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A ESTABILIZAÇÃO

HETERODOXA NO BRASIL:
idéias e redes políticas*

Carlos Pio

Até 1984, o Brasil era um país caracterizado balanço de pagamentos, mas também foram res-
pelo autoritarismo. O sistema político era controla- ponsáveis pelas elevadas taxas de inflação, que
do pelo establishment militar, ainda que as elei- eram típicas do Brasil.
ções, os partidos e o Parlamento existissem. Da Passada pouco mais que uma década, em
mesma forma, a economia era fechada: o prote- 1995, o país estava significativamente diferente: o
cionismo era a regra, tanto como mecanismo para sistema político poderia ser melhor descrito como
promover a industrialização, quanto como uma democrático, a economia tinha sido vigorosamente
maneira de resolver os crescentes desequilíbrios liberalizada e a inflação estava fora do cenário.
no balanço de pagamentos. A Industrialização por Como podemos explicar essas mudanças?
Substituição de Importações (ISI) combinada com Este artigo apresenta uma explicação não
uma estratégia de crescimento “para dentro”, que convencional para o sucesso da estabilização eco-
caracterizaram o modelo econômico desde a déca- nômica no Brasil. Em primeiro lugar, argumenta-
da de 30, não apenas causaram problemas no se, a estabilização brasileira deve ser entendida
como o processo pelo qual uma nova compreen-
* Este artigo corresponde a uma versão resumida e con- são acerca das causas da inflação no país se tornou
densada dos capítulos 1, 3, 4 e 7 de minha tese de hegemônica politicamente. Em segundo lugar, tra-
doutorado em Ciência Política, defendida em janeiro de ta-se de indicar as condições político-institucionais
2001 junto ao Instituto Universitário de Pesquisas do Rio
de Janeiro (Iuperj) (cf. Pio, 2001). Versões anteriores que favoreceram ou dificultaram a formulação de
deste trabalho foram apresentadas no seminário Pro- um programa de estabilização adequado à realida-
gress & Challenges of Democratization and Economic de brasileira, ou seja, compatível com a nova
Liberalization, Michigan State University, abril de 2000,
compreensão sobre as causas da inflação. Estas
e no GT Política e Economia, XXV Encontro Anual da
Anpocs, outubro de 2000. Este texto beneficiou-se dos questões são abordadas a partir do estudo de dois
comentários feitos por Eduardo Kugelmas, Ricardo Bi- programas de estabilização heterodoxos que deri-
elschowsky e Jonas Zoninsein. Não lhes cabe, no varam da “Teoria da Inflação Inercial” — o Plano
entanto, qualquer responsabilidade pelas idéias aqui
contidas. Marília Mochel ajudou-me com a tradução do Cruzado (1986) e o Plano Real (1993 até os dias
original em inglês. atuais). Procurei identificar as origens dessa formu-

RBCS Vol. 16 no 46 junho/2001


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lação no plano das idéias, assim como os mecanis- tas não apenas se tornaram profundos conhecedo-
mos por meio dos quais tais idéias influenciam o res das questões envolvidas na estabilização, mas
processo decisório governamental. também se dispuseram a participar das equipes
De acordo com o argumento aqui proposto, econômicas que formularam programas de estabi-
as idéias de política defendidas pelos membros da lização no âmbito federal. Uma simples compara-
equipe econômica são um elemento central para a ção entre a legislação federal e sua produção
explicação do sucesso de qualquer programa de acadêmica revela o quão cruciais foram suas idéias
estabilização. Portanto, a análise que se seguirá no processo de tomada de decisão. Logo, um dos
privilegiará a identificação dos mecanismos que propósitos deste artigo é explicar como aquelas
levaram as idéias heterodoxas às posições-chave idéias alcançaram as mais altas posições dentro do
dos respectivos governos. Para tanto, far-se-á uso governo.
do conceito de “rede política”, como representan- O artigo está dividido em quatro partes. A
do um conjunto de vínculos políticos, estabeleci- primeira apresenta o grupo de economistas da
dos a partir de relações pessoais, profissionais e/ou PUC-RJ. Na segunda parte analiso as principais
partidárias, que ligavam os economistas heterodo- idéias desses economistas sobre a estabilização, em
xos da academia a indivíduos bem posicionados especial a proposta heterodoxa conhecida como
no sistema político, capazes de indicar seus nomes Teoria da Inflação Inercial. A terceira parte analisa o
ao presidente da República ou a algum ministro da processo decisório dos dois planos de estabilização
área econômica para ocupar postos relevantes na heterodoxos implementados no Brasil — o Cruza-
estrutura da burocracia econômica (cf. Pio, 2001). do e o Real. A quarta parte é a conclusão.
Quase sempre essas redes envolvem o ministro de
Estado, já que, nos casos aqui analisados, trata-se
O grupo de economistas heterodoxos
da própria constituição da equipe econômica, ou
seja, dos principais assessores do Ministério. O O grupo de economistas da PUC-RJ envolvi-
estudo dessas redes é uma das principais chaves do na compreensão do problema inflacionário
para que se possa entender o processo de nomea- brasileiro e na formulação de alternativas concretas
ção política dos formuladores da política econômi- de estabilização para o Brasil pode ser facilmente
ca, que, por sua vez, é fundamental para determi- identificado. Ele foi criado no início dos anos 1980,
nar o conteúdo dos programas de estabilização. logo após o retorno de Pérsio Arida e de André
O foco da análise também recairá sobre os Lara Resende dos Estados Unidos, onde cursaram
obstáculos políticos encontrados pelos economis- doutorado em Economia no Massachusetts Institu-
tas heterodoxos durante a formulação e a imple- te of Technology (MIT). Na PUC-RJ, eles se junta-
mentação dos dois programas estudados, assim ram a outros três expertos em estabilização também
como sobre as variáveis político-institucionais que treinados em universidades norte-americanas —
nos ajudam a entender por que, no caso do Plano Chico Lopes (Harvard), Edmar Bacha (Yale) e
Cruzado, esses obstáculos se mostraram intranspo- Eduardo Modiano (MIT, Sloan Business School) —
níveis, enquanto no caso do Real logrou-se a e uns outros poucos interessados em questões
viabilização política do programa de estabilização tangenciais à estabilização, como política trabalhis-
pretendido pelos economistas heterodoxos. ta (José Márcio Camargo), economia do setor
O principal argumento aqui desenvolvido é o público (Rogério Werneck) e questões relaciona-
de que o sucesso das políticas de estabilização das ao endividamento externo (Pedro Malan).
econômica se deveu à ascendência das idéias de Lopes, Arida e Lara Resende desenvolveram
um grupo de acadêmicos do Departamento de uma nova interpretação do processo inflacionário
Economia da Universidade Católica do Rio de brasileiro. Após empreenderem diversas investiga-
Janeiro (PUC-RJ) sobre a política econômica dos ções sobre a validade da Curva de Philips para
governos de Itamar Franco (1992-93) e Fernando explicar a escalada da inflação no Brasil, eles
Henrique Cardoso (desde 1994). Esses economis- chegaram a uma conclusão muito diferente, que
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destacava a importância de mecanismos institucio- muito mais semelhante à proposição inicial de


