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Wilhelm Wachholz2
Jonatan Alexandre Goltz3
Resumo: No contexto dos sessenta anos de Estudos Teológicos, este artigo busca resgatar
estudos sobre a teologia de Lutero e teologia luterana apresentados no período de 1961 e
1990. Selecionamos e analisamos os artigos utilizando como critério principal a referência a
Martim Lutero e sua teologia, na perspectiva da interpretação da Reforma enquanto evento,
alusão ao reformador no contexto do seu quingentésimo aniversário de nascimento (1983)
e estudos que apresentam releituras de Lutero na perspectiva do ecumenismo, da América
Latina e, em particular, da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil – IECLB.
Palavras-chave: Estudos Teológicos. Lutero. Ecumenismo. América Latina. Luteranismo.
Abstract: In the context of sixty years of Theological Studies, this article seeks to rescue
studies on Luther’s theology and Lutheran theology presented in the period of 1961 and
1990. We selected and analyzed the articles, using as reference the name of Martin
Luther and his theology in the perspective of the interpretation of the Reformation as
an event, an allusion to the reformer in the context of his 500th birthday (1983) and
studies that present Luther reinterpretations from the perspective of ecumenism, from
Latin America and, in particular, from the Evangelical Church of Lutheran Confession
in Brazil – IECLB.
Keywords: Estudos Teológicos. Luther. Ecumenism. Latin America. Lutheranism.
1
O artigo foi recebido em 24 de junho de 2020 e aprovado em 21 de novembro de 2020 com base nas
avaliações dos pareceristas ad hoc.
2
Doutor. Faculdades EST. E-mail: wachholz@est.edu.br
3
Bolsista de iniciação científica do CNPq. Faculdades EST. E-mail: jonatangoltzmec@gmail.com
Martim Lutero em Estudos Teológicos
Introdução
Lau, então, ressalta que nenhuma das testemunhas daquela “encenação ‘tipica-
mente americana’” imaginaria que, menos de dez anos depois, a discussão acadêmica
se tornasse tão “acalorada”, questionando a historicidade da afixação das teses. O
4
DOHMS, Hermann Gottlieb. Luther vive. São Leopoldo: Faculdade de Teologia, 1946.
5
LAU, Franz. A afixação das teses de Lutero: Lenda ou Fato? Trad. M. Siegle e M. Dreher. Estudos
Teológicos, São Leopoldo, v. 7, n. 4, p. 170-185, 1967. p. 170.
autor lembra que, ainda por ocasião do jubileu em 31 de outubro de 1957, surgira
um artigo, de Hans Volz, publicado no Deutsches Pfarrerblatt, segundo o qual as
teses não teriam sido publicadas no dia 31 de outubro de 1517, mas no dia seguinte,
isto é, 1º de novembro de 1517. Segundo Lau, o artigo de Volz provocou muito mais
alvoroço no âmbito das comunidades evangélicas do que no meio acadêmico ou da
historiografia. Segundo Volz, Lutero sempre teria relacionado a publicação das teses
ao Dia de Todos os Santos. Contudo, passou-se a discutir se a noite anterior, isto é, 31
de outubro, faria ou não parte da mencionada festa. Desde o início, constata Lau, Kurt
Aland e Heinrich Bornkmann se apresentaram contra a tese de Volz, opinando que,
caso as teses realmente tenham sido afixadas, isso teria ocorrido em 31 de outubro.
