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2001
Alessandro Soares da Silva
CONSCIÊNCIA E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA: UMA ABORDAGEM PSICOPOLÍTICA
Interações, julho-dezembro, año/vol. VI, número 012
Universidade São Marcos
Sao Paulo, Brasil
pp. 69-90
http://redalyc.uaemex.mx
Consciência e participação política:
uma abordagem Psicopolítica*
Resumo: O presente trabalho pretende estabelecer uma articulação entre a Teoria ALESSANDRO
Social do Self, de George Herber Mead, e o Modelo de Estudo da Consciência Política, SO ARES D
SOARES DAA SIL
SILVVA
de Sandoval, com vista a possibilitarmos a melhor compreensão dos aspectos psicopolíticos
Doutorando em Psicologia
da consciência e da participação política de sujeitos implicados em ações coletivas e Social – PUC/SP
movimentos sociais.
Palavras-chave: Consciência Política, Teoria Social do Self, Ações Coletivas.
“É claro que a vida social organizada, entre outras formas, em normas (direi-
tos e deveres) e valores (morais e éticos), é internalizada pelo indivíduo em distin-
tos graus. Da mesma maneira, em cada momento histórico um indivíduo ou um INTERAÇÕES
grupo de indivíduos podem traduzir melhor que outros indivíduos tanto a atitude Vol. 6 — Nº 12 — pp. 69-90
do conjunto de pessoas que compõe a sociedade, reforçando as posições instituci- JUL/DEZ 2001
78 onais que sustentam, ou mesmo antecipando profundas modificações nas institui-
ções vigentes. Esse entendimento vincula diretamente o papel da psicologia social
à ação política dos indivíduos.” (Sass, 1992: 78)
Consciência e participação política: uma abordagem psicopolítica
“(...) apesar dos valores, crenças sociais e da rotina cotidiana, os indivíduos têm a
oportunidade de romper temporariamente e parcialmente com alguns dos meca-
nismos de submissão e viver, no movimento social, experiências coletivas que, por
sua vez, são pedagógicas no sentido de que o indivíduo tem a oportunidade de
vivenciar outras formas de agir frente a seus problemas, interagir com outras
pessoas no âmbito de um esforço organizado coletivamente e conhecer experien-
INTERAÇÕES cialmente o sistema político na medida em que o movimento social contesta o
Vol. 6 — Nº 12 — pp. 69-90 status quo político-distributivo e leva o indivíduo a se defrontar com membros das
JUL/DEZ 2001 elites políticas.” (Sandoval, 1989:70-1)
Entendemos que Mead esteja se fiando em alguma forma de evo- 81
lucionismo social pelo qual o sujeito, em um dado momento e devido
INTERAÇÕES
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JUL/DEZ 2001 Fonte: Sandoval, S. (2001) (tradução nossa).
É importante salientar que as dimensões da consciência política 83
possuem conteúdos mutáveis, visto que o que dá limite ao conteúdo de
Considerações Finais
Finais
Ao avaliarmos as considerações que acabamos de fazer neste breve
ensaio, entendemos que nossa proposição de uma possível articulaçao
teórica entre Mead e Sandoval aponta para a leitura da consciência e do
comportamento político que não cai em posturas deterministas ou uni-
direcionais quando da articulação estabelecida entre consciência, parti-
cipação, comportamento e politica. Muito pelo contrário. Tal articula-
ção nos concede a possibilidade de efetuarmos estudos que nos possibi-
litem entender de que modo os processos de construção da consciência,
de identidades, da cultura política e as definições de estratégias reorde-
nam cada um desses aspectos da vida do sujeito, do mundo da vida e
acabam por produzir novos significados para as ações coletivas e para a
participação política do sujeito.
Pensamos, por fim, que, ao utilizarmos os conceitos desses autores
de modo articulado, poderemos explicar melhor como que a cultura
política de um sujeito se transforma, na medida que busca soluções para
suas necessidades e a satisfação de suas demandas através de ações cole-
tivas ou movimentos sociais. Essa proposta facilita, ao nosso ver, a com-
preensão do processo de transformação de identidades pessoais em iden-
tidades coletivas; os modos com que o sujeito aprende e apreende a
linguagem particular da organização a que venha a afiliar-se e que pro-
vocará transformações em diversas dimensões da consciência como, por
exemplo, em seus valores societais, suas crenças e na percepção de anta-
INTERAÇÕES gonismos e adversários, visto que virá a transferir parte de sua lealdade
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JUL/DEZ 2001 e de sua solidariedade a esse grupo de pertença a que se afiliará.
