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20/05/2020
Número: 0703196-13.2020.8.07.0018
Classe: AÇÃO CIVIL PÚBLICA CÍVEL
Órgão julgador: 1ª Vara da Fazenda Pública do DF
Última distribuição : 12/05/2020
Valor da causa: R$ 500,00
Assuntos: Violação aos Princípios Administrativos, COVID-19
Segredo de justiça? NÃO
Justiça gratuita? NÃO
Pedido de liminar ou antecipação de tutela? SIM
Partes Advogados
MINISTERIO PUBLICO DO DISTRITO FEDERAL E DOS
TERRITORIOS (AUTOR)
DISTRITO FEDERAL (RÉU)
Documentos
Id. Data da Documento Tipo
Assinatura
63479014 19/05/2020 Decisão Decisão
23:50
Poder Judiciário da União
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS
TERRITÓRIOS
1VAFAZPUB
1ª Vara da Fazenda Pública do DF
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
Trata-se de ação civil pública, com pedido de tutela de urgência, proposta pelo MINISTÉRIO
PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS (MPDFT) em face do DISTRITO
FEDERAL (DF) e do INSTITUTO DE GESTÃO ESTRATÉGICA DE SAÚDE DO DF (IGESDF),
conforme petições de IDs nº 62903691, 62959403, 62959410 e respectivos anexos.
O MPDFT, de partida, assevera que a presente ação tem por objetivo “impelir o Distrito Federal, por
meio de sua Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal e/ou Controladoria-Geral do Distrito
Federal, a otimizar a transparência em seu sítio eletrônico oficial (www.coronavirus.df.gov.br),
oferecendo informações atualizadas e não conflitantes que viabilizem aos cidadãos do Distrito Federal e
aos órgãos de controle locais o acompanhamento contínuo das medidas adotadas no enfrentamento do
novo coronavírus COVID-19”.
Afirma que, “diante da gravidade da pandemia e de sua rápida disseminação, é essencial a necessidade
de preparar o Sistema Único de Saúde (SUS) para o aumento dos atendimentos e internações e de traçar
e implementar celeremente estratégias sanitárias. Ainda assim, todo o planejamento traçado pela
Administração Pública deve atender às regras da transparência”.
Manifesta que, “à sociedade em geral, deve-se fornecer informações acessíveis, claras e atualizadas
sobre as ações empreendidas, garantindo-se, em especial, o amplo acesso a dados sobre: a) o número e
localização dos leitos de UTI e de Enfermagem efetivamente ativos; b) informações detalhadas sobre os
insumos, máquinas, equipamentos de proteção individual e medicamentos; c) o número de testes
realizados, por tipo, e de exames que ainda aguardam resultado; e d) o número de casos hospitalizados e
óbitos suspeitos”.
Relata que “em que pese as diversas melhorias ocorridas na publicação de dados epidemiológicos desde
o início do período pandêmico, seja através do site www.coronavirus.df.gov.br ou por meio dos Boletins
Epidemiológicos diários, observa-se que no Distrito Federal ainda não se adotou, de forma
suficientemente adequada, todas as medidas de transparência”.
Ressalta que, “buscando uma solução para a indicada omissão administrativa, em 28 de abril de 2020 a
Força-Tarefa para Acompanhamento das Ações de Combate e Prevenção do Novo Coronavírus
(COVID-19) do MPDFT expediu o Termo de Recomendação nº 12/2020 dirigida ao Secretário de Saúde
do DF (em anexo), porém sem cumprimento por parte da autoridade sanitária”.
Tece arrazoado jurídico em favor de sua tese quanto ao princípio fundamental da publicidade e o direito à
informação.
