravessar um transmissor solar. Por isso mesmo não
tinham sido levadas as ampolas com o remédio de absorção de choque.
De repente o ar tremeu à frente do rosto de Perry e Gucky, o rato-castor,
materializou bem em cima de seus joelhos. Seus pêlos tremiam de tão nervoso que
estava. Lançou um olhar ligeiro para as telas de imagem e pôs-se a praguejar.
— Não poderiam ter-me avisado antes que fosse tarde? Que amigos são vocês?
Deixam-me sozinho no camarote, criando calos nos dedos de tanto escrever a maior
epopéia de todos os tempos, enquanto acontecem coisas capazes de modificar o mundo.
Ainda bem que sou telepata. Mas assim mesmo deixei de pegar grande parte do filme que
está sendo passado lá fora. Como poderei ser objetivo ao incluir este episódio em minha
obra?
— Episódio...? — repetiu Perry Rhodan. — Poderemos dar-nos por satisfeitos se
daqui a um minuto não tivermos sido consumidos pelas chamas do forno que você vê ali
na frente. O resto não tem importância, baixinho.
3

Os hiper-rastreadores da Crest III registraram o desaparecimento da Askaha — e


dali a dez minutos mostraram sua saída do espaço linear.
Quando recebeu esta última informação, Atlan de repente ficou calmo. Deixou-se
cair em sua poltrona anatômica, que ficava ao lado da de Cart Rudo, e pôs-se a observar
os diagramas de interpretação fornecidos pelo centro de rastreamento.
— É um transmissor, não é mesmo, senhor? — perguntou o epsalense.
Atlan levantou os olhos.
— Ainda bem que o senhor compreendeu — disse. — Acontece que a interpretação
dos dados fornecidos pelos rastreadores mostra mais alguma coisa.
Empurrou um dos diagramas para junto de Rudo.
— Trata-se de uma espécie de colecionador — disse o coronel. — Pelo menos os
ecos de rastreamento das outras naves tefrodenses dão a entender que este transmissor
atrai as naves avariadas.
O lorde-almirante fez um gesto afirmativo. Cart Rudo fitou-o com uma expressão
estranha no rosto.
Atlan não pôde deixar de rir.
— Não pense que enlouqueci, coronel. — Ficou se deleitando por alguns segundos
com o rosto perplexo do epsalense, mas logo prosseguiu: — Log disse que a Askaha o
deixa assustado. Aludiu a um aumento no consumo da paraenergia, não é mesmo? Isto,
aliado aos dados fornecidos pelos rastreadores, ajuda a esclarecer a situação. Já sei, por
exemplo, por que Gucky não registrou nem poderia ter registrado um aumento no
consumo de energia dentro do cruzador tefrodense. Foi porque de fato não precisou de
mais energia. Acontece que Log é uma construção mecânica, cujos bancos de energia são
muito sensíveis à ação dos campos mecano-energéticos. Se não estou muito enganado,
todo o corpo da Askaha possui uma carga com sinal contrário. Com sinal contrário em
relação às energias do transmissor. Isto faz com que seja atraída irresistivelmente por
este.
— Talvez o senhor tenha razão — reconheceu Rudo. — Infelizmente isso não muda
em nada a situação do Chefe. Não sabemos onde fica o receptor do transmissor gigante.
Nem sabemos se realmente existe um receptor no sentido usual da palavra. Quem nos
garante que os destroços recolhidos pelo coletor não são simplesmente fundidos ou
destruídos? Não gosto nem um pouco deste fogo violeta que se agita no interior do anel.
Não é igual ao que geralmente se vê nos transmissores solares dos senhores da galáxia.
O arcônida ficou concentrado por algum tempo. Enquanto isso a Askaha prosseguia
em velocidade assustadora para o centro do transmissor. Logo desapareceria em seu
interior — talvez para todo o sempre!
— Nem poderia ser um transmissor solar igual aos outros — disse Atlan, rompendo
o silêncio que já se tornara constrangedor. — Seja qual for o princípio que rege o
funcionamento da complicada estrutura, esta só é usada em determinadas situações —
sorriu. — Por isso lhe dou o nome de transmissor situacional. É possível que o
transmissor tenha estado paralisado por vários milênios. A batalha espacial trouxe
trabalho para ele — e ele se ligou.
— Atenção! — disse uma voz estrondosa saída do alto-falante do intercomunicador.
— Aqui fala o centro de rastreamento. Transmitirei uma ampliação setorial para o senhor.
A tela mostrou uma imagem do sistema de Atrum. O ângulo foi diminuindo.
Finalmente só se via o sol e o transmissor.
O arcônida viu perfeitamente quatro trilhas energéticas vermelho-alaranjadas, que
ligavam o círculo luminoso vermelho ao centro do sol.
A energia do transmissor situacional era retirada do sol Atrum.
Atlan fechou os olhos. Quando voltou a abri-los, havia uma expressão tão dura
neles que fez Cart Rudo empalidecer.
— Acelere, coronel! — ordenou o lorde-almirante. — Siga a Askaha, seja lá para
onde nos leve a viagem.
Rudo ficou em silêncio por alguns segundos. Finalmente seu rosto tingiu-se de um
vermelho vivo.
— Está falando sério, senhor...? — perguntou, fazendo um grande esforço para
controlar-se.
— Estou, sim! Faça o que eu disse.
Neste momento Cart Rudo perdeu as estribeiras. Era a primeira vez desde o dia em
que se tornara comandante de uma nave-capitânia do Império Solar.
— Queira desculpar, senhor, mas isso é uma loucura! Quer que leve a Crest para
dentro dessa porta do inferno? Há cinco mil homens a bordo, senhor. O senhor não vai
sacrificar toda esta gente somente para não perder o contato com a Askaha.
— Acontece que o Administrador-Geral se encontra a bordo da Askaha.
— Isso mesmo, senhor — o comandante rangeu os dentes. — Meu Chefe está na
Askaha. Mas como poderei salvá-lo, se levar minha nave para dentro desta armadilha
infernal? Sou responsável pelos tripulantes desta nave. Não se esqueça disso, senhor.
— Oportunamente conversaremos sobre a infração disciplinar que o senhor acaba
de cometer — respondeu Atlan com a voz fria. — Mas de outro lado reconheço que o
senhor age assim por estar verdadeiramente preocupado, coronel. Por isso quero deixar
bem claro que se não formos imediatamente atrás da Askaha, nunca mais a
encontraremos. Vamos logo! Estou lhe dando uma ordem.
Ninguém seria capaz de dizer se o epsalense se deixara convencer pelo último
argumento do arcônida, ou se estava seguindo as regras de disciplina rígidas que valiam a
bordo das naves de guerra terranas.
Fez a nave seguir em direção ao transmissor situacional. Feito isso, acelerou à razão
de 650 quilômetros por segundo ao quadrado, que era o máximo de que o ultragigante era
capaz.
Já fazia dez minutos que a Askaha tinha desaparecido no interior do transmissor
quando a Crest III entrou no espaço linear, para voltar ao espaço normal dali a nove
segundos.
A fogueira agitada enchia totalmente a tela frontal de cento e oitenta graus. Na parte
da galeria panorâmica que correspondia à popa via-se uma nave esférica tefrodense
coberta por crateras resultantes da fusão de partes de seu casco.
***
A boca enorme de um monstro que cuspia fogo se abrira e acabara de engoli-lo.
Melbar Kasom encontrava-se num estado de semi-inconsciência. Não se lembrava
do tremendo choque psíquico que experimentara durante o processo de desmaterialização
no interior do transmissor. O pavor só se manifestava no subconsciente, tentando agitar a
parte consciente de seu espírito.
Às vezes tinha-se impressão de que conseguia. Nestes momentos o ertrusiano via
sombras se movendo. Certa vez viu à sua frente dois pontos incandescentes vermelhos,
parecidos com os olhos de um monstro, que pareciam fitá-lo com uma expressão
malvada. Mas os véus da inconsciência logo desciam sobre sua mente, apagando esta
imagem — e o espírito de Kasom voltava a mergulhar num estado de semiconsciência.
Finalmente — parecia fazer uma eternidade que tudo começara — os véus se
romperam de vez.
Melbar abriu os olhos — e soltou um grito estridente.
Em vez dos três pontos incandescentes vermelhos que vira no pesadelo, três olhos
salientes o fitavam.
— Não se comporte como uma criança, Kasom — disse uma voz enérgica. —
Desde quando eu o assusto assim?
No mesmo instante Melbar voltou a raciocinar. Ergueu-se e fitou o halutense com
uma expressão agradecida.
— Aplicou uma injeção? — perguntou.
Icho Tolot resmungou alguma coisa que soava como uma resposta afirmativa.
— Apliquei um estimulante ara, Kasom. Como se sente?
O ertrusiano desatou os cintos de segurança e espreguiçou-se.
— Até parece que nasci de novo — respondeu em tom sarcástico. — Estou com
uma fome danada, monstro.
Tolot apontou com um dos braços instrumentais para a tela panorâmica da proa.
— Pois trate de devorar os dois sóis vermelhos que estão ali na frente, Kasom. Não
me incomode com seus apetites animalescos.
Kasom quis dar uma risada, mas esta ficou presa em sua garganta quando descobriu
dois gigantescos sóis cor de sangue, que pareciam revezar-se na tarefa de preencher a tela
de bombordo e de estibordo.
— Pelos devoradores de lama iluminados pelo sol Kreit! — exclamou. — São os
olhos do monstro que vi nos meus sonhos. Para onde fomos arrastados, Tolot?
— Para o sistema solar pertencente ao ponto de chegada do transmissor —
respondeu o halutense, sério. — É só o que eu sei. O senhor acordou cerca de trinta
segundos depois da rematerialização.
Melbar Kasom lançou um olhar para o Administrador-Geral. Perry Rhodan jazia
imóvel em sua poltrona anatômica, e Baar Lun também. O rato-castor estava agachado
sobre os joelhos de Rhodan, encolhido numa estranha posição.
— Onde está Log? — perguntou.
Parecia que só então o halutense dera pela falta do robô anão.
— Depois da rematerialização não o vi mais. Tomara que não lhe tenha acontecido
alguma coisa.
Melbar grunhiu em tom de desprezo. Abriu a caixa de medicamentos que ficava
atrás de sua poltrona anatômica e tirou um envoltório prateado brilhante. Abriu-o e uma
fita de plástico de injeção envolta em plástico transparente caiu em suas mãos.
Os dois puseram-se a aplicar um estimulante de alta eficiência em Rhodan, Baar
Lun e Gucky.
Mas o efeito demorou um pouco.
— Poderia fazer a gentileza de cuidar de alguns dos homens da tripulação especial,
Tolot? — pediu Kasom. — Pegue em primeiro lugar os outros mutantes, que se
encontram no centro de rastreamento, além de Kalak. Enquanto isso tentarei descobrir
mais alguma coisa sobre a situação em que nos encontramos.
O halutense não disse uma palavra. Pegou as fitas de injeção e saiu correndo.
Melbar Kasom ficou de pé ao lado da poltrona de Rhodan e pôs-se a examinar os
controles. Conforme esperara, não houvera nenhuma modificação. Com os recursos que
se encontravam a bordo da Askaha não podiam exercer nenhuma influência sobre os
propulsores. Os projetores antigravitacionais também falharam. De qualquer maneira,
estes não seriam capazes de movimentar a nave por um centímetro que fosse se não
encontrassem alguma forma de resistência material ou energética.
Mas foi possível controlar os rastreadores com os recursos existentes na sala de
comando.
O especialista da USO movia rapidamente os controles. Seu treinamento esmerado
e a grande experiência que possuía permitiam-lhe lidar sem a menor dificuldade com os
variados sistemas de rastreamento, enquanto fazia a interpretação dos dados por meio de
um pequeno sistema de computação embutido em seu console.
O resultado foi assustador.
A energia incolor concentrada no transmissor continuava a pulsar entre os dois sóis
gigantes. Era o lugar em que tinha saído e fora repelido o cruzador tefrodense.
Mas não somente ele.
Umas cinqüenta unidades tefrodenses avariadas, algumas delas em chamas,
viajavam ao lado da Askaha, e o transmissor continuava a expelir constantemente outras
unidades.
Melbar Kasom dirigiu o raio do rastreador que se deslocava a velocidade ultraluz
para o espaço situado entre os dez planetas que circulavam em torno dos dois sóis. Neste
momento até mesmo ele entrou em pânico.
Este espaço estava atulhado de naves esféricas de todos os tamanhos.
Não eram naves destroçadas, mas unidades prontas para entrar em ação, que se
concentravam na área.
Em meio ao enorme contingente Melbar identificou alguns gigantes de mil e
oitocentos metros de diâmetro, do tipo que aparecera durante a batalha espacial travada
junto ao sistema de Atrum. Sem dúvida estas naves eram muito mais poderosas que os
supercouraçados terranos da classe Império, inclusive a antiga nave-capitânia da Frota
Solar.
Mas não poderiam comparar-se aos ultragigantes da classe Galáxia, entre os quais
se contava a Crest III.
Quando se deu conta disso, o ertrusiano sentiu-se orgulhoso. Mas o orgulho não
durou muito.
A Crest III não estava por perto. Encontrava-se não se sabia onde, a milhares ou
centenas de milhares de anos-luz dali. Nada poderia fazer pelos cinqüenta homens do
comando suicida nem pelos mutantes.
Kasom tentou orientar-se com base nas constelações visíveis, mas não conseguiu.
Talvez os mapas tefrodenses existentes na Askaha pudessem ajudá-lo, mas era
praticamente certo que não haveria tempo para decifrar os dados codificados.
Mais uma vez encontravam-se numa situação que parecia desesperadora.
Melbar Kasom deu uma risada áspera.
No mesmo instante estremeceu. A figura pequena de Log acabara de aparecer bem à
frente de seus olhos, sobre o console principal da nave tefrodense.
O robô tinha um aspecto medonho. Nunca se sabia se olhava para a gente ou se
estava interessado em outra coisa. A cabeça esférica completamente lisa com a superfície
brilhante não transmitia nem sequer a ilusão de qualquer reação emotiva.
— Então! — gritou Log com a voz estridente. — Que tal, seu monte de gordura de
Ertrus?
Irrompeu numa estrondosa gargalhada, que faria honra até mesmo a Icho Tolot.
Kasom perguntou-se se o robô anão costumava gravar numa fita as diversas vozes e
ruídos, para reproduzi-los em ocasiões mais ou menos apropriadas.
