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2020­4­6 Época ­ EDG ARTIGO IMPRIMIR ­ Entrevista com Neil Gaiman

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Entrevista com Neil Gaiman
Neil Gaiman fez sucesso escrevendo histórias em quadrinhos
em um tempo em que o gênero ainda era considerado, pela
maioria das pessoas, um subproduto literário. A série
Sandman, publicada de 1988 a 1996, revolucionou o conceito
de comic books. Gaiman, que nasceu na Inglaterra e hoje vive
em Minnesota, nos Estados Unidos, ganhou praticamente
todos os prêmios importantes de literatura de ficção. Vários de
seus romances, como Stardust, Deuses Americanos e Os
Filhos de Anansi, estiveram na lista de mais vendidos do New
York Times. Ele dirigiu um filme e, nos próximos dois anos, três
de suas histórias chegam aos cinemas lançadas por grandes
estúdios de Hollywood. Mas Gaiman também escreve livros
para crianças. Agora, Os Lobos nas Paredes é lançado no
Brasil. Uma história em que lobos saem ­ literalmente ­ das
paredes aterrorizando uma família, que se vê forçada a
enfrentar seus medos para reaver a casa em que vive. Não
espere de Gaiman historinhas clássicas onde todos são felizes e há uma clara lição de
moral. Todos os seus textos, mesmo para crianças, são subversivos. Não por acaso, ele
conquistou fãs declarados como o rabugento escritor Norman Mailer. A seguir, Gaiman fala
da experiência com a literatura infantil, de sua coleção de abóboras e da casa à família
Addams em que vive.

ÉPOCA ­ Você nasceu na Inglaterra, mas vive em Minneapolis. Podendo viver em
qualquer cidade no mundo, por que o interior dos Estados Unidos? É para fugir dos fãs?
Neil Gaiman ­ Minha mulher é americana. Ela queria ver os parentes. E se você é um
escritor, pode viver em qualquer lugar. Independentemente de onde eu morasse, os fãs
viriam atrás. Mas a verdade é que eu queria uma casa como a da família Addams. E, em
Londres, Paris ou Nova York, você não encontra uma casa como esta em que vivo.

ÉPOCA ­ Entre seus hobbies estão plantar abóboras e colecionar computadores... 
Neil Gaiman ­ Sim, é verdade. Tenho várias no quintal. Cultivo abóboras de formatos
esquisitos. Com formas diferentes. Mas no último ano viajei muito. E, se eu não cuido,
ninguém cuida. Então meu hobby foi praticamente exterminado. Já de computadores, eu
sempre gostei e fui acumulando.

ÉPOCA ­ Você já disse que criar histórias é um processo desgastante e difícil. Hoje,
como você desenvolve suas histórias? 
Neil Gaiman ­ A história geralmente vem primeiro. Uma idéia como Os Lobos nas Paredes
é relativamente simples. Quando sentei para escrever, não ficou muito boa. Pensei:
provavelmente o melhor a fazer é colocar essa idéia de lado e tentar novamente mais
tarde. Um ano depois, tentei de novo. Mas só alguns meses depois veio subitamente uma
idéia na minha cabeça. Veio acompanhada daquela voz que diz: esta é a história. Aí sentei
e escrevi toda a coisa pela terceira vez e foi perfeito.

ÉPOCA ­ Com a idéia certa, quanto tempo leva para você escrever uma história? 
Neil Gaiman ­ É relativo, posso escrever uma história curta em uma tarde ou levar quatro
anos ou alguns meses para escrever um romance. Sempre depende do projeto da história.

ÉPOCA ­ Suas histórias para crianças não seguem o atual padrão Disney de finais
felizes. Não há uma “lição de moral”. Por quê? 
Neil Gaiman ­ Bom, você se refere aos novos filmes da Disney, porque os vilões antigos
são os melhores vilões. Mas meu problema com histórias em que todo mundo é feliz e se
abraça é que elas não dizem nada sobre as coisas que nos preocupam. Os Lobos nas
Paredes é um livro que fala sobre medo e família. Os lobos, que são nossos medos,
assustam até o momento em que você os vê, até você perceber que eles são tolos, bobos.
E quando você resolve enfrentá­los, eles fogem.

ÉPOCA ­ De onde surgiu a idéia para Os Lobos nas Paredes? 
Neil Gaiman ­ Minha filha foi minha inspiração. Quando tive a idéia, ela tinha 4 anos, hoje

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ela tem 12. Ela teve um pesadelo, disse que havia lobos na parede. Eu dizia que era um
pesadelo, e ela respondia: ‘Foi real, eles estão aqui’. E me mostrava o lugar na parede.

ÉPOCA ­ Por que você começou a escrever livros para crianças? 
Neil Gaiman ­ Tenho filhos, isso me estimulou. Mas escrever livros para crianças é muito
divertido.

ÉPOCA ­ Você acha que está resgatando uma tradição de Lewis Carrol e Hans
Christian Anderson? 
Neil Gaiman ­ Há os Irmãos Grimm também, que têm histórias violentas e assustadoras.
Mas acho que crianças adoram histórias que assustam. Crianças gostam de ter coisas para
sentir medo, o medo ensina coisas. Os Lobos nas Paredes foi adaptado para o teatro na
Inglaterra. É um teatro de bonecos, com sombras, escuridão e as crianças se divertiam
muito com os sustos. Famílias inteiras pulam de susto, você pode ver como vivem uma
experiência juntos. Vendo isso, fiquei orgulhoso da história que tinha escrito.