nais — cláusulas de indexação — para explicar a Arida e Lara Resende (1984a) do que o Cruzado. A
falha dos programas de estabilização ortodoxos próxima seção discutirá o processo de policy-
implementados no início da década de 80. Sua making dos dois planos.
contribuição teórica foi chamada de Teoria da
Inflação Inercial.
A formulação heterodoxa brasileira
Alguns dos membros do grupo de estabiliza-
ção da PUC-RJ fizeram parte do governo federal O Brasil teve uma longa história de inflação.
nas administrações dos presidentes Sarney, Collor, De fato, está claro agora que a inflação era um
Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. Ari- componente-chave do modelo ISI voltado “para
da e Lara Resende eram filiados ao partido gover- dentro” seguido a partir da década de 30 (ver
nante — o PMDB — e se juntaram à equipe Franco, 1999). Uma especificidade sobre a duração
econômica de Sarney na segunda metade de 1985. de taxas anuais de inflação de dois/três dígitos por
Uma vez no governo, ajudaram a projetar o primei- tanto tempo foi a instituição de um complexo
ro plano de estabilização, o Cruzado (1986).1 O sistema de indexação (pós-fixada) que atravessava
Programa Cruzado foi, em grande parte, influenci- toda a economia — de impostos a instrumentos
ado por suas idéias, ainda que incluísse um conge- financeiros e de salários a preços.2 No entanto, se
lamento de preços, derivado da abordagem de a indexação evitava distúrbios contratuais de curto
Chico Lopes — ao qual Arida e Lara Resende se prazo causados pela inflação, também criava enor-
opunham. mes dificuldades para os programas de combate à
Eduardo Modiano, que trouxe importantes inflação. Desde 1970 Mário Henrique Simonsen
contribuições ao desenvolvimento da Teoria da enfatizava que os obstáculos estruturais/institucio-
Inflação Inercial, fez parte da primeira equipe nais à estabilização colocados pelos mecanismos
econômica de Fernando Collor. Ele tinha sido um de indexação reduziam a eficácia de programas
dos que haviam mostrado os impactos negativos ortodoxos de estabilização — baseados em políti-
dos mecanismos de indexação salarial sobre a cas monetárias e fiscais restritivas (ver Simonsen,
eficácia das políticas ortodoxas, baseadas no uso 1970).
de técnicas de administração da demanda. A des- A inflação elevada geralmente provocava a
peito disso, não se pode dizer que os Planos Collor valorização da taxa de câmbio, o que incentivava
I e II derivaram da idéia da inflação inercial. Os as importações. No entanto, a crise da dívida, no
heterodoxos estiveram afastados da formulação da começo dos anos 80, forçou o Brasil a adotar
política de estabilização entre 1987 e 1993. políticas econômicas que gerassem reservas exter-
Quando Fernando Henrique Cardoso foi in- nas. Com a repentina retirada do capital externo
dicado ministro da Fazenda por Itamar Franco, em como uma alternativa de financiamento, o Brasil
março de 1993, os economistas da PUC-RJ retorna- teve de contar basicamente com o comércio exte-
ram ao governo. Naquela época, eles fizeram suas rior para aumentar as reservas. As escolhas políti-
mais importantes contribuições ao processo de cas feitas pelo governo brasileiro de modo a atingir
estabilização no Brasil, como principais arquitetos elevados excedentes comerciais envolviam cons-
e administradores do Plano Real (1993 até hoje), o tantes desvalorizações reais da moeda nacional.
mais exitoso plano de estabilização jamais imple- Isso, por sua vez, aumentou o valor da dívida
mentado no país. Como resultado do processo de externa em moeda nacional e também o preço das
aprendizado derivado dos fracassos anteriores das importações, que pressionavam a inflação (ver
políticas de estabilização, de um lado, e do total Cardoso e Fishlow, 1988).
controle sobre o processo de policy-making exer- Uma combinação de preços crescentes de
cido pelos economistas da PUC-RJ — particular- importações — particularmente do petróleo —
mente Arida, Lara Resende, Bacha, Winston Fritsch com a indexação de toda a economia levou a
e Gustavo Franco —, de outro, o Plano Real é inflação a seus mais altos níveis na história. Como
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corretamente colocado por uma respeitada publi- ção montados em todas as formas de relações
cação econômica: contratuais (ver Arida e Lara Resende, 1984a).
Lopes, por outro lado, propôs um sistema de
[...] sem a indexação, um aumento no preço de congelamento ao invés da reforma monetária (ver
uma matéria-prima importada deveria causar um Lopes, 1984).4 Ambas as perspectivas eram consi-
aumento único nos preços. Haveria uma queda na deradas “heterodoxas”, uma vez que lançavam
renda real, mas nenhuma mudança duradoura nas mão de algo mais do que apenas o controle da
taxas de inflação ou de desemprego. Quando os oferta monetária e do déficit público.
salários são indexados, no entanto, o primeiro Para os economistas heterodoxos, a elimina-
aumento dos preços mais altos põe em movimen- ção do componente inercial da inflação requeria o
to um círculo vicioso. Primeiro, os preços aumen- uso de um artifício para coordenar as expectativas
tam; o que significa maiores salários, que levam a dos agentes econômicos no sentido de uma situa-
outro aumento nos preços e assim por diante. (The ção de estabilidade de preços. Esse artifício estabe-
Economist, 30/3/1985, p. 75) leceria, essencialmente, os valores iniciais (entry
values) dos novos contratos (não-indexados) que
A associação de choques externos (as crises substituiriam aqueles que continham cláusulas de
do petróleo e o aumento das taxas de juros nos indexação. Essa conversão dos contratos vigentes
EUA) às maxidesvalorizações (30% em 1979 e poderia ser feita tanto por meio de uma reforma
novamente em 1983) fez as taxas anuais de infla- monetária — a criação de uma nova moeda para
ção pularem de 40%, em 1979, para 100% em 1980, substituir a antiga, de modo a promover uma
180% em 1983 e 240% em 1985. transição completa para um ambiente estável —,
Ao lado disso, a inflação crescente induziu a como proposto por Lara Resende e Arida, quanto
diminuição dos intervalos de tempo dos mecanis- por meio de uma política de renda — com o uso de
mos de indexação, causando um crescimento ain- um congelamento de preços e salários ou a institui-
da mais rápido na oferta monetária. Nesse contex- ção de controles administrativos sobre os aumen-
to, programas ortodoxos de estabilização foram tos de preço —, como sugerido por Lopes (1984) e
implementados sem nenhum sucesso de 1980 a Bresser Pereira e Nakano (1984).
1985, parte do tempo (1983-85) sob a rígida super- O apelo a um artifício dessa natureza é o que
visão do FMI. Tais políticas não foram exitosas distingue os programas heterodoxos de estabiliza-
porque não levaram em conta a necessidade de ção dos ortodoxos. A rejeição por Arida e Lara
desmantelar o sistema de indexação (cf. Arida e Resende de um esquema de congelamento de
Lara Resende, 1984a).3 preços como uma forma de imobilizar as expecta-
Motivado pelo fracasso da estabilização orto- tivas inflacionárias já era forte em sua formulação
doxa, o grupo da estabilização da PUC-RJ produziu inicial.5 Isto é uma expressão clara de seu forte
uma série de estudos econométricos para avaliar a compromisso com os mecanismos de mercado e
validade da Curva de Philips para explicar a infla- contrato voluntário como principais regras gover-
ção brasileira daquele momento. A partir desses nando as interações econômicas mesmo durante
estudos, eles derivaram uma nova teoria baseada programas de estabilização.
na noção de “inércia”, que enfatizava o papel Em suma, durante períodos de inflação eleva-
desempenhado pelos esquemas de indexação. A da ou crônica, os preços relativos estão constante-
então chamada Teoria da Inflação Inercial foi mente mudando, já que os aumentos de preços não
desenvolvida por André Lara Resende e Pérsio são perfeitamente sincronizados. Por essa razão, o
Arida, de um lado, e por Francisco Lopes, de outro. preço relativo de um produto tendia a se deteriorar
Os dois primeiros propuseram a combinação de imediatamente depois de ter sido aumentado. Des-
políticas ortodoxas para controlar os fundamentos se modo, na opinião de Arida e Lara Resende,
(os agregados monetário e fiscal) com uma refor- congelamentos de preços quase certamente cristali-
ma monetária para abolir mecanismos de indexa- zariam os desequilíbrios entre preços relativos. O
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resultado provável seria que os agentes/indivíduos nova moeda abrigassem provisões de indexação.
negativamente afetados pelo congelamento seriam O governo fixaria uma taxa de câmbio para conver-
tentados a aumentar seus preços logo depois que os sões de contratos na nova moeda, baseada na
controles de preço fossem relaxados. 6 Em outras dedução completa da inflação. Isso criaria um forte
palavras, os agentes econômicos não compartilhari- incentivo para conversões voluntárias porque fun-
am a expectativa de estabilidade de preços se eles cionaria como se a nova moeda fosse, ela própria,
pensassem que os preços dos produtos que ven- indexada (cf. Lara Resende, 1984a; Arida e Lara
dem tivessem sido injustamente convertidos para a Resende, 1984a). E os contratos — salários, preços,
nova moeda. O equilíbrio distributivo seria quebra- investimentos de capital, empréstimos, dívidas etc.
do pelo congelamento de preços e a inflação — convertidos na nova moeda conteriam expecta-
tenderia então a reaparecer logo após o relaxamen- tivas sobre a estabilidade dos preços por duas
to dos controles administrativos. razões: primeiro, os contratos convertidos estabe-
Seguindo seu compromisso com uma admi- leceriam novos valores (entry values), tornando a
nistração conservadora dos fundamentos, Arida e oferta e a demanda compatíveis, e segundo, as
Lara Resende apontavam a necessidade de um cláusulas de indexação não mais existiriam.
controle firme do déficit público anterior à imple- Durante um período de transição, as duas
mentação da reforma monetária, uma vez que a moedas existiriam ao mesmo tempo. Uma vez que
reforma sozinha afetaria apenas o componente a conversão dos contratos vigentes para a nova
inercial da inflação. Dado o controle do déficit moeda preservaria o mesmo equilíbrio distributivo
operacional do setor público (o déficit ajustado à verificado no equilíbrio (inflacionário) anterior,
inflação) e a identificação clara do caráter inercial não haveria fontes de tensão entre as partes contra-
da inflação, eles apresentaram sua proposta de tantes e, conseqüentemente, nenhuma resistência
reforma monetária: ao fim da inflação. Se não houvesse outras fontes
de pressão inflacionária — e, novamente, eles
O governo deveria introduzir o cruzeiro novo acreditam que o déficit público é a principal causa
(NC), cujo valor aumentaria de acordo com os da inflação porque estimula a impressão de dinhei-
preços expressos em cruzeiro velho. O governo ro —, esta reforma seria suficiente para derrubar a
conduziria suas próprias transações em NCs ime- inflação. Se os fundamentos não estivessem sob
diatamente; as pessoas comuns poderiam trocar controle, a inflação remanescente seria do tipo
seu dinheiro antigo por NCs à taxa de conversão convencional (excesso de demanda), que requere-
fixada pelo governo. ria o uso das técnicas de administração de deman-
Suponha que a taxa inicial de conversão fosse 10 da — políticas restritivas (ortodoxas) monetária e
cruzeiros por NC. Se os preços (no dinheiro velho) fiscal.
subissem 10% no mês seguinte, o governo ajusta- A reforma monetária evitaria, na prática, os
ria a taxa de conversão, e trocaria 1 NC por 11 problemas envolvidos no congelamento de preços
cruzeiros. Desse modo, o poder de compra do NC porque os agentes econômicos converteriam vo-
não seria alterado: a inflação em termos de NC luntariamente seus contratos (incluindo preços)
seria zero por definição. Todos logo veriam a para a nova moeda. Essa conversão voluntária só
vantagem de receber seus salários e pagar suas aconteceria se a nova moeda provasse ser um
contas em NCs. (The Economist, 1985, p. 75; grifo índice melhor que os que vinham sendo utilizados
meu). 7 anteriormente. Parte do estímulo derivaria do fato
de que a nova moeda teria uma taxa diária de
Portanto, a idéia central da reforma monetá- apreciação em relação à antiga — atraente para
ria era a criação de uma nova moeda, seguida de todos os contratos que não tivessem uma indexa-
uma conversão voluntária de todos os contratos ção diária.8
vigentes para ela, sem violar a estrutura de preços A reforma monetária funcionaria, então,
do mercado. Não seria permitido que contratos na como impressão de dinheiro indexado, ou seja,
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dinheiro protegido da inflação. A esse respeito, ela sionou fortemente pela nomeação de Lara Resende
significaria a indexação radical de toda a econo- e Arida para posições-chave na equipe econômica,
mia, mas, desta vez, uma indexação pelo mesmo já que via o programa Larida de estabilização como
índice (um processo que eles acreditavam que a solução perfeita para combinar crescimento e
levaria dois meses), e quando os aumentos de controle da inflação.9
preço estivessem inteiramente sincronizados, o Há três importantes questões políticas a se-
próprio índice se tornaria a nova moeda — ou seja, rem esclarecidas com respeito à natureza do gover-
uma unidade da nova moeda seria cotada como no Sarney. Primeiramente, com a eleição de Tan-
uma unidade do índice. credo Neves à Presidência, a tarefa de escolher a
Agora, passamos à análise dos dois progra- equipe econômica ficou sujeita, mais do que no
mas de estabilização projetados e implementados regime anterior, a arranjos políticos. O PMDB, o
pelos economistas da PUC-RJ — o Cruzado e o principal partido no Congresso, adquiriu uma in-
Real. fluência decisiva sobre as decisões econômicas. A
escolha de João Sayad representou um claro desejo
do presidente de conquistar o apoio do PMDB de
Os planos heterodoxos de
São Paulo, representado por Ulysses Guimarães,
estabilização
Fernando Henrique Cardoso e pelo governador
Franco Montoro.
O Plano Cruzado Em segundo lugar, como o governo era o
Redes políticas e de política. A decisão gover- resultado da aliança entre o PMDB e o PFL, e como
namental de lançar um plano heterodoxo foi, em Tancredo decidira iniciar o governo com uma
grande parte, influenciada pelo fato de que a política financeira conservadora, para ganhar cre-
Argentina tinha lançado um programa semelhante, dibilidade internacional, ele indicou Francisco
que parecia funcionar. Os economistas argentinos Dornelles como ministro da Fazenda.10 Exceto
responsáveis pelo Plano Austral (1985) tinham pelo congelamento dos preços dos serviços presta-
trabalhado no Departamento de Economia da dos pelas companhias estatais, a política de estabi-
PUC-RJ e o seu programa foi visto como variação lização de Dornelles, na primeira metade de 1985,
da proposta Lara Resende-Arida (Larida). foi claramente ortodoxa. No entanto, uma vez que
A ascensão de Arida e Lara Resende às Tancredo (que era tio de Dornelles) jamais assu-
posições mais altas na estrutura decisória do gover- miu a Presidência, Dornelles perdeu o apoio polí-
no brasileiro deve ser creditada às redes políticas tico necessário para manter um rígido controle das
às quais ambos estavam ligados como um resulta- políticas monetária e fiscal, fundamentais para uma
do do amplo reconhecimento acadêmico de que política ortodoxa efetiva. Suas sérias divergências
desfrutavam e devido à sua filiação ao PMDB — o com a visão desenvolvimentista de Sayad, e do
partido mais forte da coalizão que dava sustenta- próprio Sarney, foram suficientemente fortes para
ção parlamentar ao presidente Sarney. Ademais, o tornar difícil sua posição no governo. Ele renun-
fato de que eles fossem amplamente reconhecidos ciou finalmente em agosto de 1985, quando o
como grandes críticos das políticas recessivas de presidente Sarney apoiou o novo Plano de Metas
estabilização do início dos anos 80, bem como de Sayad, que implicava um aumento substancial
proponentes de políticas de estabilização não- dos gastos em programas sociais — enquanto
recessivas, colocou-os numa posição central entre Dornelles propunha um corte geral de 10% nas
os economistas do PMDB. No passado, eles tinham despesas do governo.
mantido relações profissionais, acadêmicas e pes- Com a renúncia de Dornelles, Sarney indicou
soais com dois importantes membros do governo Dilson Funaro, um industrial de São Paulo, para o
Sarney, João Sayad (ministro do Planejamento) e Ministério da Fazenda.11 Funaro tinha íntimas liga-
Fernão Bracher (presidente do Banco Central). ções com o PMDB de São Paulo, representando
Também um economista acadêmico, Sayad pres- uma real mudança nas políticas econômicas do
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governo. O novo ministro trouxe para a equipe O aspecto mais importante do processo polí-
econômica dois economistas da Universidade Esta- tico por trás do planejamento e da implementação
dual de Campinas (Unicamp) que dispunham de do Plano Cruzado foi que os dois expertos que
importantes credenciais políticas no PMDB — João primeiramente projetaram a tecnologia da reforma
M. Cardoso de Mello e Luiz G. Belluzzo. Eles foram monetária — Lara Resende e Arida — estavam em
também decisores-chave no Plano Cruzado, ainda posições subordinadas no aparato decisório do
que não fossem expertos em questões monetárias e governo. Enquanto fosse apenas uma questão de
políticas de estabilização. Eles também não conhe- planejamento, sua capacidade de controle do pro-
ciam em detalhes a natureza da proposta Larida. cesso era quase absoluta, uma vez que a tecnologia
Finalmente, as mudanças no Ministério da que eles haviam criado não era inteiramente co-
Fazenda com a chegada de Funaro se refletiram nhecida por nenhum dos colegas do governo. Lara
obviamente nas indicações para o Banco Central Resende e Arida foram os únicos com credenciais
(Bacen). O perfil da diretoria do Bacen foi sensivel- no governo que sabiam, por exemplo, como escre-
mente alterado com a saída dos economistas con- ver a lei, como promover a reforma monetária,
servadores que assumiram a instituição nos meses como determinar o mecanismo para a conversão
da gestão Dornelles, quando o Banco foi presidido dos contratos e uma série de detalhes técnicos que
por Antônio Carlos Lemgruber. Na gestão de Funa- não estavam à disposição de outros decisores —
ro, o Bacen tornou-se um locus central na elabora- fossem eles políticos ou tecnocratas.13
ção do programa heterodoxo, especialmente de- Esse controle técnico do conteúdo da políti-
pois de outubro de 1985. Fernão Bracher foi indica- ca exercido pelos expertos, no entanto, declinou à
do presidente por Funaro. Como ele era ligado ao medida que o pacote de medidas ganhava subs-
grupo heterodoxo, convidou Lara Resende e Arida tância e se tornava conhecido por aqueles que
para integrar a diretoria. Arida se mudou do Ministé- ocupavam as posições propriamente políticas.
rio do Planejamento (Seplan) para o Bacen no final Logo que o conjunto final de medidas foi comple-
do ano. Lara Resende foi nomeado diretor de tado, a centralidade política dos expertos chegou
Dívida Pública e Mercado Aberto, responsável pela ao fim. Como eles ocupavam apenas cargos tecno-
determinação das taxas de juros, e Luís C. Mendon- cráticos, não tinham nenhuma autoridade para
ça de Barros — outro banqueiro, que mantinha mudar as decisões que vinham de seus superiores
fortes vínculos com Lara Resende —, diretor do hierárquicos, ou de políticos importantes, mesmo
Mercado de Capitais. Pode-se dizer então que, quando tais decisões eram totalmente contrárias à
depois da renúncia de Dornelles, o foco de resistên- lógica básica do programa que eles haviam plane-
cia política à nomeação de economistas heterodo- jado.
xos para a diretoria do Bacen foi eliminado. Desse modo, ambos os superiores na estrutu-
Bracher, com a autoridade de presidente do ra burocrática (ministros e políticos importantes) e
Bacen, assumiu a responsabilidade de fazer a outros tecnocratas auxiliares com conexões políti-
equipe econômica heterogênea trabalhar, sob a cas — o caso de Belluzzo e João Manoel, os dois
orientação de Lara Resende e Arida, na formulação principais auxiliares do ministro da Fazenda —
do conjunto de medidas de estabilização. Assim, a eram capazes de mudar as medidas econômicas
partir de outubro, o núcleo da equipe, constituído propostas por Lara Resende e Arida. Isso é ainda
por economistas da Seplan, do Bacen e do Minis- mais importante quando consideramos que ne-
tério da Fazenda, começou uma série de encontros nhum dos outros membros do governo, mesmo os
para planejar a reforma monetária. Chico Lopes foi economistas, tinha entendido a lógica básica do
incorporado como consultor informal até o mo- programa heterodoxo como Lara Resende e Arida
mento em que ficou claro para os demais que o o haviam formulado.14
governo lançaria o programa. Nesse ponto, apenas Em suma, foi apenas após a definição do
aqueles que ocupavam cargos no governo partici- conjunto básico de medidas pelos dois expertos
param das discussões.12 que todos os outros membros do governo — não
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apenas os membros da equipe econômica e da (vi) indexação: novos contratos só poderiam