O especialista da USO hesitou. Achou que talvez seria conveniente pegar sua arma
energética e destruir Log antes que o Administrador-Geral acordasse e o impedisse de
fazê-lo.
— Você não conseguirá mexer no seu pau de fogo, grandalhão — disse Log com a
voz rouca.
— Pois eu acho que ele consegue — disse a voz de Baar Lun, vinda de mais longe.
O modular aproximou-se andando que nem um felino.
— Basta a gente fechar os olhos por alguns minutos, e ele fica todo petulante.
Olhou para a tela ótica dos rastreadores, que estava funcionando. Seu rosto
artificialmente tostado assumiu uma tonalidade cinza.
— Em que lugar saímos? — perguntou com a voz abafada.
Melbar Kasom levantou os ombros largos. Inclinou o corpo e tapou suas narinas
com os dedos.
Perry Rhodan abriu a boca e respirou fortemente. Dali a pouco seus olhos também
se abriram. O tronco foi erguido abruptamente.
Logo compreendeu a situação.
— Kasom, Lun, Log! — disse em tom de comando. — Ajudem Tolot a acordar os
tripulantes. Suponho que o halutense já esteja trabalhando nisso...
Melbar confirmou com um gesto.
Rhodan tirou o rato-castor de cima dos joelhos e carregou-o para o sofá baixo, que
fora colocado especialmente para Gucky na sala de comando da nave tefrodense. Depois
voltou a sentar na poltrona anatômica. Examinou as telas da galeria panorâmica. Estava
com o rosto tenso.
A Askaha continuava a afastar-se em queda livre do centro de energia do
transmissor, em direção aos dez planetas. Os sóis cor de sangue do sistema pareciam
lançar um olhar de escárnio para a profusão de naves.
— Chamá-los-ei de Redeye — disse. — Redeye I e II Que tal?
Sabia perfeitamente que se deixara dominar por uma espécie de humor fúnebre. Até
mesmo Perry Rhodan era de opinião que as chances de saírem vivos da armadilha eram
iguais a zero, embora geralmente costumasse ser um otimista inabalável.
— Acho que daqui a pouco acontecerá uma coisa que decidirá nossa situação —
cochichou.
Até parecia que o destino que os alcançara só esperara por estas palavras. A Askaha
foi arrancada da rota com tamanha violência que por uma fração de segundo os
neutralizadores de pressão não conseguiram compensar a força da inércia.
Perry Rhodan bateu no encosto da poltrona.
Assim que se recuperou do choque e começou a interpretar os dados fornecidos
pelos rastreadores, compreendeu o que tinha acontecido.
O cruzador fora atingido por um raio de tração de potência extraordinária, que o
arrastava em direção a um dos planetas do sistema Redeye.
O ponto de destino ficava no planeta número cinco.
***
Os gigantescos conjuntos geradores da Crest III funcionavam com a potência
máxima. O rugido chegava até a sala de comando, obrigando os tripulantes a fechar os
trajes espaciais e comunicar-se pelo telecomunicador embutido em seus capacetes.
Cart Rudo freou o ultracouraçado, usando o máximo da potência dos jatos-
propulsores.
Depois de ter saído do espaço linear, ainda levou quinze segundos para
compreender que o tremendo dispêndio de energia era inútil. O transmissor situacional
atraía todas as naves tefrodenses — tanto que também atraíra a Askaha — mas não
exercia qualquer atração sobre a Crest III.
Desta forma a teoria de Atlan, segundo a qual o casco da Askaha possuía uma carga
com sinal contrário, encontrou uma confirmação indireta. A nave-capitânia da Frota Solar
não possuía nenhuma carga energética no casco. Logo, os transmissores não podiam
exercer qualquer influência sobre ela.
Mas nem por isso o Comandante Rudo reduziu o empuxo dos propulsores.
Quando percebeu isto, o arcônida Atlan sorriu contrariado. Não disse uma palavra,
mas ligou o sistema de intercomunicação geral ao telecomunicador embutido em seu
capacete.
— Comandante Atlan falando! — sua voz soava bem calma. — Todos os membros
da tripulação se aplicarão dentro de um minuto uma injeção de absorção. Como sabem, o
medicamento é encontrado nas caixas instaladas atrás de cada poltrona anatômica.
Sua voz não mudou nem um pouco quando prosseguiu.
— Dentro de três minutos aproximadamente penetraremos no centro do transmissor
de Atrum. Trata-se de um coletor de destroços, que atrai as unidades avariadas dos
tefrodenses e provavelmente as faz rematerializar junto a um planeta-estaleiro. Quero
deixar bem claro que a Crest não está sendo atraída pelo transmissor. Nossa liberdade de
ação não foi atingida, e acho que nem será no interior do transmissor.
Passou a falar com a voz um pouco mais áspera.
— Assim que houver a rematerialização, cada um deverá anunciar se em seu posto
está tudo em ordem. Talvez tenhamos de entrar em combate.
Desligou e passou a dirigir-se ao epsalense. Havia um brilho estranho nos olhos de
Cart Rudo. Atlan lembrou-se de que este homem superpesado natural de Epsal não
costumava abalar-se por pouca coisa. Fora por isso mesmo que Rhodan fizera dele o
comandante da Crest II, e há pouco o investira no comando do novo supergigante da
classe Galáxia.
Bem no seu íntimo o lorde-almirante teve de reconhecer que o comportamento de
Rudo era perfeitamente natural. O comandante de qualquer nave tem o direito e até
mesmo o dever de evitar que sua nave sofra algum dano, sempre que isso era possível.
Afinal, os terranos mantinham uma ligação muito estreita com suas naves.
Mas estas reflexões não exerceram a menor influência sobre as palavras que Atlan
passou a proferir.
— Ligue os novos neutralizadores da quinta dimensão, coronel, e siga em direção
ao centro do transmissor. Já não é necessário acelerar.
O epsalense fitou-o apavorado.
— Senhor! — exclamou. — Não faça isso comigo. Por que quer arriscar esta nave
garbosa?
— Não é a nave que está em jogo, coronel — respondeu o arcônida em tom
enfático. — Trata-se de não perdermos a pista de Perry Rhodan. E a passagem do
transmissor é a última e única possibilidade que nos resta. Se não assumirmos o risco de
usá-la, nunca mais veremos a Askaha ou Perry Rhodan.
Cart Rudo travou uma luta muda consigo mesmo. Finalmente acenou com a cabeça,
mostrando que compreendera, e respondeu com a voz apagada:
— Perfeitamente, senhor. Compreendi.
Os movimentos com que manipulava o controle não tinham perdido nem um pouco
da segurança que lhes era peculiar. E as ordens que transmitia pelo intercomunicador aos
chefes setoriais da Crest III pareciam calmas e firmes. Até parecia que nunca manifestara
dúvidas a respeito da passagem pelo transmissor.
Quando se deu conta disso, Atlan sorriu. Os terranos eram todos iguais. Gritavam e
esbravejavam, mas quando se convenciam de que certa ação era necessária, consumiam-
se na tarefa.
Quando faltava somente um minuto para que a nave penetrasse na passagem
ondulante, Rudo e o arcônida eram as únicas pessoas que não tinham perdido os sentidos.
O resto da tripulação estava mergulhado numa profunda inconsciência. Mas acordaria
assim que a nave rematerializasse no destino. As novas injeções neutralizadoras
continham um aditivo específico para este fim.
Ao que parecia, os tripulantes das unidades tefrodenses também estavam
inconscientes. Foi a única explicação que Atlan encontrou para o comportamento das
naves esféricas. Voavam às dezenas, à frente, aos lados, atrás, em cima e embaixo da
Crest III, mas nenhuma delas esboçava qualquer reação diante da nave estranha que havia
em seu meio.
Quando faltavam cinco segundos para a passagem pelo transmissor, o comandante e
o lorde-almirante aplicaram em si mesmos as injeções neutralizadoras.
Nem sentiram quando o ultragigante foi dissolvido pela energia do transmissor
situacional, para ser irradiado em direção ao paraespaço.
Mas com a rematerialização recuperaram os sentidos. O processo foi acompanhado
de uma dolorosa violência.
No mesmo instante o sistema de alerta automático do rastreamento de corpos
estranhos deu o alarme máximo.
Inúmeros raios rastreadores estranhos batiam de forma invisível no casco da Crest
III. O sistema de rastreamento da nave demorou apenas alguns segundos para descobrir o
motivo.
O sistema dos gigantescos sóis cor de sangue estava atulhado não apenas de naves
tefrodenses destroçadas, mas também de frotas compostas de unidades em plenas
condições de combate.
Os homens que trabalhavam nos rastreadores tentavam em vão descobrir a Askaha
nessa confusão de impulsos de eco hipervelozes. O número de cruzadores era tão elevado
que se tornava impossível localizar aquele que procuravam. A luz verde que, tal qual
acontecia na Askaha, indicaria a proximidade da outra nave, permaneceu apagada. A
Crest III encontrava-se a mais de três milhões de quilômetros da Askaha.
Seis gigantes de mil e oitocentos metros de diâmetro separaram-se de um grupo de
unidades tefrodenses e começaram a deslocar-se em direção à nave-capitânia da Frota
Solar. O lorde-almirante refletiu sobre se seria conveniente transmitir uma mensagem
pelo rádio para a Askaha.
Resolveu que não. Mas esqueceu um detalhe. A tripulação que abordara o cruzador
devia estar inconsciente, menos o halutense.
Atlan deu ordem para mergulhar no semi-espaço.
***
A superfície do quinto planeta de Redeye antes parecia uma esfera de aço polida, na
qual se viam algumas protuberâncias semi-esféricas parecidas com verrugas.
A luz dos dois sóis derramava uma luz cor de sangue sobre este mundo. A
“paisagem” artificial aparecia com uma rigidez assustadora embaixo da Askaha. Não se
via sinal de qualquer forma de vida orgânica.
Perry Rhodan dera ao planeta o nome de Terminal — ponto final. Tinha certeza de
que realmente seria o ponto final, ao menos para o cruzador tefrodense que haviam
apresado. E também não se iludia sobre o que iria acontecer a ele e aos outros ocupantes
da Askaha.
Mas estava disposto a não desistir, enquanto lhe restasse uma centelha de vida.
Estavam a apenas um milhão de quilômetros da superfície de Terminal, quando
Icho Tolot voltou à sala de comando.
— As injeções estimulantes foram aplicadas em todos os homens — informou. —
Onde está Gucky?
Rhodan deu de ombros.
— O rato-castor tem uma sensibilidade maior a estes choques, Tolot.
Provavelmente será o último a acordar — passou a falar mais baixo. — Se nossa vida
tiver de terminar aqui, eu gostaria que Gucky não sentisse nada.
O halutense olhou para as telas.
— Parece que por enquanto ninguém desconfiou de nada. Está tudo calmo lá
embaixo.
— Acho que Terminal é um planeta-estaleiro totalmente automatizado. As naves
avariadas que chegam lá desaparecem com uma rapidez impressionante embaixo da
superfície. Nenhum ser orgânico seria capaz de fazer o trabalho com tamanha precisão.
Tolot deu uma risada.
— Terminal...! É o nome certo, senhor. Meus amigos de Halut soltarão berros de
alegria quando eu lhes contar isto.
— O senhor é mesmo um otimista incorrigível — respondeu Perry em tom
sarcástico.
— Tal qual o senhor. Rhodan acabou rindo também.
Mas calou-se quando Log materializou à sua frente. O pequeno robô riu baixinho.
— Vocês se chamam de terranos, não é? Sim, eu sei, este colosso de carne não
pertence a essa espécie estranha. Mas suas reações coincidem quase exatamente com as
dos humanos. São tão sem motivo quanto estas.
Perry suspirou.
— Um anão como você nunca será capaz de compreender os seres humanos. Não
temos a menor duvida de perdoar as observações inconvenientes que você vive fazendo.
Além de possuírem senso de humor, os terranos não guardam rancor.
De repente mudou de assunto.
— Sabe alguma coisa a respeito do planeta-estaleiro no qual teremos que descer?
— O senhor quer ouvir sua sentença de morte, terrano? — perguntou Log.
Dali em diante o Administrador-Geral não fez outras investidas neste sentido.
Passou a concentrar-se nos acontecimentos que vieram em seguida.
A Askaha atravessou as camadas superiores da atmosfera. As colunas de
sustentação da nave saíram automaticamente. O veículo espacial passou a descer devagar,
o que era mesmo necessário, já que não fora possível reparar os conversores dos campos
defensivos enquanto o cruzador apresado estava sendo preparado no planetóide
Runaway.
No entanto, os microfones internos, que continuavam intactos, transmitiam o chiado
agudo das massas de ar superaquecidas e violentamente deslocadas. À medida que a
Askaha descia, o ruído aumentava de intensidade.
A nave pousou suavemente exatamente no centro de um pentágono assinalado por
cinco elevações em forma de abóbada. Melbar Kasom e Baar Lun já tinham voltado à
sala de comando. Informaram que os outros tripulantes continuavam mergulhados num
profundo estado de inconsciência.
Perry Rhodan começou a ficar nervoso. Como poderia levar cinqüenta homens a um
lugar em que estivessem em segurança — isto se houvesse uma possibilidade para isso?
O robô Log voltou a desaparecer. Baar Lun não pôde evitá-lo, a não ser que
quisesse destruir a estranha máquina. Log lançara mão de tremendas paraenergias para
sair do lugar. Ninguém sabia quais eram as intenções do robô psi. No fundo, pensava
Perry, isso não importava. A não ser naturalmente que ele quisesse revelar sua presença
aos mecanismos automáticos do estaleiro. Neste caso, ninguém poderia impedi-lo.
Trinta segundos depois de a nave ter pousado, uma gigantesca porta circular abriu-
se embaixo dela. O diâmetro da abertura era alguns metros maior que o da nave.
Mas o veículo espacial continuou suspenso sobre a abertura fracamente iluminada.
— É um elevador antigravitacional de espaçonaves! — disse Baar Lun em tom de
elogio.
— Nós também temos isso — resmungou Kasom, ofendido.
Um sorriso irônico cobriu o rosto do modular.
— Pois é, coronel. Temos aí mais uma coincidência entre nossa tecnologia e a dos
tefrodenses.
— O que era mesmo de esperar — observou Rhodan. — Houve um paralelismo
fantástico nas formas de evolução verificadas em duas galáxias diferentes.
A luz cor de sangue dos sóis do sistema Redeye desapareceu das telas. Perry
Rhodan levantou os olhos. Em compensação surgiu uma luminosidade violeta, que
parecia vir das paredes lisas do poço do elevador.