Requer a concessão de tutela de urgência de natureza antecipada para que “seja determinado ao Distrito
Federal a disponibilização diária e fidedigna (sem omissões), nos sítios eletrônicos
www.coronavirus.df.gov.br ou outro meio oficial (como os Boletins Epidemiológicos do COE), dos
seguintes dados e informações: a) o número de óbitos decorrentes de casos suspeitos (pneumonia,
síndrome respiratória aguda grave ou outras doenças respiratórias que possam indicar suspeita de
COVID-19); b) o número de casos confirmados post mortem; c) o número total e localização dos leitos
de UTI ativos (com equipamentos e recursos humanos completos), na rede pública (incluindo as unidades
geridas pelo IGESDF) e credenciada, disponibilizados exclusivamente para o tratamento da COVID-19,
bem como o número de leitos ocupados, separados por unidade de saúde, tratando em listas distintas
leitos adulto e pediátricos, para real avaliação da ocupação; d) o número total e localização dos leitos
de UTI ativos (com equipamentos e recursos humanos completos), na rede privada (não credenciada),
disponibilizados exclusivamente para o tratamento da COVID-19, bem como o número de leitos
ocupados, separados por hospitais, conforme Decreto nº 40.679/2020; e) o número e localização dos
leitos de cuidados intermediários com suporte respiratório disponibilizados exclusivamente para o
tratamento da COVID-19, bem como o número de leitos já ocupados, separados por unidade de saúde; f)
o número e localização de leitos de Enfermaria sem suporte respiratório, disponibilizados exclusivamente
para o tratamento da COVID-19, bem como o número de leitos já ocupados, separados por unidade de
saúde; g) o número e localização dos ventiladores pulmonares (respiradores) operantes (em
funcionamento) e disponibilizados na rede pública de saúde exclusivamente para o tratamento da
COVID-19, separados por unidade de saúde, bem como a quantidade já em utilização; h) as quantidades
disponíveis de equipamentos de proteção individual (EPI) no Estoque Central, com discriminação
unitária de máscaras cirúrgicas e N95 ou similares, luvas cirúrgicas, óculos de proteção,
capotes/aventais, gorros, e demais de uso obrigatório; i) o número diário de exames laboratoriais
moleculares (do tipo PCR) realizados para o diagnóstico de infecção pelo COVID-19, no LACEN-DF e
laboratórios particulares, indicando o número de detectados e não detectados, mas suspeitos devido ao
quadro clínico (conforme interpretação dos resultados negativos, prevista no Boletim Epidemiológico nº
12 do Ministério da Saúde); j) o estoque diário dos kits de detecção para exame laboratorial molecular
(do tipo PCR) para o COVID-19 (referentes às suas três fases), disponível no LACEN-DF; k) o número
diário de testes de imunocromatografia rápida (IgG e IgM) realizados para o diagnóstico de infecção
pelo COVID-19, indicando o número de detectados, não detectados, mas suspeitos devido ao quadro
clínico (conforme interpretação dos resultados negativos, prevista no Boletim Epidemiológico nº 12 do
Ministério da Saúde); l) o estoque diário de testes de imunocromatografia rápida (IgG e IgM) disponíveis
no Distrito Federal, e que objetivam realizar a triagem preliminar do COVID-19; m) o impacto dos leitos
de UTI reservados para COVID-19 sobre a assistência decorrente de outros agravos, devendo ser
discriminados na lista de espera de UTI não COVID-19 (constantes da ‘Sala de Situação’) todos os
pacientes que aguardam leitos de UTI Adulto/Geral, mesma categoria dos leitos de UTI
Adulto/COVID-19”.
Ressalta que o “Plano de Contingência para Epidemia da Doença pelo Coronavírus 2019 (COVID-19) do
Distrito Federal” estaria em constante atualização, com base nas necessidades da população.
Salienta que, embora não publique todas as informações indicadas na inicial em seu sítio eletrônico e
boletins epidemiológicos, não há que se falar em ofensa ao princípio da transparência. Assevera que os
dados fornecidos são suficientes e destaca a criação de mais um sítio eletrônico para disponibilização de
informações (www.saude.df.gov.br/coronavirus). Aduz, ainda, que não cabe ao Poder Judiciário
estabelecer qual a melhor política de saúde, pugnando pelo indeferimento da tutela de urgência postulada
na exordial.
É o relatório.
Decido.
Segundo o art. 300 do CPC, a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem
a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Confira-se:
Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade
do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
§1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou
fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser
dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.
§2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.
§3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de
irreversibilidade dos efeitos da decisão.
O requerente sustenta, em apertada síntese, que o DISTRITO FEDERAL não estaria divulgando
informações sobre a atual pandemia decorrente da proliferação do COVID-19 com a clareza e os detalhes
necessários.
Inicialmente, cumpre observar que, de fato, o DISTRITO FEDERAL tem enfrentado severa crise no
sistema de saúde local em decorrência da proliferação desmedida do novo coronavírus, responsável pela
COVID-19.
Trata-se de situação grave que tem atingido o país (o mundo) inteiro, vitimando milhares de brasileiros,
motivo pelo qual demanda a adoção de medidas efetivas para o combate ao vírus pelas autoridades locais.
