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Volume X Nº1 Janeiro/Fevereiro 2008 Leituras / Readings
vizinhos de que, nos últimos tempos, a escultora recusava-se “Diz que é um sequestro. É Rodin juntamente com os familiares
a sair do seu atelier, recebendo pela janela a comida que estes da doente que o provocaram. (…) Rodin queria obrigar-me a
lhe ofereciam. trabalhar à força no atelier dele. Trabalhei com esforço para
No dia 10 de Março, dois enfermeiros arrombam a janela entai- melhorar a minha imaginação. Ele não tem imaginação.
pada com tábuas e irrompem no seu atelier do Quai de Bour- Necessitava de uma imaginação. (…) Ele envenenava-me com
bon, deparando-se com um panorama indescritível: o chão do curare, com arsénico (…) Ele batia-me, dava-me pontapés.
atelier está inteiramente ocupado pelos pedaços amontoados Não me apercebi até 1907. Envenena toda a minha família (…)
das suas esculturas, as paredes aparecem cobertas de recor- Queixei-me a todo o mundo, mas ele tem comprado o Ministé-
tes de revistas com os passos de uma via-sacra, as portas rio da Justiça, tem as mãos de toda a gente atadas. Suborna
estão fechadas com correntes desde o interior, e espalhadas pessoas para eles porem venenos na comida e provocarem
pelo chão são visíveis múltiplas armadilhas para animais. doenças mortais.
E quem é esta Camille Claudel – perguntar-se-ão alguns – de Ela estava enclausurada na sua casa desde a Semana Santa.
cujo internamento vamos ser testemunhas? Convém aqui co- Davam-lhe os alimentos pela janela. Rodin entrava na casa
meçar por dizer que foi talvez a primeira mulher escultora de dela pela janela e mexia nos seus esboços. Ele encarregou o
valor reconhecido na história da arte, cuja obra gozou, no início homem do talho para me pôr arsénico na comida, e como o
do século passado, apesar da decadência provocada pela homem não aceitou, ele fez com que o enviassem para Marro-
doença nos anos prévios ao internamento, de um merecido cos para se deixar matar (…) Há cerca de 10 anos que ela se
prestígio nos círculos artísticos de Paris. Porém, foi o escândalo apercebeu de tudo. Ele é um louco sádico. Viola as crianças.
provocado pelo romance apaixonado que manteve com o seu A primeira vez, foi condenado a 1.000 anos de cadeia (…) Foi
mestre, o escultor Auguste Rodin, o que tornou famoso o seu ele quem matou Elise Vandame. Corta as crianças aos pedaços
nome na sociedade francesa da III República. e depois atira-os ao Sena. Delírio sistemático de perseguição
Camille e Rodin protagonizaram um romance tempestuoso, baseado principalmente em interpretações e fabulações, ideias
salpicado de inúmeras traições por parte dele, que tentou até de grandeza (…): é vítima dos ataques criminais de um escultor
ao último momento manter paralelamente a relação com Ca- famoso que se apropriou das obras que ela criou. Ele tentou
mille e com Rose, a sua mulher “oficial”, com quem não tinha várias vezes fazê-la desaparecer e envenena-la, como já fez
casado, mas com quem convivia e de quem tinha um filho. com outras pessoas.”[3]
O intercâmbio artístico entre estas duas forças da natureza foi
intenso e por vezes quase simbiótico, ao ponto de em algumas Um segundo médico (o Dr. Ducosté?) escreve, alguns dias
obras ser difícil saber onde acaba o trabalho de um e onde depois, uma segunda observação no processo clínico:
começa o trabalho do outro.
