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a Cruz e o Telescópio
Mateus Leite de Sousa
Introdução
Durante o século XVII, o cientista pisano Galileu Galilei viverá um episódio que ficará
marcado pelo modo como a Igreja exercia seu poder perante a pesquisa científica, ou seja,
limitando-a por um empreendimento que precisava respeitar o dogma religioso. Assim, a
ciência – por uma boa parte de sua história – ficou presa pelas correntes de tal dogma. A
contenda Galileu versus Bellarmino é um exemplo para compreendermos a velha discussão
que ainda existe entre a ciência e a religião. É a partir da apresentação desse debate que será o
tema do presente texto.
O período que envolve a polêmica do cientista pisano é entre 1613 a 1616, do qual
denominaremos de ‘polêmica teológico-cosmológica’ – retiro esse termo da biografia Galileu
e a nova Física, de Pablo R. Mariconda e Júlio Vasconcelos (2006, pp. 18-9).
Neste período – após Galileu polemizar contra as ideias do padre jesuíta Christopher
Scheiner sobre as manchas solares –, o nosso cientista pisano enfrentará uma polêmica com
diversos setores tradicionais, sendo estes diferentes professores de Filosofia Natural e
Teologia, com a acusação de que as ideias de Galileu eram “suspeitas e temerárias, […]
principalmente pela pouca reverência mostrada para com os Santos Padres antigos e São
Tomás, além das injúrias à Filosofia de Aristóteles, tão importante para a teologia escolástica”
(ibidem, p. 88). A controvérsia é extrapolada, por causa da publicação, no dia 21 de dezembro
de 1613, de uma carta que Galileu teria escrito para o padre Benedetto Castelli, seu
colaborador e discípulo. Qual era o conteúdo da carta para que abrissem um processo contra o
pisano no Santo Ofício em Roma?
O cientista demarcará o que seria a ciência e sua prática, contrapondo-a ao que era
usado como autoridade pela Igreja, isto é, a Bíblia. Galileu escreve que “[…] a Sagrada
Escritura não pode nunca mentir ou errar, mas serem os seus decretos de absoluta e inviolável
verdade”, entretanto, “não menos poderia às vezes errar algum dos seus intérpretes e
expositores, de vários modos” (2009, pp. 18-9). Vemos de que trecho foi retirada a
acusação… Não obstante, o que mais este trecho nos diz? É explícita a diferenciação entre o
que as Sagradas Escrituras dizem respeito apenas à moral e a fé; e o domínio científico que a
Autoridade da Bíblia não seria suficiente para a validação de quaisquer hipóteses – seus
critérios são a experiência sensível e a demonstração necessária, assim, tal metodologia dá
autonomia para a investigação científica. Essa delimitação é feita a partir da linguagem que
estes dois domínios são requeridos, a saber: a religião é expressa na linguagem comum; a
ciência, na linguagem matemática. Assim, “a verdade é uma [pois, Deus é o autor], mas as
linguagens usadas para exprimi-la são duas” (MARICONDA; VASCONCELOS, 2006, p. 91).
Como que a Igreja recepciona tal defesa? É na figura de Roberto Bellarmino que
veremos a réplica das ideias de Galileu e, consequentemente, a posição oficial da Igreja sobre
o debate entre a sua autoridade e as teses heliocêntricas – evidenciado pela influência que o
cardeal exercia politicamente, em Roma (cf. Ibidem, pp. 117-9). A posição de Bellarmino
sobre os copernicanos e, particularmente, Galileu é a defesa de uma concepção
instrumentalista da ciência. Que ideia é esta? Na medida em que as Sagradas Escrituras,
concernentes às questões naturais, não são falsas – os cientistas podem, no máximo, propor
“hipóteses matemáticas que melhor ‘salvam as aparências’”. Não sendo reais, tais hipóteses
serviriam como “instrumentos de cálculo” (Ibid., pp. 119-20), de tal modo que a astronomia
seria “inferior e dependente” das verdades da Bíblia. Logo, o sistema copernicano não seria
ignorado completamente, mas apenas seria utilizado para resolver certas dificuldades
encontradas no sistema “ptolomaico”, por exemplo, o sistema de Tycho Brahe: segundo o
qual defendia que a Terra era o centro do universo, porém apenas o Sol orbitava este planeta –
os outros corpos celestes orbitavam o Sol. Esse ponto de vista da pesquisa científica também
compreende outra posição defendida pelo cardeal, a saber: que a experiência sensível refutaria
sistema heliocêntrico. Pois, é a partir dos nossos sentidos que nós percebemos a Terra como
estática e os outros astros e estrelas em movimento – não o contrário. É com essa réplica que é
baseada a acusação contra os defensores do copernicanismo.
Considerações Finais
Assim, vemos, de passagem, a dimensão política que envolve tal problema da demarcação,
pois, ao compararmos a carta de Galileu e a réplica de Bellarmino, nós encontramos algumas
tentativas de solucionar o problema da demarcação: para o cientista, a ciência é alheia à
autoridade da Bíblia, sendo apenas produzida por demonstrações matemáticas e por
experimentações, segundo o qual a pesquisa científica é, e deve ser, orientada; para o cardeal,
a ciência e, particularmente, a astronomia é compreendida como uma área de conhecimento
“inferior” aos conhecimentos bíblicos, portanto, deve estar em concordância com a Filosofia
Natural e a Teologia – de tal modo que novas teses devem ser encaradas unicamente como
hipóteses não confirmadas pela experiência. Interessante ver que há uma semelhança nesses
dois pontos de vista sobre a experiência como a característica essencial para metodologia
científica, apesar do poder exercido pela Igreja Católica tenha silenciado Galileu.
Referência Bibliográfica
ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Trad. de Roberto Raposo. 10. ed. Rio de Janeiro:
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FEYERABEND, Paul. Contra o Método. Trad. de Octanny S. da Mota e Leonidas Hegenberg.
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GALILEI, Galileu. Ciência e Fé: cartas de Galileu sobre o acordo do sistema copernicano
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LAKATOS, Imre. História da Ciência e suas Reconstruções Racionais. Lisboa: Edições 70,
1978.