Ambos ainda eram de parecer que não valeria a pena discutir sobre o problema da
data. Lau, então, apresenta o seguinte “estado da arte”, na sua concepção:
Percebe-se que Lau discute a historicidade da afixação das teses e não a exis-
tência das mesmas. Mais de vinte anos depois, em 1988, é publicado um outro artigo,
que classificamos como sendo de interpretação da Reforma. Trata-se do artigo de
Joachim Fischer, intitulado Marcas Teológicas da Reforma Protestante. No artigo,
o autor apresenta as características teológicas emergentes da Reforma, em particular
de Martim Lutero, relacionando-as com a doutrina da justificação somente pela fé,
liberdade, fé, desprendimento, renovação, hermenêutica bíblica, encarnação e espiri-
tualidade. Fischer conclui que o movimento da Reforma deu um “novo testemunho
da mensagem bíblica a respeito da justiça gratuita e libertadora de Deus”, “apontou
para a prioridade da palavra de Deus na vida”, conclamou as pessoas à fé, que deve
ser concebida como “confiança absoluta” em Deus, concebeu “a graça como relação
pessoal de Deus com o ser humano”, fundamentou a esperança na e para a vida a par-
tir do e tão “somente [no] perdão de Deus”, chamou a igreja cristã para “permanente
renovação pela palavra de Deus”, compreendeu a unidade da Igreja na “diversidade
6
LAU, 1967, p. 184-185. Acentuação original preservada.
7
FISCHER, Joachim. Marcas Teológicas da Reforma Protestante. Estudos Teológicos, São Leopoldo,
v. 28, n. 2, p. 121-135, 1988. p. 134-135.
8
FISCHER, Joachim. Lutero e Müntzer. Estudos Teológicos, São Leopoldo, v. 29, n. 1, p. 7-15, 1989. p. 14-15.
9
GOTTSCHALD, Karl. O 500º Aniversário de Lutero. Estudos Teológicos, São Leopoldo, v. 23, n. 1,
p. 5-10, 1983. p. 5.
10
Trata-se do livro de Johannes Janssen, Geschichte des deutschen Volkes seit dem Ausgang des Mittelalters
(“História do Povo Alemão desde o Fim da Idade Média”) (1881).
antirromano. Para Gottschald, a figura de Lutero, por ser “um gênio dotado de extraor-
dinários e múltiplos talentos”, fomentou as mais diversas recepções e interpretações,
sejam de veneração, idealização, crítica ou condenação. O reformador foi concebido
como excelente teólogo, pastor e pregador, corajoso e defensor da causa evangélica
na esfera pública, revolucionário, humanista, tradutor da Bíblia, criador do hino evan-
gélico, poeta, precursor do racionalismo, herói nacional, libertador dos preconceitos
medievais e clericais, símbolo do progresso, divisor da cristandade, inimigo dos ju-
deus, capacho dos príncipes etc. Finalizando seu artigo, o autor destaca os eventos que
estariam sendo preparados nas “duas Alemanhas”, nos Estados Unidos da América e
também no Brasil sob o tema geral “Temer e amar a Deus e confiar nEle sobre todas as
cousas”. Entre os eventos, o autor destaca alguns de caráter ecumênico, na Alemanha,
envolvendo teólogos católico-romanos, luteranos, reformados, menonitas, anglicanos,
metodistas e ortodoxos. Esses eventos, comparados às festividades do quadringentési-
mo aniversário do reformador, evidenciam, segundo o autor, que “o tempo realmente
parece estar maduro para que todos juntos, sem preconceitos, nos esforcemos para
conseguir uma interpretação comum dos aspectos essenciais da teologia de Lutero,
correspondendo assim à sua intenção original e, sobretudo, à vontade de Deus”11.
No mesmo número de Estudos Teológicos de 1983, Silvio Meincke, em artigo
intitulado Justificação por Graça e Fé: Um novo espaço para a vida, analisa a doutri-
na da justificação de Lutero, afirmando que ela não é uma das doutrinas da dogmática,
mas é central para a promoção da vida, afrontando realidades que ameaçam e estran-
gulam a vida. A justificação por graça mediante a fé mantém sua atualidade como
articuladora da vida. Pela justificação por graça mediante a fé, o ser humano é liberto
para colocar recursos e meios a serviço da promoção da vida, conclui Meincke.12
Também Lindolfo Weingärtner apresenta um artigo nesse número de Estudos
Teológicos, intitulado Identidade Luterana. Para Weingärtner, a teologia luterana, dife-
rentemente dos movimentos de “cura divina” e religiosos entusiastas “que acobertam a
podridão do velho homem”, se apresenta com “sobriedade” e “lucidez”. Essa sobrieda-
de, para o autor, não somente é identidade a ser testemunhada no âmbito espiritual, mas
também no âmbito político, “profano”. Concluindo seu artigo, o autor afirma:
O que vale no campo religioso valerá também no campo profano. O cristão Luterano
enfrentará com sobriedade e com a lucidez que é fruto do próprio evangelho – tanto
uma ideologia “de direita” que faz o homem agarrar-se a posses materiais e a posições
de poder, como uma ideologia “de esquerda”, que pretende criar um paraíso na terra,
sonhando com um mundo justo, sem apontar a podridão básica do homem e da socie-
dade, e sem falar de juízo e salvação transcendentais, “baralhando” as coisas do reino
de Deus com as do mundo. Rejeitará qualquer tipo de polarização entre cristãos “pie-
dosos” e cristãos “socialmente engajados”, pois não ignora que os frutos da vivência
11
GOTTSCHALD, 1983, p. 10.
