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UM PAPAI NOEL

Santa's
Lori Wilde

Digitalização: Joyce
Revisão: Madalena

Trabalhar disfarçado como o bondoso velhinho não era uma op


ção do detetive Sam Stevenson! Ele fora incumbido de investiga
r uma série de roubos, em larga escala, que estava acontecendo
em uma famosa loja de departamentos. Em vez de conseguir se c
oncentrar em sua missão, porém, Sam surpreendia-se com os ol
hos voltados quase todo o tempo para a linda duende Edie Prest
on, sua parceira no atendimento às crianças.
Como se isso não bastasse, ele teve de beijar Edie para salvar
sua missão e passou a ouvir sinos de igreja em vez de sinos de
Natal!

CAPÍTULO I
Tinha alguma coisa errada com aquela roupa de Papai Noel. El
e não conseguia parar de se coçar. Ou era alérgico a roupas de
Papai Noel ou aquela, em particular, estava servindo de hosped
aria para uma família de pulgas, Sam Stevenson pensou, irritad
o. Se não saísse logo de dentro daquele traje, os malditos inset
os acabariam com ele. E com as pobres crianças que viessem se
sentar em seu colo.
_ Preciso sair por um instante _ Sam disse à garota vestida de
duende que iria trabalhar com ele na maior loja de departamen
tos da cidade até a véspera do Natal.
_ Sair? _ ela repetiu perplexa. _ Faltam apenas dois minutos p
ara a abertura da loja e as crianças já está em fila lá fora para
falar com o Papai Noel. Você não pode ir à parte alguma!
Se Sam não estivesse se sentindo tão desconfortável, a beleza d
aquela jovem o teria fascinado. Assim mesmo, ele não pôde deix
ar de notar o brilho de seus cabelos loiros ondulados sob o cha
péu pontiagudo e a perfeição de seus traços.
A vontade de Sam era correr para o vestiário, mas obrigou-se a
manter a dignidade.
_ E urgente _ ele avisou. _ Lamento, mas as crianças terão de e
sperar.
Antes que Sam pudesse se afastar, a jovem saltou a sua frente
e lhe barrou a passagem. Os guizos de seu chapéu tilintaram al
egremente. Mas não foi com alegria que ela o encarou. Nem que
ele recebeu a ordem.
_ Sinto muito, mas você vai ficar!
Com uma das mãos, Sam coçou uma orelha. Com a outra, coçou
o pescoço. O que havia, afinal, com aquela garota? Além de due
nde, também era guarda de segurança? Estava sendo paga para
desempenhar as duas funções?
_ Quem é você para dizer o que posso ou não fazer? _ Sam perd
eu a esportiva.
_ Acontece que sei o que está havendo por aqui _ ela declarou
com as mãos apoiadas nos quadris e reprovação nos olhos verde
s.
Dessa vez, a contrariedade de Sam tomou outra forma. Seria po
ssível que aquela jovem tivesse descoberto seu segredo?
_ Do que você está falando? _ Sam tentou ganhar tempo, embor
a não tivesse nenhum. Se continuasse com aquela roupa mais u
m minuto, as pulgas o devorariam vivo.
_ Eu posso ajudar a resolver seu problema _ ela disse, e a curi
osidade de Sam se transformou em choque. _ Sou psicóloga e mi
nha mãe é assistente social.
_ Não me importa quem você e sua mãe são. Por mim, o nome d
ela pode ser Margaret Mead que não me faz diferença
_ Margaret Mead era antropóloga, não socióloga _ a moça o cor
rigiu. _ A antropologia estuda a espécie humana. A sociologia e
studa os grupos sociais.
_ O que eu tenho a ver com isso? Ela respirou fundo.
_ A raiva é um sintoma clássico.
Sam balançou a cabeça, boquiaberto. Onde o encarregado do de
partamento pessoal havia recrutado aquela duende? Ela deveria
estar trabalhando em um centro acadêmico, não em uma loja de
departamentos.
Para tentar escapar do cerco, Sam deu um passo para o lado. M
as ela o acompanhou. Ele saltou de volta, e ela o imitou. Dali a
instantes, quem os visse pensaria que estavam dançando uma va
lsa.
-_ Não há de que você se envergonhar _ ela murmurou. Claro q
ue não. Não era ele que estava picando alguém E ser picado por
pulgas também não era motivo de vergonha já que não era o do
no delas. Mas isso não significava que ele estivesse a fim de di
vulgar seu problema ao mundo. Já havia experimentado um tipo
semelhante de humilhação quando era criança e sua professora
encontrou um piolho em seus cabelos. Sam sentiu um arrepio à
horrível lembrança. E uma certeza redobrada de que precisava
se livrar daquela roupa de Papai Noel.
Tomada a decisão, Sam encarou a garota e apontou o dedo para
seu nariz.
_ Saia de minha frente, doçura, se não quiser que eu a derrube
ou a carregue comigo.
_ As crianças estão contando com você. Em sua figura de Papai
Noel você representa tudo que é puro, bom e honesto. Não tem
o direito de decepcioná-las. Acha que é certo abandoná-las por
uma dose de bebida?
_ Bebida?
_ Sim. Estou ciente do número de homens que se candidatam ao
emprego de Papai Noel todos os meses de dezembro porque não
conseguem uma colocação permanente devido ao vício. Não esto
u culpando-o. Sei que o alcoolismo é uma doença. Mas sei tamb
ém que é possível parar de beber. Sam balançou a cabeça e susp
irou.
_ Está maluca? Eu não sou um alcoólatra.
_ Negar é outro sintoma clássico! _ Edie exclamou, convicta.
Sem saber se gritava a verdade, se ria ou se dava uma de louc
o, Sam empalideceu ao deparar com um bando de crianças salti
tantes vindo em sua direção.
_ Papai Noel! Papai Noel! _ elas chamavam.
Seu tempo estava esgotando. Era preciso apelar para um truqu
e antigo. Ele fez que escaparia por um lado e fugiu pelo outro.
_ Ei! _ a duende protestou. _ Não pode me deixar sozinha aqui.
Elas querem você.
Quando Sam pensou que estava salvo, sentiu o casaco ser puxa
do por trás.
_ Volte imediatamente para o trenó, Papai Noel, ou eu serei ob
rigada a contar o sucedido ao sr. Trotter, o gerente da loja.
Sam mostrou os dentes em uma careta e pensou que despejaria
de bom grado todas as pulgas na fantasia de duende. Tentou ma
is uma vez escapar dás mãos que o seguravam como garras. Mas
antes que seu gesto pudesse dar algum resultado, ele e a garota
foram vistos.
_ Olhe, mamãe, aquele duende está machucando o Papai Noel!
_ Solte-me! Olhe o espetáculo que estamos proporcionando! _ S
am resmungou, zangado.
_ Não _ ela se limitou a dizer.
Sam puxou o casaco com força na tentativa de se desvencilhar.
Em vez de conseguir sua liberdade, a garota veio junto com o t
ecido e bateu contra seu peito.
Por uma fração de segundo, seus rostos ficaram tão próximos q
ue ele percebeu uma porção de minúsculas sardas em seu nariz.
Também sentiu um suave perfume invadir suas narinas. Em out
ra ocasião, ele teria aproveitado para admirar os traços finos e
delicados e para elogiá-la por sua tenacidade e determinação.
Mas não ali e não naquela hora em que estava servindo de banq
uete.
_ Mamãe, mamãe, faça aquele duende largar o Papai Noel!
_ Você está assustando minha filha! _ protestou uma mulher.
Aquilo não estava certo. Ele não deveria estar atraindo atençã
o sobre si. Ao contrário. Seu chefe escolhera o disfarce de Pap
ai Noel justamente para não despertar suspeitas.
A missão seria dura. Sam não tinha dúvidas quanto a isso. Tim
mons, seu chefe, fizera questão de deixar bem claro que o uso d
a roupa de Papai Noel seria seu castigo por ter acabado com o
carro do prefeito em sua última diligência. Por mais que ele te
ntasse explicar sobre o acidente, o valor da perda não o justifi
cava.
As pulgas estavam atacando como se não fizessem uma refeição
desde o Natal anterior. Sam estava tão desesperado que passou
por sua mente a possibilidade de a roupa ter servido de forraçã
o durante todo o ano para algum canil. Não estava suportando
mais. Algo precisava ser feito.
Sam segurou a mão da duende e abriu seus dedos à força. E ant
es que ela pudesse voltar ao ataque, ele entrou, no banheiro re
servado aos homens.
Assim que se viu sozinho, Sam arrancou a barba postiça e se co
çou até não poder mais. Na primeira oportunidade, tirou o cha
péu e atirou-o ao chão. Depois se pôs a desabotoar o casaco e a
desafivelar o cinto. Chutou as botas ao mesmo tempo e por fim
baixou a calça.
Jamais sentira tanto alívio em sua vida.
Com o que ele não contava era com a persistência de sua compa
nheira que mais parecia um cão de guarda. Ela invadiu o sanitá
rio e o surpreendeu de cueca.
Edie parou e deu um grito. Em seguida se fez calar, levando u
ma das mãos à boca. Jamais poderia imaginar que o Papai Noel
daquele ano fosse tão viril, tão musculoso e tão sexy. O que esp
erava menos ainda era encontrá-lo quase nu dado o pouco temp
o em que ele lhe escapara.
Em sua imaginação, o homem contratado para representar Papa
i Noel seria flagrado entornando uma garrafa de bebida ou tom
ando algum tipo de droga. No entanto, a visão que ela estava te
ndo era de um homem mais do que saudável e atraente...
E zangado.
_ Você não desiste? _ ele esbravejou. _ O que quer de mim?
Edie baixou os olhos incapaz de sustentar a frieza súbita daqu
eles olhos azuis como safiras. Foi pior. Ao ver as pernas muscu
losas, corou e tornou a erguer os olhos. Queria dizer algo, just
ificar seu comportamento, mas não conseguia encontrar as pala
vras.
_ Se já viu o bastante, poderia me deixar em paz? _ ele sugeriu
.
_ Eu não tinha intenção... _ Edie mordeu o lábio. Simplesmente
não conseguia entender o que um homem como aquele estava faz
endo dentro de uma roupa de Papai Noel trabalhando em uma lo
ja de departamentos. Ele poderia ganhar uma fortuna como mod
elo profissional.
_ O que farei sem você com todas aquelas crianças? _ Edie per
guntou por fim com um gesto de impotência.
_ Não sei e não quero saber _ Sam respondeu de costas.
_ Posso fazer uma pergunta? Sam suspirou.
_ Como sei que não sairá daqui enquanto não conseguir o que q
uer, faça a pergunta de uma vez.
_ Por que correu para cá e se despiu?
_ Pulgas.
_ O quê?
_ Pulgas _ Sam repetiu ao mesmo tempo que coçava o peito.
_ Você está com pulgas?
_ O traje estava _ Sam explicou e apontou para as roupas amon
toadas no chão.
Edie tornou a tapar a boca com a mão.
_ Oh, céus, e eu tentei impedi-lo de se livrar do problema!
_ Não faz idéia do que me fez passar!
_ Oh, eu sinto muito... Não podia imaginar. Já tive experiência
s bastante desagradáveis com outros homens nessa função.
O mau humor estava dando lugar a uma expressão divertida. Sa
m estava se sentindo vingado diante do constrangimento da gar
ota.
_ É sempre tão preconceituosa?
_ Oh, não! Peço, por favor, que me desculpe e que me permita
compensá-lo pelo que houve. Irei agora mesmo contar o sucedid
o ao gerente.
Edie estava se sentindo menor que um grão de milho. Fora prec
iso uma semana de exaustivas conversas para convencer o sr. T
rotter a contratar homens matriculados na instituição de ampa
ro onde sua mãe trabalhava para os serviços extras que surgia
m naquela época do ano. Por mais que ela discursasse sobre a n
ecessidade de cada um estender a mão aos necessitados de modo
a melhorar a vida em toda comunidade, e contasse com o apoio
do proprietário da loja, o sr. Carmicháel, o que finalmente con
venceu o sr. Trotter a dar uma chance aos homens foi o argume
nto de que eles aceitariam trabalhar por qualquer salário.
Se no primeiro dia o Papai Noel criasse problemas, quem o sr.
Trotter culparia? Ela, sem dúvida. Fora por esse motivo que se
empenhara tanto em impedir que ele abandonasse seu posto. Ag
ora, estava tão envergonhada que não tinha coragem nem seque
r de pedir desculpa.
_ Antes de sair, daria para você me fazer um favor? _ Sam ped
iu.
Edie engoliu em seco.
_ Por mais que tente, não consigo alcançar a parte que fica em
baixo do ombro esquerdo e a coceira está me enlouquecendo.
Edie hesitou. Suas mãos estavam ansiosas por tocar aquele hom
em mas seu cérebro ordenava que suas pernas a levassem para f
ora daquele recinto.
_ Então, moça?
_ Edie.
_ O quê?
_ Meu nome é Edie. Edie Preston.
_ Ótimo.
_ Como é seu nome?
_ Sam. Agora que já nos apresentamos, daria para você me aju
dar?
Quando deu por si, Edie estava roendo a unha, um hábito antig
o que ela vinha combatendo. Mas ainda não conseguia evitar re
caídas quando enfrentava momentos, de intenso estresse.
_ Por favor _ Sam suplicou. _ Se não quer se aproximar de mim
, encontre algo que resolva meu problema. Uma régua, um cabi
de, qualquer coisa. Por favor, me ajude.
Por favor. A essa palavra, Edie jamais resistia. E ele parecia s
incero. Não estava fingindo uma situação para atraí-la. Em res
umo, ele não estava tentando lhe passar nenhuma cantada.
Edie deu um passo e tocou-o. No mesmo instante, ele arqueou a
s costas.
_ Mais para cima _ orientou-a.
Com os dedos curvados, Edie começou a esfregar a pele quente
o macia. Uma sensação estranha percorreu seu corpo.
_ Mais para a esquerda.
O coração estava batendo rápido. Sem perceber o que fazia, Ed
ie viu-se olhando fixamente para baixo. Mais exatamente para o
final das costas onde começava a cueca. O sangue lhe aflorou a
o rosto. Apressou-se a desviar o olhar.
_ Você está se afastando do lugar _ disse o Papai Noel! transfo
rmado em Deus grego. _ Por favor, volte. Ah! _ Os dedos de Edi
e obedeceram ao comando embora seus olhos estivessem, agora,
voltados para os lavatórios. _Mais forte. Mais depressa.
Edie estava precisando que alguém a abanasse. Ou que lhe emp
restasse uma roupa à prova de fogo.
_ Assim! _ ele gemeu. _ Não pare.
Sam estava debruçado sobre uma pia. Atrás dele, Edie continua
va a coçá-lo.
Naquele exato momento, a porta foi aberta. Edie e Sam se vira
ram ao mesmo tempo e deram com o sr. Trotter à frente de uma
barulhenta multidão.
_ O que está acontecendo aqui? _ o gerente perguntou em tom
de profunda desaprovação.
_ Posso explicar _ disse Edie.
O homem entrou, fechou a porta atrás de si e cruzou os braços.
_ Espero que sua explicação seja convincente, srta. Preston, ou
terei de despedi-los sumariamente.
Edie fez que sim com a cabeça e pediu calma.
_ Há dezenas de crianças aí fora esperando para falar com Pap
ai Noel. Se ele não for logo para o trenó, as mães irão embora
e procurarão outra loja que disponha de um Papai Noel para at
ender seus filhos. Isso significará perda de faturamento.
A loja era grande e importante demais para sofrer um abalo po
r causa da falta de um Papai Noel por um pequeno período, Edi
e pensou. Mas a possibilidade de ter seu emprego afetado, prov
avelmente faria o sr. Trotter pensar duas vezes antes de tomar
uma decisão. Era com isso que Edie estava contando.
Conhecia bem a postura daquele homem e seu modo de trabalha
r. Ele preferia punir erros a elogiar acertos.
O gerente estreitou os olhos.'
_ Isso não justifica o comportamento de vocês. Não posso toler
ar que a duende e o Papai Noel se afastem para fazer sexo nas
dependências da loja quando deveriam estar trabalhando.
Sexo com Papai Noel? Edie olhou de esguelha para o homem qu
ase nu de quem estava sendo acusada como parceira e sentiu qu
e corava. Até poucos minutos antes, ela jamais havia pensado n
o ídolo das crianças como um ícone sexual, mas Sam a obrigara
a rever seu conceito.
Sam se colocou entre Edie e o gerente.
_ Escute aqui, sr. Trotter, a roupa que me mandou usar estava
infestada de pulgas. Essa é a razão por eu estar de cueca. Essa
é a razão por eu estar com meu corpo coberto de picadas. O úni
co crime da srta. Preston foi ter feito a bondade de coçar minh
as costas. Se não me entregar um outro traje limpo e desinfetad
o, imediatamente, e parar de ameaçar a moça, serei forçado a r
elatar o incidente ao departamento de saúde pública.
_ Você não se atreveria _ o gerente respondeu.
De repente, Edie achou a situação tão ridícula que precisou se
conter para não rir.
_ Não duvide de mim _ Sam disse com firmeza. _ E trate de ped
ir desculpas a srta. Preston.
_ Pedir desculpas? _ o gerente repetiu, perplexo.
_ Acha que foi certo de sua parte insinuar que ela seria capaz
de manter uma relação sórdida em um banheiro público?
O homem se recusou a voltar atrás. Edie olhou para um e para
outro. Os dois pareciam dois gladiadores prestes a pular sobre
o outro. Sam cerrou os punhos. Trotter franziu as sobrancelhas
.
Edie sentiu o estômago dar uma reviravolta. Ninguém jamais a
defendera com tanto empenho. Mas enquanto o gesto cavalheire
sco a emocionava, o medo de ser demitida era mais forte. Preci
sava do dinheiro que iria ganhar com aquele emprego temporár
io para custear seus estudos durante o semestre que viria. E Sa
m certamente não estava encarnando Papai Noel por diversão.
Era preciso recorrer à velha saída dos panos quentes.
_ Está tudo bem, Sam _ disse Edie. _ Entendo a posição do sr.
Trotter. Afinal, ele entrou aqui e o viu de cueca. Como se não
bastasse, eu me encontrava atrás de você, com uma das mãos em
suas costas. Por que não esquecemos o que houve? Enquanto vo
cês resolvem o problema da roupa, eu vou para meu posto e ent
retenho as crianças.
_ Tem certeza de que é isso que quer, Edie? _ Sam perguntou.
_ Tenho. _ Edie olhou para o gerente. _ Dou-lhe minha palavr
a, sr. Trotter, de que não estava acontecendo nada de vergonho
so aqui. Eu estava apenas tentando ajudar Sam Stevenson por c
ausa das pulgas.
O sr. Trotter pigarreou.
_ Bem, como você se mostrou uma funcionária exemplar até ago
ra, estou disposto a lhe dar uma segunda chance.
_ Em seguida, ele se virou para Sam e lhe apontou o dedo.
_ Mas se eu souber que vocês dois andam aprontando alguma co
isa, ambos irão imediatamente para o olho da rua. Está entendi
do? Este estabelecimento tem um nome a zelar.
Edie forçou um sorriso.
_ Sim, senhor. Não se arrependerá de sua decisão. Sam não dis
se nada, mas seu olhar provocou um arrepio em Edie. Sam era i
ncrivelmente parecido com seu ator favorito, Mel Gibson. Sua p
ostura, naquele momento, o fazia lembrar seu papel no primeir
o filme da série Máquina Mortífera.
_ Deixe-me ver se consigo um outro traje de Papai Noel _ disse
o sr. Trotter. _ Espere-me aqui, sr. Stevenson. Srta. Preston, v
á para seu posto.
Edie se dirigiu à porta com tanto ímpeto que os guizos tilintar
am em seu chapéu. Estava aliviada por ter conseguido manter s
eu emprego de férias. Por outro lado, sabia que teria um desafi
o pela frente. Trabalhar o dia inteiro ao lado do homem mais s
exy que já conhecera e mal poder olhar para ele seria uma tare
fa das mais difíceis.