coalizão política no Congresso — tiveram a chance ser indexados (oficialmente) se durassem mais de
de alterar o conteúdo do pacote. Nesse ponto, a um ano. Nesse caso, o índice seria a OTN —
capacidade dos planejadores para manter intacta a Obrigações do Tesouro Nacional, que substituiu a
lógica básica do programa foi sensivelmente redu- ORTN como índice de preços públicos. A OTN
zida. A busca de acordo entre diferentes princípios seria congelada por doze meses, quando seria
econômicos e políticos tornou-se então preponde- ajustada à inflação. A indexação de contratos em
rante. Os conflitos surgiram e foram resolvidos por vigência por menos de um ano foi proibida.
meio de barganhas. Embora tanto Arida quanto Lara Resende
As disputas dentro da própria equipe econô- fossem teoricamente contra a idéia de um congela-
mica caracterizaram os processos decisório e de mento de preços, especialmente devido a seus
implementação do Plano Cruzado. As questões efeitos de longo prazo na economia, eles aceitaram
sobre as quais essas disputas se desenvolveram são sua inclusão no Plano como instrumento de curto
discutidas abaixo. prazo. Como já expliquei, eles estavam convenci-
Medidas heterodoxas. Características básicas dos da importância do sistema de preços para
do programa: determinar uma alocação eficiente de recursos
(i) uma nova moeda: o cruzado (Cz$) substi- entre diferentes setores da economia, mas escolhe-
tuiu o cruzeiro (Cr$) em 28 de fevereiro de 1986, na ram o congelamento de preços por três razões.
proporção de Cr$ 1 mil para Cz$ 1; Primeiramente, havia problemas constitucionais
(ii) os preços foram congelados, por decreto, envolvidos na idéia de criar um período de transi-
por tempo indeterminado. A taxa de câmbio tam- ção, durante o qual a nova e a antiga moedas
bém foi fixada. Essas duas ações tiveram por base fossem válidas. Pode um país ter duas moedas
a idéia de que a meta de inflação zero seria diferentes? Apenas em 1992, depois do fracasso de
imediatamente atingida e mantida; quatro choques de estabilização não-ortodoxos,
(iii) na conversão dos contratos salariais vi- Arida planejou uma forma de evitar esse debate
gentes para cruzados, os valores iniciais (entry por meio de uma idéia muito criativa: a nova
values) deveriam ser iguais à média do poder de moeda seria apenas virtual, isto é, ela não precisa-
compra nos seis meses anteriores, acrescidos de ria circular na economia como meio de troca —
um abono de 8% (15% para o salário mínimo). essa foi a lógica aplicada no Plano Real.
Anualmente, os salários seriam ajustados em pelo Em segundo lugar, um congelamento de
menos 60% da taxa de inflação acumulada desde o preços a curto prazo (entre trinta e noventa dias)
ajuste anterior. Os outros 40% deveriam ser nego- ajudaria a controlar ataques especulativos contra o
ciados entre trabalhadores e patrões; Plano resultantes de potencial ceticismo (um com-
(iv) criou-se uma cláusula de indexação de- portamento do tipo não-vai-funcionar-então-dei-
terminando que, toda vez que as taxas mensais de xe-me-aumentar-meus-preços). Finalmente, seria
inflação acumuladas atingissem 20% ou mais, to- um importante fator para trazer o apoio necessário
dos os salários seriam automaticamente ajustados da opinião pública, especialmente porque havia
pela taxa total de inflação acumulada (gatilho);15 grande suspeita sobre o modo como os trabalha-
(v) depósitos, cédulas de cruzeiro e ações dores organizados reagiriam à fórmula de conver-
nos fundos financeiros públicos foram convertidos são dos salários (cf. Solnik, 1987, pp. 90-91 e 160-
em cruzados imediatamente. A Tablita — um 161). 16
mecanismo de desvalorização diária baseado no Além do congelamento de preços, outras
desconto de valores indexados implícitos nos con- mudanças na formulação original foram introduzi-
tratos futuros — foi estabelecida para a conversão das seja para convencer outros segmentos do
dos passivos com vencimentos futuros. Passivos governo a adotar a nova opção de política, seja
indexados explicitamente não estavam sujeitos à para criar cooperação entre os grupos sociais. Duas
Tablita; dessas mudanças tinham um impacto distributivo:
A ESTABILIZAÇÃO HETERODOXA NO BRASIL: IDÉIAS E REDES POLÍTICAS 37

o abono salarial e a criação do gatilho. O critério de e Arida — sabia que o nível agregado de
da neutralidade a ser aplicado na conversão dos demanda mais elevado teria um impacto negativo
contratos vigentes foi, então, definitivamente sobre o balanço de pagamentos, uma vez que
abandonado. Essas duas medidas eram contrárias à menos produtos estariam disponíveis para a expor-
lógica original do programa, mas foram considera- tação.20 Além disso, a combinação de limitações na
das necessárias para ganhar o apoio do ministro do oferta e um teto para as taxas de juros significava
Trabalho, Almir Pazzianotto (PMDB), e para facili- que importações seriam necessárias para satisfazer
tar o apoio das centrais sindicais.17 No caso espe- a demanda doméstica, debilitando ainda mais as
cífico dos abonos salariais, estes não foram sequer contas externas.
aprovados pelos dois expertos que planejaram o Depois de lançada a reforma monetária — a
pacote. (Como um deles reportou a este autor, os conversão dos contratos vigentes a novos valores
abonos foram decididos na madrugada do dia de (entry values) compatíveis com o nível corrente de
anúncio do programa, depois que Lara Resende e oferta de bens na economia —, o componente
Arida tinham deixado a reunião com a equipe.18 ) inercial da inflação foi bloqueado. Daí para frente,
A despeito da oposição de toda a equipe decisões macroeconômicas deveriam se basear
econômica, durante sua implementação, o Plano apenas no uso de técnicas convencionais de admi-
foi erroneamente associado com o congelamento nistração da demanda. Naquele momento, no en-
de preços. O apoio público derivado da repentina tanto, não havia um claro reconhecimento da
derrubada da inflação foi importante economica- natureza expansionista de programas de estabiliza-
mente para o governo, mas fez com que os políti- ção heterodoxos. A questão de lançar controles
cos (especialmente o presidente Sarney) relutas- rígidos sobre a demanda agregada foi, conseqüen-
sem em abolir o congelamento de preços. Estava temente, imprevisível para a maioria daqueles que
claro para todos aqueles (economistas) envolvidos acreditavam que heterodoxia significasse a ausên-
na implementação do programa que o congela- cia de restrições sobre o consumo — entre eles, os
mento de preços não poderia durar muito tempo, ministros Funaro e Sayad.21
porque até mesmo razões climáticas — por exem- Medidas convencionais durante a implemen-
plo, a redução da oferta de verduras na estação tação. Para evitar as conseqüências negativas da
seca — ou o aumento do preço internacional de demanda excessiva, Lara Resende e Arida defende-
um produto importado qualquer requereriam algu- ram um ajuste fiscal de longo prazo, a ser precedido
ma mudança nos preços relativos. Como conse- por um endurecimento da política monetária — isto
qüência de um longo congelamento de preços, é, por um aumento substancial nas taxas de juros
desequilíbrios nos preços relativos certamente ge- reais, de modo a reduzir a demanda agregada.
rariam problemas de oferta e o desenvolvimento O Ministério da Fazenda estava internamente
de práticas de mercado negro. dividido em relação à questão do aumento das
Por outro lado, a combinação de congela- taxas de juros. Contrários ao aumento estavam o
mento de preços, aumento de salários e baixas próprio ministro Funaro e Cardoso de Melo.22 O
taxas de juros fixadas politicamente criou repenti- outro auxiliar econômico do ministro, Luiz Gonza-
namente um “excesso de demanda” — por exem- ga Belluzzo, tinha uma posição mais próxima à de
plo, um nível agregado de demanda incompatível Lara Resende e Arida, a favor de taxas de juros mais
(mesmo no curto prazo) com a capacidade de altas. A respeito de outra questão — de que deveria
oferta da economia doméstica.19 Isso foi ainda haver um corte geral no nível de gastos do governo
mais agravado pela necessidade de promover —, esse grupo de economistas do Ministério da
enormes excedentes na balança de transações Fazenda e do Bacen concordava plenamente. En-
comerciais. O crescimento da demanda foi identi- tretanto, devido a provisões legais, os cortes orça-
ficado em abril, menos de 60 dias depois do mentários estavam sob a responsabilidade da Se-
lançamento do Plano. Naquele ponto, parte da plan. Nesse sentido, o ministro da Fazenda apoiou
equipe econômica — particularmente Lara Resen- um importante princípio da formulação original do
38 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 16 No 46

Plano: de que o déficit público teria de ser zero. No promover um aumento de 7% ao ano nas taxas de
entanto, a Seplan resistiu aos cortes orçamentários. crescimento por meio de gastos públicos.
O ministro da Fazenda também preferia aumentos Naquele momento, o ministro Sayad pressio-
nos impostos indiretos — por exemplo, na produ- nou pela decisão de baixar as taxas de juros, não
ção e no consumo de bens particulares — a apenas para promover investimentos privados,
aumentos nos impostos diretos, como o imposto mas também para reduzir os efeitos negativos dos
de renda. juros sobre a dívida interna. Ele também resistia
Em geral, os ajustes publicados em julho (o aos cortes nos gastos públicos, devido ao impacto
“Cruzadinho”) seguiram a linha das percepções do que teriam na economia, reduzindo os incentivos
Ministério da Fazenda, ainda que o congelamento para os investimentos privados.24 Como uma alter-
de preços fosse mantido por decisão do próprio nativa tanto às taxas de juros mais elevadas quanto
presidente. Com o objetivo de reduzir o excesso aos cortes nos gastos públicos, Sayad propôs uma
de demanda, ele introduziu os empréstimos com- redução dos subsídios e cortes nas transferências
pulsórios por meio da criação de impostos tempo- de receita do governo federal para os estados, bem
rários sobre o preço de venda de automóveis e como um aumento nos impostos diretos (particu-
gasolina, que deveriam ser restituídos aos consu- larmente, os impostos sobre a renda). A Seplan
midores após três anos. Além disso, o “Cruzadi- visava promover o crescimento econômico sem a
nho” instituiu novos impostos sobre a compra de preocupação de curto e médio prazo com a capa-
moedas estrangeiras para viagens internacionais e cidade de oferta da economia. A demanda crescen-
nas compras de passagens aéreas internacionais. te era vista por Sayad como uma “bolha” transitória
As taxas de juros foram levemente aumentadas, de consumo, que diminuiria num futuro muito
devido a uma decisão individual de Lara Resende, próximo. 25
contra a vontade de Funaro.23 A despeito de sua O presidente e seu grupo mais próximo
intenção de usar instrumentos para reduzir a de- estavam, de fato, resistindo a medidas que pudes-
manda agregada, esse pacote foi complementado sem prejudicar o apoio popular ao Plano, o que
por um “Plano de Metas” — um documento escrito estava claramente refletido na sua aversão ao corte
pela Seplan estabelecendo a intenção explícita de na demanda. Taxas de juros baixas, aumentos nos

Tabela 1
O Pacote “Cruzadinho” (Julho, 1986), Conflito Interburocrático sobre os
Instrumentos de Política e Conjunto Final de Medidas Corretivas

Política Monetária Ajuste Fiscal Congelamento de Preços


(aumento nas taxas (corte Durante Depois de maio
de juros mais corte no nos gastos a formulação (encontro de
crédito privado) públicos) do processo Carajás)