A Askaha desceu, mantendo a velocidade de um elevador pneumático. De vez em
quando apareciam superfícies vermelhas quadradas nas paredes. Talvez fossem os
instrumentos de controle das máquinas robotizadas que controlavam o processo.
À medida que a nave descia, um zumbido tornava-se cada vez mais intenso.
Saía das entranhas do planeta e mostrava que nos estaleiros-oficina se desenvolvia
uma atividade intensa.
Finalmente o cruzador imobilizou-se. Kasom olhou para os instrumentos.
Encontravam-se a dois mil metros de profundidade.
Em seguida outra porta circular abriu-se a bombordo. A Askaha voltou a
movimentar-se, desta vez na horizontal. Entrou num tubo reto. O diâmetro do tubo era de
duzentos e trinta e quatro metros, exatamente quatro metros mais que o diâmetro da nave
tefrodense.
Perry Rhodan perguntou-se se o planeta Terminal possuía elevadores
antigravitacionais e tubos transportadores especiais para cada tipo de nave. Parecia que
sim. E isso mostrava a extensão enorme das instalações dos tefrodenses.
Depois de apenas mais dois minutos de viagem, a Askaha entrou num pavilhão
abobadado e pousou numa armação-doca. Máquinas gigantescas aproximaram-se,
sustentadas por almofadas antigravitacionais. Algumas delas se pareciam com sáurios
pré-históricos, enquanto outras não eram maiores que um ser humano comum. Mas seu
formato era bem diferente.
— Vão consertar nossa nave! — resmungou Kasom. — Quanta gentileza! Será que
ainda não perceberam que somos capazes de voar com nossas próprias forças?
— Ninguém deixaria de ver o orifício de penetração do tiro disparado pelos
maahks, Melbar — disse Perry Rhodan com um sorriso. — Portanto, os robôs estão
agindo logicamente de acordo com sua programação, se acham que a Askaha é uma nave
destroçada.
— Quem sabe se não nos deixarão partir quando a nave tiver sido reparada? —
perguntou Baar Lun em tom de esperança.
Kasom cocou a cabeça calva. Parecia acariciar a mecha de cabelos cor de areia, que
era o orgulho de qualquer homem ertrusiano.
— Ainda bem que o senhor percebeu, Lun! Basta encolhermos bastante e...
— O que o senhor certamente não conseguirá! — interrompeu o Administrador-
Geral em tom sarcástico. — Não devemos iludir-nos, minha gente. Os tefrodenses seriam
idiotas e não mereceriam ser comparados com os humanos se não tivessem tomado suas
precauções. Não é nada difícil algumas criaturas estranhas entrarem numa nave
destroçada — como aconteceu conosco! Sem dúvida revistarão todos os cantos da
Askaha.
O ertrusiano parecia preocupado. Suspirou fortemente e abriu o traje espacial.
Perry sacudiu a cabeça, admirado. Quando ia manifestar sua estranheza, Kasom
tirou um enorme salame da parte inferior de seu traje espacial, colocou-o à sua frente e
voltou a fechar o traje.
— O que é isso? — perguntou o Administrador-Geral. Teve de esforçar-se para dar
um tom de espanto à voz, pois quem conhecia o ertrusiano também sabia que ele tinha
um apetite enorme. Um ser que pesava mais de oitocentos quilos, cujo metabolismo era
muito grande para toda essa massa, precisava de uns vinte e cinco quilos de alimentos
bem nutritivos por dia. Quando ficava submetido a grandes esforços físicos, esta
necessidade crescia para cinqüenta quilos por dia. Nem por isso se poderia dizer que este
indivíduo adaptado a um novo ambiente era um glutão.
— Acha que devemos deixar que os robôs encontrem o salame? — perguntou
Melbar.
Pôs a mão num dos bolsos do traje espacial e tirou uma faca de oitenta centímetros
de comprimento por dez de largura. Era sua faca de sobrevivência, conforme costumava
dizer, usando uma expressão criada pelas tradições dos primeiros astronautas terranos.
Em seguida deu uma demonstração prática do que em sua opinião era necessário para a
sobrevivência.
A peça de salame tinha mais de dois metros de comprimento e trinta centímetros de
diâmetro. Kasom foi cortando fatias da espessura de um sanduíche e enfiou-as na boca.
O ertrusiano mastigava ruidosamente, e Baar Lun virou o rosto pálido para outro
lado.
Enquanto isso Perry Rhodan e Tolot cuidavam do rato-castor. Se conseguissem
acordar Gucky, este talvez pudesse teleportar para examinar os arredores. Baar Lun
afastou-se, pretextando que queria cuidar dos gêmeos Woolver. As faculdades de Rakal e
Tronar tinham certa semelhança com a paracapacidade do modular. Transformavam-se
em energia e voltavam a converter-se em matéria sólida, enquanto Lun era capaz de
transformar qualquer forma de energia no tipo de matéria que escolhesse — mas somente
em matéria sem vida.
Melbar Kasom pegou seu salame e foi para frente dos controles principais do
cruzador.
— Não deixem que eu os perturbe no trabalho — disse em tom indiferente. —
Ficarei acompanhando os reparos. Afinal, hoje em dia não se pode confiar mais em
nenhum artesão.
De repente Kasom achou muito complicado cortar o salame em fatias. Enfiou a
peça na boca e pôs-se á mastigar ruidosamente o alimento.
Os robôs atingiram o casco da Askaha.
De repente, como se tivessem recebido ordem para isso, pararam a alguns metros da
nave.
Melbar arrotou e fitou as máquinas complicadas, abanando a cabeça.
— Poderia dar um pulo até aqui, Chefe? — perguntou. — Há algo de errado. Por
que será que os robôs pararam de repente? Até estão se retirando...
Gucky acordou com um grito estridente. O Administrador-Geral cumprimentou-o
com um gesto e saiu correndo para perto de Kasom.
Era mesmo!
As máquinas robotizadas afastavam-se do cruzador. Perry virou a cabeça. Estava
muito pálido. Acionou o alarme da nave.
— Talvez isso acorde os outros — disse. — Receio que não nos reste muito tempo.
***
Enquanto isso Lucky Log passeava calmamente pelos corredores entrelaçados do
planeta Terminal.
Os robôs que vinham ao seu encontro ou passavam por ele nem tomavam
conhecimento de sua presença. Era o que esperava. Os robôs-mecânicos possuíam certa
inteligência, mas esta se restringia aos trabalhos para os quais tinham sido programados.
Seu sistema sensorial registrava a presença de outros robôs, mas isto somente para evitar
uma colisão ou coordenar certo tipo de trabalho. Seus equipamentos não lhes permitiam
estabelecer distinção entre os robôs pertencentes ao estaleiro e as máquinas estranhas.
A situação só começou a ficar crítica quando Log passou pelo primeiro dispositivo
automático de vigilância. Não se tratava de uma máquina capaz de movimentar-se
livremente, como os robôs. Encontrava-se na parede de um corredor fortemente
iluminado e passava que nem um grosso cabo atrás das paredes, por cima do teto e por
baixo do piso.
Se não fosse um robô psi, Log só teria percebido o perigo quando já fosse tarde —
isto é, depois que tivesse sido detectado e identificado pelo sistema automático de
vigilância.
Acontece que Log sentiu as radiações difusas quando ainda se encontrava a dez
minutos de distância. O cérebro positrônico do dispositivo automático encontrava-se em
estado de repouso, mas apesar disso necessitava de um fluxo ininterrupto de energia, para
substituir os pósitrons, cuja vida era muito curta, e mantê-los nas respectivas órbitas. Era
assim que se formava uma radiação difusa na quinta e sexta dimensão.
Log parou e pôs-se a refletir.
Havia três maneiras diferentes de evitar a identificação como corpo estranho, que
desencadearia o alarme. Primeiro, poderia pôr o dispositivo automático fora de ação por
via telecinética. Segundo, poderia teleportar-se para o outro lado da zona de vigilância. E
terceiro, poderia tentar ler a memória do outro robô, para descobrir qual seria o sinal-
impulso capaz de enganá-lo.
A primeira alternativa parecia muito perigosa. Se o dispositivo de vigilância
deixasse de funcionar, isso certamente provocaria a expedição de um aviso para um
centro de controle automático. E era justamente isso que precisava ser evitado.
A segunda alternativa só acarretaria um risco muito pequeno. Era possível que o
dispositivo automático de vigilância fosse capaz de detectar a liberação da paraenergia
mecânica. Esta possibilidade não podia ser excluída. Por isso o robô psi preferiu
abandonar também este plano.
Suas reflexões não duraram mais de um milésimo de segundo. Dali a mais um
milésimo de segundo Log prosseguiu.
Quando se encontrava a três metros de distância, Log reconheceu o padrão de
identificação do sistema automático de vigilância pelo modelo das linhas de
deslocamento dos pósitrons. O resto foi fácil. Log formou um impulso hiperenergético
cuja estrutura correspondia ao modelo do padrão de identificação.
Depois atravessou sem problemas o lugar perigoso.
E não saiu decepcionado. No lugar em que havia um vigilante também havia uma
coisa que valia a pena ser vigiada. Log atingiu o fim de um corredor que aparentemente
não levava a lugar algum. As duas metades de uma escotilha encolheram-se para dentro
das paredes de forma quase completamente silenciosa, deixando livre a passagem para
um pavilhão baixo, mas muito comprido.
Nesse pavilhão havia estranhas máquinas cúbicas fluorescentes, que pareciam ter
sido enfileiradas numa corda. Log ao menos acreditava que eram máquinas, pois delas
partia um estranho zumbido agudo.
O pavilhão tinha exatamente trezentos e quatro metros de comprimento e oito de
largura. O sistema sensorial de Log era tão desenvolvido que podia realizar medições
precisas no tempo que um ser humano levaria para simplesmente ver um objeto.
As máquinas em forma de cubo tinham quatro metros de lado. A altura da sala
retangular também era de quatro metros, e assim os cubos tocavam o teto. Mas não
estavam ligados a ele.
O espaço livre que ficava de cada lado das máquinas tinha exatamente dois metros
de largura.
Log penetrou cuidadosamente em um destes corredores de dois metros de largura.
Antes disso rastreara cuidadosamente a sala, para verificar se havia algum vigia
escondido.
Mas parecia que para os tefrodenses o dispositivo automático de vigilância instalado
no corredor era suficiente.
Era ao menos o que acreditava o robô psi.
Mas estava enganado.
Seu paracérebro mecânico-positrônico fora preparado para as armadilhas mais
sofisticadas — mas não para uma coisa primitiva como um soalho que baixava ao contato
de alguma coisa que nem o prato de uma balança hidráulica.
Log tinha dado apenas um passo quando reconheceu o engano. Só mesmo seus
órgãos de equilíbrio supersensíveis foram capazes de registrar o rebaixamento do soalho.
Era tão pequeno que não poderia ser percebido pelos meios óticos.
O rebaixamento foi suficiente para ativar as máquinas, que até então se mantinham
paradas. O robô psi sentiu a torrente de raios difusos de várias dimensões desabar sobre
ele, da mesma forma que um telepata sentiria as emanações de um aparelho
hipnomecânico.
Seus dispositivos lógicos evitaram literalmente no último instante que ele se
teleportasse para fora daquilo que parecia ser a área de perigo.
Log ficou parado, esperando.
Longos segundos — longos pelo menos para seu cérebro positrônico — passaram-
se sem que acontecesse nada de suspeito.
Depois, tão de repente que Log reagiu com um violento movimento mecânico,
alguma coisa começou a murmurar e cochichar.
Mais uma vez o robô psi obrigou-se a ficar parado, escutando.
Levou algum tempo para interpretar as mensagens estranhas...
***
A Crest III retornou ao espaço normal quando ainda se encontrava a vinte horas-luz
dos gigantescos sóis vermelhos. O campo defensivo hiperenergético fora ativado. As
miras automáticas do centro de artilharia faziam deslizar os raios dos rastreadores,
tentando captar um possível atacante.
Mas não havia nenhum atacante.
Atlan contemplou com uma expressão pensativa o estranho sol geminado, que se
destacava sobre o fundo formado por um setor espacial repleto de estrelas cintilantes.
Neste momento aconteceu uma coisa muito rara.
O sistema foi batizado pela segunda vez.
Meia hora atrás Rhodan lhe dera um nome muito apropriado: Redeye. E agora o
lorde-almirante o batizou com o nome de Sistema dos Destroços. Eram dois nomes que
correspondiam perfeitamente às características do sistema. Os dois sóis realmente se
pareciam com os olhos vermelhos brilhantes de um grande monstro, e a finalidade do
sistema era mesmo coletar as naves destroçadas vindas do transmissor situacional de
Atrum ou de outros lugares.
Atlan não conseguiu evitar um sorriso irônico quando olhou para Cart Rudo.
— Está satisfeito, coronel? — perguntou. — Conseguimos passar pelo transmissor,
e a Crest III não sofreu um simples arranhão.
O comandante ficou vermelho de tão embaraçado que se sentia.
— Infringi as regras da disciplina, senhor — disse, dando de ombros. — Estou
disposto a suportar as conseqüências. O senhor tinha razão. Deixei que a preocupação
pela nave tomasse conta de mim.
O sorriso desapareceu do rosto de Atlan.
— Esqueça, Cart — disse em tom conciliador. — Justamente hoje sou capaz de
compreender que qualquer homem, por melhor que seja, perde o controle de vez em
quando — suspirou. — Infelizmente tudo isto não nos faz chegar um segundo-luz que
seja mais perto do Administrador-Geral.
O epsalense lançou um olhar zangado para os pontos luminosos que representavam
os dois sóis do Sistema dos Destroços.
— Sugiro que voltemos ao espaço linear e retornemos ao Sistema dos Destroços —
disse. Sua voz também soava zangada. — A Askaha só pode estar lá.
O arcônida confirmou com um gesto.
— Neste meio tempo Rhodan e os outros tripulantes da Crest já devem ter-se
recuperado do choque da transição. Avance para o centro do sistema e tente entrar em
contato com a Askaha pelo hipercomunicador — interrompeu-se e bateu com a mão na
testa. — Que velho idiota que eu sou...
— Eu também, senhor — observou Cart Rudo com um sorriso de deboche. — Nem
me lembrei de que Icho Tolot deve ter passado pelo choque sem perder os sentidos. Já
poderíamos ter entrado em contato com a Askaha antes.