ÉPOCA ­ Você é citado no Dicionário de Literatura como um dos dez maiores
escritores pós­modernos vivos. Qual a sensação? 
Neil Gaiman ­ Nunca imaginei nada disso. O estranho para mim agora é que aqui nos
Estados Unidos a DC Comics está lançando minhas obras. Olho e lembro que nunca
sonhei com isso. O momento mais emocionante da minha carreira foi em 1989, quando
soube que Sandman seria republicada em outra língua, uma língua que eu não poderia ler,
o português. Hoje as obras estão editadas em quase 40 línguas. Toda semana algo é
publicado em algum lugar do mundo.

ÉPOCA ­ Você já disse que provavelmente é um dos escritores mais lidos e menos
conhecidos. Você sente alguma inveja de Dan Brown com O Código Da Vinci, por
exemplo? 
Neil Gaiman ­ Acho que prefiro os meus fãs aos de Dan Brown. Os meus são mais fiéis.
Para mim, é importante a diferença entre números e pessoas. Alguém me diz que meu livro
vendeu um milhão, dois milhões. Não importa. Se você assina para 400, 500 pessoas, é
muito mais importante. São pessoas. Significa que se importam que você escreva livros.

ÉPOCA ­ Foi uma surpresa a receptividade dos brasileiros à sua obra quando você veio
ao Brasil? 
Neil Gaiman ­ Quando estive no Brasil, mais de mil pessoas foram à FNAC. Foi
engraçado, pois a livraria tentou fechar as portas no horário normal, mas ainda havia 700
fãs do lado de fora. Depois de um início de protesto, a loja permitiu que os fãs ficassem. Saí
de lá depois das duas horas da manhã. Estou com muita vontade de voltar ao Brasil. Meu
único medo é voltar e ter cinco mil pessoas na porta. O Brasil sempre foi muito receptivo à
minha obra, não por acaso foi o primeiro país de língua não inglesa a publicar Sandman.

ÉPOCA ­ E por qual motivo os brasileiros receberam tão bem a sua obra? 
Neil Gaiman ­ Acho que uma explicação é a mistura cultural que o Brasil tem. Essa mistura
é um fator muito presente nas minhas obras. Brasileiros entendem a mistura cultural melhor
do que qualquer outro país. De fato, o Brasil é o único país no mundo onde o público corre
para mim dessa forma.

ÉPOCA ­ Um dos pontos fortes de sua obra é misturar alta e “baixa” cultura.
Referências que vão de Shakespeare a blues, ritos africanos e programas de TV. 
Neil Gaiman ­ Acho que essa é uma das coisas que os brasileiros entendem melhor do que
ninguém no mundo. E é maravilhoso.

ÉPOCA ­ Três histórias suas serão lançadas por Hollywood. Você se tornará bem
popular, não? 
Neil Gaiman ­ Stardust será grande, tem Robert De Niro e Michelle Pfeiffer no elenco.
Colaraline e Beowulf devem ser menores. Ser famoso? Os Beatles eram famosos,
reconhecidos 24 horas por dia em todo lugar. No meu caso é diferente. Eu sou famoso
quando quero, quando vou divulgar um livro. Por isso não vou ao David Letterman nem
dou entrevistas para revistas de celebridades. O foco deve ser no trabalho, não na
personalidade. Mas adoro ser entrevistado para documentários e coisas desse tipo

ÉPOCA ­ Como foi a experiência de dirigir MirrorMask, um filme de US$ 4 milhões, de
baixo orçamento para padrões hollywoodianos? 
Neil Gaiman ­ O orçamento era de US$ 4 milhões, mas teríamos liberdade total. Foi
lançado diretamente para DVD, mas tivemos sorte. Nunca tivemos grandes ambições ou
esperamos algo formal como um lançamento em cinemas. Era um orçamento de US$ 4
milhões. Aquele foi meu primeiro filme. Foi uma boa oportunidade para praticar direção.

ÉPOCA ­ O seu blog recebe um milhão de visitantes por mês. Qual o segredo do
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ÉPOCA ­ O seu blog recebe um milhão de visitantes por mês. Qual o segredo do
sucesso? 
Neil Gaiman ­ Hoje as pessoas me perguntam muito isso. Digo que a primeira coisa a fazer
é entrar em uma máquina do tempo e voltar para 2001, época em que não havia tantos
blogs. A partir daí você precisará colocar ao menos um post todos os dias. Esse é o
segredo. Depois de cinco anos, muitas pessoas continuam seguindo e novas pessoas o
descobrem.

ÉPOCA ­ Em que você está trabalhando agora? 
Neil Gaiman ­ Em um livro de contos, um livro para crianças e um roteiro.

ÉPOCA ­ Você mantém alguma rotina para se manter tão produtivo? 
Neil Gaiman ­ Não, varia, posso ficar trabalhando até as três horas da manhã, como ontem,
porque tenho que cumprir um prazo, ou desacelerar o ritmo, depende do que estou
fazendo no momento. Eu gosto do que faço, então fica fácil.

ÉPOCA ­ Você pratica esportes? Tem hobbies? 
Neil Gaiman ­ Sou péssimo para exercícios. Estava muito orgulhoso de mim mesmo. No
ano passado, um jovem que parecia um herói dos anos dourados vinha aqui em casa três
vezes por semana para dar aulas de musculação. Mas ele arrumou um outro emprego e
nunca mais apareceu. Perdi todos os músculos que eu tinha conseguido.

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