Ministério da Fazenda Parcialmente a favor Proponente A favor Contra


Bacen Proponente Proponente Teoricamente contra, mas Contra
de acordo como segunda
melhor alternativa
Seplan Contra Contra A favor Contra
Presidência Contra Contra A favor A favor
“Cruzadinho” Pequeno aumento NÃO — Continuou
(Julho/1986) das taxas de juros, (alguns impostos por um
devido a decisão indiretos foram período
pessoal de aumentados, indeterminado
Lara Resende apenas para
reduzir o consumo
de bens específicos)
A ESTABILIZAÇÃO HETERODOXA NO BRASIL: IDÉIAS E REDES POLÍTICAS 39

gastos públicos e a manutenção dos controles de eleições para o Congresso criou um constrangi-
preços foram então intensamente favorecidos.26 mento político sobre a equipe econômica. Um
Se é verdade que as taxas de inflação conti- novo pacote, o Cruzado 2, foi lançado em novem-
nuaram num patamar muito baixo durante o ano bro, duas semanas depois de uma notável vitória
até outubro, uma série de pressões inflacionárias da coalizão governista.
se desenvolveram sob o controle de preços. Pri- O Plano Cruzado 2 consistia basicamente de:
meiro, o simples fato de que mais pessoas deseja- (i) um aumento acentuado nos impostos indiretos
vam gastar um montante maior de dinheiro em sobre a compra de alguns bens específicos (80%
consumo criou a disposição nos comerciantes de sobre automóveis novos, 120% sobre cigarros e
aumentar os preços. Segundo, como alguns setores 100% para bebidas alcoólicas); (ii) os preços de
se aproximaram da situação de capacidade plena, alguns produtos fornecidos ou controlados pelo
gargalos tenderam a se desenvolver. Terceiro, governo também foram aumentados, ainda que
tanto a oferta de matérias-primas como a de bens tivessem de permanecer congelados (gasolina 60%,
intermediários se tornou escassa, como resultado energia e telefone 35% e serviços postais 80%); (iii)
tanto dos eventos sazonais como da elevada de- restabelecimento de um sistema de uma minidesva-
manda. Quarto, o pacote econômico adotado em lorização para a determinação de uma nova taxa de
julho — o “Cruzadinho” — aumentou alguns cus- câmbio nominal, baseada no total abatimento das
tos de produção e, ao mesmo tempo, assinalou que áreas de inflação; e (iv) reindexação de todos os
o congelamento de preços não se aplicava a todos contratos financeiros às Letras do Banco Central
os produtos. Finalmente, houve alguns setores em (LBC), que refletiam as expectativas do mercado
que o congelamento de preços nunca foi efetivo — sobre as futuras taxas de juros.
como vestuário, carros usados, ferragens, entre
outros. Nesses setores, ou o custo final do produto Tabela 2
envolvia o pagamento de ágio, ou pequenas mu- O Cruzado 2, Conflito Interburocrático
danças na aparência do produto eram feitas de sobre os Instrumentos de Política e Conjunto
modo a burlar as regulações (cf. Modiano, 1988). Final de Medidas Corretivas
A inflação recrudesceu, mesmo durante os
períodos do congelamento de preços. Conseqüen- Aumento Aumento Aumento Cortes
nas taxas do nos nos
temente, o mercado negro se desenvolveu, a taxa
reais de imposto impostos gastos
de câmbio se valorizou e a acumulação mensal de juros de renda indiretos públicos
taxas crescentes de inflação tornou o acionamento Ministério Vetou* Contra Propôs Apoiou
do gatilho salarial uma possibilidade real. da Fazenda
De outubro em diante, o impacto negativo do Seplan Apoiou Propôs Contra Vetou
congelamento de preços sobre a balança comercial Bacen Propôs Contra Contra Propôs
se tornou claro. Uma queda acentuada no exce- Cruzado 2 NÃO NÃO SIM NÃO
dente de comércio refletiu a combinação de preços * “Veto” significa que a agência tinha o poder de impedir a
mais elevados no mercado doméstico — devido ao escolha do instrumento de política.
ágio e ao nível elevado de demanda agregada —
com crescente especulação sobre a possibilidade A Tabela 2 sintetiza as diferenças básicas
de uma maxidesvalorização do cruzado em relação entre as três áreas técnicas em relação ao estabele-
ao dólar.27 Como as receitas da exportação eram cimento daquelas medidas. Desta vez, o presidente
transferidas aos exportadores em cruzados, usan- não interferiu na decisão, mas impeliu seus minis-
do a taxa de câmbio oficial, a possibilidade de uma tros a apresentar um pacote consensual. O con-
acentuada desvalorização naturalmente motivava senso não foi alcançado, uma vez que as opiniões
atrasos na contratação de exportações. A frágil de dois ministros eram opostas em quase todas as
posição externa tornou urgente o planejamento de questões. As posições defendidas pelo ministro da
duras medidas corretivas, mas a proximidade de Fazenda — aumento nos impostos indiretos e
40 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 16 No 46

controle tanto sobre o nível das taxas de juros presidente após um ano de incertezas devido à
como sobre o de impostos diretos — prevaleceram morte de Tancredo.
em quase todas as decisões, já que Funaro tinha Segundo, velhas idéias desenvolvimentistas
uma influência mais forte sobre o presidente Sar- — muito semelhantes ao que Dornbusch e Edwar-
ney. A Seplan conseguiu evitar cortes orçamentá- ds (1990 e 1991) denominaram “populismo econô-
rios, já que, na verdade, eles dependiam da sua mico” — estavam fortemente representadas tanto
vontade para serem implementados. Finalmente, o na Seplan como no Ministério da Fazenda. Essas
Bacen, onde tanto Lara Resende como Arida esta- idéias foram um importante fator por trás da
vam lotados, não teve nenhuma de suas propostas mudança da política econômica do governo Sar-
aprovadas (taxas de juros elevadas, cortes orça- ney, em agosto de 1985, quando o presidente
mentários e nenhum aumento de impostos). O decidiu substituir seu ministro da Fazenda, Dorne-
Cruzado 2 foi, então, exatamente o oposto daquilo lles, por Funaro. A importância atribuída à promo-
que “os pais” do Cruzado desejavam. ção do crescimento a qualquer custo era evidente
Como o Cruzado 2 era visto como altamente nos programas sociais, que envolviam tanto pro-
inflacionário, previa-se que as taxas futuras de juros postas de aumento nos gastos públicos como
aumentariam substancialmente, criando uma prote- políticas distributivas, para amenizar os custos da
ção extra para os contratos financeiros correntes. estabilização. 28
De novembro a dezembro, a inflação mais Terceiro, uma preocupação genuína com o
que dobrou, de 3,3% para 7,3%. Depois que o verdadeiro impacto do Plano sobre os salários
gatilho foi utilizado pela primeira vez, a inflação surgiu dentro do governo, especialmente no Minis-
tornou-se ainda maior e inevitável, mesmo que a tério do Trabalho, dando ao programa uma cono-
maioria dos preços permanecesse congelada. Vio- tação mais (re)distributiva e não neutra. Esta última
lações ao congelamento de preços tornaram-se preocupação é explicada, em parte, pelo fato de o
muito prováveis, uma vez que elementos essenci- PMDB ter centrado suas campanhas eleitorais ante-
ais da estrutura de custos das empresas foram riores na questão do arrocho salarial, e também por
substancialmente aumentados. A oferta monetária uma clara preocupação sobre a necessidade de
chegou a seu nível mais alto neste momento, gerar apoio popular e dos sindicatos nas fases
aumentando ainda mais a pressão por aumento de iniciais do Plano.
preços. Em janeiro de 1987, a taxa de inflação Finalmente, e mais importante, exceto por
superou a de um ano atrás, que tinha motivado o dois expertos que haviam formulado o primeiro
lançamento do Cruzado. Os preços da grande esboço do pacote — Lara Resende e Arida —, e
maioria dos produtos foram liberados oficialmente talvez Belluzzo no Ministério da Fazenda, nenhum
em fevereiro, criando expectativas de uma taxa de dos outros decisores que influenciaram o projeto e
20% para a inflação, o que não se materializou as medidas corretivas do Plano Cruzado tinha um
devido a um forte aumento da taxa real de juros. A entendimento claro da sua natureza. Além do mais,
inflação daquele mês foi de 13,9%. Finalmente, a aqueles que entendiam o Plano não ocuparam as
indexação geral da economia seguiu o fim do mais altas posições burocráticas.
congelamento de preços. Em 20 de fevereiro de 1987 o Brasil decidiu
Em suma, há quatro fatores decisivos para declarar a moratória da dívida externa. Naquele
explicar o afastamento das decisões tomadas du- momento, nenhum dos expertos que planejaram o
rante os processos de formulação e de implemen- pacote inicial e demandaram reformas durante a
tação do Plano Cruzado em relação às idéias sua implementação permanecia no governo: Lara
originais de Arida e Lara Resende. Primeiro, o Resende renunciara em dezembro, Pérsio Arida e
crescente apoio popular ao novo presidente (com- Fernão Bracher em fevereiro. Os dois ministros e
binado com o apoio ao regime) foi considerado seus auxiliares ainda permaneceram por algum
essencial pelo próprio Sarney e seu grupo político. tempo: Sayad saiu em março, enquanto Funaro,
Sarney precisava consolidar sua posição como João Manoel e Belluzzo ficaram até abril.
A ESTABILIZAÇÃO HETERODOXA NO BRASIL: IDÉIAS E REDES POLÍTICAS 41

O Plano Real foi o baixo grau de conflito intra e interburocrático a


Redes políticas e de política. O Real é, de partir do momento em que Cardoso assumiu o
longe, o mais bem-sucedido e consistente plano de Ministério da Fazenda, em 1993. Outros ministérios
estabilização implementado no Brasil desde o co- foram excluídos do processo decisório e até mesmo
meço da crise econômica, na década de 1980. É um o presidente Itamar Franco deixou de interferir nas
plano heterodoxo mas, além disso, é quase uma decisões tomadas pela equipe econômica. Os deba-
implementação exata das idéias iniciais apresenta- tes internos entre os economistas foi muito intenso,
das na proposta Larida, em 1984, e esboçadas na mas a capacidade de controle técnico do processo
parte inicial deste artigo. Lara Resende e Arida aproximou-se de um padrão ideal.30
também desempenharam papéis importantes na Desde o fracasso do Cruzado, o grupo central
equipe econômica que formulou e implementou o de economistas da PUC-RJ — Lara Resende, Arida,
pacote, como altos decisores no Ministério da Bacha e Malan — tinha decidido não integrar outro
Fazenda. governo caso a estabilização da economia não
Fernando Henrique Cardoso foi o ministro da fosse vista como o seu principal projeto político.31
Fazenda de junho de 1993 a abril de 1994, quando Eles tinham a clara percepção de que a garantia de
deixou o governo para concorrer à Presidência.29 um horizonte de tempo extenso para a equipe
Ainda no governo Itamar, Lara Resende foi o econômica trabalhar era uma condição essencial
negociador-chefe da dívida externa, no Ministério para o sucesso de qualquer tentativa de estabiliza-
da Fazenda, Arida foi presidente do Banco Na- ção. Na sua opinião, a credibilidade das políticas
cional de Desenvolvimento Econômico e Social de estabilização dependia diretamente da habilida-
(BNDES), Pedro Malan foi presidente do Bacen e de do governo em persuadir os agentes econômi-
Chico Lopes e Gustavo Franco tornaram-se mem- cos sobre a sua durabilidade. Então, eles demanda-
bros da diretoria do Bacen. Edmar Bacha ocupou ram competência completa para tomar e imple-
uma posição consultiva no Minstério da Fazenda. mentar decisões técnicas sem a necessidade de
Estas foram posições formais e não refletiam uma aceitar qualquer sorte de veto ou demanda política
rígida distinção hierárquica na equipe que formu- contrária à lógica básica do programa. Na prática,
lou o Real. Lara Resende deixou o governo em a equipe teria de assumir e manter as mais impor-
novembro de 1993, quando a fase de formulação tantes posições no governo, mas ainda dependeria
do programa de estabilização já estava bastante da confiança dos políticos mais importantes.
avançada. Depois que Cardoso assumiu a Presi- As circunstâncias políticas por trás da indica-
dência, Malan tornou-se ministro da Fazenda, ção de Fernando Henrique Cardoso para o Minis-
Arida, presidente do Bacen, e Lopes e Franco tério da Fazenda, na primeira metade de 1993,
permaneceram como diretores do Banco. Bacha criaram este conjunto de condições. Primeiro, Fer-
foi para a Presidência do BNDES. Arida deixou o nando Henrique era o quarto ministro da Fazenda
Bacen no final de 1995, quando foi substituído por de Itamar em menos de um ano. Isso implicava
Gustavo Loyola, um funcionário de carreira do uma continuação de incertezas políticas significati-
Banco. Depois que Loyola decidiu deixar o Bacen, vas originadas após o impeachment do presidente
em 1998, Gustavo Franco o substituiu. Lopes per- Collor. Indicadores macroeconômicos refletiam
maneceu na diretoria do Bacen. diretamente tais vacilações — por exemplo, taxas
Com efeito, todos aqueles envolvidos na for- de juros positivas eram menos capazes de reduzir
mulação do Real eram parte de uma equipe extre- a aceleração da inflação. Segundo, como um pré-
mamente homogênea, comprometida com o plane- requisito para aceitar a indicação do presidente
jamento do programa de estabilização. Entre eles, a Itamar, Fernando Henrique Cardoso exigiu e con-
abordagem da reforma monetária de Lara Resende seguiu total autonomia e responsabilidade sobre as
e Arida era totalmente hegemônica. Na verdade, decisões econômicas do governo. Terceiro, como
uma característica distintiva do processo político um respeitado senador de um partido moderado, a
por trás da formulação e da implementação do Real indicação de Fernando Henrique Cardoso também
42 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 16 No 46