CAPÍTULO II
Ao som de Jingle Bells que se espalhava pela loja pela milionés
ima vez, Sam ouvia os pedidos de dois irmãos sentados em cada
um de seus joelhos. Sua voz já estava rouca de tantos ho, ho, h
os, e a maldita coceira nas costas ainda não desistira de tortur
á-lo.
Ao redor de sua pequena ilha coberta de neve, as pessoas pulav
am pelos diversos departamentos na ânsia de comprar seus pres
entes de Natal e se acotovelavam nas bancas que anunciavam pr
omoções. A seção mais próxima ao Pólo Norte era a perfumaria.
A impressão de Sam era que a fragrância de rosas ficaria impre
gnada para sempre em suas narinas.
Arranjos natalinos, as famosas mistletoes com suas folhagens v
erdes e bolinhas brancas em cachos, pendiam do teto. Segundo
a tradição americana, quem passasse sob aquela mimosa flor tí
pica do Natal, devia beijar quem estivesse ao seu lado. Mas do
que as crianças realmente gostavam eram das numerosas luzinh
as piscando pelo cenário.
Vez por outra, uma voz pausada interrompia a música para anu
nciar produtos encalhados em liquidação, desde acessórios dour
ados para banheiros até cumbucas de porcelana chinesa com mo
tivos natalinos.
De volta ao trenó, Sam balançou a cabeça. Seu chefe, Alfred Ti
mmons, era um mestre na administração de castigos. De que out
ra forma, afinal, ele podia chamar sua missão? O disfarce de P
apai Noel o absorvia tanto que não sobrava tempo para observa
r nada do que se passava fora do Pólo Norte. Se dependesse del
e, os responsáveis pela onda de roubos que vinha acontecendo n
a Carmichael's nunca seriam descobertos.
Sam suspirou. A única saída seria empregar todos os esforços d
e investigação após seu expediente de trabalho. Ou seja, seria e
xpediente sobre expediente: um como Papai Noel, outro como de
tetive. O que significaria uma carga horária de doze a catorze
horas.
Tudo bem. Timmons havia conseguido o que queria. Ele havia a
prendido a lição. Se tivesse de tornar a explodir algo na perseg
uição a um suspeito, que não fosse o carro da pessoa número u
m da cidade.
_ A foto ficará linda _ disse Edie com um amplo sorriso. _ Pap
ai Noel com gêmeos.
Com a visão ofuscada pelo flash, Sam praguejou consigo mesmo
. Estava farto daquilo. Até que a missão terminasse, ele já teri
a sido levado a um pronto-socorro oftálmico para tratar de que
imaduras em suas retinas. De acordo com seus cálculos, seus ol
hos já haviam sido expostos a uma centena de flashes só no pri
meiro dia, e seus ouvidos a outra centena de pedidos de present
es.
Com o Papai Noel, ninguém se importava. Ele estava contando
os minutos para chegar a hora do almoço. A fome estava lhe pr
ovocando delírios de um cheeseburger duplo e um milk-shake d
e chocolate.
Os gêmeos aparentemente detestaram o flash tanto quanto Sam
pois se puseram a chorar. Na tentativa de acalmá-los, ele fez u
m automático ho, ho, ho. Os bebês olharam para a cara dele e c
horaram mais alto.
A jovem mãe teria sua eterna gratidão. Imediatamente tirou os
filhos de seu colo e colocou-os no carrinho. Como era capaz de
passear por uma loja superlotada com dois bebês era algo além
de sua compreensão. No entanto, estava sorrindo ao se encamin
har para Edie a fim de pagar pela foto.
Sam viu-se observando Edie mais uma vez. Por mais que tentas
se ignorar a jovem que fizera parte de um dos piores momentos
de sua vida, seus olhos pousavam a todo instante em suas perna
s bem torneadas e completamente desenhadas pela fantasia cola
nte.
_ Pare com isso, Stevenson _ Sam falou consigo mesmo. _ Esque
ceu que sua regra número um é nunca se envolver com alguém c
om quem trabalha? Lembra-se de Donna Beaman? Como ele pod
eria esquecer Donna? Fora indicado para proteger a fascinante
modelo quando ela passou a receber telefonemas ameaçadores p
or ter testemunhado contra um suspeito detido por Sam.
Ela teceu uma teia de sedução e Sam se deixou prender de bom
grado. Chegou ao ponto de ter aulas de etiqueta para acompanh
á-la, de smoking, a eventos elegantes, inclusive políticos. Ao se
r trocado por um rico e famoso jogador de pólo, Sam sentiu-se
o homem mais infeliz do mundo.
O resultado daquele relacionamento fracassado foi uma tomada
de decisão. Envolvimentos com colegas de trabalho, informante
s ou testemunhas tornaram-se proibidos. E quem o quisesse teri
a de aceitá-lo pelo que era, com suas virtudes e seus defeitos.
Não admitiria que nenhuma outra mulher tentasse transformá-l
o em algo que não era. Bastaram Donna e sua tia Polly,
Por mais que se ordenasse a não se interessar pela duende Edie
, contudo, Sam não conseguia parar de olhar para ela, Afinal, o
lhar não tirava pedaço...
_ Ela tem um belo traseiro, não, Papai Noel? Sam se apressou a
olhar para a fila de crianças. Era a vez de um menino de cerca
de oito anos com uma expressão cínica.
Sam já havia visto aquela mesma imagem muitas vezes no espel
ho para não reconhecer que estava diante de um problema. Vint
e anos antes ele havia feito a mesma coisa com outro pobre Pap
ai Noel. Não dizem que, mais cedo ou mais tarde, a gente paga
pelo que faz?
_ Você ainda não é pequeno demais para usar essa linguagem?
_ Sam perguntou em tom de censura.
Quando ele próprio se comportava daquela maneira, a razão er
a uma só: chamar a atenção. Sua infância fora dura, com o pai
ausente e a mãe obrigada a trabalhar dia e noite para sustentá
-los. Ele se tornou uma criança rebelde. Aos doze anos, quando
ficou órfão, a revolta que tomou conta de si o levou a cometer
pequenos furtos e atos de vandalismo.
A adoção por parte da tia Polly o salvou de si mesmo. Reconhe
cia seus esforços no sentido de lhe ensinar a tão necessária dis
ciplina. Por outro lado, por mais que procurasse se mostrar dig
no de seu empenho, a tia nunca pôde suprir sua carência de afe
to.
Sam fez um sinal para que o menino se aproximasse.
Ele fez que não com um gesto de cabeça.
_ Não quero falar com um velho pervertido.
_ Sou o Papai Noel, garoto.
_ Papai Noel não existe. Você é uma fraude. Se eu for até aí, p
uxarei sua barba para provar.
Rápido como uma bala, o menino saltou sobre a corda e correu
para o trenó. Mas antes que conseguisse puxar a barba artifici
al, Sam o agarrou pelo pulso.
_ O Papai Noel não o visitou no Natal passado, não é? O menin
o arregalou os olhos.
_ Papai Noel não existe.
_ E aí que você se engana.
_ Então por que ele não me deu a bicicleta que pedi? Por que n
ão levou meu pai de volta para casa?
No mesmo instante, Sam segurou o menino pela cintura e o enc
arou de homem para homem.
_ Por que não me conta tudo? _ Sam murmurou.
O menino não resistiu. Baixou a cabeça e começou a falar:
_ Meu pai nos deixou. Ele nunca telefona nem manda presentes.
Minha mãe se mata de trabalhar em um hotel, mas não ganha qu
ase nada. Sabe o que ganhei no Natal do ano passado? Cuecas e
meias. Depois ela me levou para almoçar em um fast food.
_ Este ano será diferente _ Sam prometeu. _ Papai Noel cuidar
á de você em pessoa. Fale com a duende e lhe dê seu nome e seu
endereço.
O menino ficou boquiaberto.
_ De verdade?
Contra sua vontade, Sam sentiu-se emocionado. Identificava-se
completamente com aquele menino.
_ Palavra de Papai Noel!
_ Puxa, obrigado!
_ Mas há uma condição. "
_ Eu sabia que não sairia de graça. É sempre assim. _ O menin
o suspirou. _ Qual é a condição?
_ Vigie sua boca e cuide de sua mãe. Ele encolheu os ombros.
_ Está bem...
_Promete?
_ Se me der uma bicicleta, eu prometo.
Feito o trato, Sam deu um pirulito ao garoto e seguiu-o com os
olhos enquanto se dirigia a Edie. Fazia tempo que não se sentia
tão bem. Um menino estava feliz por causa dele. E teria um Nat
al especial aquele ano.
Edie falou com o menino, depois se virou para Sam e lhe deu u
m sorriso que teve o efeito de uma flechada em seu coração.
Apesar dos contratempos, Sam pensou, aquela missão talvez nã
o fosse tão difícil.
Quanto mais olhava para Sam Stevenson, mais impressionada e
confusa Edie se sentia. Além de lindo, ele estava em perfeita fo
rma. Seu sorriso era irresistível e ele demonstrava uma paciênc
ia infinita com as crianças. E o modo como a defendera perante
o sr. Trotter era algo que não poderia esquecer. Mas acima de t
udo, ele dera alegria a um menino infeliz.
O que um sujeito maravilhoso como aquele estava fazendo em u
ma roupa de Papai Noel?
Sua experiência como duende naquela loja vinha de anos. E seu
s conhecimentos de psicologia indicavam dois tipos de homens q
ue aceitavam aquele emprego. Os desempregados, dispostos a fa
zer qualquer tipo de trabalho que lhes garantissem um mínimo
de pagamento. E os aposentados que gostavam de crianças e que
podiam ganhar um dinheiro extra para os presentes de Natal.
Com sua aparência e habilidades, Sam conseguiria arrumar em
pregos bem melhores. A não ser, é claro, que ele estivesse com
algum problema sério. Embora ele tivesse negado o vício do álc
ool, talvez usasse drogas. Ou, então, fosse um jogador compulsi
vo?
Edie lhe dirigiu um olhar crítico. Sam estava conversando com
uma garotinha sobre o tipo de comida que ela deveria deixar pa
ra as renas junto com o leite e os biscoitos do Papai Noel.
Havia um sorriso nos lábios de Edie. Ela era igual naquela ida
de. Sempre se preocupava em arrumar um lanchinho para os tão
esperados visitantes noturnos. Engraçado que seu pai lhe tivess
e ensinado a deixar flocos de milho para todos eles. Seu pai ad
orava flocos de milho!
Ali perto, Sam estava dizendo que o alimento preferido das ren
as era a aveia porque as fazia voar bem alto e rápido.
Que imaginação!
A curiosidade de Edie estava crescendo. Ela precisava saber m
ais sobre Sam. E sobre o motivo que o levara a se empregar na
Carmichael_s.
Talvez ele estivesse ali pelo mesmo motivo que ela, Edie penso
u. Talvez ele adorasse o Natal. Ou, talvez, estivesse cursando a
faculdade e precisasse ganhar seu dinheiro durante as férias
Por sorte, estava chegando a hora do intervalo para descanso.
Edie pegou o cartaz com o desenho de um relógio que informava
os horários de atendimento do Papai Noel e ajustou os ponteiro
s para as duas horas. Depois colocou-o no local apropriado e co
nvidou Sam para almoçarem juntos. _ Com fome? _ ela pergunt
ou.
_ Você leu minha mente.
_ Não. Eu ouvi o ronco de seu estômago. Vamos comer alguma c
oisa?
_ Vestido desse jeito?
_ Lógico que não!
_ Temos tempo para trocar de roupa?
_ O intervalo para almoço é de uma hora.
Sam se levantou do trenó e fez menção de se afastar. Edie avis
ou-o que havia algo em seu rosto.
_ Que nojo! _ Sam exclamou. _ Está grudando. Edie ergueu-se
na ponta dos pés.
_ Parece bala.
_ Uma menina com um pirulito na mão quis me dar um beijo. D
eve ser isso.
_ Tenho lenços umedecidos no bolso. Quando trabalhamos com
crianças, esse recurso torna-se imprescindível. _ Edie tirou um
do bolso, rasgou o envelope, e passou-o na face de Sam.
Quando terminou de limpar a mancha, Edie viu Sam olhando fi
xamente para ela. Não conseguiu respirar. Seu coração bateu m
ais forte. Não havia notado antes como os olhos de Sam eram az
uis. Nunca vira um homem com cabelos tão pretos possuir olhos
de um azul tão profundo.
_ Sua pele é linda _ ele murmurou.
_ Obrigada. _ Edie procurou brincar. _- Deveria ver a quantid
ade de cremes com que me lambuzo antes de dormir.
_ Isso eu gostaria de ver.
A idéia de ser vista de pijama por Sam deixou Edie acalorada.
Aquela loja nunca lhe parecera tão quente.
Sam notou as faces coradas e o brilho daqueles olhos verdes e
soube que precisava se afastar dali.
Depressa. Antes que quebrasse sua regra número um sobre não
se envolver com colegas de trabalho.
Virou-se e deu com uma figura que o fez franzir o cenho. Fred
die Fish. O que aquele sujeito mal-encarado estava fazendo na
Carmichael's? Ele próprio o mandara para a prisão numerosas
vezes por roubo e comercialização de objetos roubados e seu pr
imo e parceiro, Walter. Seria o caso de Freddie estar de conlui
o com algum funcionário talvez? E ambos estivessem por trás d
os problemas que o levaram a ser escalado para aquela missão?
De acordo com as evidências, alguém ali de dentro estava facili
tando o serviço. Fazia uma semana que os fiscais da loja vinha
m denunciando a falta de mercadorias, desde roupas ate acessó
rios para jardinagem e objetos de decoração natalina, que alca
nçavam o montante de dez mil dólares.
E tudo isso estava acontecendo bem debaixo do nariz do gerent
e. Não era à toa que o humor de Jebidiah Trotter estava além d
o ponto de ebulição.
Sam franziu o rosto. Deduzir que Freddie Fish estava envolvid
o com os roubos era fácil. Difícil seria provar algo. Afinal, o h
omem não estava fazendo nada naquele momento a não ser anda
r pela loja como qualquer freguês normal.
Freddie estava se aproximando. E ele não podia ser reconhecid
o em hipótese alguma.
Sem saber onde se esconder, Sam olhou ao redor. Seus olhos en
contraram os de Edie e ele agiu por instinto. Enlaçou-a pela ci
ntura e inclinou a cabeça. Ainda teve tempo de ver o assombro
em sua expressão antes de pousar os lábios nos dela. E já a est
ava beijando quando lhe ocorreu que Freddie não o teria recon
hecido com aquela fantasia de Papai Noel.
Que boca! E que toque! O abraço e o beijo foram indescritíveis
. As mãos e os lábios de Sam eram macios, quentes e firmes. As
bocas se encaixavam como se tivessem sido feitas uma para a ou
tra. Dos alto-falantes se espalhavam as notas de uma canção ch
amada Eu vi a mamãe beijando o Papai Noel. Certa de que era o
destino, não uma coincidência, que a jogou nos braços de Sam,
Edie se entregou ao prazer do momento sem se lembrar de que e
stava no meio de uma loja cercada por uma multidão.
Como poderia? O beijo foi longo e intenso. Deixou-a sem força
s. E ao cogitar o que Sam poderia ter feito caso estivessem sozi
nhos, Edie sentiu o sangue aflorar às faces e os seios enrijecer
em.
A voz da razão ordenou que se afastasse e avisou-a que eles est
avam dando um espetáculo que certamente traria conseqüência
s, mas sua mente não conseguiu ser forte o suficiente para apag
ar o fogo que a língua de Sam havia ateado.
Foi preciso uma voz infantil alcançar os ouvidos de Edie para
que ela voltasse à realidade.
_ Olhe, mamãe, o Papai Noel está beijando uma duende.
_ Ei, vocês! _ a voz de um adolescente, agora, se fez ouvir. _ P
or que não procuram um motel?.
_ Contenham-se, Papai Noel. O que a Mamãe Noel diria desse s
eu comportamento?
Com a voz entrecortada de tanto que seu coração batia,
Edie recuou um passo.
_ Por que fez isso? _ murmurou. Sam apontou para o teto.
_ Efeito do mistletoe.
Edie olhou para o alto e constatou a presença de um ramo da le
ndária planta do amor e do Natal. Uma grande decepção a inun
dou. O beijo fora motivado por uma simples planta, nada mais.
Sam puxou-a pela mão.
_ Vamos sair daqui. Estamos atraindo olhares indiscretos.
Em silêncio, Sam e Edie se dirigiram à área reservada aos func
ionários. Lá dentro, cada um foi para o respectivo vestiário.
Sam retornou em poucos minutos usando uma calça de sarja pr
eta e um suéter da mesma cor. Os cabelos estavam penteados pa
ra trás e o sorriso parecia ainda mais bonito e natural do que
Edie vira antes.
Aquele era, sem sombra de dúvida, o Papai Noel mais lindo que
já surgira nos anais da história.
Edie não demorou muito mais do que Sam para trocar de roup
a. Tirou o chapéu de duende e o avental, vestiu um casaco, e tr
ocou as sapatilhas pontiagudas por botas de couro marrom. Em
seguida passou um pente pelos cabelos e aplicou uma camada de
batom nos lábios.
_ Calma! _ Edie ordenou-se várias vezes enquanto se arrumav
a. Estava nervosa e excitada como uma adolescente prestes a sa
ir para seu primeiro encontro. _ Você não sabe nada sobre esse
homem.
Não, ela não sabia. Esse era um dos motivos que a levara a dec
idir almoçar com ele. Certo?
_ Está pronta? _ Sam perguntou assim que ela saiu do vestiário
.
Mover a cabeça em sentido afirmativo foi tudo que Edie conseg
uiu fazer.
Sam abriu a porta e segurou-a para que Edie passasse.
Mas ao chegar ao corredor, Edie viu o gerente conversando co
m uma das vendedoras do setor de cosméticos e rindo.
_ Volte! Depressa!
_ O que houve? _ Sam perguntou e precisou amparar Edie que
bateu contra seu peito no afã de escapar
_ Trotter _ Edie murmurou. _ Depois do que aconteceu esta ma
nhã, não acho bom que ele nos veja juntos.
Mas era tarde demais. Trotter já estava olhando para eles. Um
segundo mais e ele os teria surpreendido de mãos dadas Sam em
purrou Edie de leve.
_ Vá pela esquerda e eu irei pela direita. Almoçaremos na lanc
honete como combinamos.
Bastou Edie desaparecer por um carrossel de vestidos para ges
tantes para Sam perceber que havia cometido um erro. Ela não
teria escapatória. Se continuasse seguindo aquele rumo, acabar
ia dando de cara com Trotter
Era preciso distrair o homem!
Sam correu e se escondeu atrás de uma coluna decorada. com p
apel crepom branco e vermelho como se fosse um enorme pirulit
o. Com os braços ao longo do corpo, espichou o pescoço na tent
ativa de localizar Trotter.
Encontrou-o diante de um espelho, ajeitando os fios de cabelos
com os dedos. Trotter os usava compridos na frente, de modo a
disfarçar a calvície. Algo que não funcionava muito bem
Sam olhou, então, em direção contrária, à procura de Edie. Em
poucos instantes viu várias roupas se movimentando e sentiu u
ma vontade quase incontrolável de rir. Edie saiu do meio delas,
virou para os lados e deu uma corrida até a seção de lingerie.
A vontade de rir passou instantaneamente quando Sam percebe
u que Trotter estava se encaminhando para lá.
Ele tinha de fazer alguma coisa. Não podia permitir que Edie e
nfrentasse aquele sujeito sozinha.
Seus passos apressados podiam ser ouvidos por todos que passa
vam por perto. Nunca, até aquele momento, ele havia detestado
tanto sapatos que rangiam.
_ Sr. Trotter. Posso falar com o senhor? O gerente encarou-o.
_ O que você quer, Stevenson? E agora?
_ Eu...
_ O que foi?
Ele olhou por cima do ombro do chefe à procura de Edie. Aquel
a era a chance de ela sair da loja.
_ Eu gostaria de saber sobre os descontos para funcionários.
-Mas você não tem direito a descontos _ Trotter respondeu mal
-humorado. _ Está aqui para prestar um serviço á sociedade.
De repente, sem que Sam entendesse como, Edie surgiu atrás de
Trotter, fez um sinal e ordenou-lhe que saísse, Sam negou com
a cabeça.
_ O que está havendo? _ Trotter virou para trás, mas não viu n
ada. Edie, mais rápida do que um piscar de olhos, havia sumido
. _ Você está aprontando alguma, Stevenson _ o chefe resmungo
u. _ Tenho um mau pressentimento sobre você.
_ Eu não fiz nada _ Sam declarou com ar inocente.
_ Espero que não. Volte para seu lugar.
_ Eu... _ Sam fingiu estar confuso _ O senhor poderia me mostr
ar o caminho?
_ Está bem. _ O homem suspirou. _ Siga-me.
Aquela fora por pouco, Sam pensou, aliviado. Podia ter se com
portado como um imbecil, mas ao menos Edie estava salva. Por
que estava se preocupando com ela? Isso ele não queria saber.

CAPÍTULO III
Sam estava na Carmichael's por imposição de algum juiz?
Agachada atrás da banca de saldos de calcinhas, Edie ficou atô
nita com as palavras do sr. Trotter. Sam estava trabalhando co
mo Papai Noel porque era obrigado a isso?
Com cuidado para não ser vista, Edie espichou o olhar para o l
ocal onde os dois homens estavam conversando. Mas eles havia
m desaparecido e também a unha de seu indicador. Aparenteme
nte, o vício de roer as unhas ainda levaria tempos para ser eli
minado.
Uma rápida consulta ao relógio mostrou-lhe que só restavam vi
nte e cinco minutos para o término de sua hora de almoço. Mas
o que era fome em comparação com a curiosidade? Enquanto nã
o falasse com Sam, ela não conseguiria engolir nem sequer um g
ole d'água.
_ Srta. Preston!
O susto a fez perder o equilíbrio e cair sentada.
_ Pode me explicar o que está fazendo, srta. Preston, no chão d
o departamento de roupas femininas?
_ Olá. _ Edie tentou agir com naturalidade, embora aquela foss
e a segunda vez no mesmo dia que o gerente a flagrava em posiç
ão embaraçosa.
_ Não adianta fingir que não há nada de errado com esse seu so
rriso. Explique-se.
_ Estou em hora de almoço _ Edie declarou como se isso justifi
casse qualquer coisa.
O homem apoiou as mãos nos quadris.
_ Não leu a nova regra que mandei afixar no quadro de avisos
hoje cedo?
_ Nova regra? _ Edie repetiu sem tirar o sorriso dos lábios.
_ Os funcionários não podem ficar perambulando pela loja. Ou
permanecem em seus próprios departamentos ou vão para a áre
a reservada ao descanso. Namoros em vestiários e banheiros est
ão proibidos assim como as fofocas atrás dos balcões.
Edie ergueu a cabeça e olhou nos olhos do gerente. Nenhum out
ro gerente jamais tratará os funcionários como se fossem robôs
incapazes de sentir e de falar.
_ Isso é ridículo!
_ Não é ridículo, srta. Preston, quando levamos em consideraçã
o os dez mil dólares em mercadorias que foram roubados da loj
a.
_ Não é justificativa para o senhor tratar os funcionários como
se fossem os ladrões!
_ Acontece que tenho razões para acreditar que os ladrões estã
o entre os funcionários.
Edie pestanejou.
_ O senhor não pode estar falando sério!
_ Infelizmente estou, senhorita. A meu ver, os homens da instit
uição, cuja contratação foi feita pelo proprietário da loja a se
u pedido, estão por trás dos roubos. Não é coincidência demais
que eles estejam aqui há sete dias, quando a falta de mercadori
as começou a ser notada? Se isso continuar, receio ser obrigado
a recomendar sua demissão.
Edie abriu a boca para protestar, mas mudou de idéia. De que
adiantaria argumentar com alguém cuja opinião estava formada
e não admitia reyê-la? Ela conhecia os três homens enviados pe
la Instituição Hazelwood e não acreditava que estivessem envol
vidos. Pareciam sinceros em seu arrependimento e empenhados
em seguir um caminho reto dali para a frente. Por outro lado,
ninguém pode ter absoluta certeza sobre o outro.
Pensativa, Edie se dirigiu à lanchonete. Apesar da enorme qua
ntidade de pessoas, ela não viu ninguém ao seu redor. Foi trazi
da de volta ao presente pela voz alegre de Sam.
_ Oi _ ele murmurou em seu ouvido.
Edie virou-se, surpresa. Não havia notado que estava sendo seg
uida.
_ Oi
_ Com fome? _ Sam segurou-a pelo cotovelo e levou-a para a fil
a.
_ Demais.
Edie tentou não dar importância ao fato de estar junto a um ho
mem tão bonito e sedutor. Mais ainda, aos dedos firmes em sua
pele. Mas o corpo não concordava com as mensagens da mente,
o que era um problema.
_ Está quente aqui, não? _ Ela se afastou por fim.
_ Por causa das lâmpadas, provavelmente. Não, não era. Ela sa
bia que não.
Sam entregou-lhe uma bandeja com os talheres embrulhados em
um guardanapo de papel.
_ Obrigada.
Ele sorriu e o calor aumentou. Edie mal conseguiu pegar o cop
o de chá gelado sem derramar o conteúdo. O cardápio do dia es
tava excelente: peixe assado, salada verde, vagens refogadas e
torta de cereja. Diante do caixa, Edie parou e tentou pagar sua
despesa, mas Sam não permitiu.
_ Não posso permitir que pague minha conta _ Edie protestou.
_ Por que não?
_ Porque fui eu que o convidei _ Edie explicou e tirou uma not
a de vinte dólares do bolso. _ Faço questão de pagar.
Como poderia comer sem se sentir culpada se Sam pagasse? Ele
estava prestando serviços à comunidade, afinal. Deveria estar r
ecebendo uma mera ajuda de custo.
O caixa já havia registrado as despesas. Quando Sam tentou lh
e entregar uma nota, Edie o impediu.
_ Por favor.
_ Já está tudo certo, Edie _ Sam murmurou.
Ela não concordava. Era Sam quem estava em dificuldade, não
o contrário.
_ Eu insisto.
_ Você está segurando a fila. _ Sam afastou-se com sua bandeja
em direção às mesas. _ Amanhã você paga, ok?
Então eles almoçariam juntos no dia seguinte também! A idéia
foi tão bem-vinda que Edie sentiu o coração bater mais forte.
No mesmo instante, Edie parou de insistir e foi até a mesa ond
e Sam depositara sua bandeja. Ele lhe puxou uma cadeira.
Que cavalheiro!
Edie obrigou-se a ouvir, daquela vez, a voz da razão. Precisava
ter cautela. Sam Stevenson podia ser o homem mais fascinante
e mais gentil que ela já conhecera. Mas além de ser bom e carin
hoso com mulheres e crianças, ele também era capaz de fazer c
oisas erradas. Não tão erradas, ou estaria atrás das grades. Ma
s erradas o suficiente para ser obrigado a prestar serviços à co
munidade.
Edie acomodou-se na cadeira e sentiu a fragrância da colônia q
ue Sam estava usando. Lembrava o Natal. Era uma mistura de p
inho e hortelã com um toque de gengibre.
Ele estava curvado sobre seu ombro, ajudando-a a tirar os prat
os da bandeja e colocá-los sobre a mesa. A manga do suéter roç
ou em seu rosto e ela sentiu o fôlego faltar.
A lembrança do beijo a assaltou no mesmo instante. Ergueu os
olhos para Sam e não conseguiu afastá-los daqueles lábios carn
udos e sensuais. Desejou que houvesse arranjos de mistletoes ta
mbém pendentes do teto da lanchonete.
Sam sentou-se de frente para ela. Edie não conseguia parar de
fitá-lo e de observar seus movimentos ao colocar açúcar no chá
e catchup nas batatas fritas.
_ Quero me desculpar mais uma vez por meu lamentável compor
tamento esta manhã _ disse Edie. _ Confesso que não acreditei,
no início, em sua história sobre o traje de Papai Noel estar inf
estado de pulgas.
_ Tudo bem _ Sam respondeu e deu uma pequena mordida em se
u cheeseburger. Ele sabia se portar à mesa. Eram raros os hom
ens que Edie conhecia que se portavam tão bem durante uma re
feição. O último com quem ela havia se encontrado, falara o te
mpo todo sobre seu sucesso nos negócios enquanto comia. E ela
detestara cada minuto.
_ Tenho uma forte tendência a me deixar empolgar pelas circun
stâncias de vez em quando _ Edie contou. _ Minha mãe vive me
aconselhando a ser mais comedida.
_ Não acho que você seja exagerada _ Sam retrucou. _ Apenas v
ibrante em defender seus pontos de vista,
Edie sorriu, embevecida. Sam Stevenson era o homem dos sonho
s de toda mulher. A não ser pelo detalhe do serviço comunitári
o.
_ Sam, você pretende realmente comprar uma bicicleta para aq
uele menino?
_ Claro que sim.
_ Por quê?
_ Por que não? _ Ele encolheu os ombros como se estranhasse a
pergunta.
_ Bicicletas custam caro. O que aquele menino tem de especial?
_ Ele me contou que o pai foi embora de casa e que a mãe não t
em condições de comemorar o Natal. Senti pena. Isso é crime?
Edie percebeu o tom defensivo. A maioria dos homens não gost
a de demonstrar seu lado sensível. Eles acreditam que isso os t
orna vulnerável.
_ Posso lhe fazer uma pergunta pessoal?
_ Desde que eu não precise responder.
_ O que o fez escolher esse tipo de trabalho? Francamente, seu
tipo não combina com os dos homens que conheci nesse papel.
Sam recostou na cadeira. O modo como a encarou era de um me
nino travesso.
_ Tem certeza de que quer saber?
Edie moveu a cabeça em sentido afirmativo.
_ Mesmo que o enfoque que darei a minha pessoa não seja dos
mais favoráveis?
_ Sim _ Edie afirmou. O fato de Sam concordar em lhe dizer a
verdade ao menos conferia alguns pontos positivos dentre os ne
gativos.
_ Fui sentenciado a prestar serviços à comunidade em troca de
uma dívida que contraí com ela.
_ Você cometeu algum crime?
Ele respondeu que sim e piscou em seguida.
_ O que foi que você fez? _ Edie perguntou baixinho, sem enten
der o que Sam quisera insinuar com a piscada.
_ Peguei um carro emprestado sem permissão _ Sam forneceu a
versão oficial do caso conforme instruções de seu chefe.
O que não ficava muito longe da verdade pois ele havia realme
nte usado o carro do prefeito para capturar um traficante. Era
uma emergência policial e Sam tinha certeza de que o problema
teria sido abafado se a perseguição não tivesse terminado em u
m acidente. Para seu azar, ele foi trombar justamente com um c
aminhão-tanque carregado de gasolina e o Lexus do prefeito foi
atirado às alturas com a explosão.
Que o traficante tivesse sido apanhado e preso não veio ao cas
o. Nem o prefeito nem o chefe Timmons se preocupou com esse
detalhe. Aliás, nem que o policial envolvido tivesse escapado il
eso por um verdadeiro milagre.
_ Você roubou um carro? _ Edie indagou, horrorizada. Era ain
da mais terrível para Sam ver a decepção naqueles olhos verdes
. A opinião de Edie ao seu respeito não deveria importar tanto,
mas importava.
_ Juro que tinha intenção de devolver o carro.
_ Ainda bem.
_ Mas eu bati em outro veículo e ele ficou inteiramente destruí
do.
_ Era um carro de luxo?
_ De sessenta mil dólares.
Edie quase engasgou com a torta de cereja.
_ O que o levou a fazer isso?
_ Tédio, eu acho. O juiz deixou que eu escolhesse a sentença. S
essenta dias de prisão ou a restituição da franquia do seguro m
ais cento e vinte e quatro horas de prestação de serviços como
Papai Noel. Não foi difícil decidir.
Edie respirou fundo.
_ Não entendo como alguém como você pôde escolher esse camin
ho, quando tem tudo a seu favor: aparência, charme e inteligên
cia. O que lhe deu para colocar seu futuro em risco em troca de
um passeio de carro? Sinto dizer, mas você não tem mais idade
para esse tipo de aventura.
Naquele instante, Sam reconheceu nos olhos de Edie a mesma e
xpressão que costumava ver nos olhos de sua tia Polly que renu
nciara a sua vida de missionária nas ilhas do sul do Pacífico pa
ra cuidar dele.
_ Como sua esposa recebeu a notícia?
Sam sorriu, divertido. Então a atração era mútua. Não fora im
pressão. Edie havia realmente correspondido a seu beijo. Ou nã
o estaria interessada em seu estado civil.
_ Esse erro eu nunca cometi _ Sam respondeu.
_ Considera o casamento um erro?
Sam quase cometeu o deslize imperdoável de dizer que policiai
s não deviam se casar. Por sorte, conseguiu se deter em tempo.
_ De acordo com as estatísticas, cinqüenta por cento acabam e
m divórcio.
_ Mas cinqüenta por cento dão certo.
_ Sim _ ele concordou. Edie era do tipo otimista. Sempre encar
ava a situação pelo lado melhor.
_ Posso ajudá-lo, Sam _ ela disse um momento depois. Ele olho
u com admiração para aquela jovem de cabelos dourados como
mel e engoliu em seco.
_ Não havia me dado conta de que precisava de ajuda.
_ Sou formada em Psicologia e estou preparando minha tese de
doutorado. Conheço a fundo problemas ligados à personalidade.
Sam não conseguiu evitar um sorriso irônico.
_ Está me analisando?
_ Não, é claro que não _ Edie se apressou a negar. _ Não o con
heço o suficiente para isso. Se o conhecesse, talvez pudesse ent
ender como pôde fazer a tolice de roubar um carro com tantos
atributos a seu favor.
_ Talvez eu seja um caso perdido. Edie estreitou os olhos.
_ Você está caçoando de mim.
_ Um pouco. _ Sam admitiu. De certa maneira era divertido obs
ervar a campanha em que Edie estava empenhada para regenerá
-lo.
_ Como ganha sua vida quando não está trabalhando como Papa
i Noel? _ Edie quis saber.
_ Faço um serviço aqui, outro ali _ Sam respondeu por alto. Pr
eferia não mentir quando possível.
_ Era o que eu imaginava.
Estava se tornando cada vez mais difícil não rir. A preocupaçã
o de Edie com ele era genuína. Por outro lado, a atração que es
tava sentindo por ela também era genuína. E isso o preocupava.
Nas circunstâncias, nada poderia ser pior. Ter uma mulher em
seu encalço tentando transformá-lo no homem de seus sonhos er
a como estar novamente sob os cuidados de sua tia Polly. E ele
não tinha planos de ter um lar. Nem agora nem nunca.
Edie era um modelo de virtude. Seria capaz de apostar todo se
u dinheiro que ela jamais cometera um ato ilícito em sua vida.
Não precisava perguntar para saber que Edie jamais tomara um
banho de mar completamente nua no meio da noite. Que jamais
cabulara uma aula para passear. Edie não tinha noção disso, m
as era ela quem estava precisando ter aulas de vida. Era por es
se motivo que se tornara uma espécie de missionária, que se en
volvia com aventureiros e criminosos menores. Porque, no fund
o, Edie receava se defrontar com sua própria natureza impetuo
sa e apaixonada. Algo que Sam percebera através do beijo que t
rocaram. Edie queria se entregar às emoções, mas ou não sabia
como ou tinha medo.
Ao recordar o beijo, Sam sentiu o sangue se transformar em fo
go líquido. Pela amostra do beijo, tinha certeza de que Edie po
ssuía um temperamento ardente. E ele descobriu, naquele insta
nte, que queria ser o responsável por desvendar-lhe o mistério
da paixão.
Mas como querer nem sempre significa poder, Sam apertou os p
unhos. Por mais que lhe desagradasse aquela missão, ele não a
colocaria a perder por causa de assuntos de ordem pessoal. Ao
mesmo tempo, não se perdoaria por magoar uma garota como Ed
ie com um romance que não teria futuro. Não seria justo com el
a. Nem com ele.
Quando a investigação estivesse terminada, a história poderia
ser diferente. Mas Edie seria capaz de perdoá-lo ao descobrir q
ue ele havia mentido desde o começo? Um toque em sua mão o f
ez voltar ao presente.
_ De verdade, Sam _ Edie estava dizendo. _ Sou psicóloga. Ten
ho condições de ajudá-lo.
Ciente de que era preciso apelar para um recurso mais forte, S
am fitou-a de maneira a assustá-la.
_ E se eu não quiser ajuda? Se lhe disser que gosto da vida que
levo? Se você resolver que eu valho a pena, por que não desce a
lguns degraus em vez de querer que eu suba a escada?
Essa tática sempre funcionava, Sam pensou, aborrecido. Ao ouv
i-lo, Edie ficou sem fala.
Ainda com expressão de crua sensualidade, Sam tocou-a no que
ixo. Ela pestanejou mas não fez menção de se afastar. Sam resp
irou fundo. Era uma pena que não pudesse ser o homem que Edi
e merecia: com um emprego estável, uma personalidade tranqüi
la e um coração livre de ressentimentos.
_ Agradeço sua boa vontade _ Sam disse por fim _, mas não ten
ho mais jeito.
_ Sempre há um jeito _ Edie retrucou.
Sam concordava com ela, mas até um certo limite. Ele realment
e não era o tipo de criminoso que ela pensava, mas tampouco er
a alguém fácil de tratar. Nenhuma mulher havia conseguido do
má-lo. Não ainda ao menos. As armas de Edie eram seu sorriso
franco e suas boas intenções. Pelas investigações que fizera, Sa
m havia descoberto que a colocação de seus três suspeitos na C
armichael's era obra dela. E as razões que ele tinha para desco
nfiar de Kyle Spencer, Harry Coomer e Joe Dawson tinham por
base um motivo concreto: os três homens começaram a trabalha
r na loja no mesmo dia que ocorreram os primeiros roubos.
Kyle Spencer era viciado em drogas e já havia sido preso uma
vez por assalto a uma loja de bebidas. Harry Coomer estava em
liberdade condicional. Já havia sido preso por porte de arma e
vadiagem. Joe Dawson era o melhor dos três, mas apesar de ter
uma família e de trabalhar, vez por outra colocava tudo a perd
er por causa das drogas.
Em resumo, qualquer um deles, ou todos eles, podiam estar env
olvidos.
O porquê de Edie se empenhar tanto junto ao proprietário da l
oja e ao sr. Trotter no sentido de empregar aqueles três, Sam n
ão sabia qual era. A garota não era ingênua. Inteligência não l
he faltava. Seu problema era confiar demais nas pessoas. Ele p
oderia mudar isso facilmente se lhe contasse dois ou três casos.
Mas, seria certo ele fazer isso?
Sam olhou para Edie e sentiu o fôlego faltar. Com os cabelos c
acheados emoldurando seu rosto perfeito, Edie parecia uma bon
eca de porcelana.
E os lábios? Firmes, cheios e doces como chocolate. Isso ele sa
bia por experiência própria.
_ Melhor voltarmos _ Sam disse, de repente, com receio de não
resistir e cometer a tolice de tornar a beijá-la. _ Temos apenas
o tempo suficiente para nos vestirmos.
_ Você está certo _ Edie concordou e o sorriso desapareceu de
seu rosto. _ Está na hora de eu cuidar de minha vida.
Sam sentiu-se, naquele instante, como se fosse o responsável p
or informar uma criança inocente que Papai Noel não existia.
_ Prof. Braddick? _ Edie bateu à porta de seu mestre. Eram no
ve horas da segunda-feira seguinte ao feriado de Ação de Graça
s. Não havia muito tempo. Logo teria de estar se apresentando
na Carmichael's para mais um dia de trabalho ao lado do home
m que possuía os olhos azuis mais lindos que ela já vira.
O homem sorriu ao vê-la.
_ Edie, entre. Teve sorte em me encontrar na sala. Estou de saí
da para uma conferência.
_ Não atrapalho? _ Edie indagou, hesitante.
_ Entre e sente-se. Importa-se se eu arrumar minhas coisas enq
uanto conversamos?
_ Claro que não, professor.
O prof. Braddick se levantou, abriu a pasta e se pôs a guardar
uma porção de papéis e alguns livros.
_ O que posso fazer por você, Edie? Edie pigarreou.
_ Decidi mudar o tema de minha dissertação e vim pedir sua op
inião.
O homem parou e encarou-a.
_ Vai desistir de todas as pesquisas que já efetuou? Dará todo
aquele tempo por perdido? Sua tese era excelente. O efeito da
medicação sobre o cérebro psicótico a longo prazo. Eu pretendi
a incluir dados do seu trabalho em meu próximo livro.
_ Eu sei _ Edie admitiu. Como poderia dizer que ela havia dete
stado esse assunto sugerido por ele? _ Acontece que surgiu uma
oportunidade incrível para eu realizar uma pesquisa de campo.
_ Incrível? Bem, por que não me conta?
_ A verdade, professor, é que estou cansada de passar meus dia
s trancada em bibliotecas, hospitais psiquiátricos e centros de
reabilitação. Estou mais interessada em ajudar pessoas comuns
a melhorar sua qualidade de vida.
_ Desde quando?
Desde o início, Edie pensou. Deixara-se levar por sua admiraçã
o pelo mestre ao escolher o tema de sua tese, não por sua própr
ia vontade.
_ Já faz algum tempo.
O professor mostrou-se tão desapontado que ela quase voltou a
trás em sua decisão. Mas não seria certo. Ela não sentia a meno
r vontade de escrever sobre drogas e remédios e sobre os menta
lmente perturbados. Queria estudar as pessoas comuns passívei
s de resolver seus problemas sem o uso de medicação. A lembra
nça de Sam ajudou-a a seguir em frente.
_ E eu preciso descobrir a razão que o leva a esse comportame
nto _ Edie concluiu.
_ A razão que o leva a esse comportamento é motivo suficiente
para você se empenhar em um estudo ou o que a impulsiona é su
a óbvia fascinação pelo sujeito? _ o professor perguntou, sério.
Edie fez questão de demonstrar puro profissionalismo.
_ Quero provar que uma intervenção adequada no momento cert
o pode fazer diferença na vida de um indivíduo _ Edie declaro
u.
_ Intervenção adequada? Explique.
_ Valorização da auto-imagem pelo reforço positivo. Eu acredit
o que tenho condições de afastá-lo do caminho errado e de lhe
mostrar o mundo imenso e maravilhoso que o espera. Quero faz
ê-lo olhar para seu reflexo e se ver da forma que os outros o vê
em.
_ Edie, a idéia parece simples. Você sabe que não é. _ O profes
sor balançou a cabeça. _ Acredita realmente que pode transfor
mar esse homem?
_ Sei que quero tentar _ Edie afirmou, obstinada.
_ Você é uma psicóloga, Edie, não uma missionária. Confesso q
ue esperava mais de sua parte.
Edie franziu a testa. Ela também esperava outra reação por pa
rte dele. De repente, ocorreu-lhe que o mestre parecia estar ma
is preocupado com a perda da colaboradora para seu livro do q
ue com a aluna empenhada em estudar uma nova tese.
_ Sinto ferir seus sentimentos _ ele continuou _, mas sua atitu
de demonstra imaturidade.
_ Por quê?
_ A mulher sempre sentiu necessidade de vencer o mal no home
m. Esse velho tema é a base para a maioria das novelas e dos ro
mances. A mocinha que conquista e regenera o mau-caráter é a
fantasia de quase todas. Mas isso não tem fundamento na realid
ade científica. Em outras palavras, é praticamente impossível d
omar o mau-caráter.
A irritação de Edie chegou ao limite.
_ O senhor generalizou o caso. Eu esperava uma orientação, nã
o esse comentário pomposo.
_ E eu não esperava que minha melhor aluna fosse se sentir atr
aída por um desqualificado.
_ Não estou atraída por ninguém _ Edie retrucou. _ Apenas enc
ontrei um assunto mais interessante para minha tese do que aq
uele que fui convencida a fazer dois anos atrás.
Era a primeira vez que Edie discutia com o professor. Até aque
le dia, sua admiração por ele era tão grande que nunca se quest
ionara se a especialização dele era a mesma que queria para el
a.
Os dois se encararam por cima da mesa como se fossem inimigo
s.
_ Muito bem _ ele disse por fim. _ Eu lhe darei corda o suficie
nte para que se enforque. Faça o estudo do caso que pretende.
Mergulhe nele. Não me culpe depois quando descobrir que seus
esforços foram por água abaixo e que você perdeu um semestre.
_ Obrigada _ Edie agradeceu de cabeça erguida.
_ Antes que vá embora, é preciso que saiba que tenho algumas
imposições a fazer antes de aprovar esse estudo.
_ Quais são? _ Edie perguntou, desafiadora.
_ Em primeiro lugar, você não pode em hipótese alguma se env
olver romanticamente com o objeto de estudo. Se isso acontecer
, a pesquisa ficará comprometida e o projeto terá de ser aborta
do. Fui claro?
_ Não precisa se preocupar _ Edie respondeu.
_ Em segundo lugar, o tal sujeito não pode saber que está send
o objeto de estudo. Você terá de observá-lo em segredo. Porque
se desconfiar que está sendo vigiado, ele não se comportará co
m naturalidade e os resultados serão falsos.
_ Eu sei disso.
_ Quero uma proposta preliminar desse estudo sobre minha mes
a no primeiro dia de aula após as festas.
_ Certo.
_ Para encerrar, quero que mostre uma correlação entre seu es
tudo presente e como espera aplicá-lo em casos futuros. _ O me
stre estreitou os olhos. _ Para ser franco, quero ter certeza de
que esse projeto não é apenas uma desculpa para você estar per
to do tal homem.
_ Sim, senhor. _ Edie se levantou. _ Prometo não desapontá-lo.
O professor não pareceu ficar convencido.
Edie se despediu com um aperto de mãos e saiu da sala. Ao atr
avessar o campus e olhar para os carvalhos e para as nogueiras
que já estavam completamente sem folhas por causa do inverno,
sorriu consigo mesma. Em seguida, olhou para o céu e rodopiou
de alegria. Graças a seu interesse por Sam, ela havia reunido c
oragem para mudar algo em sua vida que a vinha incomodando
havia dois anos, embora só agora conseguisse admitir.