12
MEINCKE, Silvio. Justificação por Graça e Fé: Um novo espaço para a vida. Estudos Teológicos, São
Leopoldo, v. 23, n. 3, p. 205-230, 1983. p. 229-230. Sobre a doutrina da justificação em Lutero, veja
também artigo de BRAKEMEIER, Gottfried. A Justificação por Graça e Fé em Paulo e sua relevância
hoje. Estudos Teológicos, São Leopoldo, v. 16, n. 1, p. 3-17, 1976.
cristã não devem ser cortados de suas raízes e que a ação social responsável faz parte
da nova obediência do cristão13.
Lutero e ecumenismo
13
WEINGÄRTNER, Lindolfo. Identidade Luterana. Estudos Teológicos, São Leopoldo, v. 23, n. 3, p. 265-
273, 1983. p. 273.
14
LUTERO, Martim apud FISCHER, Joachim. O Conceito “Igreja” de Lutero segundo seus Escritos “Dos
Concílios e da Igreja” e “Contra Hans Wurst”. Estudos Teológicos, São Leopoldo, v. 6, n. 4, p. 161-175,
1966. p. 161.
15
FISCHER, 1966, p. 175.
rio Maior de Viamão, que ocorria desde 1957.16 Oferecendo seu estudo sob o título
supracitado, Tappenbeck resgata a afirmação de Lutero diante da Dieta de Worms, no
ano de 1521,17 e, relacionando-a com o princípio do “sola scriptura”, questiona, com
palavras de Otto Dibelius, se “hoje em dia não mais vale[ria] a pena manter disputas
com católicos ou anglicanos quanto à relação entre Escritura e Tradição”18. Tappenbeck,
em princípio, concorda com Dibelius, mas faz a ressalva de que o diálogo vale a pena.
E o diálogo deve se dar, conforme o propõe Albert Lang, em torno da seguinte questão
comum a luteranos e católicos: “É a Bíblia e pode ela ser ainda hoje um livro com o
qual se vive?”.
Em Lutero na Opinião da Igreja Católica Apostólica Romana (1961), Harding
Meyer, citando [John A.] O’Brien, resgata a teologia do reformador de Wittenberg
como uma “ponte ligando as nossas divergências”, uma “fôrça [sic] que leva a uma
união de mentes na fé”19. Meyer parte da constatação de que a historiografia, em es-
pecial a respeito de determinados eventos, precisa ser reexaminada, pois, no decorrer
dos séculos, foram fixadas “verdades” que, repetidas vezes, se tornaram preconceitos
e obstaculizaram o ecumenismo. Por isso Meyer resgata autores católico-romanos
que, embora reconheçam divergências teológico-confessionais até como legítimas,
percebem possibilidades de pontes, a partir da teologia de Lutero, para o ecumenismo.
Destaque Meyer dá ao pensamento de Carlos Adam, citando-o:
Encontramos, ao meu ver, a formulação mais memorável numa obra do teólogo católico
Carlos ADAM. Diz êle [sic]: “Partindo de Lutero, temos que lançar a ponte sôbre [sic]
o abismo entre as confissões. Podemos até ousar o paradoxo: unicamente o regresso
resoluto de nossos irmãos separados para Lutero possibilitará um regresso para a Igreja
mãe [sic]”.