Uma visita de Rose ao atelier da escultora, em que aquela “Rodin, de facto, persegue-a. Rodin, de quem foi aluna, está
terá representado, ao que parece eficazmente, o seu papel ciumento do seu génio e tenta roubar-lhe todas as ideias. Nou-
de esposa traída, insultando, brigando e ameaçando Camille, tro tempo, quando ela se ausentava da sua casa, ele entrava
pôs fim de forma abrupta e melodramática ao relacionamento e roubava-lhe as suas obras. Ideias de perseguição: Rodin
entre os dois. Pelo meio ficaram um aborto (há quem diga que – e o seu bando (é o chefe de um bando de ladrões). Delírio
houve provavelmente mais do que um) e uma obra artística rica retrospectivo: ele já a persegue desde a comunhão solene
e ímpar nascida durante esses anos de tórrida paixão. (…) Mas ela só se apercebeu de tudo há dezoito meses ou
um ano. Tentava domina-la com um narcótico e várias vezes
2- O internamento no Hospital de Ville-Évrard o conseguiu.”[4]
Mas vejamos o que é que os psiquiatras que avaliaram Camille Embora Camille acredite que Rodin já a tem vindo a perseguir
no Hospital nos deixaram escrito. O Dr. Truelle, primeiro médico desde a comunhão solene, a leitura da sua correspondência
que a observa no internamento do Hospital de Ville-Évrard, fez permite-nos reconstruir retrospectivamente a história pregressa
o seguinte registo no processo clínico: da doença e remontar o início do quadro delirante logo a seguir
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à ruptura com Rodin. Após deixar o atelier que ambos partilha- trágica. Para ela, até os seus familiares eram vítimas potenciais
vam, Camille refugiou-se cada vez mais no seu pequeno atelier desta perseguição; assim, angustiada perante o atraso na che-
do Quai de Bourbon, perto da Îlle de la Cité, em pleno coração gada do seu irmão Paul, de quem espera uma visita, escreve
do antigo Paris. Sem o dinheiro necessário para comprar os a um amigo: “O meu irmão, contrariamente ao previsto, não
materiais dispendiosos que precisava para continuar a escul- chegou ainda; não me estranharia que uma má besta o tenha
pir; com o sentimento de ter sido rejeitada por Rodin; sem o mandado assassinar.”[6]
apoio dos pais, em particular da mãe, mater terribilis que lhe Aos amigos comuns, que tentam dissuadi-la do seu erro
virou as costas quando chegou aos seus ouvidos o escândalo em relação às perversas intenções de Rodin, ela responde
provocado pelo affaire com Rodin; Camille foi sobrevivendo, espraiando-se sobre os meios ínvios e subtis, invisíveis para
enclausurada no seu bunker, em condições de saúde cada os outros excepto para ela, que este usa para a prejudicar:
vez mais precárias. “Você não quer outra coisa que o meu bem (…), mas há por
A tudo isto soma-se o cansaço após uma longa luta contra os trás de vocês um terceiro personagem ao que não conhecem
intermináveis obstáculos que encontrava para sobreviver numa o suficiente para o julgar totalmente, porque se assim fosse,
profissão feita por e para homens. Foi a conjunção de todos não veriam nada de extraordinário no meu comportamento,
estes factores que constituiu um terreno propício para o verme asseguro-o.
invisível do delírio, que cresceu silenciosamente, dedicado É necessário muito tempo para conhecer uma pessoa antes
implacavelmente ao seu obscuro trabalho. de compreender uma situação (…) Eu conheço a mão maléfica
Sabe-se – existem cartas conservadas que o demonstram – que trabalha por baixo para apartar de mim todas as amizades
que Rodin não a tinha esquecido e continuava a fazer o que e todas as boas vontades, para que eu acabe por implorar a
estava nas suas mãos para promover a sua obra, para além de sua ajuda e ainda o faça passar por um benfeitor.
ter contribuído financeiramente, de forma anónima, para evitar Os meios que emprega são tão subtis, tão invisíveis, tão
a penhora do seu atelier, depositando regularmente através de indirectos que é impossível provar nada.”[7] Mas, progressi-
um intermediário pequenas quantidades de dinheiro na conta vamente, os meios usados por Rodin, começam a revelar-se
de Camille. Mas foi esta conjunção de factores: o sentimento para ela de uma forma mais evidente e concreta; a partir de
de ter sido relegada por Rodin e rejeitada pela família, a po- 1909, ela começa a falar nas suas cartas do já referido “Bando
breza e o isolamento em que vivia no seu pequeno atelier do de Rodin”, um grupo organizado por este para lhe subtrair as
Quai de Bourbon. suas obras.