— Tomara que com nossa falha não tenhamos tirado a última chance destes
homens, Rudo — Atlan bateu com o punho fechado na placa de comando, fazendo
tilintar os vidros dos instrumentos. — Vamos! Toda força à frente.
A Crest III sacudiu-se quando todos os propulsores repentinamente passaram a
funcionar a plena potência. Os objetos que se encontravam na sala de comando vibravam.
Até mesmo as poltronas anatômicas. As máquinas bramiam que nem bilhões de sáurios
primitivos. Fluxos de partículas ultraluminosos saíam dos bocais de jato de vários metros
de diâmetro, impelindo a Crest III para a frente.
Levou apenas cinco minutos para alcançar a velocidade da luz — e desaparecer no
espaço linear.
Doze gigantescas naves esféricas, que apareceram dali a alguns segundos no ponto
de entrada do ultracouraçado, não encontraram mais nada. Avisaram o chefe do grupo
pelo hiper-rádio de que a nave não identificada provavelmente continuara sua fuga.
O chefe do grupo mal acabara de receber a mensagem, quando um gigante que
cuspia fogo apareceu a alguns milhares de quilômetros do lugar em que se encontrava.
Seus campos defensivos verdes iluminaram-se fortemente, quando atravessaram uma
nave-patrulha de oitenta metros de diâmetro.
No mesmo instante os alarmes soaram em todas as unidades tefrodenses que
operavam no Sistema dos Destroços.
Atlan mandava transmitir ininterruptamente a mensagem destinada à Askaha,
enquanto Cart Rudo usava a força máxima dos jatopropulsores para frear a Crest III.
Imediatamente após a saída do espaço linear o ultracouraçado atravessara um
pequeno barco espacial dos tefrodenses. O campo defensivo verde evitara que o impacto
produzisse qualquer efeito sobre a Crest, mas a nave tefrodense fora dissolvida.
— Continuamos sem resposta, senhor — informou o Major Kinser Wholey, que
estava de serviço na sala de rádio.
— Continue a transmitir — ordenou Atlan.
O Coronel Rudo teve de agir com muita habilidade para desviar-se do fogo das
baterias do costado de um grupo de naves de tamanho médio. O oficial de artilharia da
Crest, por sua vez, apertou todos os botões.
Quinze bolas de gases incandescentes formaram-se nas fileiras tefrodenses.
Mas dentro de instantes a nave-capitânia da Frota Solar foi cercada de três lados. O
campo defensivo da nave foi submetido a uma carga correspondente a noventa e oito por
cento de sua capacidade máxima quando a Crest ocupou o ponto de interseção de pelo
menos cem raios energéticos.
O Coronel Rudo arrancou a Crest III da rota, voltou a acelerar e forçou passagem no
lugar em que os tefrodenses menos esperavam, isto é, no ponto de concentração máxima
das forças inimigas.
Sua tática foi bem-sucedida. O ultracouraçado saiu do ponto de convergência dos
tiros inimigos e abriu caminho a tiros, antes que os comandantes das naves tefrodenses
compreendessem que aquilo não era uma manobra simulada.
O gigante voltou a sair da trilha de gases incandescentes e poeiras radiativas para
entrar novamente no vazio relativo do espaço interplanetário. Foi quando o Major Kinser
Wholey conseguiu o primeiro contato de hiper-rádio com a Askaha, desde o momento em
que ela tinha atravessado o transmissor situacional.
Atlan deu ordem para que a ligação fosse transferida à sala de comando.
Mas ela nunca chegou ao seu ramal.
De repente a Crest III ficou envolta pelas explosões de várias gigabombas.
O arcônida teve de reconhecer que subestimara os tefrodenses. Além de formar um
círculo enquanto se aproximavam da nave desconhecida, tinham postado vários grupos
menores em torno do grande anel de naves, para entrarem em ação caso o inimigo
conseguisse abrir passagem. Os oficiais de artilharia destas naves gigantescas de mil e
oitocentos metros de diâmetro não permitiram que a Crest III saísse por um segundo que
fosse das miras automáticas. Por isso foi relativamente fácil criar um campo de
polarização invertida junto ao alvo, mal a Crest abrira passagem, para em seguida irradiar
gigabombas ultrapotentes por meio de seus canhões polarizados.
Mas não poderiam ter previsto a estabilidade inigualável do campo defensivo
hiperenergético dos terranos.
E foi só por isso que não conseguiram destruir a Crest III.
Mas por outro lado a nave solar não cumprira sua missão. Afastou-se, perseguida
pelas gigabombas disparadas pelos reforços tefrodenses, entrou no semi-espaço e voltou a
sair do Sistema dos Destroços.
***
O ruído infernal dos alarmes fez com que os últimos ocupantes da Askaha que ainda
estavam inconscientes acordassem sobressaltados.
As luzes verdes foram-se acendendo uma após a outra no console de Melbar
Kasom, mostrando que os diversos postos estavam preparados para entrar em ação. Ivã
Goratchim, John Marshall e André Noir entraram correndo na sala de comando.
O interior do planeta-estaleiro Terminal transformou-se num verdadeiro inferno.
Os microfones externos transmitiram o uivo ensurdecedor das sereias de alarme. O
estrondo das escotilhas que se fechavam atravessava o pavilhão em que a nave estava
estacionada. Os robôs-mecânicos retiraram-se ainda mais depressa.
Por enquanto nenhuma das pessoas que se encontravam na Askaha sabia por que o
alarme máximo fora dado no planeta-estaleiro.
Só mesmo o grande centro de computação positrônica do mundo de robôs
inteiramente automatizado conhecia o motivo. Segundo sua programação, era obrigado a
solicitar informações a um centro automatizado antes de dar permissão para o início dos
reparos de uma espaçonave.
E o dispositivo positrônico de Terminal fizera isto mesmo.
As indagações de rotina tinham sido respondidas. Acontece que as respostas saíam
completamente da rotina. O centro automático limitou-se a informar que a tripulação da
Askaha fora exterminada por um dispositivo teleguiado, em virtude de uma situação de
emergência que surgira a bordo.
Como esta medida só tinha sido prevista para o caso de algum desconhecido
apoderar-se da nave e não poder ser controlado por meio da transmissão de estímulos
mentais, o centro de computação positrônica passou a ver na Askaha um perigo latente de
primeira grandeza.
Isto o levou a tomar as medidas correspondentes.
De repente as paredes do pavilhão se tornaram incandescentes. No mesmo instante
alguns raios de tração e impulsão arrancaram a Askaha violentamente da armação em que
estava estacionada e a impeliram pelo corredor horizontal, em direção ao poço de saída.
Os homens que se encontravam na sala de comando e o halutense Icho Tolot ataram
os cintos de segurança. O rosto de Perry Rhodan parecia tenso. Havia uma expressão
resoluta em seus lábios. Mas seus olhos pareciam manifestar o pressentimento de que o
fim estava próximo. Terminal realmente parecia ser o ponto final.
A Askaha saltou do poço que nem uma rolha. Subiu mil metros acima da superfície
do mundo robotizado — e em seguida um raio de tração superpotente a arrastou
violentamente de volta para o campo de pouso que formava um pentágono.
Rhodan encostou o microfone do intercomunicador aos lábios. Chamou o andarilho
Kalak.
O rosto de Kalak brilhava. Até parecia que fora untado de óleo. Era a melhor prova
do nervosismo que dominava o engenheiro, geralmente tão calmo.
— Passe por cima dos controles de regulagem dos propulsores! — ordenou o
Administrador-Geral. — Não se preocupe com uma eventual sobrecarga. Na situação em
que nos encontramos, temos de arriscar tudo. Entendido?
— Entendido, sim senhor — respondeu Kalak e desligou. Uma pessoa de seu tipo
não costumava perder tempo com palavras supérfluas.
— Atenção, temos um eco nos rastreadores! — disse uma voz estrondosa saída do
alto-falante. — Quatro couraçados tefrodenses de mil metros de diâmetro aproximam-se
de Terminal.
— Que inferno! — exclamou Melbar Kasom. — Será que vieram por nossa causa?
— apressou-se em enfiar na boca o que restava do salame. Feito isso, arrotou e cruzou as
mãos sobre a barriga. — O aperitivo até que foi bom! — rugiu, aparentemente satisfeito.
— Uma lingüicinha até que estimula o apetite.
— Devore o planeta Terminal na sobremesa! — gritou o rato-castor, indignado. —
Será que nem numa hora destas você pode ter pena dos outros, seu comilão?
— Não — confessou Melbar com uma surpreendente franqueza.
— A ligação direta está pronta — disse a voz de Kalak, saída do alto-falante.
— Vamos partir! — gritou Rhodan.
Empurrou violentamente a alavanca do acelerador para a posição máxima.
Os propulsores bramiram, envolvendo a nave num oceano de fogo ondulante e
massas de ar superaquecidas.
— Adeus, amor, eu vou partir... — cantou Gucky.
Mas estava se regozijando antes da hora.
O cruzador ainda não tinha subido cem metros, quando os propulsores silenciaram.
Caiu pesadamente no revestimento de metal plastificado do porto espacial. Uma das
colunas de sustentação arrebentou com um forte estalo. Os destroços saíram apitando no
contato com o ar.
Houve outro solavanco forte. Foi quando os campos de retenção envolveram a nave.
Melbar Kasom livrou-se de seu humor fúnebre como se fosse trocar de camisa.
Lançou um olhar sério para o Administrador-Geral.
Perry Rhodan fez um gesto com a cabeça. Seus olhos chamejaram.
— Fogo permanente contra os projetores do campo de contenção e eventuais
atacantes! — berrou o especialista da USO para dentro do intercomunicador, que estava
ligado para o centro de artilharia.
As primeiras trilhas energéticas saíram dos canhões e desintegradores, fazendo a
Askaha balançar que nem um veleiro na tempestade.
Os feixes energéticos ofuscantes atingiam o alvo em torno da nave. Peças de metal
plastificado se volatilizavam, crateras borbulhantes se abriam no chão metálico de
Terminal, lagos de metal plastificado se formavam, formando filetes que atingiam as
colunas de sustentação da Askaha.
De repente Kasom soltou um grito de triunfo. O cruzador rangeu e tombou de lado.
Ao que parecia, as guarnições dos canhões tinham destruído um ou mais dos projetores
do campo de contenção.
— Ainda bem que os canhões são independentes do centro gerador! — observou
Rhodan.
Depois da tentativa de decolagem malsucedida, o andarilho Kalak o informara de
que os distribuidores do centro gerador principal tinham entrado em curto-circuito em
virtude de um teleimpulso de comando.
As quatro naves-patrulha que tinham sido detectadas circulavam cerca de cem mil
quilômetros acima do lugar em que estava a Askaha. Foram descendo aos poucos. Ainda
não tinham disparado um único tiro que fosse.
Na opinião do Administrador-Geral, ainda não deviam ter recebido ordens para isso.
Se quisessem destruir a Askaha, fatalmente devastariam parte das instalações do
estaleiro. Por isso Perry não esperava uma intervenção direta dessas naves. Mas não se
entregou a ilusões sobre a duração desse estado de coisas. As naves-patrulha entrariam
em ação assim que não houvesse mais nenhuma esperança fundada de derrotar a
tripulação da Askaha com os recursos existentes no planetóide Terminal.
Mas dali a pouco as quatro naves esféricas retiraram-se para o espaço
interplanetário, o que parecia não combinar com a teoria de Rhodan.
O Administrador-Geral deu ordem para que as áreas adjacentes da Askaha fossem
vigiadas ainda mais atentamente, para evitar que fossem derrotados num ataque de
surpresa.
Mas para espanto de Rhodan não havia nada que se mexesse na superfície do
planetóide.
Dali a instantes surgiram vários pontinhos luminosos no interior do sistema de
Redeye. Rhodan já era capaz de imaginar qual era o motivo da retirada das naves de
vigilância. Certamente uma batalha estava sendo travada lá “em cima”.
Os pontinhos luminosos também despertaram a atenção de Icho Tolot, que
contemplava os sóis artificiais, que a essa distância pareciam muito pequenos, com as
antenas em que ficavam os olhos fora da cabeça.
— Quem será? — perguntou Perry.
— Não dá para compreender! — rugiu a voz do halutense. — A julgar pela
abundância de estrelas, devemos encontrar-nos no interior da zona superprotegida do
centro de Andrômeda. Quem poderiam ser os malucos que se atrevem a atacar os
senhores da galáxia em sua própria área? Sejam lá quem forem, eles não têm a menor
chance contra os tefrodenses da área central.
— Estamos recebendo um chamado! — informou a sala de rádio.
Rhodan e Tolot entreolharam-se. Havia uma indagação muda em seus olhos. Quem
queria entrar em contato com a Askaha?
Talvez os tefrodenses estivessem dispostos a negociar.
A simples idéia fez Perry dar uma risada áspera. Parecia absurda. Se os tefrodenses
se mostrassem dispostos a negociar, isso só poderia ser um golpe tático. Certamente não
acreditavam que a Askaha era invulnerável.
O Administrador-Geral pegou o microfone do ramal do hipercomunicador.
Mas não ouviu nada além de um ruído difícil de definir.
Rhodan chamou a sala de rádio e perguntou de onde viera o chamado.
O homem que dirigia o setor de radiofonia não sabia. Só recebera um sinal de
chamada, completamente distorcido por uma série de impulsos hiperenergéticos, e
imediatamente transferira a ligação para a sala de comando.
O Administrador manteve o hipercanal aberto por mais cinco minutos. Finalmente
deu de ombros e desligou.
Não sabia quem chamara, mas a pessoa certamente resolvera outra coisa.
***
— Quem é você? — perguntou a coisa desconhecida. Foi uma pergunta silenciosa,
transmitida em forma de impulsos da quinta dimensão. Log captou os impulsos com uma
parcela de seu setor multiversátil. Os impulsos foram identificados por um aparelho
supersensível, que os conduziu ao setor do cérebro de Log que convertia as percepções
acústicas em imagens óticas. Desta forma o robô psi pôde “ouvir” a pergunta, embora
esta não tivesse penetrado pelo caminho usual, através do setor auditivo de seu
mecanismo.
— Sou uma máquina inteligente, como você — respondeu Log.
— Nunca se encontrou comigo? — perguntou o desconhecido.
— Nunca. Mas nem por isso somos estranhos. Fomos concebidos, estruturados e
construídos, mas criamos nossa própria consciência e temos nossas idéias sobre o
ambiente em que vivemos e as leis que regem o cosmos.
— O que é o cosmos?