Bem, sabemos todos que apenas uma aproximação no juízo sôbre [sic] a pessoa de
Lutero ainda não anula as diferenças teológicas entre as confissões. As divergências
doutrinárias ainda permanecem20.
16
TAPPENBECK, Heinrich. A Sagrada Escritura e a Igreja sob o ponto de vista protestante. Estudos
Teológicos, São Leopoldo, v. 3, n. 4, p. 119-128, 1963. p. 119.
17
“A menos que seja vencido por testemunho das Escrituras ou por razão evidente – pois não creio somente no
Papa nem nos concílios, pois é um fato que êles já têm errado e várias vêzes contradito a si mesmos – não
posso nem quero revogar nada, vencido pelas palavras da Escritura que citei e tendo minha consciência
captada nas palavras de Deus; porque agir contra a consciência não é nem destituído de perigos nem
sincero. Aqui estou; de outra maneira não posso. Que Deus me ajude. Amém.” Apud TAPPENBECK,
1963, p. 119. Acentuação conforme no original.
18
DIBELIUS, Otto apud TAPPENBECK, 1963, p. 127.
19
MEYER, Harding. Lutero na Opinião da Igreja Católica Apostólica Romana. Estudos Teológicos, São
Leopoldo, ano 1, n. 1, p. 13-26, 1961. [Número Especial]. p. 27.
20
MEYER, 1961, p. 27.
rado pelo ódio e pelo fanatismo”21. Segundo Meyer, Lutero estaria se tornando, nesse
contexto, fator de união, o que merece reconhecimento por parte do protestantismo.
Também Ricardo Pietrantonio, em A Liberdade Cristã e os Processos His-
tóricos de Libertação (1990), estuda o diálogo ecumênico no contexto latino-ame-
ricano. Segundo o autor, em diversas partes do Terceiro Mundo têm ocorrido lutas
por transformações radicais do sistema sócio-político-econômico. Essas lutas trazem
perguntas sobre o envolvimento da pessoa e da igreja cristãs nos processos históricos
de libertação. Nesse contexto, o autor resgata o conceito de liberdade cristã de Lute-
ro, ressaltando a necessidade de concebê-lo para além da dimensão individualista.22
Em sua conclusão, Pietrantonio questiona a razão pela qual, nos últimos séculos, a
doutrina protestante da justificação pela fé acarretou em nível de vida melhor para
os povos impactados pela Reforma, enquanto povos ensinados que Deus julgará por
méritos não obtiveram êxito em aumentar o nível de vida de sua população. A isso o
autor ensaia uma resposta, segundo a qual os primeiros teriam atuado muito mais para
“dentro” do que para “fora” em termos de solidariedade. Faz-se necessário, segundo o
autor, incorporar às dimensões econômica, social e política o critério da solidariedade,
como Lutero a concebeu na segunda parte de seu escrito Da Liberdade Cristã, a saber,
como critério derivado da gratuidade da salvação. Nesse caso, seria concebida uma
“espiritualidade da sociedade” (não reduzida ao indivíduo), tornando-se mensagem
evangélica ecumênica e abrangente para o mundo como um todo. Sem essa concepção
ecumênica, conclui Pietrantonio, o mundo não tem nenhuma chance e a existência
humana fica fadada ao destino trágico. Enquanto verdadeiramente ecumênica, a liber-
dade cristã é, portanto, a alternativa possível para a existência humana.23
21
MEYER, 1961, p. 27.
22
PIETRANTONIO, Ricardo. A Liberdade Cristã e os Processos Históricos de Libertação. Estudos
Teológicos, São Leopoldo, v. 30, p. 41-63, 1990. [Número Especial]. p. 41.
23
PIETRANTONIO, 1990, p. 58-59.
24
O artigo é resultado da “Preleção inaugural proferida na Faculdade de Teologia a 10 de novembro de 1971”.