CAPÍTULO IV
Estudo de Caso: Sam Stevenson Data: 2 de dezembro
O indivíduo continua a prestar serviços à comunidade como Pa
pai Noel na Loja de Departamentos Carmichael's. Ele represent
a bem seu papel. Comporta-se com jovialidade e paciência dian
te de pequenos transtornos. Ele não teve seu humor alterado ne
m sequer quando uma criança fez xixi em seu colo e a duende o
fez repetir a pose em meia dúzia de fotos, por ter esquecido de
trocar o filme da máquina.
Em suas anotações, Edie não mencionou que a duende em quest
ão era ela.
Terminado o pequeno relatório, ela fechou o caderno, guardou-
o na bolsa junto com a caneta e ligou o carro. Estava diante da
porta de saída dos empregados da Carmichael's à espera de Sa
m. Para poder segui-lo, ela não havia trocado de roupa ao térm
ino do expediente.
Seu coração estava em ritmo de rumba. E se Sam percebesse qu
e estava sendo seguido? Onde ele costumava ir depois do trabal
ho? O que ela faria quando ele chegasse ao local? Os pensament
os a assaltavam sem trégua.
Antes que pudesse ordená-los, Edie viu-se sem fôlego, Sam esta
va saindo e não poderia estar mais bonito e atraente. De jeans
apertado, tênis pretos e uma jaqueta de beisebol, ele parecia u
m atleta.
O que Edie não esperava era que ele fosse sair acompanhado po
r Joe Dawson em animada conversa.
Edie franziu o cenho.
O que Sam estava fazendo com Joe? Não que ela tivesse algo co
ntra Joe. Quando não bebia, Joe era um bom homem. Edie o hav
ia conhecido no Centro de Reabilitação para Alcoólatras e Drog
ados. Depois de ser preso por dar um desfalque, Joe parecia re
almente determinado a mudar de vida. A ajuda de Edie no senti
do de lhe conseguir um emprego na seção de contabilidade da C
armichael's era um favor que ele jurara nunca esquecer.
Conhecedora da natureza humana como era, Edie sabia que Joe
ainda corria perigo. A distância entre a tentação representada
pelas más influências e a luta pelo bem ainda era muito pequen
a.
Seria o caso de Sam?
Perturbada com a comparação entre Sam e Joe e a certeza de q
ue ambos tinham muito em comum, Edie tirou o chapéu de duen
de e se abaixou no banco para não ser vista.
Ela viu os dois homens seguirem para o estacionamento e entra
rem no carro de Joe. Esperou que eles saíssem e se pôs a segui-
los. Meia quadra depois, Joe deu sinal de que viraria à esquerd
a. Naquela rua havia uma loja de bebidas, uma farmácia, um sa
lão de beleza, uma agência de seguros e uma floricultura.
_ Não vá para a loja de bebidas _ Edie falou mentalmente.
Embora ainda não tivesse experiência com pessoas viciadas em
álcool, Edie sabia da gravidade do problema por seus estudos d
e psicologia e também por ser filha de uma assistente social e d
e um pastor presbiteriano.
Não gostava de beber. Não costumava tomar drinques nem sequ
er em festas, mas não via nada de mal em beber socialmente. M
as com Joe o problema era sério.
E com Sam? Ela não o conhecia o suficiente para saber.
O estômago de Edie deu uma reviravolta quando percebeu que
Joe estava reduzindo a velocidade do carro. Quando ele parou
diante da farmácia, suspirou de alívio. Em seguida, voltou a se
preocupar. O que Joe pretendia fazer? Ela tinha de descobrir!
Assim que os dois homens entraram na farmácia, Edie saltou d
o carro. Se os seguisse no interior do estabelecimento, correria
o risco de ser vista, mas e daí? Aquele era um país livre. Não d
evia nenhuma explicação a ninguém. Se eles podiam fazer comp
ras em uma farmácia, ela também podia.
Tomada a decisão, Edie entrou no prédio. Olhou para todos os
lados e viu muita gente. Menos Joe e Sam.
Caminhou pelas prateleiras com artigos para primeiros socorro
s, pelas outras de cosméticos e por um grupo de mulheres que c
onversavam sobre as últimas novidades em tinturas. Depois viu
uma turma de garotas de uniforme escolar rindo às gargalhadas
, mas nem sinal de Joe e de Sam.
Encontrou-os, por fim, nos fundos da farmácia à espera de ate
ndimento. Ela se deteve no mesmo instante e virou-se de costas.
Pé ante pé, procurou um local para se esconder. Queria ver sem
ser vista. Acima de tudo, queria ouvir o que estava se passando
.
Conseguiu se colocar atrás de uma pilha de caixas. Não dava p
ara ver os dois.homens, mas podia ouvi-los. A curiosidade a est
ava matando.
Aguçou os ouvidos ao ouvir uma voz estranha que deveria ser d
o farmacêutico. Em seguida, ouviu Sam rir. Espichou a cabeça
para tentar enxergar a cena. Não conseguiu. Deu um pequeno p
asso, mas então o sapato de duende prendeu na figura em papel
ão de um importante astro do basquete que fazia propaganda de
uma vitamina, e ela perdeu o equilíbrio.
Agarrou-se à borda de uma prateleira para tentar permanecer
de pé. Por um segundo, pensou que fosse conseguir. Mas, então,
o atleta tombou e caiu sobre seu ombro.
Foi a gota que faltava.
A prateleira soltou em sua mão e ela não conseguiu continuar a
poiada em um só pé. Caiu esticada no chão, de costas. Milhares
de caixas de preservativos de todas as marcas, que estavam dis
postas na prateleira, caíram por cima dela.
Um funcionário se apressou a acudi-la. Começou a juntar gente
. Edie sentiu o rosto queimar de constrangimento. Quis ajeitar
os cabelos. Quando ergueu a mão, notou que estava segurando u
ma das tais caixinhas e se apressou a largá-la. Era uma oferta
de três pelo preço de duas. De tamanho extra-grande.
_ Edie? Você se machucou?
Edie reconheceu a voz de Sam e desejou que o chão se abrisse e
a tragasse.
_ Não foi nada _ apressou-se a dizer.
_ Tem certeza? _ ele insistiu ao mesmo tempo que a ajudava a
se levantar.
_ Oh, sim. Nunca estive melhor em minha vida. Gosto de me div
ertir em farmácias. É meu passatempo favorito.
Sam deu uma risadinha e tirou o kit de três preservativos de s
ua mão.
_ Se está planejando comemorar o fim de ano nessa base, talve
z seja mais prático mandar entregar a compra em domicílio.
Sam odiou-se por fazer aquele tipo de insinuação. A brincadeir
a soara pesada demais. Mas o que ele podia fazer se, de repente
, estava sendo invadido por um ciúme insano? Afinal, para que
m Edie estava comprando aqueles preservativos?
Ou era com ele próprio e não com Edie que ele estava zangado?
Edie não era casada. Como ela escolhia viver sua vida, não dizi
a respeito a ele nem a ninguém. Apenas a ela mesma.
Sabia que Edie era solteira por intermédio de Joe Dawson. Aliá
s, incomodara-o sobremaneira ouvir o sujeito falar de Edie com
o se ela fosse uma deusa. Ele não havia parado de enumerar sua
s qualidades desde o instante em que os dois saíram da farmáci
a.
_ Vire a próxima à direita _ Sam instruiu.
_ Rua Sylvan?
_ Sim.
Era a rua onde Sam morava. Os estilos de construções ali eram
os mais diversos. Casas em estilo vitoriano de mais de cem anos
misturavam-se com estruturas abobadadas modernas. Enquanto
uma exibia piso cerâmico, a outra apresentava flamingos em se
u jardim.
Em seus tempos de infância e adolescência, Sam gostava da div
ersidade cultural e étnica do local. Em noites de verão, costum
ava passear pela calçada e sentir os aromas dos jantares que es
tavam sendo preparados. As especiarias se mesclavam: curry e
cominho, erva-doce e camomila, alho e orégano. De uma janela
vinham as batidas de uma salsa, de outra os lamentos de um vio
lão.
_ É aqui que eu moro. _ Sam apontou para uma casa construída
nos anos cinqüenta que ele havia reformado recentemente.
Joe parou em frente.
_ Quer uma carona para o trabalho amanhã?
_ Não, obrigado. O mecânico garantiu que meu carro ficaria pr
onto hoje.
_ Ok. Ei, por acaso está interessado em fazer um programa com
igo, Kyle e Harry no sábado da semana que vem? A garota do H
arry se exibirá em um clube noturno de Ashbury.
As antenas de Sam entraram em alerta. Era a oportunidade que
estava esperando desde a tarde anterior quando se aproximara
de Joe para uma conversa e agora para uma carona.
_ Parece que será divertido _ Sam agradeceu e saltou do carro
com os remédios que havia comprado para sua tia Polly.
_ Tchau _ Joe se despediu e pisou no acelerador. Sam aguardou
até que o carro desaparecesse na esquina para atravessar a rua
e tocar a campainha da casa em frente a dele.
_ Seus comprimidos. _ Sam indicou o pacote quando a tia abriu
a porta.
Apesar de seus mais de setenta anos, sua tia ainda mantinha a
mesma postura ereta da juventude.
_ Você é um bom menino, Sammy _ ela agradeceu com seu jeito
de sempre. Isto é, com seu jeito doce diante das boas maneiras
do sobrinho. Quando ele saía da linha, precisava se preparar p
ara ouvir longos sermões. Mesmo aos vinte e nove anos de idade
, Sam não estava livre de seus conselhos e reprimendas. Não se
importava. Devia muito a ela.
_ Eu sempre tive certeza de que conseguiria fazer de você um b
om homem, se soubesse como tratá-lo. É claro que tive trabalho
. _ Tia Polly deu uma risadinha. _ Você defendia suas opiniões.
Queria fazer tudo de seu próprio jeito, sem obedecer regras.
_ Como está a artrite hoje? _ Sam tentou mudar de assunto. A
tia fez uma careta.
_ Não pergunte. Por que não entra? A sopa está quase pronta.
_ Obrigado pelo convite, mas tenho um trabalho para fazer.
_ Trabalho, trabalho, trabalho. Quando começará a dar um pou
co de atenção a sua vida pessoal? Está na hora de arrumar uma
esposa. Se não tiver filhos logo, ficarei velha demais para brin
car com meus sobrinhos-netos.
_ Sinto desiludi-la mais uma vez, mas não tenho planos de casa
r.
_ Estou falando sério, Sam. Precisa de alguém que cuide de voc
ê.
Sam sorriu e deu um beijo no rosto da tia.
_ Prometo que será a primeira a saber quando e se eu resolver
casar.
Depois que se despediram, Sam tornou a atravessar a rua e ent
rou em sua própria casa.
Como vinha acontecendo nos últimos dias, ela lhe pareceu estr
anhamente vazia e silenciosa. Irritado por se deixar levar pela
súbita auto-piedade, Sam se apressou a ligar a televisão.
Casamento. Sua tia Polly se referia ao casamento como se fosse
a cura para uma doença. Como se ela tivesse experiência nesse
sentido!
Não era desculpa. Ele trabalhava demais para poder pensar em
casamento. Sua profissão era perigosa. Muitos de seus colegas
estavam separados porque as esposas não suportaram as longas
ausências e o clima de contínua tensão. Além disso, ele prezava
sua liberdade e sua independência.
Seria preciso alguém muito especial para fazê-lo mudar de idéi
a. A mulher de seus sonhos teria de aceitá-lo como era, um suje
ito sem modos que não negava sua origem dos tempos das caver
nas. Alguém que não tentasse transformá-lo em um joguete com
o fizera Donna.