Destaca-se, por óbvio, que parte da estratégia de enfrentamento deve consistir na divulgação de
informações claras e atualizadas à população, em conformidade com os princípios da transparência e
informação.
Em verdade, consoante dispõe o art. 5º, XXXIII, da Constituição Federal, “todos têm direito a receber
dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão
prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja
imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.
Ao menos em etapa de cognição sumária, nota-se que o DISTRITO FEDERAL tem se dedicado ao
fornecimento de informações atualizadas sobre a atual situação de pandemia que assola a coletividade,
Com efeito, verifica-se que o governo local tem divulgado dados por meio do sítio eletrônico
www.coronavirus.df.gov.br, publicando também Boletins Epidemiológicos diários de amplo acesso à
população.
Desta feita, constata-se que, a princípio, o DISTRITO FEDERAL tem adotado medidas aparentemente
satisfatórias para a divulgação de informações à população local, em atendimento aos princípios da
transparência e informação.
Outrossim, é essencial levar em conta que a concessão da medida antecipatória pretendida – nesse
momento da história brasiliense - poderia interferir de maneira indevida na definição das políticas
públicas prioritárias para combate à crise, causando prejuízo à alocação de recursos materiais e humanos.
Destaque-se que o controle exercido sobre a atividade administrativa deve levar em consideração os
obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, bem como
as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente (artigo 22,
caput, e §1º, da LINDB, inseridos pela Lei nº 13.655/2018).
No ponto, é preciso frisar que os princípios federativo e da separação de poderes estão umbilicalmente
unidos: se é verdade que a forma federativa brasileira permite diferentes níveis de governo (artigo 18/CF),
também é certo que esses Entes Federados detêm auto-organização, autogoverno e autoadministração, não
havendo naturalidade quando um Poder intervém em atos administrativos de gestão de outro, sem que
haja ilegalidade prima facie.
Na tripartição de funções do Estado, em se tratando de atividade típica, o munus executivo cabe ao Poder
com esse nome, ou seja, o Poder Executivo deve ser Poder Executivo: cabe a ele exercer suas funções,
nem mais, nem menos.
Em outras palavras, o mérito dos atos administrativos deve partir de um juízo de conveniência e
oportunidade do Poder Executivo, cabendo a interferência do Poder Judiciário apenas em hipótese de
anulação de ato eivado de ilegalidade (o que não se mostra evidente em juízo preliminar)
Na hipótese, ao menos na atual etapa processual, como acima já dito, não é possível vislumbrar
ilegalidade apta a justificar a intervenção do Poder Judiciário nas políticas públicas relativas à saúde
no DISTRITO FEDERAL, nem impor uma imediata alteração dos dados contidos nos sites da Secretaria
de Saúde, pois tal providência já está sendo atendida.
Desta feita, não se entrevê a probabilidade do direito, requisito indispensável à concessão da medida
antecipatória pretendida. Além disso, tampouco resta delineado o perigo de dano, visto que as
informações sobre a atual pandemia têm sido regularmente divulgadas pelo Poder Público.
Por fim, reitere-se, o controle jurisdicional sobre os atos do Poder Executivo restringe-se aos aspectos de
legalidade (juridicidade), sendo não-natural substituir-se ao administrador, dentro da moldura normativa,
qual a decisão mais conveniente ou oportuna para o atendimento do interesse público.
E é assim porque nosso sistema constitucional sinaliza para uma prevalência ao controle a posteriori em
detrimento do preventivo, justamente para evitar que órgãos de controle (TCE’s, TCU, Controladoria, por
exemplo) se transformem em administradores ou gestores.
Isto não quer dizer que o controle preventivo não seja importante ou necessário, mas não devem ser
admitidos excessos que invertam a ordem da separação de poderes.
Com essas razões, ausentes os requisitos legais necessários, INDEFIRO o pedido de tutela de urgência.
Deixo de designar audiência de conciliação, sem prejuízo de sua realização em momento posterior, visto
que a parte demandada é pessoa jurídica de direito público, não sendo admitida a autocomposição (CPC,
art. 334, § 4º, II).
CITE-SE a parte ré para, querendo, OFERECER DEFESA no prazo legal, consoante art. 231, V e VI, do
CPC, oportunidade na qual deverá se manifestar acerca das provas que pretende produzir. Encaminhe-se
Publique-se. Intime-se.
Juiz de Direito