Dentro das Igrejas evangélicas, por exemplo, há grupos progressistas que se sentem
mais próximos aos grupos progressistas católicos do que aos elementos conservadores
de suas próprias fileiras. As tensões existem em todo e qualquer lugar. Elas são uma
realidade concreta dada. O conflito não só é um fato internacional, mas também um
fato ecumênico.25
A vida cristã não consiste em ser, mas em tomar-se, não na vitória, mas na luta, não na
justiça, mas na justificação. Nós ainda não o somos, mas nós o seremos. Ainda não está
feito e consumado, mas está a caminho. Não é o fim, mas é o meio. Nem tudo já reluz
e brilha, mas tudo está melhorando27.
25
BRANDT, Hermann. As tensões como uma oportunidade: A importância dos conflitos na teologia e na
Igreja. Estudos Teológicos, São Leopoldo, v. 12, n. 1, p. 10-26, 1971. p. 10-11.
26
BRANDT, 1971, p. 26.
27
Apud BRANDT, 1971, p. 26.
28
Apud DREHER, Martin N. A Igreja no Brasil diante do Problema Social do Pequeno Agricultor e do Operário:
Uma Perspectiva Histórica. Estudos Teológicos, São Leopoldo, v. 21, n. 2, p. 119-135, 1981. p. 135.
29
DREHER, 1981, p. 135.
Ele é o Deus do descanso, do lazer; ele quer que meu lazer seja também o lazer do
próximo. Para este lazer é necessário que eu deixe que chegue ao próximo a terra que
Ele deu a todos nós e que os bens desta terra possam por todos nós ser trabalhados para
seu louvor30.
30
DREHER, 1981, p. 135.
31
WESTHELLE, Vítor. Considerações sobre o Etno-luteranismo Latino-americano: panfleto para debate.
Estudos Teológicos, São Leopoldo, v. 18, n. 2, p. 77-94, 1978. p. 89.
32
WESTHELLE, 1978, p. 93.
33
WESTHELLE, 1978, p. 90-91.
34
WESTHELLE, 1978, p. 91.
35
WESTHELLE, 1978, p. 92.
36
WESTHELLE, 1978, p. 93.
Ele [Lutero] nos incentiva a empreendermos tentativas que visem a uma tradução mais
fiel do evangelho do reino de Deus para dentro de nossa cultura. A convicção de Lutero
de que é graças à ação do Espírito Santo que o evangelho se contextualiza persistente
como convicção fundamental, visto que contextualizar não é apenas estar de ouvidos
atentos para ouvir o que a cultura do povo ricamente nos ensina, mas também é ou-
vir Deus, que quer que a vida do povo se conforme à sua vontade. Contextualização
testemunha, portanto, do Deus que está em missão entre o seu povo; é encarnação.
Hermenêutica que não leva, portanto, a igreja ao engajamento missionário não pode ser
chamada de contextual. Neste ponto, Lutero novamente nos desafia, pois não poderia
ser descrito como hermeneuta da escrivaninha. Ele é, isto sim, hermeneuta do caminho.
Todos nós somos chamados a redescobri-lo hoje!39.
37
FLUCK, Marlon R. Hermenêutica em Lutero. Um estudo fundamentado em “À nobreza cristã de nação
alemã, acerca do melhoramento do estado cristão”. Estudos Teológicos, São Leopoldo, v. 26, n. 2,
p. 145-168, 1986. p. 145.
38
FLUCK, 1986, p. 167.
39
FLUCK, 1986, p. 168.
40
WESTHELLE, Vítor. Desencontro entre a Teologia Luterana e a Teologia da Libertação. Estudos
Teológicos, São Leopoldo, v. 26, n. 1, p. 37-58, 1986. p. 37.
perspectiva, a concepção de Lutero sobre o uso público da razão como práxis comu-
nicativa e emancipatória permite a reconstrução da dimensão sociopolítica, de forma
que “[...] ao incluir na conversação o marginalizado, cria o fôro [sic] no qual se faz
possível ouvir a palavra de novidade que surge como a voz estranha da vítima das
próprias convenções legais e morais”41. Concluindo, o autor afirma que isso
41
WESTHELLE, 1986, p. 57.
42
WESTHELLE, 1986, p. 58.