Sempre que pensava em Donna, Sam sentia vergonha de si mesm


o. Não entendia como pudera se deixar manipular daquela form
a. Se o amor significava a perda do auto-respeito, ele não queri
a repetir a experiência.
De repente, sem razão alguma, a imagem de Edie substituiu a d
e Donna.
A doce Edie com carinha de anjo e ternura no coração. A garot
a tão preocupada em ajudar os outros que vivia metendo o nari
z onde não era chamada. A garota que dava vontade de abraçar
e ao mesmo tempo dar uns tapas no lindo traseiro.
A garota que, naquele momento, devia estar fazendo amor com
o namorado.
Para que ficar sentado diante da televisão se ele não conseguia
se concentrar no programa que estava passando? Sam se levant
ou e se pôs a andar de um lado para outro. Tinha uma missão a
cumprir. Ladrões para prender. Uma penalidade a pagar para p
oder voltar a investigar casos mais complexos.
Não podia permitir que uma garota fantasiada de duende lhe ro
ubasse o bom senso. Não vinha ao caso que ela fosse dona de u
m sorriso que lhe virava a cabeça. Nem que ela tivesse as perna
s mais espetaculares que ele já vira. E seios que o atraíam com
o um imã. E olhos tão verdes como as folhas das árvores na pri
mavera.
Acima de tudo, que fosse tão sedutora em sua ingenuidade.
Edie merecia encontrar alguém que fosse socialmente conscient
e e defensor dos direitos humanos. Não um homem cuja vida se
resumia em perseguir criminosos.
Ao contrário de Edie, Sam não tinha ilusões de conseguir muda
r o mundo. Era policial porque queria que a justiça fosse feita,
não porque tinha planos de salvar a humanidade.
Se algum dia se apaixonasse, teria de ser por uma mulher alta
e forte que pudesse se defender sozinha. Que tivesse uma mente
prática e aceitasse o mundo como ele era, não porque sonhava e
m transformá-lo em algo melhor.
Lamentavelmente ainda faltavam três semanas para o Natal. Se
ria duro resistir à tentação até o dia vinte e cinco.
E restava saber se até lá ele conseguiria resolver o problema d
os roubos.
Seu chefe havia lhe dado uma cópia da chave que abria a porta
dos fundos da Carmichael's. Ele daria uma boa olhada nos dive
rsos setores em busca de uma pista. O disfarce de Papai Noel n
ão estava ajudando em nada. Principalmente porque ele não con
seguia desviar seus olhos de certa fotógrafa.
O modo como Sam havia se dirigido a ela naquele tom sexy e pr
ofundo não lhe saía da cabeça. Por mais que tentasse se distrai
r com as vitrines decoradas para o Natal, Edie só conseguia se
lembrar de Sam e do vexame que ela dera na farmácia. Não con
seguira dormir a noite inteira de tanto pensar nele. Queria que
Sam fosse realmente o objeto de seu estudo. O enigma cuja solu
ção seria seu mérito. Porque se conseguisse descobrir quem era
exatamente Sam Stevenson, ela seria capaz de compreender qua
lquer pessoa.
Oh, como faria para encarar Sam quando tornasse a vê-lo?
Ele olharia para ela e pensaria nos preservativos tamanho jum
bo. Aí, como qualquer homem normal com sangue quente nas ve
ias, ele a imaginaria nua.
Com as faces em fogo, Edie resolveu desistir de passear pelo sh
opping a fim de se distrair enquanto não chegava a hora de ir p
ara o trabalho. Estava saindo por uma porta lateral quando per
cebeu, pelo canto dos olhos, alguém entrando pelos fundos da C
armichael's.
Sem que percebesse como, uma figura masculina surgiu a sua fr
ente. Tentou parar, mas era tarde demais. Trombou com as cost
as do homem e teria ido para o chão se ele não se virasse rápid
o e a segurasse pela cintura.
_ Cuidado!
Aquela voz. Aquele toque. Aquele perfume único.
Não podia ser. Edie ergueu os olhos e pestanejou.
Era Sam.
Por falar em lei de Murphy. Por falar em estar no lugar errado
, na hora errada. Por falar nas tramas do destino...
Era azar. Por que dava vexame cada vez que Sam estava por pe
rto?
Praguejou consigo mesma. O que Sam pensaria dela agora? Que
era ainda pior do que imaginara no dia anterior? Que certamen
te havia algo de muito errado com ela?
_ Edie?
_ Desculpe-me.
_ Procure olhar para a frente quando anda _ ele recomendou e
a fez encará-lo ao lhe erguer o rosto com a ponta do dedo. _ Iss
o evitará novos acidentes.
_ Está bem _ Edie respondeu e não soube o que mais dizer.
Como poderia se ele a deixava em transe com seu sorriso?
_ O que está fazendo aqui tão cedo? _Edie consultou seu relógi
o de pulso. _ Ainda falta uma hora para a Carmichael's abrir.
A hesitação durou menos de um segundo, mas foi o suficiente p
ara Edie perceber que ele estava inventando uma desculpa.
_ Eu vou encontrar alguém.
Se aquela fosse a história de Pinochio, Edie pensou, o nariz de
Sam estaria batendo em seu peito.
_ Você vai encontrar alguém? _ Edie repetiu, surpresa.
_ Joe Dawson. Ele me deu uma carona ontem à noite porque me
u carro estava na oficina. Para retribuir o favor eu fiquei de a
judá-lo a...
_ Sim? _ Edie indagou, sem poder esconder a decepção.
_ A calcular seu imposto.
_ Joe é contador _ Edie retrucou para a evidente aflição de Sa
m que tentou escapar com uma desculpa esfarrapada sobre o ou
tro estar interessado em um investimento sobre o qual ele tinha
boas informações.
_ Não precisa mentir para mim, Sam _ Edie murmurou. _ Se nã
o quer que eu saiba de que se trata, basta dizer.
_ Edie... _ Sam tentou tocá-la, mas ela se afastou.
_ Tudo bem. Não estou aqui para julgá-lo. Só acho estranha ess
a sua necessidade de se meter em encrencas.
_ Desculpe-me. Você está certa. Gostaria de poder lhe dar expl
icações, mas não posso.
_ Você não me deve nenhuma explicação, Sam. Deve-a, a si mes
mo.
_ Não sou o que aparento ser.
_ Não. Claro que não.
O que havia com Sam que conseguia atraí-la apesar de todas as
evidências estarem contra ele? O professor Braddick estava cer
to? Estaria sob uma espécie de encantamento no que dizia respe
ito a Sam Stevenson? Era o velho caso da mulher que desejava t
ransformar o homem cheio de defeitos em um príncipe apaixona
do?
Recusava-se a admitir isso. Mais cedo ou mais tarde, ela prova
ria ao prof. Braddick que Sam Stevenson tinha potencial e que
ela seria a responsável por colocá-lo no bom caminho.

CAPÍTULO V
Edie o tirava do sério.
A expressão de desapontamento que viu em seus olhos o levou d
e volta ao passado. Mais especificamente ao momento em que te
ve de encarar tia Polly depois de ser flagrado pelo segurança d
a loja de ferragens roubando uma chave de fenda.
O que havia começado com uma experiência humilhante havia s
e transformado em um profundo interesse pela carreira policial
. O guarda que foi enviado à loja teve uma longa conversa com
Sam sobre o que era certo e o que era errado. No final, Sam tev
e a chance de fazer parte do time de basquete da comunidade, s
upervisionado pelo departamento de polícia local. Ele contava
as horas para sair do colégio e ir treinar. Mais tarde, por ter t
anta admiração e tanto respeito pelos policiais que conheceu, S
am resolveu se tornar um deles.
Era uma pena, mas ele não podia explicar a verdade a Edie. Po
r mais que detestasse mentir a ela e ser considerado um crimin
oso, não podia colocar em risco o sucesso de sua missão. Mais a
inda, não podia colocar Edie em uma situação que poderia se re
velar perigosa.
Perigosa para ele também! Se não estivesse com os pensamentos
voltados para ela, ele não teria trancado o carro, aquela manhã
, com a chave dentro.
Sua agenda para aquele dia seria fazer amizade com outro suje
ito da instituição, Kyle Spencer. Kyle, mecânico de profissão, f
ora contratado pela Carmichael's, uma.sema
na antes, para trabalhar na manutenção e já estava saindo com
o uma das funcionárias, Jules Hardy.
Além de empregar suas habilidades como investigador de políci
a e descobrir se Kyle estava envolvido nos roubos, Sam esperav
a conseguir que ele o ajudasse a destrancar seu carro.
Em primeiro lugar, contudo, era preciso se concentrar em seu t
rabalho tanto de policial quanto de Papai Noel. Assim, Sam pas
sou o dia carregando crianças em seu colo e mantendo os olhos
voltados para a multidão. Trocou o almoço por um bate-papo in
formal com os funcionários que se deslocavam para o estaciona
mento a fim de darem umas tragadas em seus cigarros. Dessa fo
rma, como quem não queria nada, Sam fez uma porção de pergu
ntas e conseguiu várias informações interessantes.
Mas, por mais que se esforçasse Sam se surpreendeu inúmeras
vezes com os olhos pousados na figura adorável de Edie. Gostav
a do jeito como ela sorria para as crianças e cantava canções d
e Natal. E sentia dificuldade para respirar só em pensar que E
die poderia esbarrar nele a qualquer instante.
O desejo que sentia por aquela garota não fazia sentido. Jamai
s se deixara levar antes por uma atração física. Era um homem,
não um animal. Sabia quando a razão devia vencer o instinto. E
não cederia à tentação de tornar a provar aqueles lábios doces,
e carnudos como cerejas.
Naquele exato instante, Edie deixou cair um rolo de filme a doi
s passos dele e precisou curvar o corpo. Sam decidiu fechar os
olhos para não se perder em fantasias. Mas ao menos por um m
omento, teve de admirar o lindo traseiro.
Estudo de Caso: Sam Stevenson Data: 8 de dezembro
O indivíduo perambula pelos diversos departamentos após seu
expediente de trabalho. Não tem pressa em ir embora. Por quê?
Hoje foi dada a falta de mercadorias do setor de ferragens no
Valor de mil dólares. Pela manhã, o indivíduo foi visto nessa á
rea, quando a nova política da empresa proíbe o procedimento.
Haverá uma ligação entre o indivíduo e as ferramentas roubada
s?
Edie mordeu a tampa da caneta. Em seguida, riscou a última se
ntença. Conjeturas não tinham lugar em um estudo de caso. Era
preciso ser objetiva. Mas em seu íntimo, Edie não conseguia evi
tar a questão. Sam estaria envolvido naqueles roubos? Por mais
que não quisesse acreditar nas evidências, algo lhe dizia que S
am não era quem parecia ser.
Pequenos detalhes o traíam. A maneira furtiva como olhava ao
redor sempre que pensava que não estava sendo observado. A i
mpressão que dava era de alguém que havia cometido um desliz
e e receava ser surpreendido a qualquer momento. Suas repenti
nas necessidades de deixar o posto e os pedidos para que ela cu
idasse das crianças até que ele voltasse.
Não havia alternativa, era preciso seguir Sam outra vez.
Afundada no banco de seu Toyota Tercei esperando que Sam saí
sse da loja, Edie sentia-se como uma das personagens do filme
Missão Impossível, Um arrepio lhe percorreu as costas e ela cr
uzou os braços. Seu carro contava com um sistema de ar-condic
ionado e aquecimento, mas o livro que acabara de comprar, Co
mo Descobrir Qualquer Coisa Sobre Qualquer Pessoa, recomend
ava o maior silêncio possível no rastreamento de uma pista. Ou
seja, manter o aparelho desligado para não fazer barulho e pas
sar frio.
O relógio mostrava que o expediente havia terminado quarenta
minutos antes. Edie franziu a testa. Joe Dawson já havia saído
e ela não vira sinal de Sam.
Dez minutos depois, quando Edie começou a pensar em desistir,
Sam saiu por uma porta lateral e se encaminhou para um Corve
tte vermelho clássico estacionado a uma quadra de distância.
Ao se aproximar do veículo, ele hesitou e olhou para os lados.
Depois tirou algo do bolso.
Edie mal podia respirar. Seus olhos estavam muito abertos.
O que Sam estava fazendo?
Ela virou rapidamente para trás e apanhou seu binóculo. Oh, n
ão! Sam estava segurando um objeto metálico e empurrando-o s
ob a janela do lado do motorista!
O coração de Edie quase parou de bater. Não podia ser!
Sam não podia estar roubando aquele Corvette. Não debaixo de
seus olhos!
Mas era o que parecia.
Em menos de um minuto, a porta estava aberta. Antes de.entra
r, ele tornou a olhar para os lados para se certificar de que nã
o fora visto.
_ Que vergonha, Sam Stevenson!_ Edie falou sozinha. _ Não ap
rendeu nada nas aulas que lhe deram na instituição?
O Corvette ganhou vida. O motor roncou alto e uma nuvem de f
umaça brotou do escapamento.
Edie estava tão chocada que se esqueceu de largar o binóculo e
se preparar para seguir Sam.
Jogou o binóculo no banco do lado, ligou o motor e saiu em dis
parada. Precisou mudar de faixa várias vezes até se colocar atr
ás do Corvette, com a precaução de deixar dois veículos entre e
les.
Sam estava bem acima do limite de velocidade permitido. Ela d
etestava violar regras. Mas se para salvar Sam tivesse de pagar
algumas multas, estava disposta ao sacrifício.
Quando Edie estava começando a se acostumar com a velocidad
e, Sam pegou a saída para Jameson Heights e parou diante de u
ma casa branca com venezianas pintadas de verde que lembrava
os anos cinqüenta. Estava tudo apagado. Isso significava que n
ão havia ninguém? O que, então, Sam pretendia fazer ali?
Edie temia saber a resposta. Cada dia que passava, Sam pareci
a mais misterioso.
Ele saltou do carro, subiu os degraus, introduziu a chave na fe
chadura, abriu a porta e entrou.
Aquela era a residência de Sam? Ele roubara um carro simples
mente para ir para casa?
Edie sentiu um aperto no peito. Mas, afinal, o que esperava? Q
ue Sam fosse encontrar Joe Dawson em algum lugar suspeito? Q
ue quisesse escapar pela fronteira do México?
Sim.
Talvez ele tivesse entrado apenas para apanhar algo que havia
esquecido e fosse seguir adiante dali a alguns minutos.
Uma luz foi acesa. Edie tornou a ajustar o binóculo a seus olho
s. Não dava para ver quase nada daquela distância. Pela fresta
da cortina, ela conseguiu ver um sofá e parte da televisão. Uma
sombra passou pela janela.
Era Sam. E ele havia tirado a camisa. Talvez estivesse indo pa
ra o chuveiro.
Edie respirou tão fundo que engasgou com o excesso de ar. Céu
s. Aquele homem exercia tanto poder sobre ela que interferia a
té mesmo em sua necessidade mais básica.
Com grande esforço, Edie conseguiu afastar os olhos e a mente
daquele torso nu e brilhante à luz. E estava conseguindo parar
de tossir quando algo lhe chamou a atenção. Pelo espelho retro
visor, ela viu uma viatura da polícia se aproximando.
O pânico trancou sua garganta. Ela se obrigou a manter a calm
a. Mas por mais que tentasse pensar positivo, tinha certeza de
que os policiais estavam ali para prender Sam por causa do rou
bo do Corvette.
O carro estava passando pela casa de Sam bem devagar. O poli
cial ao volante parecia o artista Denzel Washington. Seus olhos
estavam fixos no Corvette vermelho.
Edie sentiu-se como um tigre enjaulado. A ansiedade lhe dava í
mpetos de abrir a porta e correr. Precisava fazer algo. Tinha d
e avisar Sam. Estava tão determinada a salvá-lo que não conseg
uia parar e considerar as conseqüências de suas ações.
Abriu a porta do carro e se pôs a correr. Não podia ser vista.
Para chegar à casa de Sam, teria de pular um muro alto. Tomou
impulso e saltou justamente quando alguém abriu uma janela e
gritou.
Não podia mais voltar atrás. Tinha de prosseguir. E ainda falt
ava passar por duas casas antes de alcançar a de Sam. Uma del
as era aberta para a rua. Apenas uma corrente estabelecia o li
mite. A outra, entretanto, contava com a proteção de um enorm
e cachorro da raça pastor alemão.
Edie se preparou para saltar. Quando pensou que havia conseg
uido, sentiu que dentes afiados cravavam em seu traseiro. Ao g
rito seguiu-se o barulho de um tecido sendo rasgado. Mas o que
significava perder uma roupa quando estava salva de um cão fe
roz?
Caiu de quatro no quintal de Sam. Sentiu que havia arranhado
a palma das mãos e os joelhos, mas o que isso significava peran
te a ameaça de Sam ir preso?
Com a respiração entrecortada de tanto correr e pular obstácu
los, Edie esmurrou a porta. Estava aterrorizada. A viatura hav
ia parado bem na frente da casa. -Sam! Sam! Saia daí agora!
Ele não atendeu. Edie estava a ponto de desabar em choro. Não
daria tempo. A polícia o levaria preso a qualquer instante.
Sam! Sam! _ Ela bateu com os punhos fechados e com maus for
ça.
A porta foi aberta tão abruptamente que Edie se viu projetada
para o interior da cozinha. Sam estava molhado com uma toalha
ao redor da cintura.
_ Edie! _ Ele arregalou os olhos. _ O que está fazendo aqui?
A campainha tocou na porta da frente. E Sam estava nu a não s
er por uma toalha.
Puxou-o pela mão para fora da cozinha. Não importava que ele
estivesse sem roupa naquele frio. Ela o levaria para seu carro
e ligaria o aquecimento. Em sua casa ele estaria seguro. Lá ele
s conversariam e decidiriam o que fazer para tirá-lo daquela si
tuação.
_ Precisamos sair daqui imediatamente.
_ Calma, Edie. O que está acontecendo? Eu estava no banho
e...
Apesar da urgência do momento, Edie não pôde evitar a onda d
e desejo que a invadiu. Por mais que quisesse, não conseguia af
astar os olhos daquele corpo moreno e musculoso, daquele peito
peludo e másculo. Sabia que a atração física que sentia por Sa
m era poderosa. Ao mesmo tempo era uma mulher inteligente qu
e nunca se deixara envolver pela sensualidade em detrimento à
razão. Além disso, aquele homem era o objeto de sua tese. Ou s
eja, ele era um homem proibido.
_ O que houve, Edie? _ Sam repetiu, perplexo.
Ela engoliu em seco.
_ Há um policial a sua porta. Você será preso _ ela avisou sem
parar de puxá-lo. _ Venha comigo. Meu carro está aqui perto. P
recisamos chegar até lá de qualquer maneira. Teremos de pular
um muro e enfrentar um cachorro enorme, mas, ao menos, você
estará salvo.
Sam fitou-a como se ela tivesse acabado de descer de uma nave
espacial. Era óbvio que ele não estava entendendo nada. Talvez
ela não tivesse explicado direito.
A campainha tornou a tocar.
_ Com licença, Edie.
Sam virou-se e tentou se afastar, mas Edie se recusou a soltá-l
o.
_ Não faça isso ou irá preso.
_ Preso? Eu? _ Sam indagou, divertido. Oh, céus, ele achava q
ue era uma brincadeira! _ Por quê?
_ Por roubar aquele Corvette vermelho estacionado diante de s
ua casa.
Edie viu os lábios de Sam distenderem em um sorriso. Um insta
nte depois, ele estava rindo às gargalhadas.
_ O que há de tão engraçado? _ Edie perguntou com o rosto fra
nzido.
_ Aquele carro é meu.
_ Não minta para mim, Sam Stevenson. Eu o vi arrombando-o.
Vi o jeito furtivo com que entrou no carro.
Sam estava chorando de tanto rir. Ela parou de falar e apoiou
as mãos na cintura.
_ Não achará engraçado quando o policial parecido com Denzel
Washington o levar algemado para a delegacia.
Sam parou de rir, mas continuou sorrindo.
_ Meu vizinho Charlie se encaixa perfeitamente nessa descriçã
o. Por que não entra e sé senta enquanto eu verifico o que ele q
uer?
Edie permaneceu imóvel e estupefata enquanto Sam ajeitava a t
oalha na cintura e se encaminhava para a porta da frente. Um
minuto depois entrou na cozinha. Tinha certeza de que Sam hav
ia arrombado aquele carro. Não era sua imaginação.
As vozes soaram abafadas. Por mais que tentasse, ela não conse
guia entender o que estavam dizendo. Um instante depois, a por
ta da frente foi fechada e ela ouviu passos.
Edie deixou-se cair em uma cadeira e não pôde evitar um gemid
o. Com a preocupação por causa de Sam, ela havia esquecido so
bre seu estado.
_ O que houve? _ Sam perguntou, dessa vez preocupado. Ela to
rnou a esquecer sobre a mordida e sobre a calça rasgada. Seus
olhos passearam pelo corpo de Sam desde os ombros largos até
os dedos do pé. Deu-se conta de que apenas um pedaço de pano
a impedia de ver a parte mais íntima daquela anatomia.
_ O que Denzel Washington queria? _ Ela teve de umedecer os l
ábios com a ponta da língua antes de fazer a pergunta.
_ Convidar-me para sua festa de Natal.
_ Oh-
_ Eu a ouvi gemer de dor. Você se machucou?
Edie esfregou de leve o local da mordida.
_ Tive um pequeno desentendimento com o pastor alemão de se
u vizinho. E ele ganhou.
_ Deixe-me examinar.
Os olhos de Edie tornaram a pousar na toalha.
_ Não seria melhor você vestir uma roupa primeiro? Ele fez qu
e sim com a cabeça. Edie seria capaz de apostar que não era a
única a se sentir perturbada.
_ Não demoro.
_ Está bem.
Sam poderia ter demorado apenas um minuto. Antes mesmo que
ele a deixasse sozinha, Edie já estava se sentindo uma tola. Dep
ois do que fizera, Sam deveria estar certo de que estava tratan
do com uma lunática.
Em meio a sua auto-análise, Edie percebeu que estava perdend
o uma oportunidade preciosa de conhecer Sam melhor.
No mesmo instante, olhou ao redor e deu-se conta da limpeza.
A cozinha estava impecável. Não havia louça suja na pia nem m
igalhas de pão espalhadas. A decoração era sóbria. O branco e
o preto predominavam. O piso obedecia a um padrão xadrez, a
pedra da pia era preta e os armários eram brancos.
Levantou-se e abriu a geladeira com cuidado para não fazer ba
rulho. Encontrou uma lata de cerveja, um tubo de catchup e um
a embalagem de comida chinesa. Examinou-a. Carne desfiada co
m cebola. Um de seus pratos prediletos.
_ Com fome? _ Sam perguntou. _ Posso pedir uma pizza, se voc
ê quiser.
_ Não, obrigada _ Edie agradeceu e guardou a carne. _ Preciso
ir. _ Antes que cometesse o desatino de pôr sua tese a perder.
Sam estava de calça jeans e uma camiseta escrita Dálias Cowbo
ys. Em suas mãos havia um anti-séptico, uma pomada e uma cai
xa de curativos.
_ Deixe-me ver o ferimento.
Era o cúmulo da humilhação. Mas, sem saída, Edie virou-se de
costas.
_ Lamento informá-la, mas sua calça já era _ disse Sam. Ela se
ntiu o toque dos dedos de Sam através do rasgão.
Fechou os olhos e obrigou-se a ter em mente que estava ali com
o psicóloga determinada a ajudar um cliente, não como mulher.
Não podia comprometer seu futuro profissional nem a saúde me
ntal de Sam por causa de uma simples atração física.
_ A mordida não foi profunda _ Sam constatou. _ Mas a pele es
tá arranhada e eu não duvido que acorde amanhã com uma manc
ha roxa no local. Se serve de consolo, não precisa se preocupar
com o fato de ele estar ou não com as vacinas em dia. Ele está.
_ Ao menos isso _ Edie murmurou.
_ Daria para você se curvar agora para que eu possa desinfetar
sua pele? Acho que a mesa dará um bom apoio.
Edie fez que sim com a cabeça.
_ Poderá arder _ Sam avisou.
Mas não ardeu. Sam foi delicado e o curativo logo ficou pront
o. Assim mesmo, parecia ter durado uma eternidade.
_ Obrigada. _ Edie endireitou o corpo e se afastou.
_ Eu que agradeço _ disse Sam.
_ Por quê?
_ Por ter arriscado sua vida para me avisar.
_ Não ficou zangado por eu tê-lo tomado por um ladrão de carr
o?
_ Sua dedução foi natural _ Sam respondeu. _ Eu teria pensado
o mesmo. O que me impressiona é que você se importe comigo a
ponto de me seguir até em casa e se arriscar para salvar minha
pele.
Aquelas palavras a fizeram sentir-se culpada. Sam não sabia so
bre os motivos que a levaram a segui-lo.
_ Eu detestaria vê-lo envolvido em mais problemas. _ Ao menos
estava dizendo a verdade agora. Não esperava pela atitude segu
inte de Sam.
_ Não sou um projeto, Edie.
Ela pestanejou; Como Sam podia ter adivinhado que estava sen
do usado como material de estudo?
_ Nunca disse que era _ Edie se defendeu com um sorriso nervo
so.
_ Posso ler seus olhos _ Sam afirmou. _ Você é igual a minha ti
a Polly e a minha ex-namorada. Sinto lhe dizer que sou um hom
em com qualidades e defeitos como qualquer outro.
_ Eu nunca...
Sam a fez calar colocando a ponta dos dedos em seus lábios.
_ Sua visão otimista do mundo é uma das qualidades que admir
o em você _ disse Sam. _ Mas precisa ter cuidado. Seu trabalho
em abrigos e instituições a colocou em contato com pessoas que
precisam melhorar suas perspectivas de vida. Aproveite a oport
unidade de ser útil, mas lembre-se de não se envolver demais p
ara sua própria segurança.
_ Não concordo com você _ Edie respondeu, irritada. Afinal, q
uem era ele para julgá-la?
_ Nunca fez nada de errado, não é, Edie? _ Sam continuou. _ A
posto que nunca infringiu uma lei. Não me admiraria se nunca t
ivesse sido multada no trânsito. Duvido que alguma vez tenha c
hegado em casa mais tarde do que o horário estabelecido por se
us pais.
_ Está enganado, sr. Esperto. Fiz algo errado uma vez. A expre
ssão de espanto de Sam a deixou ainda mais irritada. Do jeito q
ue Sam falava, o fato de ela nunca ter mentido, nem trapaceado
, nem roubado parecia ser motivo de vergonha!
_ Que crime terrível foi esse que cometeu?
_ Esqueci de devolver um livro que peguei na biblioteca. Eles l
igaram para minha casa e me intimaram a ressarci-los pelo pre
juízo ou ficaria proibida de retirar outros livros.
Sam riu à custa dela pela terceira vez aquela noite.
_ Não é engraçado! _ Edie protestou.
_ Claro que não. Mas o que você fez não foi nenhum crime. Ape
nas esquecimento. Aposto que correu para a biblioteca assim q
ue colocou o fone no gancho e pagou sua dívida com juros e cor
reção monetária.
_ Você está caçoando de mim. Isso não é justo.
_ Não, Edie. Quem não está sendo justa comigo é você. Por fav
or, pare de tecer conjeturas a meu respeito e nunca mais tente
me salvar, ok?
Dessa vez, Edie não respondeu. Sam tinha razão. O mundo exte
rior não a havia atingido. Pela criação que tivera e pelo trabal
ho que realizava, sua posição era sempre a de conselheira. Ma
s, sabia realmente do que estava falando? Podia afirmar que en
tendia aquelas pessoas porque sua experiência de vida era a me
sma? Alguma vez passara fome, sede ou frio? Já tivera de dorm
ir ao relento?
_ Antes de aconselhar seus clientes, Edie Preston, é preciso qu
e faça um trabalho consigo própria.
_ Que tipo de trabalho? _ Edie estranhou.
_ Enfrente as tentações. Para conseguir entendê-los, você preci
sa se colocar no lugar deles, viver no mundo deles.
Aquela não era a hora, nem aquele o lugar para isso. Edie fito
u-o, perturbada. Sam estava certo. Ele não podia imaginar qua
nto estava certo. Naquele momento, ela estava enfrentando a m
aior tentação de sua vida.

