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00382013 569
Abstract In the second half of the last century a Resumo Na segunda metade do século passado
revolutionary movement began in the world men- iniciava-se um movimento revolucionário no
tal health scenario, namely Psychiatric Reform. cenário mundial da saúde mental: a Reforma Psi-
At the same juncture, the concept was also put quiátrica. No mesmo momento nascia a proposta
forward for Therapeutic Communities, which das Comunidades Terapêuticas, que mais tarde se
would later become the tried and tested model for tornaria um modelo consagrado de atendimento
treatment of addiction to alcohol and other drugs. para a dependência do álcool e outras drogas. Por
However, due to the alarming increase of this prob- outro lado, com o alarmante crescimento deste
lem in Brazil, as well as the absence of public problema no Brasil, assim como pela ausência de
policies to address the problem, there was an in- políticas públicas que dessem conta do problema,
discriminate proliferation of chemical dependency houve uma indiscriminada proliferação de locais
internment locations that, despite calling them- de internação para dependentes químicos que,
selves Therapeutic Communities, in no way re- mesmo se autodenominando como Comunidades
sembled the initial model proposed. These places Terapêuticas, em nada se assemelham ao modelo
featured inhuman and iatrogenic practices, very inicial proposto. Estes locais apresentam práticas
similar to those criticized by the Psychiatric Re- desumanas e iatrogênicas, muito semelhantes às
form movement, which consequently discredited criticadas pelo movimento da Reforma Psiquiá-
the Therapeutic Community model. This article trica, o que tem provocado o descrédito para com
seeks to demonstrate, through bibliographic re- o modelo das Comunidades Terapêuticas. Este
search, how the conceptual and methodological artigo tem como objetivo demonstrar, através de
bases of Psychiatric Reform closely resemble the pesquisa bibliográfica, como as bases conceituais
Therapeutic Communities movement, having e metodológicas da Reforma Psiquiátrica se asse-
appeared at the same time and for the same rea- melham profundamente as do movimento das
son, and how the lack of control and regulation of Comunidades Terapêuticas, tendo surgido na
chemical dependency internment locations in mesma época e pelo mesmo motivo, e como a falta
Brazil has contributed to the current disrepute of de regulamentação dos locais de internação para
1
Faculdade de Medicina de this model. dependentes químicos no Brasil tem contribuído
Botucatu, UNESP. R. Bento Key words Therapeutic Community, addiction com o atual descrédito deste modelo.
Lopes s/n, Distrito de
to alcohol and other drugs, Psychiatric Reform Palavras-chave Comunidade terapêutica, De-
Rubião Jr. 18.618-970
Botucatu SP Brasil. pendência do álcool e outras drogas, Reforma psi-
pablok@novajornada.org.br quiátrica
ter acesso a práticas que o levassem de volta a si ção constante, cada um com seu núcleo específico
mesmo, de encontro com a sua história, com a de ação, mas apoiando-se mutuamente, alimen-
sua singularidade. tando-se enquanto rede – que cria acessos varia-
Assim surge o conceito de singularização no dos, acolhe, encaminha, previne, trata, reconstrói
atendimento ao doente mental, que seria, segundo existências, cria efetivas alternativas de combate13.
Tenório1, uma forma de tratá-lo de acordo com as Como se confirma através destes conceitos, a
suas características e necessidades pessoais, fugin- Reforma Psiquiátrica e o Movimento de Luta
do da lógica asilar capitalista de massificação. Antimanicomial são movimentos que visam
Para ser almejada e alcançada, a singulariza- muito mais do que apenas a desaparição dos
ção dependerá de que a forma das relações sociais e manicômios. Eles buscam, acima de tudo, a qua-
humanas na instituição parta da horizontaliza- lidade de vida do doente mental, a atenção inte-
ção como meta e, em alguma medida, seja vivida gral, a humanização do atendimento, através de
como exercício17. um novo olhar que se faz cada vez mais urgente
Considerando todo o apresentado até o mo- numa sociedade que pretenda dizer-se justa e
mento, fica evidente que o novo modelo propos- democrática.
to visa como finalidade última a ressocialização,
ou seja, o retorno do doente mental à sociedade e A comunidade terapêutica para
à família, de acordo com as reais possibilidades recuperação da dependência do álcool
de cada caso, e para isto busca desenvolver diver- e de outras drogas: modelo e método
sos dispositivos que se adaptem a cada necessida-
de, como o CAPS, residências terapêuticas, hos- Quem teve a oportunidade de aproximar-se de
pitais-dia, NASF, consultórios de rua e outros dis- uma CT, tem a sensação de haver participado de
positivos que podem ser adaptados com a finali- ‘algo diferente’. Quem teve, além disso, a oportuni-
dade de garantir a integralidade do atendimento dade de conviver durante algum tempo numa CT
ao doente mental desospitalizado1,2,7-9,16,17,19. terá uma lembrança que o acompanhará pelo res-
A necessidade do retorno à sociedade, como tante dos seus dias12.
prática despatologizante, se torna um dos estan- Como foi visto acima, as CT existem há mais
dartes do Movimento de Luta Antimanicomial de 60 anos, tendo-se consagrado nas duas últi-
no Brasil, assim como da Reforma Psiquiátrica mas décadas como um dos modelos mais pro-
no mundo. Para isto é imprescindível garantir curados para a recuperação da dependência do
ao indivíduo o cuidado nesta tarefa de readapta- álcool e outras drogas, tanto no Brasil como em
ção social, e por este motivo o cuidado, em saúde muitas partes do mundo, por oferecerem uma
mental, amplia-se no sentido de ser também uma inovadora forma de tratar o problema, tão im-
sustentação cotidiana da lida diária do paciente, placável e urgente, independentemente da cultu-
inclusive em suas relações sociais1. ra e do nível de desenvolvimento das populações
Desta forma, segundo Vecchia e Martins16: o atingidas.