implicou uma base mais forte de apoio ao governo Dentre os membros mais importantes da
no Congresso. equipe econômica, Bacha foi escolhido para nego-
Desse modo, Cardoso estava livre para esco- ciar com os líderes dos partidos aliados, governa-
lher sua equipe econômica e estabelecer os objeti- dores estaduais e congressistas mudanças margi-
vos macroeconômicos básicos. O grupo de econo- nais no conjunto básico de medidas. Não houve
mistas heterodoxos da PUC-RJ mereceu a total quaisquer mudanças na estratégia da reforma mo-
confiança de Fernando Henrique Cardoso por três netária nem nas políticas monetária e cambial
razões básicas: primeiro, porque eles já haviam como resultado daquelas negociações. Entretanto,
trabalhado juntos no Cruzado — Cardoso, como o componente fiscal do programa — o Fundo
um senador da corrente não-desenvolvimentista do Social de Emergência (FSE) — terminou por ser
PMDB, fora um aliado natural de Lara Resende e mais fraco do que inicialmente proposto, uma vez
Arida —; segundo, porque esses economistas já que alguns interesses lograram reduzir seus custos
tinham entrado no PSDB, o partido de Cardoso, de curto prazo no pacote de estabilização por meio
antes que ele se tornasse ministro; terceiro, como o da pressão política.33
próprio Cardoso, o grupo central da PUC-RJ era Comparado ao Cruzado, o Real dependeu
composto por distintos acadêmicos, e isso certa- muito mais do apoio do Congresso, devido a duas
mente serviu para reforçar a confiança de Cardoso mudanças introduzidas pela Constituição de 1988:
na equipe e vice-versa. Como um dos membros primeiro, o fato de ter sido abolido o instrumento
deste grupo explicitamente disse ao autor: “Não era dos decretos-leis, por meio dos quais o governo
simplesmente uma equipe de economistas do mes- Sarney legislava acima do Congresso; segundo, as
mo partido político do ministro. Era um grupo com obrigações fiscais do Executivo federal foram au-
laços pessoais com o próprio ministro [...] baseados mentadas e sua remoção, com vistas a se atingir o
na confiança mútua e na lealdade pessoal.” equilíbrio orçamentário, passou a depender de
Em contraste com os ministros Funaro e reformas constitucionais. A partir de outubro de
Sayad no governo Sarney, Cardoso conhecia pes- 1988 o Executivo passou a dispor do instrumento
soalmente os integrantes da equipe econômica, das Medidas Provisórias, por meio das quais quase
assim como o conteúdo de suas idéias para o todas as medidas econômicas foram lançadas.34
programa de estabilização. De acordo com a per- De modo a mudar a Constituição e evitar as
cepção de um dos membros principais da equipe conseqüências inflacionárias de déficits fiscais qua-
econômica, o ministro Cardoso tinha total conheci- se inevitáveis, o governo teria de manter uma
mento sobre a necessidade de cortar as despesas aliança no Congresso igual a 3/5 dos membros das
públicas e implementar uma reforma fiscal drástica duas Casas, uma proporção que se revelou quase
no início do programa, assim como sobre o con- impossível de assegurar, dado o caráter controverso
teúdo da política cambial, as exigências de um da maior parte das reformas constitucionais propos-
firme controle da demanda agregada via taxas de tas, bem como os seus custos sociais e políticos de
juros positivas após a reforma monetária, a política curto prazo — especialmente em um ano eleitoral.
salarial etc.32 O tênue apoio político é ainda mais importante se
Desse modo, uma característica distintiva do considerarmos que o governo Itamar Franco era
processo político do Real é que o político respon- apoiado no Congresso por uma maioria fluida de
sável por tomar as decisões finais e negociá-las partidos de centro-direita. Logo, a maioria de 3/5
com o Congresso — e também com o presidente precisou ser trabalhada para cada votação.
(populista) — sabia exatamente em que consistia o Medidas convencionais. O Plano foi dividido
pacote antes que ele tivesse sido lançado. Isso em quatro partes. Primeiro, a equipe econômica
provou ser essencial no sentido de filtragem das trabalhou com um conjunto medidas — chamado
demandas políticas e de superação das resistências de Programa de Ação Imediata (PAI) — visando ao
políticas que surgiram tanto dentro quanto fora do equilíbrio do déficit orçamentário previsto para
Congresso durante a negociação do pacote. 1993. Na primeira metade daquele ano, essa fase
A ESTABILIZAÇÃO HETERODOXA NO BRASIL: IDÉIAS E REDES POLÍTICAS 43

envolveu: definição de cortes nos gastos públicos; mente para gastos com pessoal e investimento; e
aumento da eficiência dos mecanismos de recolhi- corte geral nos gastos públicos, incluindo pessoal
mento de impostos; retomada dos pagamentos das e benefícios sociais.
dívidas de estados e municípios com o governo A despeito de todos esses esforços para
federal; controle da alocação dos recursos dos equilibrar o orçamento, o déficit fiscal estimado
bancos públicos; recuperação da saúde financeira para 1994 ainda era elevado, US$ 9,3 bilhões (2%
dos bancos federais; e melhoria e expansão do do PIB). O governo optou então pela criação do
programa de privatizações. Os resultados de curto chamado Fundo Social de Emergência (FSE), um
prazo foram substanciais: um aumento de US$ 500 conjunto de medidas de ajuste para financiar o
milhões (15%) nas receitas mensais de impostos, déficit restante. O FSE, inicialmente planejado para
devido principalmente ao combate à sonegação durar apenas dois anos (mas ainda vigente), impli-
fiscal; um corte de US$ 6 bilhões nas despesas cava a aprovação pelo Congresso de uma emenda
anteriormente incluídas no orçamento federal; a constitucional permitindo ao presidente zerar o
retomada dos pagamentos de estados e municípios déficit público ajustado à inflação.35 O FSE dava ao
ao governo federal. O mais importante indicador presidente autoridade para reter até 20% das recei-
de sucesso foi o déficit público ajustado à inflação, tas de todos os impostos federais, o que significava
que se aproximou de zero no final de 1993. Como que a participação dos estados e municípios na
vimos, esse era considerado um dos requisitos distribuição das receitas produzidas por aqueles
fundamentais para o lançamento do pacote de impostos, conhecidos como gastos vinculados,
estabilização baseado na proposta Larida. seria reduzida no mesmo montante.36 As receitas
A segunda fase foi, na sua essência, outro do FSE transferidas ao governo federal financiari-
conjunto de medidas de emergência, agora destina- am 20% das despesas totais não-financeiras do
das a equilibrar o orçamento federal de 1994, que governo em 1994, e se mostraram fundamentais
fora enviado ao Congresso em agosto de 1993. As para eliminar o déficit orçamentário.
medidas foram decididas pela equipe econômica Como o FSE vem sendo prorrogado desde
em dezembro daquele ano e então submetidas ao então, o governo federal ainda está circunstancial-
Congresso pelo presidente Itamar Franco. Aquelas mente liberado das obrigações constitucionais de
medidas não enfrentavam as causas estruturais dos dividir aquelas receitas tributárias com estados e
desequilíbrios fiscais no Brasil, o que, para a maio- municípios, enquanto uma reforma fiscal definitiva
ria dos economistas heterodoxos, requeriria a apro- não é aprovada pelo Congresso, eliminando o que
vação de diversas mudanças constitucionais (ver a é conhecido como obstáculo constitucional ao
terceira parte do Plano abaixo). equilíbrio fiscal.
A proposta inicial para o orçamento federal A terceira fase do Real seria uma série de
de 1994 incluía um déficit estimado de US$ 22,2 reformas constitucionais destinadas a aumentar a
bilhões — 4,9% do PIB (US$ 456 bilhões em 1994) eficiência geral da economia e do governo. As
— a ser financiado por meio de fontes inflacioná- reformas se estenderiam por uma enorme varieda-
rias. Isso era visto como um peso sobre o mercado de de matérias constitucionais: previdência, admi-
financeiro doméstico, uma vez que o déficit exigi- nistração pública, modernização econômica (pri-
ria maiores aumentos nas taxas de juros internas. vatização, desregulamentação do capital estrangei-
Decidido a adotar uma política de estabilização ro, quebra de monopólios das empresas estatais,
heterodoxa, o governo optou por cortar o déficit lei de concessões para oferta privada de serviços
ajustado à inflação, tomando medidas fundamen- públicos), reforma tributária, orçamento e o fede-
tais: um corte geral nas transferências voluntárias ralismo fiscal. Essa fase nunca foi inteiramente
de capital do governo federal para os estados e implementada devido, em parte, às intrincadas
municípios; imposição de rígidos limites à criação relações Executivo/Legislativo, mas também à na-
de títulos do governo; criação de controles mais tureza muito controversa das questões envolvidas.
firmes para o uso de fundos do Tesouro, especial- Como resultado, o governo optou pela reedição do
44 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 16 No 46

FSE, e deixou as causas estruturais do desequilíbrio seriam convencidos de que o novo sistema era
fiscal sem solução definitiva. melhor em si mesmo, e voluntariamente migrariam
Medidas heterodoxas. A reforma monetária, para ele. A esse respeito, o Plano Real não envolveu
quarta fase do Real, foi apresentada em fevereiro de nenhum congelamento de preços. Como alternati-
1994, imediatamente após o Congresso ter aprova- va, o programa desenvolveu um criativo processo
do o FSE.37 É nessa etapa do programa que a de conversão gradual de todos os contratos de uma
importância das formulações originais de Arida e moeda para a outra durante um período de transi-
Lara Resende se torna mais evidente. Esta fase ção que durou três meses. Todo o processo estava
pretendia eliminar o componente inercial da infla- baseado na criação, entre os atores privados, de
ção, identificado no sistema de indexação dos expectativas econômicas adequadas para promo-
contratos, por meio do qual toda a economia estava ver a estabilização de preços.
amarrada às taxas passadas de inflação. Além das O Real significava a indexação de todos os
causas da inflação ligadas aos “fundamentos” — o contratos vigentes a um mesmo indexador, a URV.
déficit público e a oferta monetária —, a “memória” O governo, por intermédio do Bacen, fixaria uma
do sistema de indexação era o obstáculo mais taxa diária de desconto para a conversão da moeda
importante à redução da inflação. antiga para a URV, refletindo a taxa real de inflação
A despeito dos avanços no controle do déficit (como uma desvalorização cambial).40 Decidiu-se
público, a taxa de inflação manteve uma trajetória associar a taxa de desvalorização da antiga moeda a
ascendente na primeira metade de 1994. O IPC- uma medida independente de inflação, de modo a
FIPE passou de 40,3% em janeiro para 50,75% em dar mais credibilidade ao Plano e, assim fazendo,
junho. Como explicado pelo próprio governo: promover a conversão voluntária dos contratos
para a nova moeda. Esse mecanismo de conversão
[e]sses aumentos devem ser creditados em grande foi, de fato, muito semelhante ao que regulava
parte à inércia inflacionária, fortalecida pela inde- naquele momento a conversão da moeda nacional
xação generalizada decorrente da introdução da em dólares americanos, conhecido pelos brasileiros
URV, às incertezas quanto às segunda e terceira desde a década de 1960 (minidesvalorizações cam-
fases do Plano de Estabilização, e à pressão exer- biais).
cida pelo excesso de oferta de divisas sobre a O valor de uma URV foi inicialmente estabe-
expansão da base monetária (e conseqüente au- lecido em US$ 1,00. Como a taxa de inflação
mento da dívida pública, usada para esterilizar corrente foi usada, a partir de então, para desvalo-
essa expansão). (Bacen, 1995, p. 8)38 rizar a antiga moeda (o cruzeiro real) tanto em
termos de URV como em relação ao dólar america-
Diferentemente do Cruzado, o Real estabele- no, uma paridade fixa entre a nova moeda e o dólar
cia que a desindexação deveria ser precedida pela foi mantida durante o período de transição. Quan-
adoção de medidas convencionais de controle da do o real finalmente substituiu o cruzeiro real essa
demanda. A desindexação não seria parte de uma paridade com o dólar foi transformada no limite
terapia de choque (por exemplo, um congelamento superior (desvalorização) do novo regime de flutu-
de preços), o que já se sabia prejudicar os contratos ação cambial administrada.
existentes. A desindexação resultaria antes de um Quando esse processo foi completado, isto é,
acordo voluntário de todos os atores econômicos quando toda a nova economia estava indexada
para o uso de um mesmo índice — a Unidade Real pelo mesmo índice (a URV), o próprio índice se
de Valor (URV). Essa mudança na percepção da tornaria a nova moeda — uma URV valendo um
equipe econômica se deveu, em grande parte, à real. A URV era, então, uma moeda “virtual”, o que
idéia de que, com o objetivo de alterar as expectati- evitou todas as dificuldades associadas ao uso de
vas inflacionárias dos atores privados, o governo duas moedas ao mesmo tempo. Em outras palavras,
não poderia começar eliminando sua fonte primária a URV servia apenas como unidade contábil, já que
de proteção contra a inflação.39 Os atores privados ela nunca foi impressa, não serviu nem como
A ESTABILIZAÇÃO HETERODOXA NO BRASIL: IDÉIAS E REDES POLÍTICAS 45