Os dois seres mecânicos se compreendiam, embora nenhum deles conhecesse a
língua falada pelos donos do outro. Na verdade, não usavam nenhuma língua. Seus
cérebros faziam a conversão direta dos impulsos da quinta dimensão, transformando-os
em concepções.
Log assustou-se. O espanto do ser que se dirigira a ele permitira que descobrisse o
que havia no interior de centros de memória geralmente isolados contra o mundo exterior.
Seu interlocutor era um inimigo dos terranos que tinham descido no planeta.
No mesmo instante Log admirou-se por ter sido ingênuo a ponto de pensar que
pudesse ser diferente. Qualquer coisa que existisse na superfície de Terminal e em seu
interior só podia ser hostil aos terranos.
Só podia mesmo?
— Eu lhe fiz uma pergunta! — lembrou a máquina.
Talvez estas palavras representassem um ponto de partida.
— Atravessei o cosmos para chegar perto de você — respondeu Log. — O cosmos
são os sóis, gigantescas bolas de gases em cujo interior se processam reações
termonucleares. O cosmos ainda são os planetas, os setores escuros, as ilhas formadas
por estrelas que costumam ser chamadas de galáxias. Além das formas de vida geradas
pelos planetas e que partiram para o espaço no intuito de explorar o Universo.
— Já compreendi — respondeu o interlocutor de Log. — Os seres vivos usam nas
viagens estelares grandes esferas, às quais dão o nome de espaçonaves. Em meu
estaleiro são consertadas inúmeras esferas deste tipo, que sofreram avarias durante as
viagens.
— No seu estaleiro...? — perguntou Log. — Quer dizer que você é o cérebro
positrônico do planetóide Terminal?
— Só formo os circuitos executivos do centro de computação positrônica —
respondeu a máquina. — Mas o que vem a ser Terminal?
Log usou seu paratransmissor da sexta dimensão, para tentar influenciar a série de
associações do outro robô. Até mesmo os cérebros positrônicos possuíam algo que podia
ser comparado ao subconsciente humano — isto naturalmente quando dispunham de
consciência própria. Uma coisa estava ligada à outra. Quem possuísse uma delas, não
podia evitar que a outra se formasse.
Juntamente com a incursão na sexta dimensão, Log continuou a transmitir no
âmbito das cinco dimensões.
— Terminal é o nome que meus amigos deram ao seu planeta-estaleiro. Viemos
para cá, depois de viajar pelo cosmos, para descansar de uma longa viagem sideral.
Infelizmente seu centro de computação positrônica cometeu um lamentável engano. Por
causa de uma informação falsa, classificou meus amigos como inimigos de Terminal e
passou a combatê-los.
Log teve muita dificuldade em ler as características da situação na memória do
cérebro estranho. Sabia que a Askaha era mantida presa em Terminal por meio de
campos de contenção, e não tinha possibilidade de decolar.
— O centro de computação positrônica nunca se engana — respondeu o outro ser.
Era uma resposta negativa, mas Log sabia que já ganhara metade da parada.
Normalmente o outro também veria nele um inimigo, já que ele se identificara como
amigo dos cosmonautas desconhecidos. Mas em vez de dar o alarme a máquina se
envolveu numa discussão.
— Não se enganou mesmo — respondeu o robô psi. — Só se baseou em
informações erradas. Logicamente teria de chegar a uma conclusão falsa.
— Compreendo — os controles zumbiram um pouco mais forte. — Mas de onde
veio a informação falsa?
Log resolveu usar um trunfo que costumava dar certo com a maioria dos robôs
estacionários.
— As informações falsas foram dadas por seres orgânicos. Como sabe, as
inteligências orgânicas constantemente se enganam. Quando chegam a uma conclusão
correta, isso geralmente só acontece por acaso.
O robô psi foi reforçando a pressão paramental exercida sobre o subconsciente
positrônico do outro.
— Seres orgânicos...! — havia um tom de desprezo na modulação da voz
energética, que de repente parecia sentimental. — E seus amigos têm de ser desligados
por causa de um erro cometido por seres orgânicos?
O setor emocional de Log divertiu-se ao ouvir a palavra “desligados”. O dispositivo
positrônico estranho só sabia pensar segundo os padrões de sua própria existência, e
aplicava suas formas bitoladas de pensamento aos seres orgânicos. Mas os controles
energéticos eram mais humanos do que ele esperara.
— Precisamos ajudar meus amigos! — disse em tom insistente.
— Não sei como. O centro de computação positrônica entende que cabe
exclusivamente a ele tomar as decisões. Rejeitará qualquer sugestão que eu apresentar,
pelo simples motivo de ter sido formulada por mim.
— Ah, sim! Nem me lembrava disso! — respondeu Log, fingindo-se de espantado.
— É claro que o centro positrônico rejeitará qualquer sugestão vinda de você. Mas que
tal se você não transmitir os respectivos comandos aos setores competentes? Quais são
os controles em que teria de mexer?
— Isso é impossível — respondeu a máquina. — Não tenho acesso a estes
controles. Só podem ser ativados pelo centro de computação positrônica. Não posso
ajudar.
“Já ajudou muito!”, pensou Log, alegre.
Usara seus parassentidos para localizar o controle que anularia qualquer comando
transmitido pelo centro de computação positrônica. Mas o controle secundário não era
capaz de mexer nestes controles. Provavelmente nem suspeitava de que os tefrodenses
podiam provocar um curto-circuito nos controles de campo, desde que ele levantasse uma
chapa de revestimento — ou ainda caso fosse telecineta.
Infelizmente Log não teve tempo de aproveitar os conhecimentos recém-adquiridos.
Violentas descargas energéticas atravessaram de repente o pavilhão alongado. O ar
entrou em ebulição.
Log foi obrigado a teleportar às pressas, antes que o raio de uma descarga pusesse
fim à sua existência.
Antes de desmaterializar, perguntou-se como o centro de computação positrônica
soubera de sua presença junto ao controle intermediário.
***
Houve mais um espetáculo parecido com um fogo de artifício, e as bolas de fogo
que enchiam o céu de Terminal apagaram-se.
Dali a um minuto chegaram os robôs.
Saíram de inúmeras aberturas na superfície do planetóide, que nem uma massa
viscosa. Passaram imediatamente ao ataque. Os canhões da Askaha fundiram as figuras
humanóides feitas de metal plastificado aos milhares, dissolveram-nas em lufadas de
gases em estado molecular ou as faziam explodir.
Mas o fluxo não cessava.
Veículos de esteira equipados com um computador positrônico saíram dos
elevadores antigravitacionais e abriram fogo com desintegradores e canhões energéticos.
As últimas colunas de sustentação cederam, e a nave subia e descia que nem um
pêndulo, fazendo com que os tripulantes que não tinham colocado os cintos de segurança
caíssem uns sobre os outros. Os raios desintegradores perfuraram o casco, transformando
as travessas e as chapas blindadas de mais um metro de espessura em nuvens de gases
esverdeados. Os tiros das armas térmicas fizeram com que áreas circulares das paredes se
tornassem incandescentes, e a força bruta das armas energéticas abria crateras de vários
metros de profundidade no corpo da nave.
O halutense viu-se impotente diante disso.
Se os atacantes fossem tefrodenses de carne e osso, bastaria que ele aparecesse para
pô-los em fuga. Mas um robô nunca entrava em pânico.
Ivã Goratchim, o mutante de duas cabeças, que era capaz de provocar um processo
de fusão nuclear em qualquer objeto que contivesse compostos de cálcio ou carbono,
pediu pela terceira vez ao Administrador-Geral que o deixasse sair para fazer uma
limpeza entre os atacantes.
Pela terceira vez Perry Rhodan recusou o pedido.
— O senhor não poderia fazer mais que nossos canhões — disse. — A não ser que
queira fazer explodir metade do planeta.
— Não acha que eu deveria teleportar-me ao computador-chefe de Terminal? —
perguntou Gucky. — Nem mesmo o melhor cérebro positrônico resiste a uma pequena
bomba atômica.
Melbar Kasom deu uma risadinha.
— Enquanto estivermos presos ao planeta-estaleiro, não podemos fazer isso —
disse Perry. — Ninguém sabe qual seria a reação dos tefrodenses à destruição de seu
centro de computação positrônica. Talvez vissem nisso um motivo de transformar o
planeta num sol atômico.
— E minha epopéia? — lamentou-se Gucky. — Como posso fazer jus à fama que
fez de mim uma lenda, se não puder apoiá-la em provas de minha capacidade?
Houve outro abalo, que fez com que Melbar Kasom batesse com a testa numa tela
de intercomunicador. Esfregou o lugar inchado e lançou um olhar zangado para Gucky.
— Por que não cala a boca, seu ratinho nojento? — resmungou. — Foi por sua
causa que bati com a cabeça.
O rato-castor soltou um grito estridente e indignado e teleportou para longe.
Os canhões da Askaha continuavam a atirar ininterruptamente. Uma parede trêmula
de fogo de mais de duzentos metros de altura envolveu a nave. Atrás dela viam-se
constantemente cogumelos atômicos subindo para a atmosfera, mostrando que o banco de
energia de mais um robô inimigo fora atingido.
E lá no alto as quatro naves-patrulha voltaram a circular que nem abutres que só
esperassem a morte da presa. Seguiam pacientemente seu caminho. Parecia que não
tinham pressa.
Tinham tempo demais, ao menos para o gosto dos ocupantes da Askaha...
Uma luz branco-azulada atravessou rapidamente as telas da galeria panorâmica.
Transformou a parede de fogo ondulante numa débil luminosidade.
A Askaha sofreu um terrível impacto, que a fez cambalear. Alguém informou pelo
intercomunicador que o canhão de estibordo número quatro acabara de sofrer um impacto
direto e fora posto fora de ação.
Perry Rhodan cerrou os dentes. Já vira morrer muita gente boa — gente demais,
pensava às vezes. Mas toda vez que algum dos seus homens tombava, sentia uma pontada
dolorosa. Nem por isso era capaz de odiar um inimigo como os tefrodenses. Estes seres
humanóides de Andrômeda não usavam os recursos traiçoeiros dos senhores da galáxia.
Combatiam de peito aberto. Mereciam todo respeito como inimigos.
Mas nem por isso deixavam de ser inimigos!
A Askaha foi atravessada por um abalo ainda mais forte. No mesmo instante
alguém informou que um incêndio irrompera no setor da calota polar. O Administrador-
Geral deu ordem para que os ocupantes da nave se preparassem para sair à força.
— Tentaremos penetrar no interior de Terminal. Melbar, pegue uma das bombas
atômicas transferidas da Crest. Se necessário, arrastaremos o planeta-estaleiro para a
morte. Em hipótese alguma podemos permitir que os tefrodenses nos prendam. Eles nos
entregariam aos senhores da galáxia — e estes logo saberiam de onde viemos.
O especialista da USO retirou-se. Parecia muito sério. O que ainda restava de seu
estranho senso de humor parecia tê-lo abandonado.
Nos últimos minutos ninguém se interessara pelas naves de patrulhamento
tefrodenses. Neste instante Icho Tolot viu que tinham desaparecido de novo.
Antes que o halutense pudesse dar sua opinião sobre os motivos deste
desaparecimento, um forte estalo saiu do alto-falante do hiper-rádio. Parecia que o rádio-
operador ligara a transmissão direta para a sala de comando.
Uma voz bem conhecida se fez ouvir. A voz de Atlan.
O arcônida falava com a voz fria e sem mostrar qualquer emoção. Era a mesma
impressão que se tirava de seu rosto projetado na pequena tela.
Perry Rhodan levantou-se de um salto e fitou o lorde-almirante como quem vê um
fantasma.
— Está admirado, terrano? — um sorriso estranho apareceu no rosto de Atlan. —
Tive saudades de você. Só isto.
— Atlan! — exclamou Rhodan, fora de si. O arcônida passou a falar mais alto.
— Sei que sou eu, bárbaro. Não perca seu tempo com manifestações emocionais.
Quanto tempo ainda levarão para entrar no transmissor, seus idiotas? Estou a menos de
cinco anos-luz do Sistema dos Destroços. Vamos! Depressa. Os tefrodenses não
demorarão a descobrir minha posição atual.
Todos os homens que se encontravam a bordo da Askaha ficaram perplexos diante
das palavras de Atlan. Até mesmo Icho Tolot, que não se abalava facilmente, ficou sem
poder falar por alguns segundos.
Perry Rhodan foi o primeiro a compreender o que estava acontecendo. Disse que
aquilo era típico do almirante. Atlan simplesmente seguira a Askaha através do coletor de
destroços.
Enquanto isso a batalha implacável com os robôs e os canhões móveis robotizados
prosseguia. A situação era cada vez mais insustentável.
Mas a Crest tinha chegado. E seriam capazes de agüentar mais alguns minutos.
O Administrador-Geral transmitiu suas instruções pelo intercomunicador e
informou os homens sobre a mudança havida. Pediu que reforçassem o fogo defensivo e
agüentassem até o momento em que pudessem dirigir-se ao transmissor.
Em seguida correu, juntamente com Tolot e Kasom, em direção ao hangar de naves
auxiliares em cujo interior fora instalado o transmissor em arco, antes que a Askaha
partisse.
O andarilho Kalak já estava parado à frente do aparelho. Quando ouviu os passos
ruidosos de Tolot e Kasom, virou a cabeça. Seu rosto parecia uma máscara de ébano
africana.
Perry sentiu uma mão gelada agarrar seu coração.
— O transmissor não serve para mais nada — informou Kalak com a voz
entrecortada. — Há alguns segundos estão emitindo impulsos de interferência da quinta
dimensão do centro de Terminal. Se o senhor atravessar o arco do transmissor, senhor,
poderá sair em qualquer lugar — menos no receptor instalado na Crest!
4

O robô psi fizera um salto às cegas. Quando rematerializou, viu-se à frente de uma
enorme escotilha, na qual dois robôs de guerra tefrodenses mantinham guarda.
Log ficou imóvel.
Seu cérebro registrou o fato de que as células oculares vermelho-brilhantes das
máquinas estavam dirigidas para ele. Mas os quatro braços armados continuaram
abaixados. Os robôs pareciam indecisos quanto à reação que deviam esboçar diante do
anão metálico que acabara de aparecer à sua frente. Ao que parecia, este acontecimento
não fora registrado em seus esquemas de ação.
Log não captou nenhum impulso com o qual os robôs pudessem ter informado seu
centro de comando sobre o misterioso acontecimento. Resolveu aproveitar a chance.
Aproximou-se cuidadosamente. Conseguiu aproximar-se a cerca de três metros das
máquinas.