trabalho de desconstrução do manicômio e da cul- Neste momento serão apresentadas apenas
tura manicomial envolve políticas sociais de con- as bases metodológicas e conceituais deste mo-
junto, implicando o reconhecimento da necessida- delo, comparando-as com as recém-explicadas,
de de: moradias substitutivas e assistidas para ex- referentes à Reforma Psiquiátrica e ao Movimento
internos psiquiátricos; espaços de trabalho prote- de Luta Antimanicomial, deixando as críticas ao
gido (mas não ‘tutelado’); inserção em atividades respeito da aplicação das mesmas no Brasil para
culturais e de lazer etc... outro tópico adiante.
Outra característica indiscutível do modelo Segundo consta na RDC nº 10114 (atual RDC
de atenção proposto pelo Movimento de Luta nº 29, de 30/06/1120) da Agência Nacional de Vi-
Antimanicomial é a maciça participação dos fa- gilância Sanitária (Anvisa) as CT: “são serviços
miliares dos usuários, tanto na discussão políti- urbanos ou rurais, de atenção a pessoas com
ca das diretrizes e normativas vigentes, quanto transtornos decorrentes do uso ou abuso de subs-
no cotidiano do atendimento, como agentes de tâncias psicoativas (SPA), em regime de residên-
saúde do mais alto escalão, tendo participado do cia ou outros vínculos de um ou dois turnos, se-
movimento desde o seu nascimento, como afir- gundo modelo psicossocial. São unidades que têm
mam diversos autores1,7-9,16,17. por função a oferta de um ambiente protegido,
Nunca é demais, portanto, insistir que é a rede técnica e eticamente orientado, que forneça su-
– de profissionais, de familiares, de organizações porte e tratamento aos usuários abusivos e/ou
governamentais e não governamentais em intera- dependentes de substâncias psicoativas, durante
Superação do “Tratar o doente, e não a doença”1, “Não é a droga, mas a pessoa inteira, o
paradigma da num ambiente social, e não apenas problema a ser tratado”10. O ambiente de
clínica no consultório. tratamento é a CT, um ambiente social.
continua
Quadro 1. continuação
Conceitos Reforma Psiquiátrica e Comunidade
básicos Movimento de Luta Terapêutica
Antimanicomial
Reapropriação da O que está em jogo é a O que deve ser tratado é a pessoa como ser
identidade reapropriação do sujeito; do sentido social e psicológico, ou seja, deve ser tratado o
e da motivação humana; modo como o dependente se comporta,
reapropriação da capacidade de pensa, sente, administra suas emoções e
forjar sua própria identidade6. frustrações, suas culpas e tristezas, a sua
comunicação com o mundo externo e o
interno10.
anualmente. Segundo a mesma pesquisa, mais de mica Aplicada (IPEA), mais de 80% dos trata-
55% das ONG que oferecem tratamento para a mentos no Brasil são realizados dentro de CT.
dependência do álcool e outras drogas no Brasil Isto se configura um problema, já que gran-
seriam CT, embora Hartmann32 afirme que, se- de parte destas CT não consta nos registros de
gundo pesquisa da Universidade de Brasília (UnB) nenhuma instituição regulamentadora, poden-
juntamente com o Instituto de Pesquisa Econô- do ser esta tanto a própria FEBRACT, os respec-
dia, consultórios de rua e outros dispositivos que Por outro lado também se percebeu que uma
garantam a integralidade do atendimento, sem o grande maioria destas supostas CT não recebe
ônus da hospitalização. nenhuma forma de fiscalização, não se encontran-
Por outro lado, o problema da dependência do cadastrada em nenhum serviço de referência
do álcool e outras drogas tem se alastrado de que regulamente sua prática, o que facilita ainda
forma alarmante nas últimas décadas, o que tem mais a proliferação e a prática indiscriminada.
provocado, em função da ausência de políticas Mas isto não significa, de forma alguma, que
públicas, a proliferação de uma série de locais de o conceito de CT se posiciona contra as bases do
internação para este público, dentre estes as de- movimento reformista da saúde mental, já que,
nominadas CT. como foi demonstrado, as suas bases conceituais
Embora em sua origem histórica, conceitual e metodológicas em muito se aproximam.
e metodológica, o movimento das CT tenha O que sim fica evidente é a necessidade de
muitas mais semelhanças do que diferenças com uma sistemática de fiscalização e regulamenta-
o proposto pela Reforma Psiquiátrica e o Movi- ção das CT, a fim de que somente permaneçam
mento de Luta Antimanicomial, na prática, pelo em atividade aquelas que, de fato, sigam o mo-
menos no Brasil, a realidade é diferente, como delo proposto originalmente, nascido no mes-
confirmado por diversas investigações realiza- mo berço da Reforma Psiquiátrica.
das na atualidade. Desta forma, as CT poderão sim fazer parte
De fato, uma boa parte das CT no Brasil pos- das estratégias de atenção integral aos dependen-
sui práticas tão desumanas e iatrogênicas quan- tes do álcool e outras drogas, consolidando-se
to às das antigas instituições asilares manicomi- como um excelente instrumento nos casos em
ais, sem garantir minimamente a preservação dos que outras alternativas se mostrem ineficazes.
direitos humanos mais básicos.
Colaboradores
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