O primeiro sinal que observamos nas cartas que envia a vários Este “bando” apodera-se das suas ideias, rouba-lhe as es-
conhecidos, é o aparecimento frequente de insultos dirigidos culturas e os esboços e copia os moldes das suas obras,
a Rodin: o seu antigo mestre e amante torna-se agora para aproveitando as suas saídas do atelier. Coincidindo com o
ela no “Senhor Furão”, o “monstro”, “a ratazana de esgoto”. roubo de algumas obras do Museu do Louvre, Camille não
Inicialmente culpa-o de lhe roubar as encomendas e de a tentar perde a oportunidade para enviar uma carta surpreendente e
afastar de Paris nas alturas em que há exposições. esclarecedora ao Subsecretário do Estado para as Belas-Artes,
Ao coleccionista de arte Henri Lerolle explica-lhe numa carta: informando que conhece “o autor de todos os roubos e depre-
“O Sr. Rodin dedicou-se este ano a deixar-me sem recursos, dações cometidos no Louvre. Só há um: ele paga a pessoas
depois de me ter forçado a abandonar o Salão Nacional por pobres para fazer este trabalho, depois os objectos chegam-lhe
causa das armadilhas que me fez. Alem disso, insulta-me; faz a sua casa (…) ele é um senhor do crime organizado.”[8]
publicar por toda parte o meu retrato em cartões postais ape- Em Dezembro de 1909 declara abertamente ao seu irmão
sar da minha proibição expressa, não se detém perante nada, Paul numa carta: “O gatuno apropria-se de todas as minhas
acredita ter um poder ilimitado. Toda a vida perseguir-me-á a esculturas por diferentes meios e entrega-as aos seus amigos,
vingança deste monstro.”[5] os artistas de moda, que em troca lhe proporcionam conde-
Tendo em conta as provas de que dispomos actualmente, que corações, ovações, etc.”[9] Com um sentimento crescente
demonstram o apoio económico que recebia de Rodin, as de impotência para impedir os furtos realizados pelo “Bando
convicções delirantes de Camille adquirem um tom de ironia de Rodin”, termina por reforçar os meios de protecção do
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seu atelier: coloca correntes nas portas, entaipa com tábuas familiares: “A velha Helena” (busto de uma velha empregada da
o interior das janelas e põe armadilhas no chão. Em fins de família, que suportou com infinita paciência horas intermináveis
1912 escreve: “Mal ponho o pé na rua, Rodin e o seu bando de pose); o busto da mãe, da irmã, e vários bustos do irmão,
entram para me assaltar a casa. Todo o Quai de Bourbon está Paul Claudel, em diferentes fases da vida.
infestado deles.”[10] A família Claudel apercebeu-se do autêntico valor dos trabalhos
Numa das suas cartas chega a afirmar que pessoas enviadas de Camille, quando recebeu a visita de Paul Dubois, Director
por Rodin colocam veneno na sua comida: “Continuo doente da Escola Nacional de Belas Artes, que ficou impressionado
por causa do veneno que tenho no sangue, tenho o corpo em pelo talento natural que demonstravam as obras esculpidas
brasas, é o hugonote Rodin que manda distribuir as doses por aquela miúda promissora, que não tinha recebido nenhuma
porque espera herdar o meu atelier.” [11]
Quando a mãe deixa lição de modelagem ou desenho.
de lhe enviar dinheiro, também é Rodin o culpado: “Sem qual- As suas palavras, “Você recebeu aulas do Senhor Rodin!”,
quer pretexto, deixaram de repente de me mandar dinheiro, encontraram como única resposta o olhar interrogante de
encontro-me de um dia para outro sem recursos, é a banda Camille, que desconhecia totalmente quem era o famoso
de Rodin que fez uma lavagem ao cérebro à minha mãe.” [12]
“mestre Rodin” que tinha sido o inspirador das suas esculturas.
No fim, o seu desespero atinge o clímax e, para evitar que lhe Este comentário inocente acabaria, no entanto, por ter valor
continuem a roubar e copiar as suas esculturas, acaba por profético sobre o trágico destino que para ela iria ser, no futuro,
destruir todas as obras e recusa-se a sair do atelier, recebendo tentar sobreviver na qualidade de “aluna de Rodin”, sem ser
os alimentos pela janela. esmagada pela sombra do génio.