reserva de valor, tampouco como meio de troca. A leasing etc.) foram obrigatoriamente convertidos
crença da equipe econômica era de que quando em URV, por meio de acordos entre as partes.43 Foi
predominassem as expectativas de que os contratos permitido, por exemplo, o aumento de preços
convertidos em URV estariam completamente pro- durante o período de transição, visto que se tratava
tegidos contra a inflação, o real poderia substituir a de acordo tácito com os consumidores. O governo
URV com segurança. O sistema de minidesvaloriza- proibia apenas que, uma vez convertidos em URV,
ções, por meio do qual o valor de uma URV era os contratos incluíssem cláusula de indexação ou
protegido contra a inflação em cruzeiros reais, mecanismo de ajuste de preços aplicáveis em
garantiria que a inflação fosse mantida apenas em intervalo de tempo inferior a um ano;
cruzeiros reais — a moeda antiga. A esse respeito, a (iii) os contratos financeiros (poupanças, bem
taxa de inflação em URV seria zero por definição.41 como todos os tipos de transações financeiras) só
A abordagem gradual que orientou o Plano seriam convertidos depois que o real substituísse o
Real também é notada na maneira como diferentes cruzeiro real e não no período de transição. Essa
tipos de contrato foram regulados. Três tipos bási- decisão foi tomada para reduzir a propensão dos
cos de contrato foram definidos (salários/benefícios poupadores a retirar seu dinheiro e consumir (ex-
sociais; não-financeiros; e contratos financeiros): cessivamente). As cláusulas de indexação para os
(i) os salários permaneceram indexados às contratos financeiros nunca foram abolidas.
taxas passadas de inflação durante a fase dos ajustes Havia uma evidente vantagem para todos os
fiscais emergenciais, descritos anteriormente. En- outros contratos que não os salários, ainda que não
tão, no início do período de transição (1º de maio de houvesse uma perda imediata para os últimos. Os
1994), todos os salários e benefícios sociais foram preços estariam livres para serem convertidos em
convertidos discricionariamente em URVs pelos reais até o último minuto do período de transição,
valores médios dos quatro meses anteriores (no- a única restrição seria o montante de dinheiro à
vembro 1993-fevereiro 1994).42 A despeito disso, disposição dos consumidores. A ameaça potencial
foi permitido que os salários aumentassem como aos trabalhadores causou uma reação política den-
resultado de negociações diretas entre patrões e tro do aparato governamental. O próprio presiden-
empregados, com o objetivo de garantir que as di- te Itamar Franco demandou a criação de instru-
versas categorias se beneficiassem proporcional- mentos de proteção para evitar quaisquer conse-
mente a suas diferentes capacidades de mobiliza- qüências sociais negativas. Mecanismos de contro-
ção. Depois da conversão, os salários estariam pro- le de preços foram então criados, contrariamente à
tegidos da inflação diária, promovendo a aquiescên- vontade da equipe econômica. Estes, no entanto,
cia dos sindicatos. Finalmente, uma política salarial jamais foram aplicados.44
de transição garantiu que os salários seriam corrigi- Quando a lei que continha a reforma monetá-
dos pela inflação no primeiro ano do Real, e então ria foi anunciada pela primeira vez, em 27 de
seria estabelecido um sistema de negociação direta. fevereiro de 1994, foi estabelecido que o período de
a) mesmo depois de junho de 1994, quando transição deveria durar um ano .45 Ele acabaria
os contratos começaram a ser escritos em quando as primeiras cédulas de real fossem impres-
reais, foi ainda permitido que incluíssem sas. Em decisões posteriores, o governo definiu que
cláusulas de indexação. Essas cláusulas deve- a primeira impressão de reais, e conseqüentemente
riam ser negociadas entre as partes, mas só o fim do período de transição, seria anunciada com
seriam aplicadas para intervalos iguais ou 35 dias de antecedência.46 Em 27 de maio, menos
superiores a 12 meses; de dois meses depois dessa última decisão, o
b) a indexação dos salários não foi suprimida Congresso finalmente aprovou a MP 482, transfor-
até junho de 1995 (MP 1.053). mada na Lei 8.880. Essa lei definia que as notas de
(ii) próximo ao final do período de transição, real seriam impressas em 1º de julho de 1994.
todos os contratos não-financeiros da economia Nesse ponto, também foi estabelecida uma
(aluguéis, escolas particulares, planos de saúde, âncora monetária para o programa — um teto para
46 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 16 No 46

a impressão de reais. A fixação de um teto para a ceu os incentivos para atores privados atuarem em
impressão da nova moeda tentou sinalizar para os conformidade com a estabilização.
agentes econômicos que não haveria impressão A valorização do real criou incentivos natu-
inflacionária, tanto para promover sua confiança rais para o aumento das importações. Por outro
no governo quanto para limitar sua propensão a lado, a existência de um nível confiável de reservas
aumentar os preços desproporcionalmente. O limi- internacionais tornou possível que o governo per-
te de emissão foi ampliado duas vezes, sem conse- mitisse um aumento das importações de bens de
qüências importantes para a credibilidade da nova setores caracterizados por baixos níveis de compe-
moeda. tição interna (oligopólios e monopólios).49 Devido
Todo o processo de reforma monetária foi, ao aumento substancial nas importações que se
então, previamente anunciado e negociado no seguiu ao Plano Real, os preços internos caíram,
Congresso, indicando seu objetivo principal: a neu- principalmente nos setores que sofreram com a
tralidade em relação aos contratos existentes. Por concorrência imediata dos importados, o que libe-
outro lado, o fato de o período de transição ter sido rou o governo do ônus de implementar controles
muito inferior ao que fora divulgado (quatro meses de preços.
e não um ano) é um sinal de que os mecanismos de O sucesso do Plano foi imediato, tanto em
indução estabelecidos pelo governo para promover termos econômicos como eleitorais. As taxas de
a conversão voluntária dos contratos privados para inflação começaram a declinar consistentemente
a nova moeda foram, de fato, efetivos. depois de julho, caindo de 5,5% (julho) para 1,55%
O papel do governo na mudança das expec- (setembro), 2,55% (outubro), 2,47% (novembro) e
tativas dos atores privados foi o de assegurar que as 0,57% ao final de 1994. Superávits públicos foram
causas da inflação ligadas aos “fundamentos” esta- verificados tanto em termos ajustados à inflação
vam sob controle, isto é, não haveria déficit fiscal (operacional) quanto primário — respectivamente,
e, como conseqüência, não haveria expansão infla- 4% e 0,4% em 1994.50 As taxas elevadas de juros
cionária da oferta de dinheiro. O valor real da nova foram mantidas e a política creditícia foi apertada,
moeda seria garantido e isso daria credibilidade ao de modo a ajustar a oferta à demanda. O aumento
Plano. Como uma forma de criar essa credibilida- das importações, como assinalado anteriormente,
de, todas as tarifas públicas e preços de serviços também desempenhou um papel-chave a esse
públicos, bem como a maioria dos impostos, foram respeito.
imediatamente convertidos em URV. Como o go- Na arena política, as eleições presidenciais de
verno não pretendia criar desequilíbrios fiscais, a 1994 foram facilmente vencidas por Cardoso e o
convertibilidade das suas fontes de renda para nível de apoio público às duras medidas econômi-
URV indicava a sua forte inclinação de manter a cas permaneceu alto até 1998. Nesse ano, a despei-
nova moeda protegida da inflação. to das conseqüências sociais negativas dos baixos
Essa inclinação para proteger a nova moeda níveis de crescimento econômico causados pelas
também seria assegurada via convertibilidade livre taxas de juros muito elevadas, o presidente Cardo-
de reais em dólares americanos, por meio de um so foi reeleito.
mercado cambial flexível. Segundo a lei que imple-
mentou a reforma monetária, a impressão de novas
Observações finais: duas
cédulas estava sujeita ao nível real de reservas
experiências de estabilização
internacionais.47 O alto nível de reservas externas
heterodoxa no Brasil
no Bacen, associado com a entrada de capital
financeiro externo atraído pelo nível interno mais Ao longo deste artigo, procurei demonstrar
elevado de taxas de juros, criou uma firme tendên- que as idéias dos decisores públicos explicam, em
cia de valorização do real.48 A valorização, ao grande medida, o conteúdo das políticas econômi-
mesmo tempo, tornou mais fácil para o governo cas. Dizer isso não significa defender que as idéias
garantir a conversão de reais em dólares e fortale- são as únicas variáveis explicativas para o conteú-
A ESTABILIZAÇÃO HETERODOXA NO BRASIL: IDÉIAS E REDES POLÍTICAS 47

do das políticas, mas apenas indicar que seu peso No âmbito do sistema político, os partidos e
relativo é muito maior do que se pode derivar das as lideranças políticas do país (presidente, minis-
análises comumente realizadas por especialistas tros e políticos profissionais ligados ao governo e
do processo decisório governamental, no Brasil e à oposição) se destacam em pelo menos dois
no exterior. Um dos pressupostos de minha análise sentidos. De um lado, são eles que nomeiam ou
é que as idéias serão tão mais importantes quanto influenciam a nomeação da equipe de economistas
maior a autonomia do Estado, ou seja, quanto de fora do governo que irá formular, decidir e
maior a liberdade de ação dos decisores públicos implementar as políticas econômicas. De outro
para elaborar análises e programas de ação (polici- lado, os partidos e as lideranças políticas afetam as
es), independentemente dos interesses dos grupos próprias políticas, por meio tanto de comandos
sociais, políticos e econômicos. explícitos aos formuladores quanto do veto a
Considerar as idéias como uma variável inde- medidas sugeridas por estes. Por razões óbvias, os
pendente no processo de formulação, decisão e partidos e as lideranças políticas que apóiam o
implementação da política econômica implica en- governo têm maior capacidade de exercer essas
contrar os mecanismos (channels) por meio dos duas formas de influência.
quais essas idéias se fazem presente no processo Ao analisar as escolhas feitas pelas lideranças
decisório. Afinal, é preciso demonstrar claramente políticas, devem ser levados em conta os valores
como determinadas idéias afetaram decisões espe- predominantes nos seus partidos e ou no governo,
cíficas. Tradicionalmente, as visões estadocêntricas que constituem uma “subcultura política”. Nos ca-
enfatizaram que essa influência se dá por intermé- sos tratados em meu estudo, o principal corte a ser
dio dos burocratas de carreira (cf. Nordlinger, feito no que diz respeito à cultura política predomi-
1981). No entanto, para mim os funcionários do nante no governo é aquele entre as concepções
Estado não são os responsáveis pela indicação do políticas que reforçam o papel do Estado como
conteúdo das políticas, mas, em geral, apenas (e de agente do desenvolvimento e as que enfatizam a
modo limitado) por sua implementação. Nesse importância do mercado como princípio ordenador
sentido, chamei a atenção para o processo de da economia. Os primeiros, freqüentemente cha-
nomeação de decisores governamentais como sen- mados desenvolvimentistas, manifestam o compro-
do o mecanismo fundamental para se entender a misso com um nível elevado de investimento públi-
penetração do Estado por determinadas idéias de co, ora para estimular a industrialização, ora para
política econômica. Denominei esse mecanismo evitar a recessão. Também defendem a manutenção
de “rede política” (political network), tendo em de um alto grau de proteção da economia para
vista o fato de que os escolhidos para assumir os estimular o setor privado a realizar determinados
cargos mais importantes da burocracia encontram- investimentos, como iniciar a produção em um
se vinculados a indivíduos centralmente posiciona- dado setor ou modernizar-se tecnologicamente.
dos no sistema político, e que fazem parte de suas Assim, quando predomina no governo uma subcul-
redes de relações sociais. tura política desenvolvimentista, deve-se esperar
As redes políticas são construídas a partir das uma maior resistência à adoção de medidas para
idéias criadas, professadas e/ou compartilhadas diminuir os déficits orçamentários e para reduzir o
pelos economistas de fora do governo. Essas idéias grau de proteção da economia. Medidas dessa
moldam suas relações profissionais e políticas, natureza são justamente aquelas consideradas es-
limitando os seus contatos com outros economis- senciais pelo segundo grupo. Este, cujos membros
tas, com políticos profissionais e com os partidos. são chamados de liberais (e às vezes, monetaristas),
Portanto, as possibilidades de que esses economis- é ainda comprometido com o combate à inflação e
tas sejam nomeados para ocupar posições de com a mudança do papel do Estado na economia,
destaque no governo dependerão, em grande mediante a desregulamentação do mercado e a
parte, da ascensão política dos políticos e partidos adoção de medidas para aumentar o grau de con-
aos quais estejam mais fortemente ligados. corrência, entre as quais se destaca a liberalização
48 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 16 No 46