43
BRAKEMEIER, Gottfried. Desencontro entre a Teologia Luterana e a Teologia da Libertação? (carta de
leitor). Estudos Teológicos, São Leopoldo, v. 26, n. 3, p. 309-313, 1986. p. 310.
44
BRAKEMEIER, 1986, p. 312. Sobre a teologia da libertação veja ainda artigo de ALTMANN, Walter.
Teologia da Libertação. Estudos Teológicos, São Leopoldo, v. 19, n. 1, p. 27-35, 1979.
45
DREHER, Martin N. A theologia crucis de Lutero e o tema da Teologia da Libertação. Estudos Teológicos,
São Leopoldo, v. 28, n. 2, p. 137-152, 1988. p. 138-139.
próprias raízes, “[...] a partir da justificação por graça e fé, que possibilita a superação
de egoísmo e de falta de amor”46.
Em 1989, em novo artigo, Dreher analisa A Autoridade Secular: a visão de
Lutero, buscando uma “releitura de Lutero no Brasil”. O autor ressalta que é necessá-
rio interpretar o pensamento de Lutero sobre o tema da autoridade de forma distinta
após a Dieta de Worms (1521), após a Dieta de Espira (1529) e após a convocação
do Concílio pelo papa Paulo III (1536). Igualmente é preciso atentar à recepção de
Lutero sobre o tema, razão pela qual o autor apresenta interpretações de Lutero ofe-
recidas por Eivind Beggrav, bispo da Igreja da Noruega durante a ocupação do seu
país pelo regime nazista alemão (1940-1945) e à luz da história do Brasil. Dreher
conclui que, na Alemanha nazista, acabou-se por fundar um sistema de Estado que
controlou luteranos. Esqueceu-se, naquele contexto, do pensamento de Lutero sobre
os limites da autoridade. A igreja, os púlpitos, as escolas e cátedras de teologia foram
utilizados para produzir súditos fiéis e subalternos. Muitos desses súditos vieram ao
Brasil como imigrantes, segundo Dreher, e reproduziram aqui esses pensamentos, a
despeito das condições políticas que não lhes era favorável como religião minoritária
e, até 1889/1891, somente tolerados no Império do Brasil.47
Em 1990, Albérico Baeske apresenta uma Releitura de Lutero em Contextos de
Terceiro Mundo: Reflexões de um pastor que trabalha no centro geodésico da América
do Sul sobre o aproveitamento da teologia de Martim Lutero para a militância cristã
no Terceiro Mundo. O autor escreve impactado pela miséria que destrói a solidarieda-
de entre oprimidos e desfaz movimentos populares. A partir desse contexto, Baeske
pergunta: “O que Martim Lutero, teólogo alemão na passagem da Idade Média para a
Moderna, tem a ver com o Terceiro Mundo?”48. O autor lembra que Lutero insistia que
uma pessoa cristã deve utilizar poucas palavras e empreender muitas ações, pois ações
visam ao bem comum, em especial, ao pão e ao trabalho. Para o reformador, a pessoa
cristã deve colocar “corpo, bens e honra” a serviço do próximo. Somente uma pessoa
liberta pela fé assume responsabilidade e compromisso com o próximo. Disso, conclui
Baeske, a teologia de Lutero tem sua atualidade para o Terceiro Mundo, ao afirmar que
a fé produz liberdade cristã, e liberdade para servir. Liberto para servir, a pessoa cristã
“[...] vai à luta, aliás, participa na luta por pão e saúde, por teto e terra, por escola, vida
partilhada e estruturação popular, transparente e mutável da sociedade”49.
46
DREHER, 1988, p. 152.
47
DREHER, Martin N. A Autoridade Secular: a visão de Lutero. Estudos Teológicos, São Leopoldo, v. 29,
n. 1, p. 69-86, 1989. p. 85-86.
48
BAESKE, Albérico. Releitura de Lutero em Contextos de Terceiro Mundo: Reflexões de um pastor que
trabalha no centro geodésico da América do Sul sobre o aproveitamento da teologia de Martim Lutero
para a militância cristã no Terceiro Mundo. Estudos Teológicos, São Leopoldo, v. 30, p. 15-35, 1990.