Graças ao apoio incondicional do pai, e com a forte oposição
3- Uma vida dedicada à escultura da mãe, que via na inclinação da filha pela escultura, uma forma
bizarra de rebeldia, consegue continuar a sua dedicação à arte
A figura de Camille Claudel foi recuperada a partir dos anos do barro, da pedra e do metal.
80, graças à retrospectiva organizada no início da década pelo A história demonstra que a escultura, na sua concepção mais
Musée Rodin, e que coincidiu com o aparecimento do primeiro clássica (trabalho com pedra e barro), foi uma profissão de ho-
catálogo completo da obra da escultora. mens. Basta folhear o livro “Amazonas com pincel”[14], escrito
Neste processo de recuperação também ajudaram a realização pela professora de Arte Contemporânea da Universidade de
do filme “Camille Claudel”, protagonizado por Isabelle Adjani Barcelona Victoria Combalia, o qual tenta reconstruir, partindo
e Gerard Depardieu, e a publicação da biografia romanceada de uma perspectiva feminista, o catálogo das grandes artistas
“Une femme” [13]
de Anne Delbée. Daí em diante, foram-se existentes desde o século XVI até ao século XXI, e no qual
multiplicando as exposições, a última das quais decorreu no apenas encontramos, junto ao nome de Camille Claudel, mais
Outono do ano passado numa pequena sala da Fundación cinco nomes de escultoras praticamente desconhecidos para
Mapfre de Madrid, onde foi exibida, quase na sua totalidade, a o público não especializado: Kathe Kollwitz, Germaine Richier,
sua obra. A primeira coisa que impressionava o visitante, para Barbara Hepworth, Louise Bourgeois e Niki de Saint Phalle.
além da óbvia qualidade das obras, era o número reduzido Na altura em que Camille Claudel começava a estudar em
de esculturas, que não devia ultrapassar as sessenta peças, França, a entrada das mulheres estava proibida nas Escolas de
muitas das quais eram subtis variações da mesma ideia. Belas Artes, situação que obrigou a escultora a enveredar por
A mulher que nos deixou tão reduzida, embora apaixonante, um caminho alternativo, que implicava a aprendizagem num
herança nasceu em 1864 em Fère-en-Tardenois, na região da atelier compartilhado com outras duas mulheres, sob a super-
Picardie, perto de Paris. visão de um professor de escultura de reconhecido prestígio.
Filha de um funcionário público e da conservadora filha de um Foi desta forma que Camille conheceu Rodin, o qual, após ter
rico médico rural, sentiu desde a infância um forte impulso sido o seu supervisor durante algum tempo, a convidou para
natural para a escultura, o que a levou a usar os irmãos e as trabalhar no seu próprio atelier, para participar na realização
empregadas domésticas como primeiros modelos para as suas da encomenda de “A porta do Inferno” e posteriormente de
esculturas de barro. Assim foi surgindo uma galeria de retratos “Os burgueses de Calais”.