CAPÍTULO VI
Sam deu um passo em direção a Edie. Ela recuou até encontrar
uma parede as suas costas. Sem ter para onde continuar fugind
o, olhou-o atentamente.
Sam tinha um objetivo em mente: beijar aqueles lábios. Beijar
Edie até que o medo a fizesse ir embora para não mais voltar.
Até que ela desistisse de interferir em seu trabalho e em sua vi
da.
Edie estava chegando perto demais. Não esperava que ela fosse
capaz de segui-lo e muito menos de tentar salvá-lo da polícia.
Não queria ser analisado por ela.
Edie parecia encará-lo como um príncipe. Não um príncipe enc
antado porque ela o encarava como um homem cheio de defeitos
e problemas. Mas certamente como um príncipe com potencial p
ara ser encantado depois que ela o redimisse.
Ele conhecia as mulheres. Todas tinham os mesmos sonhos: de
mudar seus homens. Mas ele não queria ser transformado em al
guém que não era, da mesma forma que não queria que Edie fos
se diferente.
A pureza, a sinceridade e a preocupação de Edie com os outros
o cativava. Mas sentir-se atraído por uma mulher como Edie er
a uma coisa, conviver com ela era bem diferente.
Sua única solução era livrar-se de Edie e beijá-la lhe parecia o
meio mais seguro e agradável de atingir seu fim.
_ Eu poderia ensiná-la a enfrentar as tentações _ Sam murmur
ou com o antebraço apoiado na parede sobre a cabeça de Edie p
ara intimidá-la. _ Seria um imenso prazer para mim.
Enquanto sussurrava as palavras, Sam percorria o decote da bl
usa de Edie com a ponta de um dedo. Sentiu-a estremecer.
Mas, de repente, ela endireitou os ombros e ergueu o queixo.
_ A essa altura dos acontecimentos, não acha que deveria se co
ncentrar em algo mais construtivo como mudar seus padrões de
comportamento em vez de tentar me seduzir?
_ Você acha isso? _ ele provocou-a ao falar quase junto de seus
lábios.
_ Acho _ ela afirmou vigorosamente. _ Você está usando o sexo
para evitar uma confrontação com suas próprias fraquezas.
_ Estou?
_ Está!
_ Como pode saber que eu não estou queimando de desejo por v
ocê? Às vezes, minha cara, um charuto é apenas um charuto. Nã
o significa nenhum símbolo fálico.
_ Está tentando me assustar com essa atitude?
_ Sim.
_ Como neste exemplo?
Sem dar tempo para Edie escapar, Sam abraçou-a pela cintura,
atraiu-a com força de encontro ao peito e beijou-a com toda vo
ntade que ele vinha sentindo e controlando desde a primeira ve
z que seus lábios roçaram nos dela em seu primeiro dia como P
apai Noel na Carmichael's.
Que mulher! Que boca! Tinha o sabor do mel, do orvalho e do
pecado. O hálito morno aquecia-lhe o pescoço e o perfume suav
e penetrava por suas narinas.
Não deveria tê-la beijado. Nem sequer como medida de emergên
cia. Estava excitado. Excitadíssimo, aliás. Suas veias pareciam
estar inchando. Aliás, não apenas as veias. Fazia um longo tem
po que não se deitava com uma mulher e seu corpo certamente e
stava se ressentindo do fato.
_ Você não pode fazer amor com Edie _ Sam disse a si mesmo. _
É um policial no cumprimento do dever. Sua missão exige que t
rabalhe disfarçado e ela o tomou por um bandido. Tire-a de sua
cabeça. Mesmo quando a missão estiver terminada, Edie não ser
ve para você. Ou melhor, você não serve para ela. E um sujeito
grosseiro e ela é uma garota fina. Existem milhões de razoes pa
ra que isto pare por aqui. - Sam? _ Edie chamou-o o com um su
ssurro. -Sam?
-Por favor, pare de me acariciar. Por favor, pare de me beijar
Era uma suplica, não um pedido. Pela maneira como Edie corre
spondeu no beijo, ele descobriu que ela o queria tanto quanto e
le a desejava. O tom de sua voz, porém, o alertou de que Edie s
abia tanto quanto ele que aquilo não estava certo.
Devagar, com extrema gentileza, ele se afastou. Mas seus olhos
continuaram presos aos dela e ele quase tornou a beijá-la.
O telefone tocou naquele instante. O maldito abençoado telefon
e.
Sam pediu licença e foi atender.
_ Alô?
_ Samuel O'Neil Stevenson, você está com uma mulher em sua c
asa?
_ Tia Polly!
_ Não se atreva a mentir para mim. Virginia Marston acabou d
e ligar. Parece que uma maluca pulou por cima de seu muro, at
ravessou seu quintal e entrou correndo em sua casa.
_ Não, tia.
_ Você sabe muito bem que o caminho para o inferno está pavi
mentado com sexo.
_ Pensei que quisesse ter sobrinhos-netos _ Sam acabou não res
istindo à tentação de brincar.
_ Eu quero, mas do jeito certo. Depois do casamento.
_ Bem, nesse caso, você pode dormir sossegada. Não estou faze
ndo sexo.
Não que eu não queira.
Sam olhou para Edie. Ela estava estudando-o como se fosse um
a cientista ao microscópio. Sam tapou o bocal do telefone.
_ Minha tia Polly.
_ Sam? Sam? O que foi que você disse? Está me ouvindo?
Com um longo e sofrido suspiro, Sam tornou a colocar o fone j
unto ao ouvido.
_ Sim, tia.
Edie murmurou que estava indo embora e que eles se veriam no
dia seguinte. Sam apertou os lábios para não pedir que ficasse.
Queria sua companhia e ao mesmo tempo não queria. Droga, el
e precisava usar a razão. Não podia continuar daquele jeito.
_ Você precisa tomar uma providência. Não está certo receber
em sua casa uma mulher capaz de saltar sobre os muros dos viz
inhos.
_ Não, tia _ Sam respondeu como um autômato. Edie estava ind
o embora naquele momento e ele viu as curvas de suas nádegas
firmes e roliças pela calça rasgada. E ficou ainda mais excitad
o do que antes.
Droga de cachorro por tê-la mordido. Droga de telefonema que
o havia interrompido. Mas, acima de tudo, droga de desejo, por
que ele jamais desejara tanto uma mulher como desejava Edie.
Se o professor Braddick viesse a saber sobre o ocorrido na cas
a de Sam, ela seria obrigada a abandonar o projeto. E se soube
sse o tipo de sentimento que Sam lhe despertara, ele, provavel
mente, exigiria que ela desistisse da carreira de psicóloga.
Edie mergulhou o corpo inteiro na banheira.
O que fazer?
Algum tempo depois, mais relaxada fisicamente, ela saiu do ba
nho e vestiu um robe.
Sua atração por Sam era uma ameaça a sua tese. Por outro lado
, o que seria de Sam se ela desistisse de ajudá-lo? Se abandona
sse o projeto, como ficariam os outros como ele?
O mais importante era provar que Sam merecia ser salvo. Para
isso, era preciso manter sua libido sob controle. Por mais que
o desejasse, não podia dar vazão a seus sentimentos e agir por
impulso.
Mas algo que Sam lhe dissera, não lhe saía da cabeça.
Como esperava entender seus pacientes se jamais havia sucumb
ido às tentações? Se jamais havia vivido no mundo deles?
Sam estava certo. Ela não fazia idéia realmente do que signific
ava a liberdade total. Apesar de ter cursado uma faculdade e es
tar preparando sua tese de doutorado, ela não havia vivido o la
do prático da vida, mas apenas o teórico.
Mas se Sam estava certo, por outro lado ele não podia fazer pa
rte de seu experimento porque era o objeto de seu estudo.
Edie estava penteando os cabelos quando o telefone tocou.
Seu pensamento voltou-se instantaneamente para Sam. Mas, po
r que ele lhe ligaria?
Edie correu para o quarto e atendeu.
_ Alô?
_ Edie?
_ Sim.
_ É Jules. Jules Hardy da Carmichael's.
_ Oi, tudo bem?
Jules Hardy era uma ruiva que trabalhava na seção de cosmétic
os. Jules gostava de contar sobre suas aventuras e desventuras
com os homens. Era um exemplo típico da mulher solteira liber
ada do século vinte e um. Portanto, se Edie precisava de algué
m que a ensinasse a experimentar as tentações da vida, já havia
encontrado.
_ Edie, eu ouvi dizer que você está estudando psicologia e esto
u com um problema.
_ É verdade. Em que posso ajudá-la?
_ Bem, prefiro não entrar em detalhes por telefone. É um assu
nto pessoal e envolve meu novo namorado, Kyle Spencer. Para s
er franca, foi Kyle que sugeriu que eu a procurasse.
Edie apertou o fone, subitamente tensa. Kyle Spencer. Um dos
homens que ela batalhara para colocar na loja.
_ Kyle está com algum problema?
_ Mais ou menos. Edie respirou fundo.
_ De ordem legal?
Kyle estava envolvido com os roubos que vinham ocorrendo na
Carmichael's? Seria isso que estava preocupando Jules?
_ Preciso falar com você pessoalmente _ Jules insistiu. _ O ass
unto é confidencial. Podemos nos encontrar em algum lugar?
Edie consultou a hora. Dez e dez. Costumava ir para a cama às
dez e meia, mas uma pessoa estava precisando de sua ajuda.
_ Tudo bem.
_ Oh, obrigada. Você pode me encontrar na cafeteria da Wayfa
rer Lane em uma hora?
_ Estarei lá.
_ Você é demais, Edie. Ficarei lhe devendo essa. Edie desligou
com o cenho franzido. Em que tipo de enrascada estava se mete
ndo?
Sam foi para a loja antes do amanhecer e entrou pelo setor de
expedição como fazia todos os dias desde que começara seu trab
alho como Papai Noel. O guarda de segurança terminava seu ex
pediente as quatro e os funcionários daquele setor chegavam às
seis. Isso significava que por duas longas horas o interior da lo
ja ficava desprotegido. Se alguém pretendia roubar mercadoria
s, aquele era o momento ideal.
Assim que se escondeu perto da entrada, atrás de um arbusto q
ue lhe dava visão perfeita do local, Sam tirou uma rosquinha d
o bolso do casaco. Ela estava achatada por causa do pouco espa
ço em que fora guardada e a cobertura de chocolate havia grud
ado no guardanapo de papel, mas ele estava faminto demais par
a se importar com isso.
Seria ótimo se pudesse contar com uma xícara de café bem fort
e para acompanhar. Quase não havia dormido aquela noite de t
anto pensar em Edie.
Edie, a garota de feições inocentes e sorriso de incendiar cora
ções. Edie, a garota vibrante como bolhas de champanhe. Edie,
que vivia metendo o nariz onde não era chamada.
Ele podia afirmar com convicção que jamais conhecera alguém
como ela.
O silêncio ao seu redor era absoluto.
De repente, um Chevrolet marrom antigo passou por ele. Sam f
icou atento. Aquele parecia o carro de Harry Coomer.
Ele sabia que todos os funcionários vindos da instituição, Joe,
Kyle e Harry tinham um horário a cumprir. Em liberdade condi
cional, eles precisavam se recolher no máximo até meia-noite e
só podiam sair após as seis horas. Portanto, se aquele fosse Ha
rry, ele estava descumprindo a lei.
O carro fez uma curva no fim do estacionamento e começou a v
oltar. Ao se aproximar da Carmichael's, o motorista reduziu a
velocidade. As luzes da rua incidiram sobre o capo e provocara
m um reflexo metálico no espelho.
Harry tinha um pé de coelho preso a uma corrente de metal pe
ndurado no espelho do carro.
Aquele tinha de ser o carro de Harry. Se era ele ou não quem e
stava ao volante, não dava para ver.
Sam prendeu a respiração e aguardou. O carro tornou a percor
rer o estacionamento e depois desapareceu.
Sam pôs-se a contar os minutos: quinze, vinte, trinta.
O carro não retornou.
Ele bocejou e mudou de posição. Estava ficando com o traseiro
congelado de frio. E por falar em traseiro, ele se lembrou da m
ordida que Edie levara para tentar salvá-lo.
Precisava parar de fantasiar sobre Edie. Precisava esquecer qu
e a tivera a seu alcance no dia anterior. Se não parasse de pens
ar em Edie, logo estaria em má situação.
Mas como impedir que sua imaginação masculina e necessitada
não criasse asas?
Via Edie em sua casa. Em sua cama. Nua. Toda para ele.
Engoliu em seco.
De repente, como se o sonho tivesse se transformado em realid
ade, ele a viu. Ali. A sua frente. Poucos metros além do lugar o
nde estava escondido. Com a garota ruiva da seção de cosmétic
os. As duas se dirigiram à entrada do setor de expedição e esta
vam digitando o código que desarmava o sistema de alarme.
Sam esfregou os olhos. Não era possível. Deveria estar vendo c
oisas. O que Edie estava fazendo no local àquela hora da manhã
em companhia de uma garota de reputação duvidosa?
-_ Ok _ disse Jules depois de esperarem alguns segundos para
que as pesadas portas abrissem automaticamente mas com um r
uído tão alto que fez Edie olhar para todos os lados como se est
ivesse com medo de serem apanhadas. _ Do lado de dentro há ou
tro painel de controle ligado ao circuito interno de televisão _
Jules continuou. _ Assim que entrarmos, bastará um toque para
que ele seja desativado. A partir daí, poderemos percorrer tod
o o setor sem que nossa presença seja detectada.
_ Você também conhece esse código? _ Jules assentiu com um m
ovimento de cabeça. _ Como os conseguiu? _ Edie perguntou ao
mesmo tempo que seguia a outra para dentro da Carmichael's e
aguardava que ela acendesse as luzes.
Pilhas e pilhas de caixas podiam ser vistas por toda parte ante
s que Jules se dirigisse ao painel e acionasse o sistema de fecha
mento automático.
_ Eu saía com Dave Highsmith, o gerente que trabalhou aqui an
tes do sr. Trotter. Ele me forneceu os códigos para que pudésse
mos nos encontrar no depósito após o expediente.
_ Estou preocupada com o que poderá acontecer quando o sr. T
rotter examinar as fitas de segurança e descobrir que alguém d
esligou o alarme e também as câmeras de televisão por um perí
odo _ disse Edie.
Jules encolheu os ombros.
_ É um risco que teremos de correr. Mas eu não ficaria preocu
pada em seu lugar. Não há como ele saber que fomos nós.
Edie suspirou.
_ Acho melhor fazer logo o que temos de fazer e dar o fora daq
ui.
As duas mulheres haviam passado a noite em um restaurante vi
nte e quatro horas na rua Wayfarer para planejar a operação.
Precisavam ser pontuais. O expediente do guarda de segurança
noturno encerrava às quatro horas. Como o turno normal só ini
ciava às seis horas, elas teriam um prazo de duas horas para re
solver o problema. Ou seja, não havia opção. Se elas não invadi
ssem a loja como duas gatunas, Kyle voltaria para a cadeia e J
ules seria despedida do emprego.
De acordo com a história de Jules, ela havia se escondido no to
alete até a loja fechar à espera do término do expediente de Ky
le no departamento de manutenção que ocorria uma hora após o
horário normal. Segundo Jules, eles haviam feito amor em cima
do balcão do setor de cosméticos sem saber que uma nova câmer
a havia sido instalada aqueles dias por causa do desaparecimen
to de mercadorias que vinha ocorrendo.
Ao chegar ao albergue para passar a noite, Kyle havia sido inf
ormado por Joe sobre a nova aquisição e ligou em pânico para
Jules. Como o sr. Trotter verificava as fitas gravadas durante
a noite assim que chegava à loja todas as manhãs, era essencial
que alguém se apoderasse dais fitas antes do nascer do sol.
Kyle estava impossibilitado de se incumbir da tarefa porque nã
o podia deixar o instituto antes do horário regulamentar. E se
descobrissem que ele e Jules haviam permanecido na loja após s
eu fechamento seriam imediatamente culpados pelos roubos e ta
xados não só de ladrões como de descarados.
O resultado seria dramático. Kyle voltaria para a prisão por vi
olar sua condicional e Jules seria sumariamente despedida por
justa causa. O nome de Edie também seria manchado. Afinal, er
a ela a responsável pela contratação de Kyle.
Edie mordeu o lábio ao pensar que estava na iminência de perd
er seu emprego e se afastar de Sam. Se isso acontecesse, ela ta
mbém perderia o tema de sua dissertação.
Em primeiro lugar, portanto, era preciso desligar todas as câm
eras de segurança antes que elas fossem filmadas perambulando
pelos corredores do depósito.
A transgressão certamente não acabaria em uma simples visita
ao departamento pessoal e uma assinatura sob a data de desliga
mento em sua carteira de trabalho. O caso iria parar na polícia
e também poderia virar manchete de jornal. Se isso acontecesse
, o prof. Braddick teria uma síncope. E seus pais? O que faria
m quando estivessem tomando seu chá diante da televisão enqua
nto assistiam ao noticiário da noite e ouvissem a chamada?
"Agora, vamos ao lamentável episódio da ex-escoteira e atual p
sicóloga em vias de defender sua tese de doutorado. O que levo
u essa jovem a se envolver com o bando que tem roubado sistem
aticamente a famosa loja de departamentos Carmichael_s no sh
opping North Hills? Mais detalhes após os comerciais.
Edie visualizou-se atrás das grades vestida com o uniforme list
rado de branco e preto e sentiu um arrepio lhe' percorrer a esp
inha.
_ Jules _ Edie chamou enquanto percorriam o local munidas de
uma lanterna. _ Talvez a idéia não seja muito boa, afinal de co
ntas. Talvez devêssemos procurar o sr. Trotter e contar o que h
ouve.
_ Está brincando? Nem sequer um santo perdoaria Kyle e eu pe
lo que fizemos! Ele nunca gostou de nós. Aposto que aproveitar
ia e nos culparia pelos roubos.
_ A esse respeito, infelizmente acho que você está certa.
_ Nós não temos escolha. Você não pode me abandonar agora.
Não, Edie não podia. Ela havia prometido ajudar Jules e nunca
quebrava uma promessa.
Antes que Edie tivesse tempo para responder, Jules iluminou o
caminho e ela precisou segui-la em direção à loja.
Em poucos minutos, a câmera foi encontrada e Jules subiu no b
alcão para alcançá-la. A fita foi removida em questão de segun
dos.
_ Consegui! _ Jules exclamou, triunfante.
Edie suspirou de alívio e deu um passo para trás. Seu sangue c
ongelou nas veias quando sentiu um objeto duro e frio em suas
costas. Deixou escapar um grito de susto, mas imediatamente ta
pou a boca com a mão. Ao mesmo tempo, girou o corpo e ergueu
a outra mão em um gesto de defesa. Mas quando se preparou pa
ra golpear seu agressor, percebeu que ele não era humano.
O manequim começou a tombar. Antes que Edie pudesse sustent
á-lo, ele foi para o chão e se espatifou.
Um braço saltou sobre sua cabeça e uma perna bateu em sua co
xa. A cabeça rolou como uma bola de boliche e foi parar na seç
ão de cama, banho e mesa, sob uma cama arrumada com um edr
edom estampado que Edie pretendia comprar para seus pais de
Natal.
Aos ouvidos de Edie, o barulho poderia se comparar à explosão
de uma bomba. Fechou os olhos por um segundo e chamou Jules
com um sussurro.
Não houve resposta.
O coração de Edie pôs-se a bater ainda mais forte do que ante
s. Jules havia desaparecido. De uma parte escura da loja, ela v
iu a figura de um homem.
Oh, Deus.
O medo e o choque fizeram com que seus nervos começassem a t
remer e seus olhos se enchessem de lágrimas. Ela ergueu as mão
s.
_ Não atire, por favor.
_ Edie?
Não era um policial! Nem o segurança da loja!
_ Sam?
Sam havia surgido das sombras, como um super-herói, para sal
vá-la. Estava com a barba por fazer, mas nunca lhe parecera m
ais lindo e maravilhoso.
Ele se curvou, colocou algo no cano de sua bota e só então falo
u.
_ Você está bem? Ouvi um grito e vim verificar.
_ Estou. Gritei de susto ao derrubar um manequim.
_ O que está fazendo aqui a esta hora? _ Sam quis saber.
_ Estava para lhe perguntar a mesma coisa. Sam engoliu em sec
o.
_ Estava passando e vi que a porta da expedição não estava be
m fechada. Achei que seria melhor parar e dar uma olhada em v
ista dos roubos que vêm acontecendo.
_ Não seria mais certo avisar a polícia?
_ Não gosto de me envolver com policiais.
_ Cinco horas da manhã não é um pouco cedo demais para pass
ar pela loja? _ Edie perguntou. Era terrível surpreender Sam m
entindo outra vez. Por mais que quisesse arranjar desculpas, os
fatos estavam se voltando cada vez mais contra ele.
_ Tive uma nova crise de insônia _ Sam respondeu e deu uma pi
scada para ela. _ Depois que soube que foi capaz de pular muro
s para me salvar, não consigo parar de pensar em você.
Aquele sorriso charmoso não a enganaria daquela vez.
_ Não teve medo de trombar com os ladrões?
_ De que se trata, Edie? De um interrogatório? _ Sam zombou.
_ Quem pode me provar que não é você quem está por trás dos r
oubos?
Edie estreitou os olhos.
_ Não lhe devo nenhuma explicação, mas vou lhe dizer o motivo
de minha presença aqui para que não pense que tenho algo a ve
r com o desaparecimento das mercadorias.
_ Então vocês desligaram o circuito interno de televisão? Um m
ovimento afirmativo com a cabeça foi a resposta de Edie.
Sam suspirou de alívio.
_ É bom saber que não estamos sendo filmados neste momento.
Foi, então, que um súbito e terrível pensamento ocorreu a Edie
. E se ela tivesse caído em uma armadilha? E se Jules, Kyle e S
am fizessem parte do bando e a tivessem usado como álibi? Fazi
a sentido. As câmeras estavam desligadas. Sam estava distraind
o-a. Jules havia desaparecido. Kyles já deveria ter saído da ins
tituição. E Joe e Harry também poderiam estar envolvidos. Naq
uele exato momento, todos eles talvez estivessem a caminho do
México com uma van carregada de mercadorias roubadas.
Edie passou a mão por entre os cabelos. Como pudera ser tão i
ngênua para acreditar na história de Jules? Em seu afã de ajud
ar as pessoas, ela estava contribuindo com a criminalidade.
Não se precipite em julgamentos, Edie. Procure ir até o fundo
desse caso antes de chegar a uma conclusão, pensou.
_ É melhor darmos logo um jeito neste pobre manequim _ disse
Sam.
O pânico aliado ao constrangimento fez Edie desatar em um ris
o histérico.
Sam e ela se puseram a recolher os membros espalhados pelo ch
ão.
_ A tragédia desta pobre dama me fez lembrar uma canção que
compus quando estava no colégio _ Sam contou.
Edie parou de rir no mesmo instante. Mas o riso foi substituíd
o por soluços.
_ Você é compositor?
_ Não exatamente. Só compus aquela como um protesto contra
minha tia Polly que me obrigou a entrar para o coro da escola.
Ela achava que esse tipo de ocupação me colocaria longe de enc
rencas.
Edie sorriu consigo mesma. Era a primeira vez que Sam falava
sobre sua vida pessoal.
_ Como era a canção?
Sam estava carregando o tronco do manequim. Franziu a testa.
_ Deixe-me ver se consigo lembrar... Ok. _ Ele assobiou baixin
ho. _ Certa vez, tive uma namorada que era um robô. Seu sorri
so era lindo e mecânico. Para que se tornasse romântica, eu pre
cisava girar um botão.
Sam pegou uma das pernas e encaixou-a no tronco.
_ Quando eu a ligava, sua alma adquiria vida. Seus pequenos l
ábios se abriam e piscava os lindos olhos azuis de plástico. Eu
a comprei por telefone e ela chegou pelo correio. Era um pacot
e de peças soltas. Tive de consultar o manual para montá-la.
Os olhos de Sam encontraram os de Edie. Ele sorriu e continuo
u.
_ Eu a mantinha trancada, de pé, em meu armário, para que ni
nguém a visse.
Sam encaixou a outra perna e colocou o manequim de volta em
seu lugar.
_ Então, em uma manhã, eu fui pegá-la e só encontrei um bilhe
te. Minha namorada robô tinha fugido com meu videogame.
Edie pôs-se a rir outra vez.
_ Parabéns. Você é um poeta. Um artista de talento. Edie sento
u-se no chão ao rir. Sam sentou-se ao lado dela e abraçou os jo
elhos.
_ Minha tia não foi da mesma opinião quando soube que o coral
incluiria minha música no recital de primavera.
Edie fitou-o. Sam era um homem complexo, fascinante. Cada di
a tinha mais convicção de que acertara ao escolhê-lo como tema
de seu estudo.
_ Quem foi a garota que partiu seu coração?
_ Quem disse que alguém partiu meu coração? _ Sam protestou.
_ Esqueceu que sou uma psicóloga? Essa letra é uma indicação
irrefutável. Você pode tê-la atribuído a sua tia, mas a pessoa q
ue a inspirou realmente foi outra.
Uma emoção, que Edie não conseguiu identificar, passou pelos
olhos de Sam.
_ A líder da torcida, Beth Ann Pulaski _ Sam confessou para s
urpresa de Edie. _ Ela queria que eu fosse diferente do que er
a. Você sabe. A garota rica e o menino pobre. Assim que descob
riu que não conseguiria me lapidar, ela me trocou por outro.
Edie pegou a mão de Sam e apertou-a.
_ Ainda dói, não?
Ele negou com um movimento de cabeça.
_ Não sou mais aquele jovem pateta. Aprendi a lição. Ninguém
pode querer ser o que não é e não adianta sonhar com uma mul
her que não é capaz de aceitá-lo com suas limitações.
Os olhos de Sam pareciam querer mergulhar no fundo dos dela.
Estavam completamente a sós na loja após o desaparecimento d
e Jules. E, de acordo com as evidências, Sam podia fazer parte
do grupo de ladrões.
Edie obrigou-se a não fazer nenhum julgamento precipitado ou
tra vez. Bastara a conclusão errônea a que chegara sobre o Cor
vette. Não pretendia fazer papel de tola pela segunda vez ao ac
usá-lo de roubar algo.
Mas, por que outra razão Sam estava ali? A desculpa da insôni
a não a convencera. Nem sequer por um segundo. Precisava sair
dali o quanto antes. Precisava de tempo para pensar e para dec
ifrar aquele enigma.
Edie engoliu em seco.
_ Daria para você me ajudar a encontrar a cabeça? A última ve
z que a vi, ela estava rolando em direção ao setor de cama, mes
a e banho.
Sam lhe estendeu a mão.
_ Venha comigo.
Após um instante de hesitação, Edie deu a mão a Sam e eles co
meçaram a andar. Ao chegarem ao local, Edie apontou para um
a das camas.
Sam ajoelhou-se e espiou embaixo. Por mais que tentasse não o
lhar para o traseiro dele, Edie não conseguiu evitar. Sam tinha
um corpo perfeito. Ela adorava o jeito como a roupa aderia aos
músculos.
Quando se levantou, Sam estava com uma teia de aranha presa
aos cabelos. Edie ergueu-se na ponta dos pés para tirá-la. Seus
olhos encontraram os dele e foi como se uma corrente elétrica o
s unisse.
_ Obrigado _ Sam murmurou.
_ Não encontrou a cabeça? _ ela se lembrou de perguntar.
_ Está presa entre a parede e a cabeceira. Acho que consigo al
cançá-la por cima.
Assim que disse isso, Sam subiu na cama e tentou pegá-la em v
ão. Edie imitou-o e sugeriu outro recurso.
_ Acho que dá para tirá-la daí com um varão de cortina.
_ Boa idéia.
Edie voltou carregando o varão como se fosse uma espada.
_ En gardel _ brincou.
_ Calma, minha querida esgrimista.
Sam tocou-a no momento de apanhar o objeto. Aconteceu outra
faísca elétrica. Eles nada comentaram, mas a troca de olhares f
oi significativa.
Sam tornou a ajoelhar para tentar soltar a cabeça. Com a dific
uldade de retirá-la, ele forçou o varão. No instante que ela sai
u, Sam perdeu o equilíbrio e caiu por cima de Edie, que també
m havia se ajoelhado para acompanhar a operação.
Ela olhou para cima e ele olhou para baixo. Um beijo acontece
u. Leve e delicado no início e cheio de paixão depois.
Edie não podia acreditar no que estava acontecendo. Estava de
itada em uma cama e o homem que mais a atraía no mundo esta
va por cima dela. Em uma loja de departamentos. A qualquer m
omento eles poderiam ser surpreendidos. A qualquer momento e
la poderia comprometer todo seu futuro.
_ Precisamos parar com isso _ disse com um fio de voz.
Onde estava seu bom senso? Não havia prometido a si mesma q
ue manteria distância daquele homem depois do incidente em su
a cozinha? Sam era um homem que precisava de sua ajuda profi
ssional. Ele não era, sob nenhum aspecto, seu parceiro.
Sam sentou-se e sua calça subiu. Ela perdeu o fôlego ao ver a c
oronha de uma arma saindo da bota.
CAPÍTULO VII
Ao se dar conta da direção do olhar de Edie, Sam apressou-se a
puxar a barra da calça para esconder a arma. Depois, como se
nada tivesse acontecido, endireitou o corpo e disse:
_ Quer tomar o café da manhã comigo?
Edie hesitou. Andar armado era costume apenas entre policiais
e bandidos. E ela sabia que Sam não pertencia à polícia.
Por mais que se esforçasse no sentido de não fazer julgamentos
precipitados, as evidências não deixavam escolha. Que explicaç
ão poderia haver, afinal, para o comportamento de Sam?
_ Você aceita? _ ele tornou a perguntar.
_ Não posso _ Edie respondeu e indicou o setor de cosméticos.
_ Preciso encontrar Jules.
Sam baixou o tom de voz.
_ Acho que você e sua amiga deveriam sair daqui o quanto ante
s.
Por que Sam estava lhe dando aquele conselho? Por que, de rep
ente, o jeito de Sam falar parecia conter uma ameaça?
_ É uma boa idéia.
Ele não parava de encará-la e ela de se conter para não se atir
ar naqueles braços. Era terrível. Por que além do desejo de aju
dar, ela também sentia desejo de fazer amor com Sam?
As razões que a impediam de se entregar às emoções eram inúm
eras: sua tese de doutorado, seu emprego, sua sanidade. Até co
nhecer Sam Stevenson, ela jamais havia cometido ou pensado e
m cometer loucuras.
Sam estava segurando a cabeça do manequim. Um minuto depoi
s, colocou-a de volta em seu lugar.
_ Edie? _ Jules surgiu de trás de um cesto onde estavam liquid
ando meias-calças. _ Quem é esse? _ Em seguida ela estalou os
dedos. _ Já sei. Você é o Papai Noel.
Edie suspirou de alívio ao ver a outra.
_ Finalmente! Onde você se meteu?
_ Bem, confesso que me acovardei quando percebi que não está
vamos sozinhas. Achei que você havia sido surpreendida pelo se
gurança da loja. No instante que ouvi seu grito, tratei de me es
conder. Quando percebi que não havia perigo, pensei em me jun
tar a vocês, mas então a cama rangeu e eu fiquei exatamente on
de estava para não atrapalhar.
_ Não aconteceu nada do que você está pensando _ Edie se apre
ssou a explicar, vermelha como um tomate.
Jules deu uma risadinha maliciosa.
_ Não? Por que, então, ele está com batom no colarinho da cam
isa?
Sam tocou instantaneamente a gola e Edie comprovou que o tec
ido branco estava manchado. O rubor aumentou.
_ Bem, foi bom encontrá-lo, Sam _ Edie disse como se estivesse
se despedindo de alguém que encontrara em uma festa, não em
um depósito que deveria estar vazio e trancado.
-_ Permita-me acompanhá-las até o carro _ Sam ofereceu e se c
olocou entre as duas enquanto as conduzia para fora do prédio.
O delegado estava ao telefone.
_ Stevenson, quero respostas e quero agora!
Com os olhos injetados de sono, Sam consultou o relógio sobre
o criado-mudo. Eram sete e trinta. Fazia menos de uma hora qu
e ele havia voltado da Carmichael's a fim de tentar descansar a
o menos até às dez, quando precisaria se apresentar para mais
um dia de trabalho disfarçado de Papai Noel.
_ O que houve?
_ Acabo de receber uma ligação de J.D. Carmichael. O homem e
stá possesso.
Sam sentou-se na cama.
_ Por quê?
_ Ontem à noite, enquanto você deveria estar suposta-mente vi
giando a loja, mais de cinco mil dólares em perfumes foram rou
bados da seção de cosméticos.
Na noite anterior? Seção de cosméticos? Sam fechou os punhos.
Jules e Edie haviam estado naquele setor poucas horas antes. M
as elas saíram do prédio escoltadas por ele. Não poderiam ter e
scondido cinco mil dólares em perfumes em seus corpos.
A não ser que elas tivessem roubado a mercadoria e deixado em
algum local previamente combinado para que um cúmplice fosse
retirá-la mais tarde.
Mas ele não acreditava que Edie fizesse parte do esquema. Ela
era honesta. Era uma pessoa acima de qualquer suspeita. Boa e
generosa ao extremo. Além disso, ela era esperta demais para c
ometer tal desatino. Em suma, ele se negava a considerá-la uma
ladra.
Por outro lado, como podia ter certeza? Ele não a conhecia rea
lmente. Não dizem que quem vê cara não vê coração?
Sam balançou energicamente a cabeça. Recusava-se a permitir
que essa dúvida o envenenasse. Edie o procurara em sua casa p
ara salvá-lo. Correra riscos por causa dele. Ela era uma batalh
adora do bem. Não sabia nada sobre criminalidade.
Jules Hardy, contudo, tivera livre acesso à loja enquanto ele e
Edie se mantiveram ocupados com o manequim e com a atração
mútua que aumentava cada dia.
Seria possível que houvesse outra pessoa na loja além deles? O
namorado, Kyle Spencer? Sam tinha quase certeza de que a hist
ória que Jules havia contado a Edie era falsa. Qual o segredo q
ue continha aquela fita? Ela não teria registrado, talvez, o rou
bo dos perfumes?
_ Isso não é tudo _ Timmons continuou. _ Quando Trotter e a e
quipe de segurança foram verificar as fitas esta manhã, eles de
scobriram que o circuito interno de televisão ficou desligado p
or vinte e cinco minutos durante a noite.
_ Não me diga.
_ Sabe algo a esse respeito?
_ Infelizmente não _ Sam respondeu.
_ O que tem a declarar em sua defesa, Stevenson?
_ Está tudo sob controle, chefe.
_ É mesmo? Por que, então, os roubos se tornaram mais freqüe
ntes?
_ Juro que estou na pista certa _ Sam insistiu e bocejou.
_ Qual será seu próximo passo?
_ Acredite ou não, irei a uma boate no sábado com os três elem
entos que suspeito estarem por trás das ocorrências. Vi o carro
de Harry Coomer perto do shopping quando seu dono deveria es
tar recolhido à instituição. _ Ele também poderia mencionar Ky
le Spencer, mas isso o obrigaria a mencionar Jules e Edie e ele
ainda precisava investigar melhor o fato.
_ Espero que não esqueça que estará lá a trabalho, Stevenson.
_ Não esquecerei. Além disso, não sou do tipo que vai a clubes
de strip-tease.
Agora, se Edie tirasse a roupa para ele, o caso seria diferente.
O tom de voz do policial mudou por completo.
_ Estou preocupado com você, Sam.
_ Por quê, senhor?
_ Esse seu disfarce foi indicado para ajudá-lo em sua missão.
No entanto, ele parece estar atrapalhando-o.
_ Não está, senhor.
_ Bem, tente resolver logo o caso. De preferência antes que aco
nteça outro roubo.
A ligação foi interrompida nesse ponto.
Objeto de Estudo: Sam Stevenson Data de observação: 10 de de
zembro.
No dia de ontem, descobri que o indivíduo porta uma arma de f
ogo por razão desconhecida. No dia de hoje, ele voltou a se com
portar de maneira normal ao lidar com as crianças. Não deu ne
nhuma explicação sobre sua presença na loja fora do horário de
expediente. O fato de ter sido cometido um novo roubo nesse di
a faz o observador cogitar sobre o possível envolvimento do suj
eito.
Edie fez uma pausa e olhou para o vazio. Estava em seu horári
o de almoço, sentada na área reservada para os funcionários. T
entava fazer novas observações sobre Sam. O que mais poderia
dizer a seu respeito?
Sam continuava a ser um enigma para ela apesar de já ter reve
lado algo sobre sua vida pessoal por meio de uma canção.
Ele era bom, bonito, bem-humorado e compreensivo.
Mas sabia arrombar carros em segundos e andava armado. E ta
lvez fosse responsável pelo roubo de mercadorias de uma grand
e loja de departamentos.
Era essencial que ela descobrisse mais sobre Sam. Não sabia na
da sobre seus antecedentes. Como os pais o haviam criado? Em
que circunstâncias? Quem era tia Polly?
Genética e ambiente. Aquelas eram as chaves que desvendavam
o segredo do comportamento. E ela pretendia usá-las.
Mas como faria isso sem questioná-lo diretamente?
A não ser que... talvez...?
Haveria um jeito melhor do que marcar um encontro? Não era
durante o primeiro encontro que as pessoas ficavam conhecendo
os detalhes mais básicos da vida do outro?
Ao mesmo tempo, seria prudente chegar tão perto de Sam quan
do ela já havia tido provas de que não conseguia controlar suas
emoções em presença dele? Quando era uma tortura ter de trab
alhar a seu lado?
Propor um encontro seria um convite a mais beijos. E beijos po
deriam facilmente levar a maiores intimidades. Ela estava prep
arada para isso? Ou melhor, para não permitir que elas acontec
essem?
Seu professor aprovaria esse método quando ela garantisse que
um encontro era a saída mais fácil e rápida para obter informa
ções a respeito de seu objeto de estudo?
Problema: obter informações sem parecer óbvia.
Solução: encontrar o objeto de seu estudo em uma situação cas
ual social.
Plano de Ação: convidar o sujeito para um encontro.
Três dias depois, na tarde do sábado, Edie finalmente reuniu c
oragem para falar com Sam. Jamais se atrevera a convidar um
homem para sair antes. A empreitada revelou-se mais difícil do
que imaginara.
Durante todo o dia, Edie lhe endereçou olhares de esguelha. Sa
m parecia doce e inofensivo em sua fantasia de Papai Noel. Ao
vê-lo conversando e sorrindo para as crianças não dava para ac
reditar que ele fosse capaz de cometer atos ilícitos.
O homem por trás daquele traje vermelho e daquela barba post
iça era um feixe de músculos e de sexualidade. Por mais que de
sejasse pensar nele apenas como objeto de estudo, ela não cons
eguia.
Mas era preciso. Um relacionamento com Sam no âmbito físico
e romântico era algo proibido. Os beijos não deveriam tornar a
acontecer. Muito menos os contatos em camas. Era essencial qu
e ela parasse de tecer fantasias sobre como poderia ser ou ter s
ido entre eles.
Subitamente, seus olhos se encontraram com os de Sam. Ele est
ava sorrindo como se tivesse lido sua mente.
_ Acho que podemos dar nosso trabalho de hoje por encerrado
_ ele disse.
Edie engoliu em seco.
_ Sam.
_ Diga, Edie. _ O sorriso tornou-se mais pronunciado.
_ Eu estava pensando... _ Ela precisou baixar os olhos por abs
oluta falta de condição de encará-lo. _ Se você não tiver nada p
ara fazer hoje à noite, gostaria de marcar algo comigo?
Ele a fez erguer o rosto com um toque delicado em seu queixo.
_ Gostaria muito, mas infelizmente tenho um compromisso.
_ Um compromisso? _ ela repetiu, decepcionada.
_ Vou sair com Joe, Kyle e Harry. Esta noite foi planejada há
duas semanas e...
_ Tudo bem _ ela o interrompeu, brusca. A mensagem era clar
a. Sair com os amigos era mais importante para Sam do que enc
ontrá-la. _ Sem problemas.
_ Mas adoraria sair com você amanhã à noite. O coração de Edi
e bateu mais forte.
_ Às oito está bom para você? _ Sam continuou.
_ Perfeito _ Edie respondeu com um sorriso de júbilo que desa
pareceu assim que a informação foi assimilada.
Sam sairia com três elementos de péssima reputação. Por quê?
Sam fazia parte do bando? Cada dia que passava, maiores eram
os indícios de que seus três protegidos estavam envolvidos nos
roubos que vinham ocorrendo na Carmichael's. Agora, até mes
mo Jules fazia parte de sua lista de suspeitos.
Por mais que Edie preferisse acreditar na bondade inerente da
s pessoas, as evidências apontavam em outra direção. Não havia
motivo justificável para a presença de Sam na loja fora do expe
diente. Joe entendia de finanças. Kyle conhecia todos os código
s de segurança. Harry tinha ligações no submundo.
Chocada com os próprios pensamentos, Edie decidiu investigar
se Sam estava realmente envolvido nos roubos. Não queria cont
inuar navegando em hipóteses. Precisava ter certeza sobre a in
ocência de Sam ou não teria paz. Gostasse ou não, teria de segu
i-lo novamente.
Os quatro homens se amontoaram no carro de Joe e se dirigira
m ao cabaré com pretensões de se tornar um elegante clube not
urno.
Harry não parava de falar sobre a namorada e seu corpo tão pe
rfeito que merecia ser visto por todos. Sam não conseguia evita
r o pensamento de que por mais bonita e sexy que fosse a namo
rada de Harry, ela não poderia se comparar a uma certa duende
com quem ele sairia na noite seguinte.
Esse encontro não lhe saía da cabeça. Não estava certo. Ele de
veria estar concentrado apenas na missão daquela noite. O tem
po estava passando e ele precisava descobrir de uma vez por to
das se aqueles homens estavam envolvidos nos roubos da Carmi
chael_s. Era um absurdo que desviasse sua mente do trabalho p
ara fixá-la em uma mulher que não queria outra coisa que não f
osse transformá-lo no homem de seus sonhos.
Com a respiração suspensa, Sam recordou os momentos em que
tivera o pequeno e palpitante corpo de Edie sob o dele em uma
cama. E bastou essa lembrança para a excitação voltar a domin
á-lo.
Não deveria ter contado a Edie sobre Beth Ann Pulaski e sobre
a canção da namorada que era um robô. Agora, eles partilhava
m alguns detalhes sobre sua vida pessoal e isso significava mai
or intimidade.
Um momento de fraqueza. Essa era a única explicação. Nada ti
nha a ver com o perfume de Edie, nem com o verde de seus olho
s, nem com seu riso contagiante.
Por que não conseguia esquecer o sabor de seus lábios vermelh
os, a maciez de sua pele, o som de sua voz?
Nenhuma outra mulher havia vencido seu sono. Nem mesmo Bet
h Ann quando ele ainda era um adolescente governado pelos hor
mônios.
Edie.
Ingênua e vibrante. Determinada e leal. Amável, boa e atencios
a.
Não havia lugar para ela em sua vida, nem para ele na vida del
a. Mas ele a queria com uma intensidade que o assustava.
Sam estava tão imerso em seus pensamentos que não percebeu q
ue eles haviam chegado e estacionado o carro até Joe desligar o
motor.
Luzes de néon piscavam no topo do prédio. Exibiam a caricatur
a de uma mulher voluptuosa em processo de se livrar do sutiã.
O som alto de música e de vozerio escapava pela porta. A vibra
ção era tão forte que o chão tremia sob os pés.
_ Estão prontos, rapazes? _ Joe perguntou.
Harry e Kyle deram vivas. Sam forçou uma exclamação de entu
siasmo.
_ Muito bem -_ Sam falou consigo mesmo. _ As engrenagens já
estão em movimento. Quanto mais depressa você solucionar o ca
so, mais depressa se livrará do disfarce de Papai Noel.
E da atração poderosa de Edie Preston.