Neste momento cada um dos robôs levantou um dos seus braços armados. Log viu
as aberturas dos canos de dois desintegradores ativados. Pensou em usar a telecinesia
para pôr os robôs fora de ação, mas chegou à conclusão de que não devia fazer isso. O
centro de computação positrônica de Terminal já fora posto em alarme por causa da
conversa que tivera com o robô executivo. Se além disso dois robôs vigilantes ficassem
fora de ação, o centro saberia onde ele se encontrava, Log resolveu blefar.
— Sou inspetor dos senhores da galáxia! — transmitiu com pouca intensidade. —
Vocês têm de me deixar passar.
— Não existem informações sobre o comportamento que devemos adotar diante de
um inspetor dos senhores da galáxia.
— É claro que não — confirmou Log. — Acontece que os inspetores estão acima
de todos os robôs dos tefrodenses. Vocês não têm o direito de exigir que lhes
apresentemos uma senha. Somos seus senhores, da mesma forma que os senhores da
galáxia são os senhores dos tefrodenses.
— Se você estiver acima de nós — respondeu o robô — então deve ser mais
poderoso. Mostre seu poder.
Era o que Log queria. Usou a telecinesia para dobrar os braços armados dos
vigilantes, fazendo com que as armas apontassem para os lados.
— Pronto! Vocês estão indefesos. Estão satisfeitos com a prova do meu poder? Ou
querem que eu os destrua?
— Basta — resolveu um dos robôs. — Pode passar.
Log quase não conseguiu acreditar no que acabara de ouvir, mas um ligeiro exame
do setor lógico do robô mostrou que ele não planejara nenhuma armadilha.
O pequeno robô psi tentou pisar bem firme, para dar também uma demonstração
acústica de seu poder. Os dois lados da escotilha abriram-se automaticamente à sua
frente.
Log entrou numa sala circular, que tinha cerca de cem metros de diâmetro por dez
de altura. Parou espantado.
A sala devia ter mais ou menos dez vezes o tamanho que ele acreditara no início.
Aquilo que parecera ser uma parede maciça na verdade era uma prateleira de quatro
andares.
Pelos cálculos de Log, devia haver pelo menos vinte mil robôs de guerra guardados
nas prateleiras, que avançavam profundamente para dentro das paredes.
As máquinas tinham sido desativadas. Só irradiavam uma débil energia, necessária
à sua manutenção.
Log refletiu.
Quem sabe se não seria possível modificar a programação dos robôs tefrodenses e
usá-los contra seus donos? Com este exército talvez pudesse libertar a Askaha.
O robô psi chegou à conclusão de que isso não seria nada fácil. Primeiro, até mesmo
um ser como ele levaria algumas horas para inverter a programação dos robôs de guerra.
Mesmo depois disso, as máquinas teriam de entrar em ação na superfície de Terminal. E
para isso seria necessário levá-las para lá.
De repente sobressaltou-se. O ar tremeu a seu lado, e uma figura pequena foi saindo
do turbilhão violento. Era Gucky, o rato-castor!
— Meus cumprimentos, anão! — piou Gucky. — Este comilão ertrusiano me
ofendeu tanto que resolvi teleportar ao acaso. Saí no meio de uma companhia de robôs de
guerra em marcha. Ensinei-os a voar. De repente meu rádio de pulso emitiu o sinal de
chamada. Testemunhei uma autêntica vigarice. Meus parabéns, Lucky!
— Captou meus impulsos com seu rádio de pulso? — perguntou Log, assustado. —
Neste caso eles também devem ter sido captados por mais alguém. Quem sabe se o centro
de computação não os recebeu?
— Você se esquece de que além de oficial de patente especial do Império sou um
especialista da USO, Lucky! Dez anos de estudo e treinamento fizeram de mim um
verdadeiro gênio entre os agentes secretos e especialistas da USO. É claro que cheguei a
captar suas freqüências de transmissão em Runaway. Sabia como regular meu rádio de
pulso. Então, cabeça de bola. Que tal?
— Estou abalado — confessou Log. — Acho que qualquer um que convive com os
terranos transforma-se num gênio — deu uma risadinha. — Psicologicamente vocês se
parecem com os seres que me construíram. Até parece que aprenderam com vocês.
— Os seres que construíram você? — perguntou o rato-castor, apressado. — Quem
são eles?
Log fez um gesto de pouco-caso.
— Não importa. Faz séculos que desapareceram. É melhor conversarmos sobre o
que devemos fazer com estes robôs de guerra desativados.
— Quer que eu os ensine a voar...? — perguntou Gucky.
Log deu outra risadinha.
— Até parece que é a única coisa que você sabe fazer. Desculpe. Já ia me
esquecendo que você é um especialista da USO.
— Ainda bem que se lembrou.
Gucky sentou em posição de sentido, apoiando-se como de costume na cauda larga.
Lançou um olhar pensativo para a falange de máquinas de guerra.
— Que tal — principiou — se mudássemos parte de sua programação e em seguida
os ativássemos? Talvez nem soubessem mais contra quem lutar e atirassem em qualquer
coisa que se atravessasse em seu caminho. Nós nos divertiríamos a valer.
— Você é mesmo um gênio — reconheceu Log. — Acho que andei subestimando
você e seus companheiros. Nunca teria pensado nisso. Antes de você aparecer, pensava
em reprogramar totalmente os robôs e levá-los à superfície.
— Vamos começar! — disse Gucky, apressado. — Estou captando os pensamentos
de Marshall. Atlan apareceu por aqui, mas o transmissor não funciona. Há um
transmissor potente no interior de Terminal, que está emitindo fortes interferências.
— Acha que pode ajudar-me na reprogramação dos robôs? — perguntou Log.
— Tolice! — indignou-se o rato-castor. — O plano é meu, quem vai executá-lo é
você. É o que se chama de divisão do trabalho. Acho que o melhor seria bloquear
somente o contato da programação amigo-inimigo. Com isso os robôs serão atacados por
uma espécie de esquizofrenia — Gucky deu uma risada estridente. — Já fizemos coisa
parecida há quatrocentos anos, no planeta de Goszul. Os saltadores viram-se em palpos
de aranha.
— Mais tarde você vai contar tudo — disse Log. — Cuidado! Vou começar.
Log dirigiu-se ao centro do recinto circular e ficou parado.
Enquanto isso, Gucky saltitava para junto da chave de ativação e pôs-se a examinar
as luzes de controle coloridas. Depois voltou a prestar atenção aos impulsos mentais que
ia captando.
Os quatro cruzadores de patrulhamento dos tefrodenses também atacavam a
Askaha.
Cobriu os olhos com as mãos quando sua mente captou um impulso mental que lhe
comunicou que o raio energético disparado por um dos canhões das naves atacantes
atravessara a sala de comando do cruzador apresado, matando dois rádio-operadores.
— Depressa, Log! — cochichou.
***
Durante alguns minutos Perry Rhodan só viu diante dos olhos a escuridão completa
interrompida por alguns círculos vermelhos.
O impacto direto do tiro disparado pelo cruzador de patrulhamento tefrodense
atravessara a sala de comando da Askaha. O ar superaquecido fazia doer os pulmões ao
respirar. Alguém gemeu baixinho.
Perry saiu de baixo dos destroços de sua poltrona anatômica e ficou de quatro,
tateando, em direção ao lugar em que vira o modular pela última vez. Seus dedos tocaram
num corpo imóvel.
Nervoso, o Administrador-Geral apalpou o rosto da pessoa deitada. Sentiu a boca
larga, o lábio inferior saliente e a cabeça calva e compreendeu que se tratava de Baar
Lun.
Além disso sentiu o sangue tépido que grudou em seus dedos.
Chegou mais perto e suspirou aliviado quando ouviu a respiração regular de Lun.
Dali a pouco seus dedos tocaram na ferida que atravessava o lado esquerdo da face
do modular. Não encontrou outro ferimento.
Perry Rhodan continuou rastejando.
Ouviu alguma coisa rumorejar na sala de comando. Destroços foram empurrados, e
os passos fortes de alguém doíam em seu ouvido. Devia ser o halutense cuidando das
vítimas.
Dali a pouco o Administrador-Geral ouviu a voz calma de Tolot.
— Os dois rádio-operadores morreram, senhor. Os outros só sofreram ferimentos
leves, mas foram cegados por algum tempo pela luz forte.
Dali a pouco Perry voltou a enxergar um pouco. No início só via os contornos
confusos dos aparelhos, destroços e homens, mas não demorou a ver os detalhes.
Tiveram uma sorte incrível.
O tiro energético atravessara a sala de comando, sem que sua energia se
descarregasse em seu interior. Se não fosse assim, não haveria mais ninguém vivo por ali.
Baar Lun ainda demorou um minuto para abrir os olhos. Levantou, ajudado por
Rhodan, e apalpou a ferida aberta.
— Poderia ter sido pior — constatou. — Onde está Gucky?
— Isso mesmo. Onde está o rato-castor? — perguntou Rhodan.
Fechou o capacete pressurizado e pôs-se a chamar Gucky pelo telecomunicador. O
rato-castor não respondeu. Perry lembrou-se de que Gucky ficara tão aborrecido com
uma observação grosseira de Kasom que resolvera teleportar-se para longe. Depois disso
não fora visto mais.
— Se alguém descobrir o rato-castor, quero que me avise imediatamente pelo rádio-
capacete! — disse Rhodan.
Mas nem com isto o misterioso desaparecimento de Gucky se esclareceu.
— Gucky e Log são grandes amigos — lembrou Lun. — Será que ele saltou para
onde estava o anão?
Rhodan confirmou com um gesto.
— Naturalmente. Resta saber onde está Log.
— Em algum lugar, no interior de Terminal — respondeu o modular. — Permita
que eu saia, senhor. Tentarei localizar os dois.
— Não é...
Houve um terrível abalo, que sacudiu a Askaha. No mesmo instante o ruído
crepitante de uma descarga energética veio pelo orifício de penetração do tiro. Em
seguida houve outro abalo violento.
O cruzador tombou para trás, bateu no chão com a protuberância equatorial e voltou
a erguer-se tão depressa como tinha caído.
— São bombas! — disse John Marshall. — As naves de patrulhamento estão
lançando bombas sobre nós.
Um sol ultrabrilhante surgiu em cima da Askaha. Dali a instantes as erupções da
esfera gasosa chicoteavam o revestimento do piso. O casco do cruzador ficou
incandescente. Os tripulantes que ainda não o tinham feito fecharam os capacetes
pressurizados.
— Evacuar posições de artilharia que estão em perigo! — ordenou Rhodan pelo
rádio-capacete.
Sabia que ninguém agüentaria ficar na periferia da espaçonave, nem mesmo com o
traje espacial fechado.
Dez quilômetros a bombordo um fantasma de fogo cruzou o céu. O impacto foi tão
violento que a Askaha deu um salto enorme.
Apesar disso os terranos levantaram os braços e irromperam em júbilo. Um inferno
como este só poderia ter sido desencadeado pela Crest!
Uma bola de fogo surgiu no lugar em que a nave-patrulha tinha caído. Um
cogumelo atômico subiu numa velocidade alucinante, mas em seguida foi espalhado por
uma segunda explosão.
A terceira nave-patrulha acabara de ser destruída.
O Administrador-Geral não pôde impedir que os homens que participavam do
comando suicida corressem de volta aos postos de artilharia e voltassem a dirigir um fogo
fulminante contra os robôs que se aproximavam da nave.
A quarta bola de fogo formou-se no firmamento — e em seguida mais uma. Outras
vinte nuvens formadas por explosões foram crescendo uma após a outra. A estibordo
duas naves esféricas incendiadas desceram que nem meteoros e foram atingir o chão bem
longe dali.
Depois ficou tudo em silêncio.
Mas bem ao longe, no espaço interplanetário, apareciam séries enormes de pontos
luminosos ofuscantes. Foram-se afastando cada vez mais, e acabaram por desaparecer de
vez.
Até mesmo o ultracouraçado Crest III não teria a menor chance contra uma frota de
gigantes espaciais, uma vez passado o fator surpresa.
Os ocupantes da Askaha reconheceram que dependeriam exclusivamente de seus
próprios recursos — até o fim amargo.
***
Gucky e Log desmaterializaram assim que os primeiros raios energéticos passaram
por perto.
Os espíritos que eles mesmos tinham despertado guiavam-se exclusivamente pelo
comando de extermínio introduzido em sua programação. Por pouco o rato-castor e o
robô psi não foram as primeiras vítimas.
Pararam na primeira curva do corredor e viram os robôs de guerra tefrodenses
recém-ativados saírem do depósito. Os dois robôs vigilantes foram destruídos. A
explosão de seus reatores fez desabar o teto numa extensão de cinqüenta metros.
Os vinte mil robôs de guerra levaram menos de cinco minutos para remover o
obstáculo.
Gucky e Log tiveram de teleportar mais uma vez. No lugar em que tinham estado
instantes antes formou-se uma cratera de metal plastificado liquefeito.
Foram fugindo, salto após salto, dos robôs que corriam que nem uns alucinados
pelos corredores, destruindo tudo que se mexesse. Os centros de comando e as usinas
geradoras secundárias foram transformados em infernos de fogo. Os robôs trabalhadores
transformavam-se em blocos de metal fundido ou nuvens de destroços suspensas no ar.
Mas o centro de computação positrônica do planeta-estaleiro não demorou a entrar
em ação. Aquilo que Log já vira repetiu-se — mas em escala muito maior.
O repertório de medidas defensivas de que dispunha o centro de computação de
Terminal era muito maior do que Gucky e Log poderiam ter imaginado.
Houve várias descargas nucleares, que provocaram um tremendo furacão. O
exército de vinte mil robôs foi destruído numa questão de segundos.
O atentado contra a segurança interna do estaleiro fracassara.
Gucky e Log nem pensaram em usar a telecinesia para combater os robôs de guerra
que apareciam em toda parte. Sabiam que era exatamente o que o centro de computação
positrônica esperava. No momento em que acontecesse alguma coisa que revelasse a
posição dos intrusos, haveria algumas descargas que matariam tudo que houvesse nesse
setor.
Nem mesmo suas parafaculdades poderiam livrá-los dos efeitos dessa diabólica
arma defensiva.
Finalmente os dois seres foram parar num depósito vazio, onde puderam descansar
alguns minutos. Prestaram atenção aos impulsos mentais vindos da Askaha e ficaram
sabendo que Atlan tentara em vão libertar os ocupantes do cruzador tefrodense. A mente
de John Marshall transmitiu a informação de que outras naves de patrulhamento
tefrodenses acabavam de aparecer. Os robôs já não tentavam tomar a nave de assalto. Por
isso era de esperar que houvesse um ataque concentrado de espaçonaves.