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socialmente reservado, tinha, segundo esta, comprometido o lirantes é persecutório em todos os casos, o que nem sempre
bom nome da família. é certo, pois as ideias delirantes podem ter outro conteúdo
(grandiosidade, erotomaníaco, celotípico ou somático). No
5- A paranóia de Camille Claudel: A couve entanto, é verdade que o subtipo persecutório de Perturba-
roída pelas lagartas ção Delirante Crónica, do qual sofria Camille Claudel, é o mais
frequente, e aplica-se, segundo a DSM-IV-TR, quando o tema
Com a informação de que dispomos actualmente, nomeada- central do delírio envolve, como no caso que nos ocupa, a
mente graças ao acesso à correspondência pessoal, é possível crença de que o sujeito é objecto de uma conspiração, fraude,
concluir que Camille apresentava na altura do seu internamento espionagem, perseguição, envenenamento, calúnia odiosa,
um quadro delirante de evolução crónica, caracterizado por assedio ou obstrução nos seus objectivos a longo prazo”.[17]
delírios que envolviam a convicção de ser vítima de uma per- Kraepelin, a quem devemos a nossa visão nosológica dos qua-
seguição cujo objectivo exclusivo era o seu prejuízo através de dros psicóticos, definiu a psicose delirante crónica ou paranóia
múltiplas estratégias: tirar-lhe as ideias e esboços, roubar-lhe como “um delírio sistematizado, quer dizer, um sistema deliran-
as esculturas ou tirar moldes delas, conseguir criar inimizades te coerente e lógico, de desenvolvimento insidioso, evolução
contra ela, deixá-la sem recursos económicos, impedir a sua crónica e irreversível (…) que se acompanha de clareza e ordem
progressão profissional ou tentar envenena-la através de na consciência, no pensamento e no comportamento”.[18]
terceiras pessoas. Inicialmente, o delírio incluía apenas Au- Para completar o perfil autónomo da paranóia face aos outros
guste Rodin, mas, finalmente, incorporou diferentes pessoas, distritos nosológicos, Kraepelin destacava a “impermeabilidade
organizadas num complot ou trama dirigida por este, que ela do sistema paranóico face às influências psicológicas.”[19]
denominava de “bando de Rodin”. Segundo a DSM-IV-TR, a característica essencial da Perturba-
Há um excerto de uma carta famosa que exprime de forma ção Delirante é a presença de uma ou mais ideias delirantes não
insuperável a convicção de ser vítima do roubo sistemático das bizarras que persistem de forma crónica, associadas com a au-
suas obras e ideias: “Formaram-me expressamente para lhes sência dos sintomas típicos da esquizofrenia (por exemplo, as
proporcionar ideias, sabendo que eles têm uma imaginação alucinações auditivas ou visuais, que, se estiverem presentes,
nula. Estou na situação de uma couve roída pelas lagartas; à não devem ser dominantes), e a preservação do funcionamento
medida que me cresce uma folha, eles comem-na.”[16] psicossocial e do comportamento, que não deve ser muito
Esta ideação delirante de prejuízo implicava que a escultora estranho ou bizarro. Quando está presente na Perturbação
tinha convicção absoluta de que estas pessoas agiam delibe- Delirante um reduzido funcionamento psicossocial, como no
radamente para a prejudicar. O delírio tinha as características caso em apreço, este surge como consequência das próprias
típicas da Perturbação Delirante Crónica pois era um delírio crenças delirantes. Da mesma forma, uma característica co-
bem construído, plausível e aparentemente consistente inte- mum nos sujeitos com Perturbação Delirante Crónica é a sua
riormente (em termos lógicos), bem sistematizado e hierarqui- aparente normalidade de comportamento e aparência quando
zado. Quando falamos que o delírio é plausível ou que tem as ideias delirantes não estão a ser discutidas.[20]
aparência lógica, estamos a querer dizer que não é absurdo e A classificação das ideias delirantes como bizarras é especial-
que, portanto, não insulta a nossa inteligência a ideia de que mente importante na distinção entre Perturbação Delirante Cró-
Rodin tentasse apropriar-se das obras da escultora ou que a nica e Esquizofrenia. As ideias delirantes são bizarras se forem
tentasse prejudicar na sua carreira profissional ao considerá-la claramente implausíveis, não compreensíveis e não dedutíveis
uma rival. É esta plausibilidade que faz com que os doentes que das experiências vivenciais habituais (por exemplo, crença de
sofrem deste quadro passem frequentemente desapercebidos que um estranho retirou os órgãos internos e os substituiu por
durante muito tempo para as pessoas com quem convivem, e outros, sem deixar feridas ou cicatrizes). Pelo contrário, as
até possam convencer ou “contagiar” os outros da realidade ideias delirantes não bizarras envolvem situações que, como
dos seus delírios. no caso de Camille, podem ocorrer na vida real (por exemplo,
Esta perturbação foi denominada classicamente de Paranóia, ser perseguido, injustiçado, envenenado, infectado, amado à
mas este termo parece implicar que o conteúdo das ideias de- distância ou enganado pelo cônjuge ou amante).[21]
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