CAPÍTULO VIII
Edie suspirou ao ver Sam, Kyle, Harry e Joe I entrarem no Sin
bad Cabaret.
Homens!
A tentação de beber seria forte para Kyle, Harry e Joe. Quanto
a Sam, ela não tinha certeza se seriam as mulheres nuas ou os d
rinques que exerceriam maior atração.
Preferia não saber. Aliás, preferia estar longe daquele estacio
namento. As palavras que Sam lhe dissera no dia que ela entrar
a em sua casa, certa de que ele havia roubado um Corvette, eco
aram em sua mente.
Antes de se relacionar com seus clientes e conseguir realmente
entendê-los, você precisa se colocar no lugar deles, viver no m
undo deles.
Ela precisava saber. O que levara Sam a ingressar no mundo d
a criminalidade? Queria ter essa resposta mesmo que para isso
tivesse de conhecer o mundo dele.
Mas faltava coragem para descer do carro e entrar naquele ant
ro...
Edie respirou fundo. Era o preço que teria de pagar em nome d
a ciência. Em nome de seu sucesso com relação à tese de doutor
ado.
Contou até três e abriu a porta. O ar estava úmido em conseqü
ência da chuva que caíra durante o dia. Ela ergueu a gola do ca
saco para se proteger e entrou no cabaré ao som da música Hot
Stuff na voz de Donna Summer.
Colocou-se em um canto a fim de examinar o ambiente.
O lugar era tão escuro que mal dava para ver um palmo ao seu
redor. Exceto pelo palco, é claro. Naquele momento, três dança
rinas quase nuas estavam se exibindo entre nuvens coloridas de
fumaça de gelo seco. No alto, giravam luzes estroboscópicas.
Havia uma mesa vazia no fundo. Edie tirou o casaco, colocou-o
em uma cadeira junto com as luvas e sentou-se ao mesmo tempo
que soprava e esfregava as mãos para aquecê-las.
_ O que vai beber? _ perguntou uma voz feminina.
_ Nada, obrigada _ Edie respondeu à garçonete pouco mais vest
ida que as colegas do palco.
_ A casa cobra consumação mínima que dá direito a duas bebid
as _ informou a garçonete em altos brados para ser ouvida.
_ Nesse caso, tomarei um refrigerante.
_ O valor da consumação é quinze dólares.
_ Quer dizer que terei de pagar sete dólares e cinqüenta centa
vos por um refrigerante? _ Edie perguntou, aturdida.
_ Poderá pedir um coquetel ou qualquer bebida pelo mesmo pre
ço _ a moça sugeriu.
Edie não costumava beber, mas parecia-lhe absurdo pagar sete
dólares e cinqüenta centavos por uma latinha de refrigerante.
As palavras de Sam tornaram a ecoar em seus ouvidos.
_ Nesse caso, tomarei um drinque.
A garçonete ficou parada. Edie pestanejou. Na verdade, não sa
bia o que pedir tanto quanto não sabia qual deveria ser seu pró
ximo passo dentro daquele recinto.
_ Prefere que eu volte depois? _ a garçonete perguntou, já com
eçando a dar sinais de impaciência.
_ Que bebida você recomenda?
_ Há escolha é grande: cerveja, vinho, uísque, coquetéis. Os co
quetéis têm maior saída porque são mais caros. Como a consum
ação inclui qualquer tipo de bebida, o pessoal aproveita.
_ Então eu fico com um coquetel _ Edie pediu.
_ Qual?
_ Você escolhe.
_ Pode ser o Transa Caprichada?
_ Como?!
Teria ouvido bem? A garçonete estava assediando-a sexualment
e? Edie quase entrou em pânico naquele instante.
_ Não se assuste, meu bem. _ A garota colocou a mão no ombro
de Edie. _ Não tenho a menor intenção de levá-la para minha ca
ma. Transa Caprichada é o nome de um dos drinques mais pedid
os.
Edie sentiu que corava na escuridão.
_ Está bem. Pode trazer.
Por maior que fosse a vontade de desistir da empreitada, Edie
abriu calmamente a bolsa e pegou uma nota de vinte dólares.
A música havia mudado. Agora estavam tocando Bad Girls.
No palco, as três dançarinas continuavam se contorcendo diant
e dos olhares ávidos dos homens. Não que desse para ver os olh
os deles. O que dava para notar era o jeito como assobiavam, a
plaudiam e acenavam para as dançarinas com cédulas nas mãos.
Elas se aproximavam e se ofereciam para livrá-los do incômodo
de segurar as notas.
Edie tentou se colocar no lugar daquelas mulheres. Como se se
ntiria se ganhasse sua vida à custa da libido dos homens? A idé
ia lhe parecia assustadora e bizarra.
As dançarinas pareciam feitas de borracha. De repente, duas d
elas começaram a tirar á parte de cima do biquíni que já era m
inúscula. A terceira se pôs a acariciar o próprio corpo.
Edie pestanejou.
A garçonete trouxe o drinque, pegou rapidamente a nota de vin
te dólares e se encaminhou para uma mesa com homens usando c
hapéus de caubói.
Edie seguiu-a com os olhos ao mesmo tempo que tomava um gol
e da bebida. Era doce. Tinha sabor de frutas. E aqueceu-a desd
e a boca até os pés.
Deliciosa.
Tomou outro gole e então viu Sam. Ele e os outros três estavam
em uma mesa não muito longe do palco. Sam estava de costas pa
ra ela e observava as dançarinas com atenção.
Uma profunda tristeza a invadiu.
Era disso que Sam gostava? Exibicionismo nu e cru? Objetos se
xuais em movimento sob luzes coloridas?
Aparentemente sim.
Que decepção!
Edie prendeu o canudinho vermelho entre os lábios e quase esv
aziou o copo.
A garçonete entendia do assunto. A bebida era ótima.
Edie pegou a cereja que havia ficado nó fundo do copo e levou-
a à boca. Enquanto mastigava, tornou a olhar para Sam. Ele est
ava rindo de algo que Joe dissera. Isso a fez lembrar do bloco
e da caneta em sua bolsa. Era preciso registrar o que estava ob
servando.
Objeto de Estudo: Sam Stevenson Data de Observação: 14 de de
zembro.
O indivíduo entrou em um cabaré acompanhado de três homens
que também são seus colegas de trabalho. Ele parece atento aos
aspectos mais básicos da relação macho-fêmea. Uma das strippe
r dança para ele e recebe uma nota em sua calcinha como prêmi
o.
Ao ver aquilo, Edie teve ímpetos de gritar. O que, afinal, estav
a acontecendo com ela? O que Sam fazia ou deixava de fazer nã
o lhe dizia respeito. Sua presença naquele local devia-se a um
motivo nobre, relacionado a seus estudos. As preferências de S
am não lhe diziam respeito. Ela era uma cientista. Uma profissi
onal. Não havia lugar para emoções em seu trabalho.
Edie fechou o bloco com a força de sua irritação e tomou outro
grande gole de sua bebida.
Em poucos minutos, começou a se sentir melhor. Seu corpo par
ecia estar envolto por uma nuvem quente e fofa. Sentia vontade
de cantar e de dançar. O inventor daquele coquetel era um gêni
o.
Estavam tocando You Sexy Thing quando Edie percebeu que pre
cisava ir ao toalete. Empurrou a cadeira com o corpo para se le
vantar. Ao ouvir o barulho, olhou para baixo e fez sinal para q
ue a cadeira fizesse silêncio.
Apoiou os pés no chão ao sentir as pernas ameaçarem ceder sob
seu peso. Que engraçado! Por que estava sentindo o corpo tão p
esado se a cabeça estava tão leve?
De volta do toalete, a caminho de sua mesa, Edie trombou com
um homem alto e corpulento. Seus braços musculosos saltavam
das mangas de uma camiseta preta e justa. Ele parecia do tipo
que passava horas e horas malhando em uma academia.
_ Você está atrasada! _ ele disse quando ela o segurou pelo cot
ovelo para não cair.
_ Queira desculpar _ Edie pediu.
_ Não tem importância _ ele respondeu. _ Apenas trate de se a
pressar. Você entra em cena em sete minutos.
_ Ele lhe entregou algo dourado. _ E reforce a maquilagem.
_ Maquilagem?
O homem estreitou os olhos.
_ Você não veio substituir a Vera? Eu liguei para Mac mandar
alguém no lugar dela assim que soube que ela não estava se sen
tindo bem para trabalhar.
Naquele instante, Edie entendeu a que o homem estava se refer
indo. Ele a tomara por uma stripper.
Coloque-se no lugar deles
Edie balançou a cabeça ao pensamento. Por outro lado, se real
mente estava disposta a ir fundo em seus estudos, ali estava um
a oportunidade que só acontecia uma vez na vida. Se subisse na
quele palco e dançasse, teria sua própria experiência para anal
isar e tirar conclusões.
E teria a atenção total de Sam!
_ Sim, foi Mac quem me mandou.
O homem mediu-a com os olhos.
_ Mac tem bom gosto.
_ Obrigada _ Edie agradeceu. Nunca se sentira tão sexy antes.
E que mal havia se sua sensualidade fora reforçada por meio de
um drinque com um nome sugestivo?
_ Onde devo me trocar?
O homem apontou para uma porta.
_ Obrigada.
Com o pulso acelerado e as pernas bambas de excitação,
Edie entrou no vestiário. Não sabia como, mas subiria ao palc
o. Depois disso, Sam nunca mais poderia dizer que ela era toda
certinha. Embebedar-se fora o primeiro passo. Tirar a roupa e
m público seria a prova definitiva.
Encontrou três outras mulheres no recinto. Uma loira e uma ru
iva, usando robes atoalhados, estavam se maquilando diante do
espelho. A terceira estava sentada em uma cadeira reclinável le
ndo uma revista.
_ Oi _ Edie cumprimentou. _ Sou nova.
_ Oi _ respondeu a que estava lendo.
_ Mac me mandou.
_ Acho melhor você parar de falar e se vestir. Deverá entrar e
m cena em cinco minutos _ aconselhou a loira.
_ Oh, ok. _ Edie moveu os ombros e tirou o casaco. Quando peg
ou um cabide para pendurá-lo, a ruiva se aproximou.
_ Deixe disso. Está atrasada, querida.
Com as mãos tremendo, Edie começou a se despir. Quando repa
rou, pela primeira vez, no traje sumário com que iria se aprese
ntar, faltou-lhe coragem. A calcinha era minúscula. Aliás, só h
avia um fio dental na parte de trás. E o sutiã dourado não fari
a muito mais do que erguer os seios. Além do tamanho reduzid
o, o tecido era transparente.
Não posso fazer isso.
Mas antes que Edie pudesse recuar em sua intenção, a ruiva a f
ez sentar em uma cadeira.
_ Esta noite, a maquilagem fica por minha conta, mas não é pa
ra você se acostumar.
_ Obrigada _ Edie balbuciou.
A mulher aplicou camadas tão fartas de rímel nos cílios e uma
sombra tão colorida nas pálpebras que Edie receou ser confund
ida com um palhaço de circo quando subisse no palco. Foi uma
surpresa, portanto, quando ao término da maquilagem, ao se mi
rar ao espelho, Edie se viu satisfeita com o resultado.
Parecia outra mulher. Exótica, atraente e muito desejável.
O medo evaporou. Subiria ao palco e dançaria para Sam.
Uma morena alta entrou no vestiário enxugando o rosto com um
a toalha.
_ É sua vez _ ela disse a Edie.
_ Espere _ chamou a ruiva ao mesmo tempo que descalçava os s
apatos de saltos altíssimos. _ Use os meus.
Edie colocou-se atrás das cortinas. Estava com a respiração su
spensa. As suas costas, ouviu a voz da ruiva.
_ Entre agora!
Ela entrou e se viu entre duas outras mulheres. Sem saber o qu
e fazer, entrou em pânico.
_ Vamos, garota, mexa-se! _ disse alguém.
As luzes a cegavam. Não conseguia ver nada, apenas ouvir. A c
oragem abandonou-a. Pensou em sair correndo.
Então lembrou-se de Sam e começou a mover lentamente os qua
dris.
Sam está assistindo ao espetáculo. Mostre-lhe seus dotes. Most
re que é capaz de fazer strip-tease tão bem quanto uma profissi
onal.
E ela dançou.
Edie?
Paralisado de choque, Sam sentiu o queixo cair.
Não podia ser.
Esfregou os olhos. Edie estava tão presente em seus pensament
os nos últimos dias que, a imaginação estava se confundindo co
m a realidade.
Sam piscou duas vezes e tornou a olhar.
Edie estava se movendo em sua direção. Dançava com a leveza
de um cisne e lhe sorria como se fosse uma fada e uma feiticeir
a ao mesmo tempo.
Como? Por quê?
A incredulidade de Sam era total. Jamais poderia supor que Ed
ie fosse uma dançarina de boate. Que ela era bonita, ele sabia.
E sensual. Aliás, deslumbrante...
Mas ele não era o único a estar embevecido com sua beleza. Ol
hos cobiçosos percorriam o corpo de Edie. Ciumento como nunc
a se sentira antes e incapaz de raciocinar, Sam se levantou, pu
xou o casaco do encosto da cadeira e se dirigiu ao palco.
Sam estava se aproximando. Sua expressão era assustadora. Os
olhos pareciam lançar chispas.
Edie conteve um grito e recuou ao vê-lo subir em uma cadeira
que estava junto ao palco, depois na mesa e saltar para perto d
ela.
_ Venha cá! _ ele ordenou e antes que Edie pudesse voltar a si
de espanto, Sam a puxou a seu encontro.
_ O que está fazendo?
_ Mulher minha não se exibe nua para um bando de libidinoso
s.
_ Não sou sua mulher _ Edie protestou. Mas no íntimo, estava r
adiante. Sam estava com ciúme dela! E a chamara de sua mulhe
r!
Por que essa declaração a fez sentir-se a pessoa mais feliz do
mundo? E a mais arrependida caso tivesse estragado tudo?
Os fregueses estavam em polvorosa. Gritavam para Sam dar o f
ora do palco. De um canto escuro da boate, Edie viu surgir um
homem que mais parecia um gigante.
Edie virou-se para correr, mas desequilibrou-se com os saltos
e teria caído se Sam não a segurasse pela cintura.
Sem dizer nada, ele a cobriu com seu casaco. Seus olhos contin
ham tanta reprovação que Edie chegou a suspeitar de que ele fo
sse colocá-la nos joelhos e lhe dar umas palmadas.
Mas, em vez de bater, Sam a levantou do chão como se fosse um
a pena e a jogou por cima de seu ombro.
_ Solte-me! _ Edie ordenou. Agora Sam estava passando do limi
te. Ele estava se comportando como um homem de Neanderthal.
Não tinha direitos sobre ela. Edie prezava sua independência. S
e decidira fazer strip-tease em um cabaré, Sam não tinha nada
a ver com isso.
Aparentemente, contudo, ele achava que tinha.
Por mais que Edie esperneasse, Sam não a colocou de volta no
chão.
De cabeça para baixo, Edie teve uma impressão horrível da pla
téia. A insatisfação se mesclava ao riso e aos assobios. O caos s
e instalou de vez quando outro homem subiu no palco e agarrou
outra dançarina.
Mais gritos, assobios e aplausos. A multidão começou a bater c
opos e talheres nas mesas.
_ Chame a policia! _ gritou alguém.
Enquanto isso, Sam continuou firme em sua empreitada de reti
rar Edie do palco. Mas não contava com a intervenção do mesm
o homem que tomara Edie por uma stripper.
_ Coloque-a no chão _ o homem ordenou.
_ Saia da minha frente, camarada _ Sam retrucou.
_ Veja o que fez. _ O brutamontes indicou a confusão reinante.
_ Ninguém pode tocar nas dançarinas.
_ Ela não é uma stripper _ Sam explicou. _ Ela é minha namora
da.
Primeiro ela era a mulher de Sam e agora sua namorada. Bem,
nessa escalada de valores, dali a pouco ela seria sua esposa. Ah
, se fosse verdade!
_ Coloque-a no chão _ o homem insistiu. _ Não quero ter de re
petir mais.
_ Saia de meu caminho _ disse Sam como se não tivesse escutad
o. _ Vou levá-la para casa.
Edie estava ficando nervosa. Não queria que os dois acabassem
se atracando por sua causa. Principalmente porque Sam ficaria
em desvantagem com ela em seu ombro.
Mas não houve tempo para nada. O homem acertou um soco no
olho de Sam. Ele cambaleou, mas conseguiu se equilibrar o sufi
ciente para soltá-la.
Sobre seus próprios pés, Edie gritou com o outro:
_ Covarde! Não precisava tê-lo agredido. Sabia que ele não est
ava em condições de se defender!
_ Deveria estar me agradecendo _ o homem resmungou. _ Meu t
rabalho é proteger você e suas colegas entre outras coisas.
Sem dizer nada, Sam apertava o olho atingido com a palma da
mão.
_ Não fique aí parado feito uma estátua! _ Edie esbravejou, in
conformada com a situação. _ Ao menos arrume gelo.
O segurança hesitou, mas acabou atendendo o pedido de Edie.
Assim que ele se afastou, ela puxou uma cadeira e mandou que
Sam se sentasse.
_ Só depois que você vestir meu casaco.
Ela não havia notado que o casaco havia escorregado de seus o
mbros e caído no chão. Abaixou-se, apanhou-o e vestiu-o.
_ Ok. Agora sente-se.
A música havia parado e a multidão estava se acalmando, mas
Edie só tinha olhos para Sam.
_ Ficará roxo e inchado _ ela murmurou.
_ Se ao menos não doesse...
_ Coitadinho!
_ Não caçoe de mim _ Sam resmungou. _ Fiz isso para protegê-l
a.
_ Não pedi proteção. Não sou a criatura indefesa por quem me
toma.
_ Por que não, Edie? _ Sam indagou, ofendido. _ Julga-se a úni
ca em condições de ajudar os outros? É do tipo que se orgulha
por nunca precisar de nada nem de ninguém?
Foram interrompidos pela chegada de Joe Dawson.
_ Vocês deram um show, hem? Você e Edie juntos são imbatívei
s.
Sam suspirou.
_ Esqueça o que viu, Joe.
_ De que jeito? Foi uma surpresa e tanto. Desde quando você d
ança Edie? Se eu soubesse que você era uma das atrações deste
cabaré, teria vindo antes.
_ Cale a boca, Joe _ Sam ameaçou. _ Ou quer fazer par comigo
amanhã em matéria de olho roxo?
Uma sirene se aproximava. Edie virou-se para Joe.
_ Dê um jeito de sair daqui e de levar Kyle e Harry com você.
_ Tem razão. Mas e quanto a Sam?
_ Ele ficará comigo.
Mal Joe se afastou, o brutamonte retornou com cubos de gelo e
nrolados em um pano. Edie agradeceu e pressionou-os sobre o o
lho machucado.
_ Você não ouviu a sirene? _ Sam perguntou. _ Precisamos sair
logo daqui.
_ Não. Acho que devemos explicar o que houve.
_ Está maluca? Não quero me envolver com a polícia! _ Sam pr
otestou.
Edie hesitou. Talvez Sam estivesse certo. Ela não o conhecia o
suficiente. Sam poderia ter motivos sérios para não querer enfr
entar os policiais. Ela não queria complicar ainda mais a situa
ção.
_ Vamos sair pelos fundos, então. Só preciso de um minuto par
a apanhar minhas roupas e minha bolsa.
Edie deixou Sam esperando na porta do vestiário. Quando entr
ou, teve a desagradável surpresa de encontrar um homem e uma
mulher deitados e abraçados em cima de seu casaco.
_ Com licença...
Se ouviram, eles não deram demonstração. Edie pigarreou. O s
om das sirenes estava tão próximo agora que as viaturas talvez
estivessem no estacionamento. Sam invadiu o vestiário naquele
instante e tornou a agarrá-la.
_ Ei, o que está fazendo? _ Edie protestou.
_ Sairemos mais rápido se eu levá-la no colo. Com esses saltos,
você acabará torcendo o tornozelo.
_ Mas, e minhas coisas?
_ Depois cuidaremos disso.
Chegaram ao estacionamento e Edie se prontificou a dirigir.
_ Oh, não, doçura. Estou sentindo cheiro de álcool em seu hálit
o.
_ Eu só bebi um coquetel _ Edie protestou. _ Aliás, estava uma
delícia. Foi sugestão da garçonete. O nome era Transa Maluca.
Sam deu um sorriso. _ Está explicado.
_ Eu estou bem _ Edie insistiu; _ Não estou sentindo tontura n
em nada. Posso perfeitamente dirigir.
_ Talvez esteja em condições _ Sam resolveu convencê-la de out
ra maneira _, mas como sua carta de motorista deve ter ficado
na bolsa, é contra a lei conduzir veículos sem portar document
os.
Edie olhou para os olhos incrivelmente azuis de Sam e se emoci
onou. Como alguém que se preocupava com o fato de ela dirigir
sem segurança podia ser um transgressor da lei? Por outro lado
, por que ele demonstrava tanta aversão pela polícia?
Algum dia saberia a resposta?
_ Não conseguiremos chegar até seu carro _ Sam observou. _ Se
os policiais nos virem estaremos perdidos. Reze para que esse t
áxi que está se aproximando, concorde em nos tirar daqui.
Sam curvou-se para acomodar Edie no banco de trás no instant
e exato que os policiais saltaram das viaturas e correram para
a entrada da boate.
_ Puxa! _ Sam exclamou ao se sentar por sua vez. _ Foi por um
triz!
_ Para onde? _ perguntou o motorista.
Edie forneceu prontamente o endereço de Sam.
_ Você irá comigo? _ Sam indagou surpreso.
_ Sim _ Edie respondeu firme. _ Alguém precisa tratar desse ol
ho.