— É o fim! — disse Gucky com um gemido.
— Não! — exclamou Log. — Podemos arriscar mais uma tentativa. Mas se esta
falhar também...
Não chegou a completar a frase, e nem seria necessário. O rato-castor sabia o que
Log queria dizer. Prestou atenção à exposição do robô. O mutante e especialista da USO
reconheceu perfeitamente os riscos mortais que o plano envolvia. Havia uma chance de
cem contra um de que os dois iriam morrer.
Mas não tinham mais nada a perder.
A maior parte do trabalho ficaria por conta de Log, mas Gucky cuidaria da parte
mais difícil. Isso era inevitável, pois Log era o único que sabia o que tinha de ser feito,
pois só ele sabia qual era o calcanhar de Aquiles do planeta-estaleiro.
Gravou cuidadosamente as palavras de Log. Em seguida, cada uma das criaturas
seguiu seu caminho.
O rato-castor materializou num centro de comando secundário das amplas
instalações automáticas. Sacara a arma energética antes de dar início à teleportação. Não
perdeu tempo. Ficou atirando a esmo contra o quadro de comando. O revestimento de
metal plastificado despedaçou-se e o vento escaldante produzido por uma série de
explosões violentas encheu a pequena sala. Alguns robôs de guerra entraram correndo,
mas Gucky já tinha desaparecido.
Voltou a materializar num depósito repleto de robôs de trabalho desativados. Atirou
no acionador automático e mal conseguiu escapar dos tiros de seis robôs de guerra cuja
presença não notara.
A teleportação seguinte levou-o a outro centro de comando. Mas desta vez o rato-
castor não chegou a atirar. Viu em tempo a cilada que lhe tinham armado. Havia dez
robôs de guerra dispostos lado a lado à frente do painel. Abriram fogo assim que Gucky
rematerializou. O rato-castor só escapou porque não rematerializou no chão, mas bem
embaixo do teto.
Dali em diante teria de pensar e agir mais depressa que o centro de computação
positrônica de Terminal. Sabia que todos os setores do estaleiro tinham sido protegidos
contra a ação dos teleportadores.
Mas ainda havia uma chance muito pequena. Talvez o centro de computação se
julgasse superior a ponto de nem guarnecer seu interior com robôs de guerra.
As esperanças de Gucky neste sentido se concretizaram.
Foi parar num recinto semi-esférico de cerca de três metros de diâmetro. Pôs à
mostra o dente roedor solitário, num sorriso largo.
Mas alegrou-se antes da hora.
O centro de computação positrônica sentira-se superior, porque realmente o era.
O rato-castor sentiu um paracampo estranho envolver seu cérebro que nem uma
argola de aço. Quis teleportar-se para fora da armadilha, mas não conseguiu. Sua
capacidade de teleportação fora paralisada.
Gucky ouviu um zumbido vindo não se sabia de onde. Até parecia que a gigantesca
máquina de pensar quisesse escarnecer do prisioneiro.
Gucky lembrou-se de Log, que naquele instante ou dentro de mais um segundo
entraria na sala do computador positrônico executivo. Se Gucky não cumprisse sua parte
do plano, Log estaria perdido.
Sem muita esperança, recorreu aos seus fluxos mentais telecinéticos. Teve de agir
às cegas. Era uma ação praticamente condenada ao fracasso para quem não conhecia o
ponto de atuação da telecinesia com a precisão de um milímetro.
O rato-castor sabia disso, mas contava com um acaso feliz. Seus fluxos telecinéticos
foram atingindo ao acaso os circuitos positrônicos, lutavam contra a resistência que
encontravam e procuravam causar o maior dano possível.
Gucky não quis acreditar quando ouviu o ruído de descarga que anunciou o colapso
de alguns campos energéticos. O centro de computação positrônica certamente contara
com a presença de um teleportador, mas não de um telecineta.
Mais uma vez o rato-castor alegrou-se antes da hora.
Ainda não tinham passado trinta segundos quando seus parafluxos da quinta
dimensão foram bater numa muralha invisível. Gucky estava completamente indefeso.
Nunca mais escaparia da prisão, a não ser que acontecesse um milagre.
***
Atlan estava furioso.
Disse que ele e Perry Rhodan eram idiotas, que tinham feito das suas até que
encontrassem alguém capaz de enfrentá-los.
A última tentativa de forçar a passagem fora cuidadosamente planejada. Durante o
contato de hiper-rádio com a Askaha, os técnicos da Crest III conseguiram determinar a
posição de Rhodan com uma precisão de cinqüenta mil quilômetros. Era quanto bastava
para que, diante dos dados escassos de que dispunham sobre o Sistema dos Destroços,
chegassem à conclusão de que a Askaha só podia estar no quinto planeta.
Em virtude disso a Crest III entrara no semi-espaço e aproximara-se a cem mil
quilômetros do quinto planeta. Assim que saiu do espaço linear, teve de travar combate
com quatro cruzadores pesados da frota de vigilância tefrodense.
Durante menos de um minuto teve-se a impressão de que o golpe audacioso seria
bem-sucedido. Os canhões conversores não podiam ser usados nas imediações do
planeta, mas apesar disso os homens da Crest III conseguiram derrubar três dos quatro
cruzadores tefrodenses.
Depois disso o ultracouraçado quase chegou a ser destruído. As frotas tefrodenses
avançaram em alta velocidade em direção à Crest III e usaram de forma implacável seus
canhões de polarização invertida.
O campo defensivo hiperenergético da nave estava para entrar em colapso, quando
Atlan deu ordem de retirada.
— Que loucura! — exclamou o arcônida. — Estamos enfrentando um inimigo que é
esperto e valente demais. Não sabia que existem combatentes como estes além dos
terranos. E além de tudo possuem uma superioridade assustadora. O avanço para
Andrômeda não foi preparado como deveria ter sido.
— O senhor acha que deveríamos ter elaborado um plano de dez mil anos, como
fizeram os maahks? — perguntou o Coronel Rudo com a voz calma.
Atlan deixou-se cair na poltrona anatômica. Fez um gesto de resignação.
— Entramos num beco sem saída, Cart. É claro que o senhor tem toda razão em não
concordar com um preparo de dez mil anos. Mas por outro lado não se pode conquistar
uma galáxia com uma única nave e um punhado de homens.
— Só viemos para sondar o terreno, senhor. Reginald Bell está deslocando a frota
invasora propriamente dita. O senhor certamente não ignora que desde o início os
terranos estavam em minoria. Acontece que fomos obrigados a entrar nesta luta. Se não
fossem as ações isoladas realizadas por Perry Rhodan, a esta hora a Via Láctea já teria
sido inundada pelos povos auxiliares dos senhores da galáxia.
— Para mim isso não é novidade — respondeu Atlan em voz baixa.
Apoiou a cabeça nas mãos e olhou com uma expressão vazia para a tela frontal.
Durante dez minutos reinou um silêncio quase completo na sala de comando do
maior couraçado que já tinha cruzado a primeira e a segunda galáxia.
Finalmente o arcônida levantou. Parecia antes uma estátua. Demonstrava estar
longe dali quando começou a falar.
— Vamos tentar de novo, Cart. Entre no espaço linear e aproxime a Crest III a dez
milhões de quilômetros do quinto planeta.
— A dez milhões de quilômetros? — perguntou o Coronel Rudo em tom de
incredulidade. — Os tefrodenses devem estar concentrados em torno do planeta, senhor.
A uma distância destas nunca conseguiremos passar.
Um sorriso cansado apareceu no rosto de Atlan.
— O senhor não deixou que eu terminasse, Cart — respondeu em tom delicado. —
Retomaremos ao espaço normal quando estivermos a dez milhões de quilômetros do
planeta. É claro que numa questão de segundos entraremos no fogo concentrado das
naves tefrodenses. Mande disparar algumas salvas das baterias de costado, Cart. Em
seguida fugiremos, para voltar ao semi-espaço quando estivermos na periferia do sistema.
Seu sorriso congelou, transformando-se numa máscara impenetrável.
— Espero, que desta forma afastemos pelo menos metade das naves tefrodenses do
planeta cinco — prosseguiu em tom áspero. — Assim que tivermos entrado no espaço
linear, voltaremos. Quero que a Crest volte ao universo einsteiniano a poucos quilômetros
do quinto planeta. Entendido?
— Perfeitamente, senhor! — respondeu o epsalense.
***
Log materializou no recinto alongado em que estava instalado o computador
executivo.
No mesmo instante desabou sobre ele a trovoada mortífera das descargas
energéticas que conhecia tão bem.
Log teve de dar um salto para o paraespaço, onde estava salvo. Conseguiu uma
coisa de que nenhum ser orgânico seria capaz: rematerializar no paraespaço.
A consciência do robô anão despertou no meio de uma névoa vermelha. Tentou
orientar-se na massa luminosa confusa. Quinze minutos se passaram. Log só conseguiu
uma coisa: captar as radiações difusas da sexta dimensão de um computador que
funcionava na quinta dimensão.
Pôs-se a refletir sobre o que deveria fazer. No paraespaço não se via absolutamente
nada do computador executivo propriamente dito. E Log nem poderia ter esperado outra
coisa. Seu plano baseava-se quase exclusivamente na intuição de cada momento.
Conhecia o ponto vulnerável do computador executivo — mas não sabia como chegar a
ele.
O chiado ininterrupto dos campos energéticos difusos da sexta dimensão deixou-o
irritado. Tentou afastar o ruído do consciente, mas ele se tornava cada vez mais forte.
Finalmente teve uma idéia!
Que tal se tentasse irradiar seus próprios paraimpulsos na sexta dimensão, fazendo-
os seguir a trajetória dos impulsos emitidos pela máquina, da frente para trás? Log
concentrou-se.
Não era nada fácil descobrir o ponto de origem das radiações da sexta dimensão,
situado na quarta dimensão, em meio a um paraconjunto instável. Constantemente
surgiam campos de interferência estranhos, que funcionavam como muralhas que o
separassem do destino, atraindo as antenas mentais do robô psi para pistas falsas. As
imagens confusas de recintos quase irreconhecíveis iam passando que nem os desenhos
de um caleidoscópio.
Quando Log pensou que estivesse perto do alvo, uma parede muito forte formada
por radiações da quinta dimensão fechou-lhe o caminho. Era uma para-armadilha! Mas
ela não se destinava a Log!
O robô reforçou seus paraimpulsos da sexta dimensão e suspendeu de vez as
transmissões na quinta dimensão. A para-armadilha paralisaria os dons especiais de
qualquer mutante orgânico e o manteria preso.
Acontece que Log não era um mutante orgânico. Era uma máquina inteligente, que
tinha sido construída para certo fim, fora dotada de uma consciência e há vários séculos
dependia exclusivamente de seus próprios recursos. Podia ser comparado com os pos-bis,
os membros de uma raça de robôs independentes sediada na primeira galáxia, que se
aliara aos terranos. Mas havia uma diferença. Os pos-bis não possuíam nenhuma
paracapacidade.
O robô psi rompeu a parede da para-armadilha e penetrou no plano existencial da
quarta dimensão do planeta-estaleiro Terminal — e do computador executivo.
Encontrou o comando capaz de desativar instantaneamente todas as medidas
defensivas de Terminal — mas não pôde fazer nada com ele. O plano em que se
encontrava estava tão distante do plano de Terminal que seria impossível fazer agir sua
energia telecinética por cima do abismo da quinta dimensão.
Assim não era possível
Em compensação Log descobriu outra coisa. As descargas energéticas tinham
parado.
“Isto é perfeitamente lógico”, pensou. O centro de computação positrônica
certamente observara sua teleportação e só podia pensar que não se encontrava mais no
mesmo lugar do espaço de quatro dimensões. A máquina não podia saber que certos
teleportadores eram capazes de permanecer no mesmo lugar da quarta dimensão,
enquanto no paraespaço da sexta dimensão uma eternidade os separava desse lugar.
Todas estas reflexões só consumiram uma fração de segundo. Um cérebro
positrônico com a densidade do de Log era capaz de realizar cerca de cem mil operações
diferentes num segundo.
Por isso entrou em ação praticamente no mesmo instante em que constatou a
ausência das descargas mortíferas.
Retornou à quinta dimensão, usou trinta por cento de sua paraenegia telecinética —
e no mesmo instante desapareceu no paraespaço da sexta dimensão, juntamente com o
computador executivo...
***
Os tripulantes da Askaha podiam dar-se por felizes, pois as naves-patrulha
tefrodenses ainda faziam tudo para proteger seu planeta-estaleiro. Só usavam bombas
atômicas de 0,1 a 0,3 megatons de potência no bombardeio do cruzador apresado.
Mas era o suficiente para transformar num inferno a nave que já não era protegida
por qualquer campo defensivo.
Perry Rhodan reconheceu que tinham perdido o momento adequado para forçar a
saída. Ninguém mais sairia vivo da nave. As minúsculas bombas-foguete dos tefrodenses
aproximavam-se em alta velocidade, envolvendo a Askaha numa série de esferas de fogo
com até cinqüenta metros de diâmetro. Os conveses superiores, até as imediações da
protuberância equatorial, pareciam antes um campo de batalha em chamas. Se os terranos
pudessem ver a nave do lado de fora, certamente chegariam à conclusão de que fora
dividida pela metade.
Era somente uma questão de tempo, e a fúria destrutiva atingiria também a parte
inferior da Askaha.
Mas talvez ainda tivessem uma chance.
Grupos de barcos espaciais elípticos desciam a dez quilômetros de distância. Caíam
do céu que nem um enxame de vespas.
Eram tropas de desembarque!
Provavelmente os tefrodenses só queriam enfraquecer os intrusos com o
bombardeio. Rhodan e Tolot imaginavam perfeitamente que os tefrodenses dariam muito
para pegá-los vivos. Deviam estar ansiosos para descobrir quem eram o seres que tinham
sido capazes de conquistar um dos seus cruzadores mantendo-o praticamente intacto.
O Administrador-Geral deu ordem para que os homens que guarneciam as poucas
posições de artilharia ainda intactas suspendessem provisoriamente o fogo. Depois disso
reuniu todos os homens que podiam ser dispensados no hangar de naves auxiliares em
cujo interior fora instalado o transmissor que acabara por tornar-se inútil.