do comércio. Para esse grupo, o mercado, leia-se a dade nos períodos em que estiveram no governo
concorrência, deve prover os sinais essenciais para seguiram claramente as orientações expressas nes-
que os agentes econômicos realizem a poupança e ses trabalhos acadêmicos.
os investimentos necessários ao desenvolvimento Os programas de estabilização analisados
econômico. A tarefa básica do Estado, em sua opi- aqui, o Cruzado e o Real, derivaram de um mesmo
nião, seria manter as regras necessárias ao funcio- referencial teórico, a Teoria da Inflação Inercial.
namento do mercado e realizar investimentos pú- Essa teoria foi desenvolvida simultaneamente por
blicos de caráter universal para garantir a ordem e três economistas da PUC-RJ, Francisco Lopes, An-
para ampliar as capacidades dos cidadãos de tirar dré Lara Resende e Pérsio Arida, e por dois da
proveito das interações econômicas, e.g. educação. Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP),
A predominância de uma subcultura desen- Luiz Carlos Bresser Pereira e Yoshiaki Nakano. Esse
volvimentista ou liberal entre os partidos e as grupo de economistas, complementado por outros
principais lideranças políticas vinculadas ao gover- que adotaram a mesma perspectiva, desenvolveu
no é um importante filtro que limita a influência de uma estratégia heterodoxa de combate à inflação.
determinadas concepções de política econômica Essa se propunha a complementar o receituário
sobre o conteúdo dos programas governamentais. ortodoxo advogado pelas instituições financeiras
Esse filtro opera de duas formas. De um lado, ele internacionais e pelos governos dos países credores
se faz presente no processo político de escolha dos da dívida brasileira, em especial pelo Departamento
integrantes da equipe econômica — ou seja, na do Tesouro dos Estados Unidos.
nomeação dos ministros e de suas respectivas A proposta heterodoxa foi parcialmente apli-
equipes de assessores. De outro, a subcultura cada no Plano Cruzado (1986) e seguida integral-
política afeta a formulação da política econômica mente no Plano Real (1993). Nos dois casos, os
porque são os partidos e os políticos que, em economistas heterodoxos ocuparam posições na
última instância, aprovam ou vetam as medidas equipe econômica que lhes permitiram influenciar
propostas pela equipe econômica e que, em decisivamente a formulação do programa de com-
menor grau, indicam à equipe os objetivos a serem bate à inflação. Sua nomeação se deveu, nas duas
maximizados. oportunidades, aos vínculos políticos que manti-
Uma das principais contribuições da análise nham com integrantes do partido principal na
de redes é a possibilidade de explicar, com maior coalizão governamental — o PMDB em 1986 e o
propriedade do que as correntes alternativas, os PSDB a partir de 1993. A natureza desses vínculos
contextos em que se realizam mudanças nas con- políticos mudou com o passar do tempo, no que
figurações institucionais da economia. diz respeito tanto ao tipo de relação que manti-
Os conteúdos dos dois programas de estabi- nham com determinados políticos quanto à proe-
lização discutidos neste artigo foram fortemente minência do político ao qual estavam vinculados.
influenciados pelas idéias dos economistas do Entre agosto de 1985 e dezembro de 1986,
Departamento de Economia da Pontifícia Universi- Ulysses Guimarães, presidente do PMDB, exerceu
dade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). Essa o papel de broker político para os economistas do
influência pode ser percebida de duas formas. seu partido. Tendo em vista a centralidade do
Primeiro, antes de terem ocupado posições-chave PMDB na coalizão parlamentar que dava sustenta-
nas equipes econômicas dos governos Sarney, ção ao governo, Ulysses teve a incumbência de
Itamar Franco e Cardoso, esses economistas já nomear os dois ministros da área econômica do
haviam escrito extensivamente sobre as políticas governo Sarney, tendo sido suas as escolhas de
econômicas seguidas por administrações anterio- Dilson Funaro e João Sayad para ocupar os Minis-
res. Nesses trabalhos, eles discutiam as razões que térios da Fazenda e do Planejamento, respectiva-
explicavam o insucesso de tais políticas e propu- mente. Arida e Lara Resende foram atraídos ao
nham estratégias alternativas. Segundo, o conteú- governo por Sayad, ele próprio um economista-
do das políticas econômicas sob sua responsabili- acadêmico com longa militância no MDB e no
A ESTABILIZAÇÃO HETERODOXA NO BRASIL: IDÉIAS E REDES POLÍTICAS 49

PMDB, ligado à ala desenvolvimentista do partido controle da demanda agregada necessárias ao


— portanto, um “economista-político”. Sayad já sucesso do programa antiinflacionário. Essas resis-
havia servido como secretário da Fazenda do tências surgiram de dentro e de fora da equipe e,
Estado de São Paulo, no governo Montoro, e no limite, foram o resultado de escolhas feitas
mantinha uma estreita vinculação política com pelos ministros e pelo próprio presidente Sarney.
Ulysses. Ele conhecera os economistas heterodo- Assim, as inconsistências internas do Plano
xos por meio dos círculos acadêmicos nacionais e Cruzado resultaram da fragilidade dos vínculos
compartilhava de suas idéias a respeito da ineficá- políticos dos economistas heterodoxos e da hete-
cia das políticas ortodoxas de combate à inflação. rogeneidade ideológica dos integrantes da equipe
Apesar de, naquela ocasião, Arida e Lara econômica do governo.
Resende também serem filiados ao PMDB, sua O retorno de Arida e Lara Resende à equipe
nomeação política se deveu à ação direta de Sayad, econômica, em 1993, se fez em condições muito
que funcionou como elo entre os dois heterodoxos distintas das que marcaram sua atuação durante o
e o governo. Eles não dispunham de vínculos Cruzado. Em primeiro lugar, eles estavam vincula-
políticos sólidos com o partido ou com qualquer dos política e pessoalmente ao ministro da Fazen-
político influente, razão pela qual ocuparam ape- da, Fernando Henrique Cardoso, homem forte do
nas posições marginais dentro da equipe econômi- presidente Itamar Franco. O governo, que até
ca. Havia uma clara divisão na equipe entre os dois aquele momento era dominado por uma cultura
heterodoxos e todos os demais, no que diz respei- política populista/desenvolvimentista, estava en-
to às opções de política de estabilização. Arida e fraquecido politicamente, de modo que, ao dele-
Lara Resende eram essencialmente liberais e pre- gar a formulação da política econômica a Cardoso,
gavam uma combinação de instrumentos conven- o presidente assumiu o compromisso tácito de
cionais (juros e ajuste fiscal) e heterodoxos (desin- garantir autonomia à equipe econômica nomeada
dexação) para eliminar a inflação. Por outro lado, pelo ministro. Uma prova disso é que, uma semana
os dois ministros (Sayad e Funaro), seus respecti- antes de ser nomeado para integrar a equipe de
vos assessores (especialmente Luiz Gonzaga Bellu- Cardoso, Gustavo Franco havia publicado um arti-
zzo e João M. Cardoso de Mello) e a maior parte go no jornal no qual usava as expressões “populis-
das lideranças políticas do PMDB (incluindo seu mo”, “idiotice” e “irresponsável” ao se referir a
presidente, Ulysses Guimarães, e o ministro do algumas idéias do presidente Itamar sobre a políti-
Trabalho, Almir Pazzianotto) eram desenvolvimen- ca econômica (cf. Franco, 1993b).
tistas, portanto, naturalmente contrários ao uso de Em segundo lugar, a equipe econômica foi
instrumentos de política que pudessem afetar ne- escolhida apenas por Cardoso e era composta
gativamente o crescimento. somente por economistas que conheciam profun-
Apesar dessa diferença, Arida e Lara Resende damente a proposta heterodoxa. As divergências
não tiveram dificuldade para convencer os demais entre os integrantes do grupo, como a que levou à
integrantes da equipe (principalmente os ministros saída de Lara Resende alguns meses depois de
Sayad e Funaro) da necessidade de se implementar iniciados os trabalhos da equipe, não disseram
um programa heterodoxo de estabilização. Na respeito à opção fundamental de fazer um progra-
visão de Sayad e Funaro, essa alternativa não ma heterodoxo, mas a quais instrumentos utilizar.
contrariava suas orientações desenvolvimentistas Em terceiro lugar, a capacidade de articulação
na medida em que se apresentava como uma política do ministro da Fazenda junto às principais
estratégia de estabilização com crescimento, na lideranças políticas do Congresso e mesmo junto
qual a recessão não desempenharia um papel ao presidente e aos demais ministros permitiu que
relevante no combate à inflação. No entanto, du- a equipe formulasse e implementasse uma série de
rante a formulação e a implementação do Plano medidas necessárias ao equilíbrio fiscal e resistisse
Cruzado, os economistas heterodoxos não conse- às demandas que implicavam perda de coerência
guiram resistir às pressões contrárias às medidas de dessas medidas.
50 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 16 No 46

NOTAS 6 Este ponto é particularmente importante para um enten-


dimento claro das razões pelas quais congelamentos de
preços não podem ser acompanhados por grandes
1 Arida foi assessor especial do ministro do Planejamento, desvalorizações, ou por aumentos nos preços dos servi-
João Sayad, enquanto Lara Resende serviu como diretor ços oferecidos pelo governo (como eletricidade, telefo-
de Mercado Aberto do Banco Central. nia, água etc.), ou por qualquer tipo de aumento
2 Há pelo menos dois tipos diferentes de indexação, “artificial” na renda dos agentes econômicos (como
dependendo do período de referência usado pelas salários, por exemplo). Aqueles agentes afetados por
partes de um contrato. As cláusulas de indexação um aumento no valor de sua renda imediatamente antes
podem ser pré-fixadas (forward-looking) — se o meca- ou depois do congelamento relutarão em aceitar essas
nismo é uma tentativa de antecipação da taxa de perdas fixadas.
inflação que ocorrerá durante o contrato — ou pós- 7 Cf. Lara Resende (1984a e 1984b); Arida e Lara Resende
fixada (backward-looking) — se o contrato toma algu- (1984a).
ma referência do passado como parâmetro para o
conjunto de ajustamentos a serem feitos durante o 8 É importante notar que em 1984 não havia uma base
período. As cláusulas de indexação desse último tipo diária de indexação no Brasil. Esse índice só foi criado
são freqüentemente baseadas na taxa de variação de alguns anos mais tarde, como uma resposta natural do
preços num determinado período de tempo igual, que mercado à inflação crescente. A teoria, então, estava à
precedeu a assinatura do contrato. frente de seu tempo.
3 Um exemplo simples pode mostrar como a indexação 9 As conexões políticas do próprio Sayad derivavam tanto
tornou os programas ortodoxos inadequados. Imagine- de suas ligações pessoais com o governador do Estado
mos que o governo lançasse um plano ortodoxo que de São Paulo, cujo filho tinha sido seu colega na
reduzisse a inflação em 2% ao mês por seis meses Universidade de Yale, como de sua filiação ao PMDB.
consecutivos, de modo que as taxas mensais de inflação Sayad foi secretário de Fazenda de São Paulo de 1983 a
depois do lançamento do plano fossem: 18%, 16%, 14%, 1985, quando desenvolveu laços íntimos com a corrente
12%, 10% e 8%. Devido a obrigações contratuais, no desenvolvimentista (pró-crescimento econômico) do
sétimo mês os salários seriam corrigidos em 107%. O partido. Foi o governador de São Paulo, Franco Monto-
problema era que, imediatamente antes do ajuste dos ro, quem sugeriu seu nome para ocupar a Seplan depois
salários, a estrutura de preços era compatível com a que Tancredo Neves foi eleito presidente. Depois que
capacidade de consumo da população, medida pelo Sayad foi indicado, convidou imediatamente Lara Re-
montante de oferta monetária. O aumento de salários sende para auxiliá-lo na Seplan. Lara Resende recusou,
solaparia a continuidade nas reduções nos preços, visto uma vez que tinha uma clara preferência pelo trabalho
que aumentaria a demanda agregada. no Bacen. Pérsio Arida, a escolha seguinte de Sayad,
aceitou o cargo prontamente. Ele se tornou então o
4 A formulação de Lopes era coincidente com a de Bresser auxiliar econômico mais próximo de Sayad (cf. Solnik,
Preseira e Yoshiaki Nakano, professores da Fundação 1987; Sardenberg, 1987).
Getúlio Vargas de São Paulo (cf. Bresser Pereira e
Nakano, 1984). Para uma discussão pormenorizada das 10 Na definição da nova equipe econômica, o presidente
diferenças e semelhanças entre as formulações de Arida eleito Tancredo Neves se recusou deliberadamente a
e Lara Resende, Lopes e Bresser Pereira e Nakano, ver designar Lara Resende ou Arida para quaisquer das
Pio (2001). posições-chave disponíveis. Ainda que eles fossem im-
portantes economistas nas fileiras da oposição, seus
5 Na visão deles: “[s]ob inflação rigorosa, os preços nomes estavam associados com a idéia de política de
relativos são muito voláteis. Uma fotografia da econo- estabilização heterodoxa, conhecida por ser abertamen-
mia num dado ponto do tempo mostraria preços relati- te rechaçada pelo FMI. Uma vez que Tancredo queria
vos em desequilíbrio. É apenas ao longo do tempo que promover uma abordagem mais ortodoxa para conquis-
os preços relativos alcançam um equilíbrio débil. O tar credibilidade internacional, não aceitou a recomen-
congelamento dos preços nominais por determinação dação inicial de Lara Resende por Sayad para dirigir o
legislativa inevitavelmente congelaria preços relativos Bacen (ver Sardenberg, 1987; Solnik, 1987). Lara Resen-
em desequilíbrio. Se o congelamento anunciado fosse de e Lopes foram vetados por Dornelles para integrar a
muito breve, fracassaria no objetivo de suprimir o diretoria do Bacen quando seus nomes foram propostos
impulso inflacionário herdado do passado; se muito por Fernão Bracher — um potencial candidato para
longo, a inconsistência dos preços relativos, bem como presidir o Bacen antes da posse de Tancredo. Mário
quaisquer choques sobre a oferta ou demanda, teriam Henrique Simonsen também propôs Lara Resende para
de ser absorvidos pelo racionamento. A suspensão do a diretoria.
congelamento seria seguida, provavelmente, por fortes
pressões para se restabelecerem as relatividades prévi- 11 Funaro era, então, presidente do BNDES — o principal
as, que fariam reacender a inflação. [...] A demanda por banco federal de desenvolvimento. Ele já tinha trabalha-
moeda durante o congelamento se eleva. Na ausência do tanto como secretário de Planejamento como de
de uma expansão monetária, o congelamento deflagra- Fazenda no governo de São Paulo, na gestão de Abreu
ria pressões deflacionárias.” (Arida e Lara Resende, Sodré, no início da década de 70. A despeito disso, no
1984a, pp. 16-17). início dos anos 80 ele desempenhou um papel impor-
A ESTABILIZAÇÃO HETERODOXA NO BRASIL: IDÉIAS E REDES POLÍTICAS 51