CAPÍTULO IX
O táxi estava levando-os para sua casa. Edie e ele. Mais ningué
m.
Edie estava praticamente nua sob seu casaco. Sam quase deixou
escapar um gemido. Não sabia se encontraria forças para se con
trolar. Desejava Edie com uma intensidade que o assustava.
Edie recostou no banco e fitou-o.
_ Coloque o gelo de volta.
_ O frio faz doer mais.
_ É sempre tão manhoso?
_ Só quando quero chamar a atenção _ Sam admitiu com um sor
riso provocante que Edie fingiu ignorar.
_ Nada de manha comigo. Ponha o gelo de volta ou acordará co
m o olho mais inchado do que um balão.
_ Sim, senhorita. Alguém já lhe disse que fica muito sexy quan
do dá ordens?
_ Sam!
_ Ok, ok.
Sam pressionou o gelo contra a pálpebra. Como doía! Talvez fo
sse melhor encostar a cabeça no banco e ficar quieto.
Fosse o calor aconchegante dentro do táxi ou a proximidade de
Edie, Sam acabou adormecendo.
Acordou com Edie chamando e cutucando-o com o cotovelo.
_ Chegamos, Sam. Você precisa pagar a corrida. Meu dinheiro
ficou no cabaré junto com as outras coisas.
Sam balançou a cabeça para desanuviar a mente.
_ Onde está sua chave? _ Edie perguntou ao descerem do veícul
o. Fazia frio e ela estava tremendo.
Sam entregou a chave e Edie se apressou em direção à porta. E
le ficou tão fascinado com seu modo sensual de andar naqueles
sapatos que demorou alguns segundos para lembrar que precisa
va pagar o motorista.
Ela abriu a porta, entrou e acendeu a luz.
Ele a seguiu como um autômato. Seu coração batia descompassa
do. Nunca sentira tanto desejo pôr uma mulher. Estava se torna
ndo cada vez mais difícil afastar os olhos das pernas de Edie. E
não imaginá-la nua sob o casaco. Seios macios, cintura fina, qu
adris curvilíneos.
Um banho frio talvez resolvesse o problema. Ou melhor, um ext
intor de incêndio!
Edie estremeceu diante do espelho. Não se reconhecia naquele
rosto: olhos verdes imensos pelo efeito do rímel e da sombra, l
ábios vermelhos e faces pronunciadas por fartas pinceladas de
blush.
Estava parecendo uma modelo de capa de revista. Uma mulher
sensual do tipo que enlouquece os homens. Uma femme fatale.
Ao baixar os olhos e ver o casaco de Sam em uma de suas mãos
e uma toalha na outra, Edie sentiu-se em dúvida sobre sua iden
tidade pela primeira vez.
Voltou para a sala e encontrou Sam no sofá, apertando o gelo c
ontra o olho, como o deixara. Sentou-se ao lado dele e afastou
a mão do ferimento.
_ Sinto muito _ murmurou.
_ Por quê?
_ Por isso que aconteceu com você.
_ Você não teve culpa.
_ Quem foi responsável, então, por seu olho inchado e pelo tum
ulto que necessitou de intervenção policial?
Em vez de responder, Sam fez outra pergunta.
_ Pode me dizer, Edie, o que estava fazendo naquele cabaré?
O modo como Edie baixou os olhos apenas confirmou o que Sam
já sabia.
_ Estava me seguindo outra vez, não estava? Edie fez que sim c
om a cabeça.
_ Por quê?
' _ Preocupação. Sabia que seus três amigos já estiveram preso
s, não é? Joe, Kyle e Harry afirmam que não pretendem voltar
para a prisão, que querem mudar de vida, mas freqüentar cabar
és certamente não é um bom começo. A simples presença deles n
aquele lugar foi uma violação às regras impostas pela liberdad
e condicional. Sam ouviu em silêncio.
_ Você se preocupa realmente comigo, não?
_ Sim.
_ Como foi parar naquele palco? Não consigo entender isso.
_ Quis me colocar no lugar do outro como você me desafiou a f
azer. E descobri que você estava certo. Os acontecimentos dest
a noite me mostraram que eu nunca vivi realmente.
Sam segurou-a pelas duas mãos naquele momento.
_ Não, Edie. Eu estava errado. Você não precisa se meter em e
ncrencas para ser uma boa psicóloga. _ Ele engoliu em seco. _
Reconheci isso quando a vi naquele palco tirando a roupa para
um bando de bárbaros.
_ Eu não estava tirando a roupa para aqueles homens, mas par
a você _ Edie confessou. _ Fiz parte da platéia por algum temp
o e observei o modo como você olhava para as dançarinas. Fiqu
ei com ciúme. Aproveitei, então, um equívoco por parte do gran
dalhão que o agrediu e me fiz passar pela substituta de uma da
s moças que faltara ao trabalho.
De todo relato, Sam se concentrou em apenas um detalhe.
_ Você estava tirando a roupa para mim?
_ Sim.
_ Mas por quê?
_ Porque queria que você me quisesse.
_ Eu quero você, Edie. Mas não consigo ter certeza da razão qu
e a faz me querer. Seu interesse diz respeito ao seu trabalho de
psicóloga ou a mim como homem?
O remorso a fez hesitar. O que Sam diria se soubesse que ela o
escolhera como objeto de um estudo?
Antes que pudesse aprofundar o pensamento, Sam enlaçou-a pel
a cintura e a fez sentar em seu colo
_ Tenho lutado contra meu desejo por você desde o primeiro in
stante _ Sam murmurou. _ Sei que não é certo. Você merece alg
uém melhor do que eu. Alguém educado que possa lhe dar a lua.
_ Você é um homem como qualquer outro, Sam, com defeitos e
qualidades. Não se desmereça. Além disso, eu não quero a lua.
_ O que você quer?
Um calor imenso percorreu o corpo de Edie. Seus olhos brilhar
am. A respiração ficou suspensa. A voz se recusou a sair.
_ Quer que eu a beije? _ Sam sussurrou.
_ Não posso _ Edie disse comum fio de voz.
_ Não pode ou não quer?
_ Não devo.
_ Por que, então, veio comigo para minha casa esta noite?
_ Para cuidar de seu olho.
_ Esse foi o único motivo? _ Sam inclinou a cabeça e roçou lev
emente o pescoço de Edie com os lábios.
Edie suspirou com uma paixão de que não sabia ser capaz. Dese
java Sam demais. Não era certo. Além de trabalharem juntos, e
ele ser suspeito de roubo, Sam era o objeto de estudo de sua te
se na faculdade.
Mas o bom senso não conseguiu vencer a força de sua paixão. E
ra uma emoção nova em sua vida. Queria explorá-la ao mesmo t
empo em que receava se aventurar.
Sam percebeu seu dilema.
_ Não precisamos fazer nada que você não queira, Edie. Ela ad
orava o modo como Sam pronunciava seu nome.
Ele a fazia sentir-se especial. Talvez fosse por isso que permit
ira que Sam se aproximasse como nenhum outro antes. E a verd
ade era que ela sempre se dedicara mais aos estudos do que a a
judar as pessoas.
Mas por mais apaixonada que estivesse por Sam, não podia se e
ntregar.
Sam começou a lhe mordiscar o lóbulo da orelha. O dilema cont
inuou. Então ele passou a beijar seu rosto e a mordiscar o quei
xo e ela decidiu fechar os olhos à precaução. Não estava intere
ssada em seu trabalho naquele momento. Nem em sua tese. O am
anhã lhe parecia distante. O presente era o que importava.
Sentiu os braços de Sam a segurarem com mais força. Com a po
nta dos dedos, ele desabotoou o casaco e tocou sua pele.
Sam parecia conhecer todas as partes mais sensíveis de seu cor
po. Sabia exatamente onde tocar com mais delicadeza ou com m
ais intensidade. A pequena e íntima sala de estar começou a gir
ar. As luzinhas da árvore de Natal piscavam como se fossem est
relas.
Com Sam, ela estava conseguindo experimentar sensações que a
faziam sentir mais viva do que nunca. Solta. Excitada.
O casaco escorregou de seus ombros. Sam beijou seu pescoço, s
eus ombros e depois mergulhou em seus cabelos.
_ Adoro seu perfume _ Sam murmurou enquanto acariciava os s
eios cobertos pelo tecido fino e dourado com que Edie se aprese
ntara no cabaré. De repente, com um movimento lento e delicad
o, ele afastou o sutiã com o polegar e se apoderou com os lábio
s de um dos mamilos.
Edie estremeceu ao toque úmido e sensual. Sam se deteve, ergu
eu a cabeça e os olhares se encontraram. Mas não por muito te
mpo. Como se tivessem feito um pacto silencioso, ambos fechar
am os olhos e se entregaram à tentação de um longo beijo.
Sam deitou Edie no tapete da sala e fitou-a, maravilhado. A pe
le de Edie brilhava como ouro às luzes da árvore de Natal. Ela
estava tão linda que ele sentiu um aperto no peito.
Movido por um súbito impulso, Sam cobriu-a com seu corpo e s
e pôs a beijá-la e a acariciá-la. Suas mãos percorriam, ávidas,
os seios que pareciam inchar a cada toque. Com a respiração of
egante, ele tomou um mamilo entre os lábios e sugou-o. Fez o m
esmo com o outro e assim mesmo não conseguia se saciar.
Edie vibrava a cada um de seus toques. Sua receptividade o exc
itava. Os pequenos gemidos o atingiam como setas de puro dese
jo. A feminilidade de Edie o seduzia. Edie era a mulher mais in
crível que ele já havia conhecido.
_ Abra os olhos, Edie _ Sam pediu, baixinho. _ Veja o que faz
comigo.
Edie obedeceu e sentiu o coração bater ainda mais forte diante
da excitação potente que logo invadiria seu corpo. Arqueou as
costas ao receber carícias cada vez mais íntimas e ousadas. Se
m poder se conter, repetiu várias vezes o nome de Sam.
_ Você me quer, Edie? _ Sam perguntou. _ Você me quer como
realmente sou? Sabe que seus beijos não me transformarão em
um príncipe? Que seu amor não poderá me mudar e me tornar a
quilo que não sou? _ Sam se deteve por um instante. _ Diga-me,
Edie, que não importa. Diga-me que me quer e que o que sou lh
e basta.
Edie parou de se mover. Uma expressão séria eclipsou o brilho
do prazer. Sam respirou fundo e se afastou.
_ Você não é capaz de dizer o que preciso ouvir. Eu já imagina
va _ Sam murmurou, abatido.
_ Não se trata disso _ Edie retrucou.
_ De que se trata, então? Ela se sentou,
_ Acontece que eu... A verdade, Sam, é que eu ainda não o conh
eço o suficiente para saber quem você é.
Ela estava certa a esse respeito, Sam teve de admitir. A image
m que Edie fazia dele era de um transgressor que fora sentenci
ado a prestar serviços à comunidade.
_ Por que não se abre comigo? _ Edie implorou. _ Por que não
me conta tudo sobre você?
Sam não era um quebra-cabeça cujas peças Edie deveria monta
r. Nem era um fora-da-lei como ela imaginava. Ele era um home
m de carne e osso como qualquer outro.
O problema era que ele não podia contar a verdade. Seu trabal
ho o obrigava a mentir.
_ Talvez seja melhor você ir para casa _ ele disse por fim. Ela
o fitou por um longo tempo.
_ Talvez você esteja certo.
_ Só porque existe essa atração descomunal entre nós, não prec
isamos esquecer nosso bom senso.
_ Exatamente _ Edie concordou.
Sam se levantou e estendeu a mão para ajudá-la.
_ Vou chamar um táxi para você.
Edie não olhou para trás quando o táxi começou a se afastar da
casa de Sam, mas ficou observando-o pelo espelho retrovisor. S
eu corpo ainda tremia de desejo frustrado.
Sam permaneceu à porta acenando em despedida. Edie notou su
a expressão triste e desconsolada e só parou de observá-lo quan
do o carro dobrou uma esquina. Naquele instante, ela ergueu a
gola do casaco e chorou.
Não deveria se sentir tão desapontada com o rumo que a situaç
ão tomou, mas não conseguiu evitar. Sam havia se portado como
um cavalheiro ao impedi-la de cometer um erro. Nada o impedi
a, afinal, de tirar vantagem de sua vulnerabilidade. Se tivesse
m feito amor, ela teria perdido não só seu objeto de estudo com
o a chance de ajudá-lo porque não havia nenhuma dúvida em su
a mente de que a atração se transformaria em amor.
Era melhor perder Sam do que perder a cabeça e o coração.
Muito melhor.
Tomara a decisão certa.
Por que, então, estava se sentindo vazia e infeliz? Nada mais f
azia sentido. Seu único desejo, naquele momento, era voltar pa
ra os braços de Sam. O único desejo que não podia ser realizad
o.