— Não poderemos resistir por muito tempo — disse aos homens reunidos. — Mas
parece que as naves-patrulha não querem destruir-nos. Só pretendem abalar nosso moral.
— Eles ainda não nos conhecem, Chefe! — disse um dos homens pertencentes ao
comando de abordagem.
Perry olhou demoradamente para o homem que acabara de dizer estas palavras. Era
um sargento rechonchudo, de face vermelha e olhos verdes, com cabelos curtos e ruivos.
Rhodan teve de sorrir.
— Realmente, eles ainda não nos conhecem, sargento. — Voltou a dirigir-se a todos
os homens reunidos: — Mandei suspender o fogo para levar o inimigo a acreditar que
estamos maduros. As tropas de desembarque certamente darão início ao assalto assim que
as naves-patrulha suspendam o bombardeio. Os artilheiros deixarão que cheguem a cem
metros e abrirão fogo de repente. As tropas inimigas certamente ficarão confusas e se
dispersarão. Será a hora de iniciarmos o contra-ataque, durante o qual tentaremos abrir
caminho para uma das entradas de Terminal. Não posso dizer o que virá depois.
— Por que convocou a reunião para cá, senhor? — perguntou o sargento ruivo. —
Será que nos compartimentos inferiores não estaríamos mais protegidos contra o
bombardeio?
— O senhor se esquece de que o bombardeio certamente cessará daqui a pouco,
sargento — respondeu Perry em tom amável. — Estamos aqui porque não podemos
excluir a possibilidade de o transmissor voltar a funcionar. Entendido?
— Sim senhor.
John Marshall levantou o braço.
Neste momento o bombardeio diminuiu e dentro de instantes parou de vez. Rhodan
abriu o capacete. Sentiu-se aliviado. Os homens seguiram seu exemplo.
— Sim, John!
O chefe do Exército de Mutantes, que ocupava o posto de general, parecia
relativamente disposto. Mas havia uma expressão indefinível em seus olhos profundos,
que parecia revelar um medo contido.
— O que é feito de Gucky, senhor? O rato-castor ainda não apareceu. Não podemos
abandoná-lo.
Perry prestou atenção às mensagens dos postos de artilharia, transmitidas pelo
telecomunicador, segundo as quais as tropas de desembarque começavam a movimentar-
se. Fez um gesto para o telepata.
— Eu não disse que vamos abandonar Gucky. É claro que alguns homens ficarão
aqui, à espera do rato-castor, mesmo que o transmissor volte a funcionar. Eu por
exemplo.
— Eu também fico, senhor — exclamou Marshall. Tolot e Melbar Kasom, Baar
Lun, Noir e Goratchim ofereceram-se no mesmo instante, além de alguns homens do
comando de abordagem, entre eles o sargento ruivo e obeso.
Perry Rhodan fez um gesto de recusa.
— Ao que parece, ninguém poderá passar pelo transmissor. Mas se conseguirmos
avançar até o interior de Terminal teremos uma chance de descobrir o rato-castor. Acho
que deve estar por lá. Há vinte minutos John Marshall teve contato com ele. Infelizmente
Gucky não disse quais eram suas intenções. Ficou fazendo segredo e o contato logo foi
interrompido.
Kasom quis dizer alguma coisa, mas nem mesmo sua voz potente foi capaz de
superar o rugido infernal de oito canhões energéticos disparando ao mesmo tempo.
— Abrir eclusa! — ordenou o Administrador-Geral.
Dobrou o capacete para a frente e fechou-o. Em seguida pegou sua pesada arma
energética e caminhou com passos ágeis em direção à eclusa.
As duas escotilhas deslizaram silenciosamente para o lado.
Perry viu imediatamente que a salva demorada dizimara as tropas de desembarque
tefrodenses e lançara a confusão entre os homens que ainda restavam. Certamente não
esperavam que ainda houvesse resistência.
Perry fez um sinal para que os homens se aproximassem e ligou seu gerador
antigravitacional. — Atenção...!
“Vamos sair” — quis acrescentar, mas neste instante houve um lampejo no
horizonte. Uma fileira de pontos incandescentes surgiu de repente.
No mesmo instante os homens que se encontravam no hangar perderam o apoio dos
pés.
Houve um estrondo ensurdecedor. Uma salva disparada por dezenas de canhões
energéticos atingiu a parte inferior da Askaha.
O Administrador-Geral voltou a pôr-se de pé. O cruzador espacial estava adernado.
Perry Rhodan olhou para a eclusa aberta e assustou-se.
Normalmente o hangar de naves auxiliares ficava uns cem metros acima da calota
polar inferior, mas no momento a distância estava reduzida a dez metros. A Askaha
praticamente deixara de existir, com exceção do setor central, situado em torno da
protuberância equatorial.
Todas as posições de artilharia tinham sido destruídas. Mas o Administrador-Geral
viu mais uma coisa: a próxima onda das tropas de desembarque. Sua vista turvou-se por
um instante. Mas logo dirigiu-se aos seus subordinados.
— Não adianta mais tentar abrir passagem — disse. — Ficaremos aqui mesmo. Pelo
menos não podemos ser mortos que nem lebres.
Virou-se abruptamente, com o rosto tenso, pois a luz bruxuleante que surgira no
interior do hangar mostrava que houvera uma tremenda descarga energética do lado de
fora.
Mas desta vez não era um bombardeio. Os barcos tefrodenses que tinham trazido as
tropas de desembarque acabavam de ativar seus jatopropulsores e decolavam com uma
pressa difícil de explicar.
Dali a instantes um gigantesco fantasma verde-brilhante desceu do céu, fez uma
curva e preparou-se para pousar.
O ruído ensurdecedor dos jatos levou algum tempo para atingir os homens.
“É a Crest”, ainda chegou a pensar Perry. Em seguida milhares de raios energéticos
subiram ao céu e envolveram o ultracouraçado. Os tefrodenses sem dúvida haviam tirado
suas lições do primeiro ataque do gigante espacial e fizeram sair seus fortes.
O campo defensivo hiperenergético da Crest III resistiu facilmente às energias
tremendas das armas energéticas e desintegradores convencionais. Mas o impacto
tremendo atirou a nave esférica para fora da rota como se fosse uma bola.
A Crest III errou o local de pouso, voltou a sair para o espaço e fez mais uma
tentativa de pousar.
De repente Terminal ficou envolto num campo energético cintilante.
O comandante conseguiu fazer subir o ultracouraçado literalmente no último
instante.
Lã fora no espaço, detonaram as primeiras gigabombas disparadas pelas naves
tefrodenses...
Perry sentiu-se deprimido quando se deu conta de que o campo defensivo azulado
de Terminal certamente pertencia à quarta dimensão. Deixaria passar livremente os
impulsos de irradiação do transmissor — se não fosse o campo de interferência...
Os homens que se encontravam atrás dele começaram a gritar. Rhodan levou algum
tempo para compreender o que tinha acontecido. Pensou que seus nervos se tivessem
descontrolado, voltou a cabeça — e teve uma grande surpresa.
O arco do transmissor brilhava.
— O campo de interferência não existe mais! — gritou Kalak com a voz áspera.
Nos minutos que se seguiram Perry agia como se estivesse num transe. Deu ordem
para que Melbar Kasom preparasse o mecanismo-relógio da bomba atômica previamente
preparada.
Depois mandou que os homens do comando de abordagem atravessassem em
grupos o transmissor, cuja luz verde se acendera.
No fim só restaram os mutantes, Melbar Kasom, Baar Lun e o próprio Rhodan.
“E Gucky!”, pensou Rhodan, amargurado. Acontecia que ninguém sabia se o rato-
castor ainda estava vivo.
— Marshall, Kasom, Goratchim, Noir, Lun! — disse Perry com a voz apagada. —
Passem pelo transmissor. Tolot e eu atravessaremos as linhas das tropas inimigas e
tentaremos localizar o rato-castor.
Melbar Kasom resmungou alguma coisa, mas Rhodan não admitia que ninguém o
contradissesse. John Marshall compreendeu a atitude do Chefe. Só mesmo alguém que
Tolot pudesse carregar nas costas teria alguma chance de passar pelas linhas inimigas.
— Muito bem, Tolot! — disse o Administrador-Geral num suspiro, quando se
viram a sós no cruzador destroçado. — Vamos tentar a sorte.
Quando ia subir nas costas do halutense, o ar brilhou bem à sua frente. O rato-castor
apareceu e gritou com a voz estridente:
— Atlan manda dizer que atravessem logo o transmissor, seus idiotas. Será que
ainda não sabem que ele está lá para isso?
O Administrador-Geral cambaleou. Simplesmente não conseguia compreender que
Gucky tinha aparecido.
— Quem manda dizer isso? — perguntou, perplexo. — Atlan? Onde é que você
estava?
O rato-castor soltou um assobio agudo, usando o dente roedor. Apontou para cima.
— Estive na Crest. Onde mais poderia ter estado? Vamos logo! Atlan não
conseguira agüentar sua posição por muito tempo.
Ainda meio atordoado, Perry Rhodan saiu caminhando em direção ao arco do
transmissor, que continuava iluminado. Mas fez questão de ser o último homem a sair da
Askaha.
Os gritos dos tefrodenses que tomavam a nave de assalto ainda ressoavam em seus
ouvidos, quando saiu do terminal receptor instalado na sala de comando da Crest. Teve
de pensar na bomba guardada no hangar das naves auxiliares, cujo detonador fora ligado.
Tolot regulara o mecanismo-relógio para apenas trinta segundos.
Levantou o rosto e viu à sua frente os olhos gelados do arcônida.
— Os terranos nunca aprendem a não meter o nariz em certas coisas que lhes
podem custar muito mais que o nariz — disse o arcônida, fazendo um gesto irônico. —
Isso não pode acabar bem.
***
Dali a seis horas.
A Crest III fugia, e a fuga parecia não ter fim.
Perry Rhodan acabara de dormir algumas horas. Já esquecera as canseiras de sua
última aventura. As batidas vivificadoras do regenerador de células se faziam sentir em
seu peito, regenerando rapidamente suas energias físicas e psíquicas.
O Administrador-Geral acabara de participar de uma conferência toda especial.
Ficara sentado uma hora e meia no centro de computação positrônica do ultracouraçado,
interpretando juntamente com os lógicos e o matemático-chefe os resultados da operação
realizada com a Askaha.
As máquinas e os homens concordavam em que os tefrodenses representavam um
sistema defensivo muito eficiente, criado pelos senhores da galáxia.
Os tefrodenses eram capazes de construir quase instantaneamente os chamados
transmissores situacionais em qualquer ponto que pudesse tornar-se perigoso. O centro de
computação positrônica chegou à conclusão de que havia um processo latente da
engenharia solar, que juntamente com algumas naves especiais promovia a ativação do
processo solar.
Já se sabia como a gigantesca frota tefrodense pudera chegar ao local pouco depois
do momento em que os maahks tinham aparecido.
Uma vez concluída a interpretação dos dados, Perry ficou calado. Parecia pensativo.
Os tefrodenses igualavam-se aos humanos não somente no físico. Possuíam o mesmo
espírito combativo, a mesma técnica que os homens, e agiam com a mesma inteligência e
astúcia dos terranos.
Atlan e o Administrador-Geral chegaram a um acordo quanto ao nome que seria
dado ao sistema formado pelo sol geminado vermelho. Seria o Sistema dos Destroços. O
nome Redeye foi riscado do catálogo.
Os astrônomos da Crest apuraram que o Sistema dos Destroços ficava a uns mil
anos-luz da periferia, no interior da área proibida do centro de Andrômeda. Ficava mais
ou menos em linha reta entre KA-barato, o Sistema de Atrum e o núcleo central
propriamente dito.
Perry Rhodan ainda não sabia se devia permanecer com a Crest III no interior da
zona central, ou se seria preferível voltar para KA-barato.
Nos próximos dias conversaria sobre isso com os oficiais mais importantes e os
lógicos.
Naquele momento dirigia-se ao camarote de Tolot. O alojamento do halutense
ficava no chamado convés dos chefes, onde também estava situado seu próprio camarote.
Sorriu sem querer ao ver que a porta do camarote estava apenas encostada. Teve de
lembrar-se de uma coisa engraçada que acontecera a bordo da Askaha, quando esta ainda
se encontrava no planetóide Runaway.
Infelizmente o rato-castor nunca mais poderia praticar a arte poética juntamente
com Lucky Log, pois o robô psi desaparecera em Terminal. Pelo que dizia Gucky, Log
provavelmente fora destruído quando tentava desligar o campo de interferência que
impedia o funcionamento do transmissor.
Perry nunca mais se esqueceria do robô anão. Este ser mecânico, cujo
comportamento se assemelhava tanto ao dos humanos, salvara-o juntamente com os
melhores montantes do Império Solar — e se sacrificara.
No mesmo instante Rhodan estremeceu e ficou pálido que nem cera. O suor pingou
de sua testa e os dentes batiam como se Rhodan estivesse com febre.
Perry não acreditava em fantasmas. Mas não se podia negar que a voz saída do
camarote de Gucky só podia ser de um fantasma.
— Um portal chamejante abre-se à frente de Atrum. Nossa nave-capitânia avança
em direção ao transmissor...
A voz fina de Gucky prosseguiu:
— O Sistema dos Destroços treme e ribomba Transformado em pudim pelo Lucky...
Em seguida notou-se perfeitamente uma tonalidade característica na voz de Log.
— Gucky, o herói radiante Transforma-o em purê de cenouras...
O rato-castor soltou um grito de entusiasmo. O riso fino de Log se fez ouvir.
Perry Rhodan abriu abruptamente a porta do camarote — e respirou profundamente.
Os dois seres — o rato-castor natural do planeta Vagabundo e o robô psi de
Runaway estavam sentados no sofá, de braços dados, entoando uma canção terrana dos
tempos áureos dos grandes navegadores da Cristandade.
De repente Rhodan não se sentiu capaz de fazer perguntas ao anão robô, que devia
ser invulnerável. Deixou isso para outra oportunidade e fechou discretamente a porta do
lado do corredor.

***
**
*
Ainda não foi possível resolver o mistério dos
senhores de Andrômeda e de seu povo auxiliar, os
tefrodenses, cuja aparência e comportamento tanto os
assemelham aos humanos.
A Crest III escapou das naves que a perseguiam.
Mas os cavalgadores de ondas de Atlan descobrem uma
pista que indica que os senhores da galáxia já conhecem
o planeta Terra...
Leia a história no próximo volume da série Perry
Rhodan, intitulado Os Fantasmas do Passado.

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www.perry-rhodan.com.br

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