[Número Especial]. p. 15.
49
BAESKE, 1990, p. 30.
50
ALTMANN, Walter. Identidade na Comunhão de jornada: reflexões sobre a identidade da IECLB. Estudos
Teológicos, São Leopoldo, v. 14, n. 2, p. 3-17, 1974. p. 3, 16.
51
HÜFFMEIER, Wilhelm. Batismo – Meio de salvação ou selo da justificação? Observações sobre a
compreensão sacramental e não-sacramental do Batismo n a perspectiva do Novo Testamento. Estudos
Teológicos, São Leopoldo, v. 13, n. 2, p. 61-79, 1973. p. 62.
Considerações finais
Nosso objetivo foi analisar artigos sobre Lutero e teologia luterana publicados
em Estudos Teológicos entre os anos de 1961 e 1990. Utilizamos, como critério de
escolha, artigos que apresentam ensaio de interpretações sobre a própria Reforma, sua
história e controvérsias, e ensaios de diálogo com a realidade latino-americana, ecu-
menismo e vida da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil – IECLB. As
três décadas (1961-1990) de que datam os artigos são historicamente muito comple-
xas na perspectiva política, social, econômica e religiosa. Analisar, portanto, cada um
dos artigos referenciados neste estudo demandaria outro estudo, que certamente vale-
ria a pena. Em sentido geral, contudo, conclui-se que, durante as três décadas, Estudos
Teológicos se apresentou como veículo de destaque de uma instituição de formação
teológica para apresentar a teologia de Lutero e luterana e dialogar com a realidade
latino-americana. Evidencia-se que os artigos buscam apresentar aspectos da história
da Reforma e da teologia de Lutero, em que a teologia luterana precisa ser articulada
no espaço acadêmico (Faculdades de Teologia/Escola Superior de Teologia) e eclesial
(IECLB) luteranos. Neste sentido, busca-se resgatar temas centrais da teologia lute-
rana, seja para a afirmação identitária luterana, seja para fundamentar o testemunho
luterano para além de suas fronteiras ante os desafios sociais, políticos, econômicos,
ecumênicos no Brasil e, mais amplamente, na América Latina.
Referências
52
HÜFFMEIER, 1973, p. 78-79.
de Martim Lutero para a militância cristã no Terceiro Mundo. Estudos Teológicos, São Leopoldo,
v. 30, p. 15-35, 1990. [Número Especial].
BRAKEMEIER, Gottfried. A Justificação por Graça e Fé em Paulo e sua relevância hoje. Estudos
Teológicos, São Leopoldo, v. 16, n. 1, p. 3-17, 1976.
______. Desencontro entre a Teologia Luterana e a Teologia da Libertação? (carta de leitor).
Estudos Teológicos, São Leopoldo, v. 26, n. 3, p. 309-313, 1986.
BRANDT, Hermann. As tensões como uma oportunidade: A importância dos conflitos na teologia
e na Igreja. Estudos Teológicos, São Leopoldo, v. 12, n. 1, p. 10-26, 1971.
DOHMS, Hermann Gottlieb. Luther vive. São Leopoldo: Faculdade de Teologia, 1946.
DREHER, Martin N. A Autoridade Secular: a visão de Lutero. Estudos Teológicos, São Leopoldo,
v. 29, n. 1, p. 69-86, 1989.
______. A Igreja no Brasil diante do Problema Social do Pequeno Agricultor e do Operário:
Uma Perspectiva Histórica. Estudos Teológicos, São Leopoldo, v. 21, n. 2, p. 119-135, 1981.
______. A theologia crucis de Lutero e o tema da Teologia da Libertação. Estudos Teológicos,
São Leopoldo, v. 28, n. 2, p. 137-152, 1988.
FISCHER, Joachim. Lutero e Müntzer. Estudos Teológicos, São Leopoldo, v. 29, n. 1, p. 7-15, 1989.
______. Marcas Teológicas da Reforma Protestante. Estudos Teológicos, São Leopoldo, v. 28,
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