tante como representante da comunidade empresarial mente prejudiciais, um mundo em que demanda agre-
de São Paulo no movimento pela restauração da demo- gada crescente é um bem absoluto. Isso inclui uma
cracia (“Diretas-Já”). crença implícita de que padrões de consumo mais
12 A equipe econômica do Cruzado foi então formada por: elevados internamente geram um aumento no investi-
Lara Resende (Bacen), Pérsio Arida (Seplan/Bacen), mento, de modo que um aumento na oferta sempre vai
Luis G. Belluzzo (Ministério da Fazenda), João Manoel se seguir. Não obstante, segundo Arida, uma análise
Cardoso de Mello (Ministério da Fazenda), L.C. Men- mais desenvolvida sustenta que “o ritmo através do qual
donça de Barros (Bacen), Francisco Lopes (auxiliar uma economia adiciona capacidade de oferta nunca
informal do grupo), alem de João Sayad (ministro do será adequado para compensar o excesso de demanda”.
Planejamento), Dilson Funaro (ministro da Fazenda), Quando é claro o excesso de demanda, é necessário
Fernão Bracher (presidente do Bacen), Edmar Bacha cortá-lo, aumentando as taxas de juros no curto prazo.
(IBGE) e Andrea Calabi (Seplan). Obviamente algum investimento também será cortado
como um subproduto de taxas de juros mais elevadas,
13 Entrevista com Pérsio Arida. mas as taxas de juros devem ser aumentadas de qual-
14 Pérsio Arida, apud Solnik (1987, pp. 13 e 71). quer maneira. É contra-intuitivo, nas palavras do pró-
prio Arida. No caso de Funaro, a despeito de seu
15 O gatilho foi acionado pela primeira vez em dezembro
comprometimento cívico, sua intuição o levou na dire-
de 1986, logo depois que o governo lançou o então ção errada (cf. Arida, apud Solnik, 1987, pp. 131-133).
chamado Cruzado 2 — um pacote de emergência,
abrangendo um aumento nos impostos indiretos e em 22 Lara Resende, apud Solnik (1987, pp. 164-165); Bellu-
alguns preços públicos. O primeiro uso também foi zzo, apud Solnik (1987, p. 100).
caracterizado por uma alteração na legislação: o gatilho 23 Lara Resende, apud Solnik (1987, p. 172).
foi ativado, mas os ajustes salariais deveriam se limitar a
20%. O restante contaria como um resíduo, contribuin- 24 O programa supunha que o déficit público ajustado à
do para a contagem dos próximos 20%. inflação (déficit operacional do setor público) fosse
próximo de zero. Isso implicava uma trajetória de rígido
16 Um aspecto importante da decisão de lançar um conge- controle dos gastos públicos, mas “o comportamento do
lamento de preços é que até mesmo Chico Lopes, que governo depois do lançamento do Cruzado foi de
havia sido o mais importante defensor da terapia de aumento de gastos públicos” (Arida, apud Solnik, 1987,
choque e um membro informal da equipe econômica pp. 83-84).
que planejou o Plano Cruzado, já tinha sido convencido
da adequação de uma estratégia (gradual) de reforma 25 Lara Resende, apud Solnik (1987, pp. 164-165).
monetária ao invés de um congelamento de preços. 26 Belluzzo, apud Solnik (1987, p. 97); Lara Resende, apud
Assim, a opção pelo congelamento de preços não foi Solnik (1987, pp. 162-163).
aceita por nenhum dos expertos em política monetária e 27 Naquele momento, o preço do dólar no mercado negro
de estabilização envolvidos no Plano. era 90% mais alto que a taxa de câmbio nominal fixada
17 André Lara Resende, apud Solnik (1987, pp. 155-157). pelo governo. O nível de ágio era, pelo menos, três
18 Entrevista com Pérsio Arida. vezes maior que antes do lançamento do Cruzado.

19 Pérsio Arida, apud Solnik (1987, pp. 88-89); Luís G. 28 Ver, a esse respeito, o documento lançado pela Seplan
Belluzzo, apud Solnik (1987, pp. 96 e 100); André Lara em julho de 1986, durante a crise do aumento de
Resende, apud Solnik (1987, p. 158). demanda, intitulado “Aspectos macroeconômicos do
Plano de Metas” (Revista de Economia Política, 6, 4). O
20 Belluzzo, apud Solnik (1987, p. 102); Lara Resende, documento foi chamado “Plano de Metas” e continha
apud Solnik (1987, p. 166). uma clara proposição de retomada da trajetória de
21 Entrevista com Pérsio Arida. A melhor ilustração do crescimento rápido — 7% ao ano.
entendimento de Funaro é a definição de um teto para 29 Na época em que Fernando Henrique Cardoso foi
as taxas de juros. Para cortar excesso de demanda, nomeado ministro da Fazenda, ele ocupava o cargo de
Funaro não concordava com a pressão de Arida e Lara ministro das Relações Exteriores. Cardoso foi substituí-
Resende por taxas de juros mais altas. Em resposta, ele do por Rubens Ricúpero, um diplomata que havia sido
optou por pedir, em pronunciamento pela TV, que o assessor para assuntos econômicos internacionais do
povo poupasse ao invés de consumir (cf. Dilson Funaro, presidente Sarney. Ricúpero renunciou em agosto de
apud Solnik, 1987, pp. 141 e 148). Como industrial, 1994, depois que uma declaração sobre as conseqüên-
Funaro tinha uma percepção muito particular da ordem cias eleitorais do sucesso do Plano Real sobre a candida-
econômica ideal, que rejeitava algumas soluções contra- tura de Cardoso foi tornada pública pela televisão. Foi
intuitivas requeridas pela alternativa heterodoxa. O fato então substituído por Ciro Gomes, então governador do
de que ele não entendesse a lógica básica do programa Ceará pelo PSDB. Gomes permaneceu no Ministério da
exacerbava os conflitos com a equipe (entrevistas com Fazenda até a posse de Cardoso na Presidência, em
Arida e Lara Resende). Na visão de Arida, Funaro tinha janeiro de 1995. É possível afirmar que Ricúpero e
preconceitos típicos da comunidade empresarial. Ele Gomes não tiveram capacidade para afetar as linhas
veio de um mundo em que altas taxas de juros e gerais da política de estabilização. Isso é facilmente
liberalização comercial eram vistos como necessaria- demonstrado pelo fato de que eles não tiveram autono-
52 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 16 No 46

mia para alterar a equipe econômica indicada por estrutural. Prefiro separar o combate do déficit público
Cardoso, cujos integrantes permaneceram no governo em duas fases distintas, o Programa de Ação Imediata
até o final do mandato do presidente Itamar Franco. (PAI) e as medidas destinadas a equilibrar o orçamento
30 Ver, a esse respeito, as entrevistas de Franco, Arida, Lara federal de 1994. Faço também duas qualificações: incluo
Resende, Lopes e Bacha nas coletâneas organizadas por as reformas constitucionais como parte do Real e a
Biderman et al. (1996) e Mantega e Rêgo (1999). criação da URV no processo de reforma monetária. Eis
por que falo de quatro fases, enquanto o governo
31 Entrevista com Pérsio Arida. destaca apenas três.
32 Entrevistas com Pérsio Arida, André Lara Resende e 39 A esse respeito, cf. §111, Exposição de motivos no 395,
Alkimar Moura. de 7 de dezembro de 1993. Aqui, o ministro da Fazenda
33 Entrevista com Pérsio Arida. assume que “[n]ão é viável eliminar a indexação antes da
estabilização dos preços. Eliminar a indexação sem as
34 A Medida Provisória (MP) é uma fonte legislativa reser-
condições para assegurar que os preços não aumenta-
vada ao Executivo federal no Brasil, por meio da qual o rão implica a eliminação da única proteção que a
governo pode realizar ações imediatas sem a aprovação
economia tem para enfrentar a inflação. Assim fazendo,
do Congresso. As MPs se tornam leis por 30 dias,
haveria o risco de desorganizar a atividade econômica
período durante o qual o Congresso deve debater e fundamentalmente e definitivamente”.
votar a medida. Mesmo que o Congresso não a rejeite,
ela perde a eficácia depois de um mês. O Congresso 40 O governo definiu que a inflação “oficial” variaria entre
pode aprovar, emendar ou rejeitar a MP. Quando a menor e a maior taxa verificada em três diferentes
aprovada ou emendada pelo Congresso, a MP retorna índices de inflação: o IPC — Índice de Preços ao
para sanção presidencial, que pode vetar todas as Consumidor (da Universidade de São Paulo), o IPCA —
mudanças introduzidas pelo Legislativo. Se isso aconte- Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (do
ce, o processo continua, sendo os vetos presidenciais IBGE), e o IGPM — Índice Geral de Preços do Mercado
votados pelo Congresso. Se os vetos presidenciais são (da Fundação Getúlio Vargas). Desses, apenas o IBGE é
derrubados pela maioria dos congressistas, o Executivo uma agência do governo federal; as demais são organi-
não pode se sobrepor. zações independentes.
35 Cf. Congresso Nacional, Emenda Constitucional de Re- 41 É importante notar que esse processo de mudança de
visão no 1, 1994. O Congresso aprovou o Fundo Social moeda, ainda que complexo, não era estranho para o
de Emergência após um longo debate. Ao final, mudan- brasileiro comum. A novidade era que, pela primeira
ças marginais foram introduzidas pelos congressistas vez na história econômica recente do país, a mudança
para reduzir o ônus dividido por estados e municípios, de moeda era anunciada antes da sua adoção, isto é,
mas as características principais do FSE foram preserva- sem surpresa.
das. 42 A MP 434 é a primeira legislação a respeito da reforma
36 O FSE representou mais que a retenção de 20% dos monetária. Imediatamente depois de ter sido promulga-
impostos federais pelo governo federal. Além disso, da pelo Executivo, foi aplicada a salários em 1º de maio.
implicou também a transferência ao governo federal de 43 A MP 457 (29 de março) estabeleceu que o governo
uma proporção da participação dos estados e municí- deveria anunciar a primeira impressão de reais com,
pios na arrecadação resultante de impostos específicos, pelo menos, 35 dias de antecedência, já que este fato
como propriedade de terras (ITR), renda (IR), transa- finalizaria o período de transição. A MP 482 fixava que
ções financeiras (IOF), contribuições sociais (PIS, a primeira impressão ocorreria em 1º de julho.
PASEP, Cofins), produção (IPI) etc. Essas participações
são definidas na Constituição. 44 A Lei Antitruste (Lei 8884) foi um desses instrumentos.
Cf. Oliveira (1996, pp. 60-63).
37 Cf. Exposição de motivos da criação da URV, nº 47, 27
de fevereiro de 1994. Essa foi a apresentação oficial da 45 Cf. MP 434 (27 de fevereiro). Esta medida provisória foi
reforma monetária, e essencialmente seguiu as idéias já substituída depois de 30 dias pela MP 457. Depois de 30
tornadas públicas em 7 de dezembro de 1993 (cf. dias, a MP 457 foi substituída pela MP 482 (28 de abril).
Exposição de motivos no 395, que acompanhou o FSE). Cada uma dessas reedições subseqüentes envolveu
Antes de o Plano Real ser aprovado pelo Congresso, em mudanças marginais, as mais importantes das quais são
27 de maio (Lei 8.880), o presidente Itamar Franco teve mencionadas neste artigo. A Lei 8.880 é o resultado final
de enviar três MPs contendo o programa de estabiliza- do debate e aprovação no Congresso da MP 482. O
ção: a MP 434 (27 de fevereiro), a MP 457 (27 de março) presidente então vetou algumas das mudanças introdu-
e a MP 482 (28 de abril). zidas pelos congressistas e esses vetos foram mantidos
pelo Congresso.
38 Aqui, o governo considera o ataque ao déficit público
com a primeira fase do plano de estabilização, à qual se 46 Cf. MP 457, 29 de março de 1994.
seguiram a criação da URV (a segunda) e a reforma 47 Cf. Exposição de motivos do lançamento da URV,
monetária, isto é, a mudança da moeda de fato (a assinada pelo presidente Itamar Franco, especialmente
terceira). Não se refere às emendas à Constituição, já § 71-72.
que não eram medidas de estabilização, mas de ajuste
A ESTABILIZAÇÃO HETERODOXA NO BRASIL: IDÉIAS E REDES POLÍTICAS 53

48 Naquele momento, o Brasil já estava de volta à situação __________. (1984b), “Recession and the rate of inte-
de fortes entradas de capital (atraídos pelo nível mais rest: a note on the Brazilian economy in the
elevado de juros internos), o que criou uma tendência 1980’s”. Texto para Discussão, Rio de Janeiro,
natural à queda do valor do dólar em relação à moeda PUC, 85.
nacional.
49 É essencial considerar aqui que a situação externa BACHA, Edmar. (1986), “Observações preliminares
brasileira era totalmente diferente após 1992. Depois sobre a estratégia econômica do novo governo
daquele ano, o Brasil pôde considerar o aumento das brasileiro”. Revista de Economia Política, 6, 1,
importações devido à inversão da situação da conta de jan.-abril.
capital. Como as importações só começaram a crescer
depois de 1993, com o final da recessão (1990-92), os BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN). (1995), Rela-
níveis de reservas aumentaram consistentemente. Entre tório do Banco Central do Brasil — 1994.
1992 e 1994, a conta de capital apresentou excedentes Brasília, Banco Central.
de US$ 25,3 bilhões (1992), US$ 10,1 bilhões (1993) e
US$ 14,2 bilhões (1994). Em 1991, a conta de capital
BIDERMAN, Ciro, COZAC, Luís F.L. e REGO, J.M.
apresentava um déficit de US$ 4,5 bilhões. (1996), Conversas com economistas brasileiros.
São Paulo, Editora 34.
50 Cf. Bacen (1995, p. 10).
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