CAPÍTULO X
Estava apaixonado por Edie. Não adiantava continuar negando
seus sentimentos.
Fazia uma semana que a tivera nos braços e quase fizeram amo
r. Uma semana de noites insones e de dias infelizes. Uma seman
a de esforço contínuo e inútil de concentração no trabalho. Por
mais que tentasse, não conseguia parar de pensar em Edie.
Se, estava em casa via Edie debruçada na mesa para que ele lh
e fizesse o curativo. Se, entrava na farmácia para comprar rem
édios para sua tia Polly, via Edie esticada no chão, coberta de
preservativos. Se, deitava a cabeça nas almofadas do sofá, sent
ia o doce perfume que Edie usava.
E no trabalho, seus olhos se voltavam, sem que pudesse detê-lo
s, para a jovem duende que não era outra senão sua querida pa
rceira.
De alguma forma, em algum momento, por mais que tivesse luta
do em contrário, ele havia se apaixonado por Edie e agora esta
va com medo. Afinal, já não havia se apaixonado antes e se desi
ludido?
Um compromisso amoroso era a última coisa que ele queria. Em
especial com Edie. Admitia que eles tinham muito em comum, m
as não o principal: estilo de vida. Ele era o fora-da-lei e ela er
a a boa samaritana. O fato de ele ser, na realidade, um policial
, não um criminoso, não queria dizer nada. Os perigos eram pr
aticamente os mesmos.
A grande verdade era que Sam não queria repetir os erros do p
assado. Outras mulheres haviam tentado mudá-lo e moldá-lo à i
magem que queriam que tivesse. Primeiro tia Polly, depois Beth
Ann Pulaski e por último Donna Beaman. O amor terminou em r
essentimento. Ele não queria que o mesmo acontecesse com Edie
.
Por outro lado, não valeria a pena arriscar?
Não. Não estava pronto para tentar um novo relacionamento e,
de repente, chegar ao mesmo resultado das outras vezes. De qu
alquer modo, nada poderia ser resolvido enquanto sua missão n
a Carmichael's não chegasse ao fim.
Se tivesse sorte, o problema logo estaria resolvido. Os roubos
haviam cessado e a participação de Joe e de Kyle estava descar
tada. Depois de conversar com eles, Sam descobriu que ambos t
inham álibis para cada notificação de falta de mercadorias.
Com Harry, porém, a história era outra. E também com relação
a Jules. Nenhum dos dois forneceu informação convincente sobr
e seu paradeiro naquelas ocasiões. E Harry fora visto no estaci
onamento do shopping center na mesma noite que Jules e Edie e
ntraram na loja como duas assaltantes.
Mas Sam estava desconfiando de outra pessoa também. Alguém
cuja reputação se mantivera impoluta até ele surpreender Edie
e Jules no depósito. Pois na mesma ocasião, ele ouviu vozes na
sala do sr. Trotter.
Mas enquanto o mistério não fosse esclarecido, o disfarce de P
apai Noel continuaria a ser seu aliado e também seu inimigo, p
ois estava se tornando cada vez mais difícil ter Edie tão perto
e ao mesmo tempo tão fora de alcance. Detestava vê-la triste e
calada, mas não havia nada que pudesse fazer a respeito. Não a
inda. Talvez no dia em que ela soubesse de sua verdadeira iden
tidade, eles pudessem tentar de novo.
Os olhos de Edie estavam marejados ao trocar o filme na câmer
a. Precisava se controlar. Respirou fundo e sorriu para a crian
ça seguinte que se sentou no colo de Papai Noel.
Estava cansada daquele silêncio que se instalara entre ela e Sa
m desde aquela noite. Ele se dirigia a ela apenas o mínimo nece
ssário para desempenharem suas funções e se ausentava constan
temente do trenó. Tinha certeza, agora, de que os motivos que
o levavam a se ausentar não eram criminosos. Mas, que ele esta
va empenhado em outra atividade, isso ela não podia evitar de
cogitar.
Cada vez que olhava na direção de Sam, ele fingia que não a es
tava vendo. Se ela soubesse que aquilo iria acontecer, jamais te
ria insistido com o professor Braddick para mudar o tema de su
a tese.
Agora era tarde demais. Estava completamente atraída por Sam
. Sonhava dia e noite com seus beijos. Queria esquecer que ele
estava prestando serviços à comunidade por ter cometido um er
ro. Queria esquecer que o vira armado. Quanto às suas suspeita
s sobre Sam estar envolvido com os roubos da loja, não queria
sequer pensar. O fato era que o Natal estava chegando. Se ela n
ão tomasse uma atitude, provavelmente nunca mais o veria.
Sam não era um ladrão. Seria capaz de apostar sua vida.
Portanto, só lhe restava um caminho. Procurá-lo e pedir descul
pa. Mais ainda. Contar toda verdade. E esperar que ele a perdo
asse.
Faria isso aquela noite.
_ Talvez possamos tomar uma xícara de café juntos, Sam. Esto
u precisando falar com você _ Edie convidou-o quando faltavam
dez minutos para o término do expediente.
_ Está bem. Mas primeiro tenho um assunto a tratar com o sr.
Trotter.
Mal disse aquelas palavras, Sam percebeu que havia magoado E
die outra vez. Não era isso que queria. Em hipótese alguma.
Edie deu de ombros para fingir que não se importava. Depois s
e afastou antes que Sam pudesse ler o que não devia em seus ol
hos. Não percebeu que o bloco de anotações havia caído de seu
bolso.
Sam se apressou a apanhá-lo do chão e chamou-a para poder de
volvê-lo. mas ela não ouviu.
Não era intenção de Sam ler o conteúdo do bloco, mas acontece
u de ele cair aberto. Ao ver seu nome em evidência, Sam não pô
de evitar a curiosidade.
Estudo de caso: Sam Stevenson Data de Observação: 23 de deze
mbro.
Ele não é uma má pessoa. Apenas se esconde atrás de si mesmo
para se proteger. Ele é bom, atencioso e amável. Preocupa-se c
om os outros. Tenho certeza de que não está envolvido nos roub
os recentemente acontecidos na Carmichael's. Surgiu um proble
ma, entretanto. Não da parte dele, mas desta observadora. Em
conseqüência de seu comportamento inadequado, o estudo foi co
mprometido e o tema da tese deverá ser mudado. O professor B
raddick será consultado a respeito.
Sam sentiu frio e calor ao mesmo tempo. Sem poder se conter, l
eu as anotações desde o começo até o fim e soube que Edie o ha
via seguido, estudado e traído.
Ele era tema de sua tese de doutorado.
Uma revolta amarga o inundou. Edie não era diferente de sua t
ia Polly, nem de Beth Ann, nem de Donna. Ele não significava n
ada para ela a não ser um material psicológico.
Raiva e mágoa se misturaram no peito de Sam. Ele guardou o b
loco no bolso da calça e voltou para o trenó. Então, pelo canto
dos olhos viu Freddie Fish na seção de bagagens. No mesmo lug
ar que o vira dá primeira vez que beijara Edie.
Freddie estava andando entre os fregueses da loja. Parecia pro
curar alguém. De repente, o sr. Trotter surgiu de uma porta lat
eral e lhe fez um sinal. Os dois conversaram por alguns instant
es e seguiram em direção ao depósito.
Sam estreitou os olhos. Seu instinto lhe dizia que algo estava a
contecendo.
O que Freddie Físh podia querer com o sr. Trotter? E o sr. Tro
tter com aquele sujeito?
Sam deixou seu posto no trenó e se misturou à multidão. As cri
anças o chamavam. Os vendedores lhe acenavam. Sam colocou u
m sorriso nos lábios e apertou o passo. Ao chegar à porta por o
nde eles haviam entrado, tentou distinguir suas vozes, mas não
conseguiu ouvir nada. Com cautela, abriu, a porta. Eles não est
avam por perto.
Sara respirou fundo e entrou no depósito. A não ser pelas pilh
as de caixas, o local estava vazio. Não havia ninguém. O silênci
o era absoluto. Os dois homens pareciam ter evaporado no ar.
Frustrado, Sam deixou escapar um suspiro e encostou em um en
gradado de materiais sem condições de uso, ao que constava na
etiqueta.
O que estava acontecendo com ele? Com sua capacidade de ded
ução? E daí que Trotter estivesse conversando com Freddie? Os
dois poderiam ser parentes ou algo assim. O fato de Freddie se
r visitante assíduo das delegacias e prisões não significava que
Trotter fosse da mesma laia.
Ele estava permitindo que seus problemas particulares interfer
issem em sua vida profissional.
Zangado consigo mesmo, Sam chutou o engradado e quebrou-o.
Preocupado com o que fizera, tentou ajeitar as ripas e o invólu
cro plástico que rasgara e fez uma descoberta. Os materiais se
m condições de uso eram, na verdade, um carregamento novo e
m folha de equipamentos eletrônicos.
Para onde Sam estava se dirigindo?
Edie voltou ao trenó para verificar se o caderno de notas havia
caído lá e viu uma figura alta de vermelho misturada aos compr
adores passando pela porta que dava para o depósito.
Em conseqüência dos roubos que vinham acontecendo na Carmi
chael's, o sr. Trotter proibira todos os funcionários de se deslo
carem de seus setores. Sam estava violando a ordem.
Por quê?
Resolveu segui-lo. Sabia que Sam não estava envolvido nos rou
bos, mas como estava decidida a lhe falar, ocorreu-lhe que aqu
ela seria, talvez, uma boa oportunidade de vê-lo a sós. Não sup
ortava mais aquela situação. Precisava saber o que Sam pensav
a a seu respeito e sobre a possibilidade de um relacionamento e
ntre eles, pois havia decidido desistir de seu estudo. Por mais
que tivesse lutado contra seus sentimentos, eles a haviam venci
do. Seu professor sabia o que estava dizendo quando tentara fa
zê-la mudar de idéia.
Portanto, com ou sem a autorização do sr. Trotter, ela iria atr
ás de Sam.
Abriu a porta e percorreu os vários corredores.
_ Sam! _ chamou baixinho por repetidas vezes. Nada nem ningu
ém. Mas como tinha certeza de ter visto
Sam entrar ali, continuou sua busca até encontrá-lo, a alguns
metros de distância, debruçado sobre um engradado com uma et
iqueta que indicava "materiais sem condições de uso".
Apenas os materiais em questão eram DVDs, rádios e componen
tes para computadores.
Edie rezou para estar enganada em sua dedução.
_ Sam, o que está fazendo? _ perguntou, brusca. Ele corou sob
a barba branca.
_ Edie! Não é o que você está pensando.
_ Está tentando me dizer que não é o responsável pelo desvio d
essas mercadorias?
Havia decepção nos olhos de Edie. Sam sentiu-se mortificado.
_ Não é o que você está pensando _ ele repetiu.
_ Não?
O que ele mais queria naquele momento era contar a Edie sobr
e sua missão, mas embora o desfecho estivesse próximo, ele ain
da não havia acontecido. O modus operandi fora desvendado, m
as não os responsáveis. Enquanto ele não soubesse quem eram o
s elementos que haviam colocado os equipamentos naquele engr
adado, sua vida e a de Edie poderiam estar correndo perigo.
Ele só tinha uma escolha: continuar mentindo.
Sam ergueu o queixo.
_ Ok. Você me pegou. Sou o autor dos roubos.
O gemido que Edie deixou escapar quase o fez desistir da idéi
a, mas então ele se lembrou do bloco de anotações em seu bolso
e se defendeu.
_ Parece que não fui o único a enganar alguém. Edie arregalou
os olhos.
_ Você leu?
Sam fez que sim com a cabeça.
_ Posso explicar.
Ele a dispensou com um gesto.
_ Não se dê ao trabalho. Parece que você estava certa a meu re
speito. Não valho nada.
_ Não, Sam. Apesar das evidências, não consigo acreditar que t
enha sido você.
_ Acredite. Também me parece difícil admitir que fui apenas u
m objeto de estudo para você.
_ Não, Sam. Não é verdade. Não seja injusto.
_ Injusto? Você me seguiu, me usou, me espionou. O que acha q
ue devo pensar?
Ele viu os lábios de Edie tremerem. Precisou fechar os olhos.
_ Você precisa procurar o sr. Trotter _ Edie murmurou.
_ E o único meio de consertar isso.
_ Não posso.
_ Sim, você pode. Eu o acompanho. Ficarei a seu lado. Juntos,
daremos um jeito na situação.
_ Juntos?
_ Sim. Desde, é claro, que você queira que eu o ajude. Apesar
de tudo, Sam sorriu.
_ Intrometer-se na vida alheia é mais forte do que você, não é
minha querida?
Ela não teve tempo para responder.
_ Você se torna ainda mais irresistível quando fica brava
_ Sam murmurou ao mesmo tempo em que se aproximava e a to
mava nos braços. Talvez estivesse errado, mas precisava testar
a intensidade dos sentimentos de Edie por ele. Não suportaria s
e tivesse sido apenas mais alguém que ela pretendia estudar e s
alvar.
Beijou-a. Se não pudesse tê-la, ao menos guardaria consigo um
a última lembrança daqueles lábios doces e macios. E do perfu
me de seus cabelos. E do calor daquele corpo junto ao dele.
Edie não resistiu. Deixou-se abraçar por um longo momento. D
epois, enlaçou-o pelo pescoço e beijou-o também.
Pela primeira vez em sua vida, Edie estava compreendendo até
que ponto alguém podia ser dominado pelas emoções. Mesmo se
tentasse, sabia que não conseguiria exercer controle sobre o qu
e estava sentindo. Precisava de Sam, de seu sorriso, de seus bei
jos. Precisava dele tanto quanto as flores dependiam do sol o,
da chuva.
Sabia também que aquele relacionamento não era bom para ela.
Estava apaixonada por um transgressor da lei. Mas a verdade e
ra que não conseguia achar errado algo que parecia tão perfeit
o.
O som de vozes se aproximando interromperam o beijo. Sam fic
ou alerta.
_ Há gente aqui _ Edie murmurou. _ Você terá de... Antes que
ela pudesse concluir a frase, Sam tapou-lhe a boca com a mão e
mandou que se calasse.
Edie assustou-se com a força com que ele a agarrou pela cintur
a e a puxou para trás de uma pilha de caixas. Quando empurrou
sua cabeça para baixo e curvou o corpo por cima dela, Edie pen
sou que fosse desmaiar.
Por favor, Sam, não faça isso.
Ele a estava sufocando. Aflita, Edie tentou se desvencilhar.
No mesmo instante, Sam aproximou os lábios de seu ouvido e i
mplorou.
_ Fique quieta, Edie. Por favor, confie em mim.
Como? Como poderia confiar em um ladrão? Quantas vezes ouv
ira falar de mulheres que faziam tolices por amor a um homem?
Quantas vezes aconselhara pessoas em sua posição de psicólog
a?
Nunca se colocara no lugar delas antes. Agora sabia o que sign
ificava o poder do amor. Naquele momento, seria capaz de faze
r qualquer sacrifício por Sam. Amava-o incondicionalmente.
As vozes soaram mais altas. Dava para distingui-las como de d
ois homens.
Edie abriu os olhos que mantivera fechados até aquele
instante. De onde estava, conseguia ver as pernas e os sapatos
de ambos.
De repente, deu para reconhecer uma das vozes como pertencen
do ao sr. Trotter. Prendeu a respiração. Sam a soltou naquele i
nstante e se afastou, agachado, de forma a chegar mais perto d
os homens. Ao vê-lo sacar uma arma, ' Edie entrou em pânico.
_ Alguém mexeu no engradado! _ exclamou o sujeito que estava
com o sr. Trotter.
_ Feche-o depressa _ o gerente ordenou. _ O caminhão já está
de partida.
Edie pestanejou. O que estava acontecendo? Olhou para Sam e
ele lhe fez sinal para ficar calada.
_ Eu disse que era preciso cuidado. Tenho certeza de que há po
liciais à paisana espalhados pela loja.
_ Cale a boca _ o sr. Trotter disse, irado. _ Este será o último
carregamento. Ninguém descobrirá nada. Plantei algumas merca
dorias nos armários daqueles sujeitos que fui obrigado a contr
atar.
Edie arregalou os olhos. O sr. Trotter estava por trás dos roub
os? Se ele era o culpado, quem e o quê era Sam?
As portas do depósito foram abertas. Dava para ver um dos ca
minhões de entrega da Carmichael's estacionado junto à plataf
orma.
_ O que está acontecendo? _ ela perguntou a Sam apenas pronu
nciando as palavras com os lábios, sem emitir som.
Ele tornou a pedir silêncio com um gesto.
Edie mal podia acreditar em seus olhos. Quanto mais tentava e
ntender a situação, mais chocada se sentia. O sr. Trotter era o
responsável pelos roubos e estava tentando colocar a culpa em
Kyle, Harry e Joe.
Uma raiva surda a invadiu. Sem se deter para considerar sua a
ção, ela se levantou. Não era do tipo que permitia que inocente
s pagassem por crimes que não haviam cometido.
Sam tentou impedi-la, mas não conseguiu. Ela se pôs a correr e
m direção ao gerente.
_ Srta. Preston? _ Ele se virou, estarrecido.
_ Seu crápula! _ Edie esbravejou. _ Como pôde? O que fez foi i
mperdoável!
O homem reagiu após um instante de perplexidade. Uma arma s
urgiu em sua mão e ele a colocou junto à cabeça de Edie.
_ Não deveria ter se envolvido nisso. Agora, serei obrigado a l
evá-la naquele caminhão junto com a mercadoria!

CAPÍTULO XI
A intenção de Sam era seguir Trotter e Freddie e verificar o lo
cal onde entregavam as mercadorias roubadas. Agora, o sucesso
de sua missão estava comprometido. Sua impulsiva e adorada E
die havia posto tudo a perder, mas ele não se importava. Prefer
ia morrer a deixar que a levassem.
Sam se levantou e saiu do esconderijo. Segurava a arma com a
mbas as mãos.
_ Polícia. Solte-a, Trotter.
_ Polícia? _ Edie repetiu, incrédula, _ Você é um policial?
Sam não conseguiu evitar que seus olhos, por um segundo, desv
iassem para Edie. A visão foi rápida, mas suficiente para ele vê
-la sorrindo como uma criança diante de um carrinho de algodã
o-doce.
Trotter praguejou. Freddie ergueu a cabeça de dentro do engra
dado e pestanejou.
_ Papai Noel?
_ Sinto, mas receio que só haverá um novo uniforme listrado d
ebaixo de sua árvore neste Natal. Levante as mãos.
Freddie permanecia pasmo. Encarava-o como se não pudesse ac
reditar no que estava vendo. Sam se aproximou, desarmou-o, fe
z com que deitasse de bruços no chão e algemou-o.
Edie havia se encarregado de distrair Trotter. Era inacreditáv
el. Embora estivesse imobilizada nos braços dele e sob a mira d
e um revólver, ela não parecia sentir medo. Sam quase sorriu a
o observar a cena.
_ O senhor deveria se envergonhar do que fez. O que sua mãe d
iria se o visse agora?
_ Minha mãe; morreu.
-Oh, ou sinto muito. Mas e sua esposa? Já pensou quando ela s
ouber?
-Ela me deixou. Trocou-me por um corretor de seguros que gan
hava mais do que eu.
Sam queria arrancar Edie dos braços daquele homem. Precisav
a salvá-la e protegê-la. Mas seu bom senso ordenava que espera
sse.
_ Um homem de sua posição... _ Edie suspirou. _ Francamente.
Por que fez isso?
_ Ele não ganha o suficiente para pagar suas dívidas de jogo _
Freddie informou.
_ Ah, sr. Trotter! _ Edie tornou a suspirar. _ Eu o respeitava t
anto...
O gerente hesitou.
_ De verdade?
_ Sim, mas agora estou decepcionada. Como poderei voltar a co
nfiar no senhor?
Edie era maluca ou o quê? Sam cogitou. Quase sorriu outra vez
. Deveria ter se acostumado a esse seu jeito de ser. Afinal, ela
não o perseguira no primeiro dia a ponto de entrar no vestiário
masculino? Não saltara sobre muros e levara uma mordida de u
m cachorro para tentar impedir que fosse preso? Não subira em
um palco para fazer um strip-tease
A maioria das mulheres estaria chorando ou desmaiando de ten
são nessas circunstâncias. Essas seriam reações normais.
Mas Edie não era uma mulher como as outras. Seu comportame
nto nada tinha de convencional. E era por isso que ele não cons
eguia tirá-la mais de seu pensamento.
_ Então, sr. Trotter? _ Edie insistiu. _ Como espera se redimir
do que fez?
O homem continuava hesitando. Sam se aproveitou disso para c
hegar mais perto.
Do que você está falando? Não vou me redimir. Vou subir nesse
caminhão e dar o fora daqui.
_ Ei! E eu? _ Freddie protestou.
_ Você dará conta dos dois intrometidos _ declarou Trotte
r _ e se matará em seguida de remorso. Ao menos, será essa a c
onclusão a que a polícia chegará quando vir o corpo da moça, d
o Papai Noel e o seu, com a arma que colocarei em sua mão ant
es de sumir de cena. Afinal, tenho um nome a zelar nesta empre
sa, como seu gerente.
_ Daria uma boa história, Trotter, mas desista de escrevê-la.
Largue a arma e solte Edie _ disse Sam.
_ Você não está em condição de dar ordens _ o outro retrucou.
Sam olhou para Edie e lhe pediu mentalmente que fizesse qualq
uer coisa para se afastar de Trotter de modo que ele pudesse at
ingi-lo, se fosse preciso.
Edie não demonstrou o menor sinal de medo. Com um moviment
o quase imperceptível com a cabeça, ela o fez entender que hav
ia captado a mensagem.
_ Isso já foi longe demais, sr. Trotter _ Edie avisou e antes q
ue o homem tivesse tempo de reagir, ela lhe deu uma cotovelada
no estômago e calcou o salto do sapato em seu pé.
A dor foi tanta que ele afrouxou o aperto.
Corra, Edie, corra !
Mas em vez de se afastar, Edie virou-se, agarrou o pulso do ge
rente e mordeu-o.
A dor fez o homem soltar a arma. Sam não perdeu tempo. Em d
uas passadas, agarrou o sujeito e fez com ele o mesmo que ele f
izera com Edie.
_ Você está bem, querida?
_ Estou.
Sam respirou fundo e sorriu de alívio.
_ Você cometeu um erro quando resolveu levar esta garota com
o refém, Trotter.
_ O maior erro que poderia cometer _ o gerente concordou. _
Deveria ter me livrado de vocês dois quando tive a chance.
_ Edie _ Sam pediu _, pegue o celular no bolso de meu casaco
e chame a polícia. Diga que precisa falar com o delegado Alfre
d Timmons. Avise que o Papai Noel o espera no depósito da Car
michael's com um presente especial para lhe entregar.
Sam era um policial. A vontade de Edie era sair cantando e da
nçando. Ela deveria ter confiado em sua intuição desde o começ
o.
Fazia três horas que se encontrava naquele banco na delegacia
de polícia. Um dos guardas já havia tomado seu depoimento. El
a estava ali à espera de Sam. Eles tinham muito o que conversa
r.
Sobre o futuro, por exemplo.
A excitação quase a impedia de continuar sentada.
Quando Sam finalmente saiu de uma sala, vestido de acordo co
m sua profissão e não mais como Papai Noel, Edie sentiu o sang
ue circular mais rápido nas veias.
Como Sam era atraente, forte, másculo. Ele estava conversando
com um colega. Ainda não a vira. Ela não conseguiu respirar. D
e repente, foi assaltada pelo medo.
E se Sam não a quisesse? E se ela, com sua psicologia, tivesse
estragado tudo entre eles?
Edie se levantou. Não era do tipo que se acovardava diante de
uma situação. Para melhor ou para pior, precisava falar com S
am.
Os telefones tocavam, as pessoas falavam ao mesmo tempo e as
teclas dos computadores se misturavam aos sons, mas Edie não
ouvia nada enquanto se encaminhava para Sam a não ser as bati
das de seu coração.
Ele pestanejou ao vê-la.
_ Ainda está aqui?
_ Sim.
_ Pensei que tivesse ido para casa há tempos _ ele disse e sorr
iu. Um sorriso era um bom sinal, não era?
_ Eu queria falar com você.
_ Isso é bom. Eu também precisava falar com você. Edie sorri
u, hesitante. Ele ficou sério.
_ Não lhe ocorreu nem sequer por um segundo que estava fazen
do uma tolice imensa ao se comportar daquele jeito? _ Sam rep
reendeu-a. _ Céus, Edie, o homem estava apontando uma arma p
ara sua cabeça e você lhe passou um sermão!
_ Foi merecido! _ Edie respondeu, desafiadora.
_ Trotter é um homem perigoso! Você mesma viu que ele estava
por trás dos roubos.
_ Eu só tinha um pensamento naquela hora _ Edie explicou.
_ Que pensamento?
_ Fiquei revoltada que ele quisesse culpar aqueles três por seu
s feitos. Simplesmente não pude cruzar os braços.
_ Você se portou como uma tola.
Edie sentiu um nó na garganta. Sam a considerava uma tola.
_ Ao menos aprendeu a lição? _ Sam continuou.
_ A que se refere?
_ Sobre se intrometer onde não é chamada?
_ Agora que você tocou no assunto, confesso que fiquei apavor
ada.
Um sorriso curvou os lábios de Sam.
_ Eu não teria desconfiado. Você parecia firme e segura de si.
E conseguiu derrubar a guarda de Trotter.
_ Está caçoando de mim?
O brilho que ela viu nos olhos azuis foi o sinal que esperava. P
or pouco, Edie não pulou de felicidade.
_ Quer uma carona? _ Sam ofereceu.
_ Pensei que nunca fosse me oferecer.
Sam colocou uma das mãos nas costas de Edie enquanto a condu
zia para a saída. Ela desejou estar bonita naquele instante, não
vestida de duende com os guizos tilintando conforme andava.
Por favor, que eu possa dizer as palavras certas durante o traj
eto para minha casa. Sam precisa saber como me sinto a seu res
peito.
Quando chegaram ao estacionamento, Sam parou e segurou-a pe
lo ombro.
_ Quero que saiba, Edie, o quanto gostei de trabalhar com você
nessas cinco semanas.
Oh, não. Ele estava se despedindo...
_ Foi um prazer para mim também _ Edie murmurou.
_ Você é uma boa garota. Ela era uma boa garota, mas...
_ Você também é um bom sujeito _ ela disse com os olhos cheio
s de lágrimas.
_ Sei que não sirvo para você. Cresci pelas ruas. Fui um jovem
rebelde. Se não fosse minha tia... Bem, tornei-me um policial.
Enfrento o lado escuro da vida. Você é uma otimista. Sua vida
é clara e límpida. Receio que...
_ Sim? _ Edie questionou.
Ele respirou fundo antes de continuar.
_ Receio macular o que considero mais lindo em você, se começ
armos a nos encontrar. Sua fé na bondade das pessoas.
Uma mecha de cabelos havia caído no rosto de Sam. Edie ergue
u-se na ponta dos pés e afastou-a.
_ Não seja bobo. Nós dois formamos um par perfeito. Preciso d
e seu realismo tanto quanto você necessita de meu otimismo. Ap
rendi muito com você nesse curto período, Sam Stevenson.
_ Eu também com você _ ele murmurou.
_ Sempre fui tratada como uma irmã caçula pelas pessoas. Os h
omens não tentam me seduzir. Ninguém assobia para mim nas r
uas. Você, no entanto, me faz sentir uma mulher sexy e sensual.
Você me deu coragem para experimentar aventuras, para assum
ir riscos, para viver a vida.
- Você gostou de verdade? _ Sam quis saber. Ela fez que sim e
Sam corou.
Confesso que você também me fez sentir sexy. Jamais Imaginei
que fosse me apaixonar por você. Edie pestanejou.
-Você se apaixonou por mim?
-E como! Por que acha que estava tentando me afastar de você?
_ É isso que costuma fazer quando se apaixona? Fugir?
_ Tenho medo de não conseguir corresponder as suas expectativ
as _ Sam confessou. _ Não sou o que tia Polly esperava de mim.
Não fui o que minhas namoradas queriam que eu fosse. Não pos
so lhe oferecer nada além do que você viu, Edie. Aceite-me com
o sou, se puder.
Sam parou de falar e abriu os braços. Edie soube, naquele inst
ante, que Sam estava lhe oferecendo mais do que ela poderia es
perar de qualquer relacionamento: sinceridade total.
_ E se eu disser sim?
_ Vou levá-la comigo para minha casa.
_ Sim. Um milhão de vezes, sim.
Sam abraçou-a e a fez rodopiar. Riram alto. Depois entraram n
o Corvette e se dirigiram à casa que em breve seria do sr. e da
sra. Stevenson.
Sam parou na calçada e deu a volta para ajudar Edie a descer.
Subiram correndo a escada. Sam a fez sentar no sofá da sala e
colocou um CD no aparelho de som.
_ Walking in a Winter Wonderland.
Sam havia escolhido uma canção de Natal para celebrar o mome
nto. Ele se sentou e puxou Edie para seu colo.
_ O Natal sempre será uma época especial para nós _ Sam mur
murou.
_ Nunca mais conseguiremos ouvir uma música natalina sem le
mbrar deste momento _ Edie concordou. _ Nem ver um ramo de
mistletoe sem recordar a primeira vez que você me beijou.
_ Foi um beijo igual a este? _ Sam brincou e deu um beijinho e
m Edie.
Ela o fitou, provocante, e lhe deu um beijo voraz.
_ Mais parecido com este.
Quando o beijo terminou, Sam estava com a respiração ofegant
e.
_ Uau! Você realmente aprendeu sobre o outro lado, não?
_ Sempre fui uma boa aluna _ Edie respondeu com um sorriso i
nsinuante.
_ Adoro o jeito que você sorri.
_ Adoro seu cheiro _ Edie encostou no pescoço de Sam e ele est
remeceu. _ De pinho, hortelã e gengibre.
Sam segurou-a pelo queixo e forçou-a a encará-lo.
_ Eu te amo, Edie, de todo meu coração.
_ Eu te amo, Sam, mais do que pode imaginar.
Sam se levantou com Edie no colo. Ela o enlaçou pelo pescoço e
estreitou os olhos com malícia.
_ O que tem em mente? Pode me dizer?
_ Ocorreu-me que talvez fosse uma boa idéia levá-la pura minh
a cama. Você tem algo contra?
_ Oh, não, em absoluto _ Edie respondeu. _- Mas confesso que
tenho uma fantasia desde que conheci você.
_ Uma fantasia? Está me deixando curioso.
_ Uma fantasia ao pé da letra _ Edie cochichou no ouvido de Sa
m. _ Por acaso, a roupa de Papai Noel ainda está com você?
FIM

Mistletoe: é a plantinha mencionada na história.

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