Enfim, pensamos que, através desse trabalho de articulação da Te- 87
oria Social do Self e do Modelo de Estudos da Consciência Política,
Notas
*
Para meus pais e Jaqueline Oliveira.
1
Nasceu em 27 de fevereiro de 1863 em South Hadley, Massachusetts, EUA e faleceu
em 26 de abril de 1931, aos 68 anos. Mind, Self and Society e os demais títulos da
obra de Mead, são o resultado de esforços de seus ex-alunos, em especial Charles
Morris, que organizou e prefaciou Mind, Self and Society (após a morte de
Mead) e que é o principal titulo da obra de Mead por conter os conceitos fundamentais
de sua psicologia social.
2
Norte-americano radicado no Brasil desde 1976. Atualmente é Professor da Universi-
dade Estadual de Campinas e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
3
Ver Sass, 1992:124.
4
A afirmação de que a apropriação da atitude do outro ainda não consiste na apropriação
de um Outro Generalizado merece a seguinte ressalva: caso haja a apropriação do
Outro Generalizado, esta não se dá no nível da consciência, a criança não teria consci-
ência de que o faz.
5
Ainda a respeito do que seja internalizar e interiorizar é esclarecedor distingui-los
como sendo o primeiro termo o que trata do processo estruturante da experiêrncia
individual e o segredo o que traz consigo o sentido de conduzir ao interior do sujeito as
estruturas extemas já ordenadas (cf. Habermas, 1987: 34).
6
Afirmar o contrário (que o eu é objeto do mim) implicaria em fazer com que a ação
característica do eu fosse deslocada para o mim, tornando o eu prisioneiro da memória, do
conjunto organizado das atitudes dos outros que o indivíduo adota para si mesmo e da
ação isolada do mim. Fazer do eu objeto do mim significa, ao nosso ver, fazer com que a
capacidade de reação que o indivíduo tem frente às atitudes do outro internalizadas pelo
mim findem, pois não seria possível fazer com que as atitudes dos outros reelaboracem
nossas própria atitudes. Tal proposição acarretaria o fim do diaáogo interior estabeleci-
do pelo eu e o mim e conseqüentemente a impossibilidade da consciência de si proposta
por Mead.
7
Um exemplo apropriado para entendermos essa questão é a relação pai-filho. A esse
respeito ver Sass, 1992: 243-44.
8
É importante observarmos que Mead elabora sua Teoria Social do Self partindo da
premissa da democracia. A democracia é concebida por ele como o elemento que INTERAÇÕES
possibilita ao sujeito o desenvolvimento da consciência de si. O mesmo princípio valeria Vol. 6 — Nº 12 — pp. 69-90
para se explicar a formação de lideranças. Contudo, não podemos deixar de lembrar JUL/DEZ 2001
88 que lideranças como Stalin ou Hitler se mantêm fora de regimes democráticos ou ainda
que as democracias contemporâneas sustentam-se muitas vezes a partir de sistemas de
exclusão social. Esse nos parece o caso do Brasil e de outros países em desenvolvimento
Consciência e participação política: uma abordagem psicopolítica
que possuem um alto nível de concentração de renda. No caso brasileiro, apenas 20%
da população possui cerca de 80% da renda do país. Assim, parece-nos que as demo-
cracias contemporâneas diferenciam-se consideravelmente daquela pensada por Mead.
Elas não necessariamente contribuem ao desenvolvimento de uma consciência de si
completa, critica visto que elas se mantém com uma pequena parcela da coletividade.
Ainda que a compreensão meadiana aponte para o desenvolvimento de uma criticidade
da consciência, isso parece-nos aparente visto que, ao nosso ver, Mead tende muito
mais a propor um “sujeito da adaptação” do que da crítica.
9
Importa fazer notar que, no instante em que Mead faz da democracia uma condição
necessária para o desenvolvimento do self, ele está abrindo espaço para que pensemos o
próprio self não apenas socialmente, mas também politicamente. Contudo o possível
aspecto político do self não chega a ser mencionado pelo autor no decorrer de sua obra.
10
Para uma leitura mais detalhadas das dimensões da consciência política propostas por
Sandoval recomendamos a leitura do artigo The Crisis of de Brazil Labor Mo-
viment and Emergence of Alternatives F oms of W
Foms oking-
Woking- Class Contetion
oking-Class
in the 1990s
1990s, publicado na Revista P sicologia P olítica
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apresenta seu modelo teórico.
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e-mail: paisano@osite.com.br
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Vol. 6 — Nº 12 — pp. 69-90 Recebido em: set/01
JUL/DEZ 2001 Aceito em: fev/02