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O montador de janelas ajustava e dava um ultimo retoque na nova janela da casa de

Gabriel. O funcionario público terceirizado fazia parte de um novo programa do


governo de reforma das casas. Mesmo que fossem alugadas o povo tinha direito de ter
uma janela agradavel para se olhar. Quem disse que só rico podia ter uma vista
bonita? Minha janela minha vida era o nome do programa. "Vamos começar reformando
as janelas" disse o presidente em pronunciamento oficial pelo seu canal do youtube.
Colocaram então janelas de ultima geração em todas as casas e barracos do país.

A vista pela janela de Gabriel era tranquila e monotona. O prefeito também mandou
apagar os grafites dos muros das cidades e o que viamos pelas janelas eram apenas
muros brancos com letreiros de vende-se nas casas desocupadas há anos. Pessoas
cinzas normais passavam para trablhar enquanto Gabriel jogava no celular. Vez ou
outra para desestressar via algum gato subindo no muro e fazendo alguma gatice
felina. Gabriel olhava o bichano pela camera do celular para depois compartilhar na
rede social.

Gabriel terminou de filmar o gato no muro e antes de compartilhar olhou com seus
olhos de carne uma ultima vez o gato na janela que fazia novamente o mesmo
movimento de subir na parede. Sentiu uma pontada no mente.

— Deja-vu — Gabriel disse para sua mulher que também estava mergulhada no celular,
deitada ao seu lado na cama.

— Que foi? — Perguntou Rosa.

— Eu tive a impressão que o gato subiu no muro de novo. Acho que foi um deja-vu.

— Você deve ter se enganado. Eu também to morrendo de sono. Não aguento mais
maratonar série. Acho que vou dormir.

— Verdade. — Gabriel disse e desligou a tv em frente a cama. Desligou a luz e os


dois cairam no sono sob a benção de Morpheus com seus sonhos pós modernistas.

No meio da noite Gabriel acordou de sonhos intranquilos. Abriu os olhos e viu a


janela do quarto toda estática como se fosse uma televisão fora do ar. Depois de um
segundo a janela voltou a paisagem normal.

— Rosa! Rosa! — Gabriel disse enquanto cutucava a mulher que dormia tranquilamente.

— huummm... que foi Gab?

— Eu vi a janela bugando.

— Vai dormir cara.. tá viajando.. — Rosa se virou para a parede e continuou com o
soninho gostoso da noite.

— É sério. A janela bugou.

Rosa levantou acendeu a luz e foi no banheiro. Ao voltar deitou na cama e disse —
Você tá vendo filme demais. Tem que dormir um pouco se não é a sua mente que buga.

— É.. talvez seja.

Amanheceu o dia com o técnico da empresa de janelas chamando na porta do pequeno


barraco alugado.

— Viemos trocar novamente a janela. Esse lote está com defeito e pode causar
acidentes.
— Mas parece perfeito. — Rosa disse enquanto via o técnico colocar uma nova
pelicula fininha sob o vidro da janela.

Chegando do trabalho, Gabriel entrava em casa com sua bicicleta e sua


mochila/bag/bolsa termica nas costas quando se deparou com o técnico indo embora.

— O que aconteceu? — Perguntou para Rosa.

— Ele disse que a nova janela estava com Defeito e trocou a pelicula.

— humm.. — Gabriel foi até a janela e tocou a janela com a ponta dos dedos mas
inves de ficar a marca de sua digital, o local apenas se descoloriu em pixels como
uma tela de celular.

— Rosa, você nunca achou estranho de ser proibido abrir a janela?

— É pra não entrar virus — Disse Rosa enquanto Gabriel ia em direção ao trinco da
janela de blindex. — Não, Gabriel não faça isso! O governo vai processar a gente!

— Gabriel tocou trinco da janela mas nada aconteceu. Era apenas para disfarçar
aquela tela de led de ultima geração que substituiu a única vista para o mundo
real.

Gabriel foi até a varando e pegou a perna de três que Rosa colocava no varal,
voltou ao quarto da pequena kitnet apertada e enfiou o cabo de madeira na tela, o
que fez escorrer cristal liquido preto dos leds pela parede de tijolos sem reboco.

Gabriel olhou pelo buraco que ficou na parede e viu depois de muito tempo o outro
lado da beirada do rio onde morava. O rio nunca havia sido limpo como diziam. Ainda
estava tudo lá. Ruas sem asfalto. Lixo queimando na rua. Esgoto a céu aberto mas
faltava alguma coisa. A rua estava deserta. Todos estavam em suas casas e só saiam
para trabalhar imformalmente e voltavam para as telas dos celulares.

Ouvi-se o som de carro grande e o buraco no qual Gabriel olhava apareceu de verde
musgo um veículo com homens armados.

— Gabriel, tá ouvindo? Acho que eles estão na nossa rua. Gab.. — Antes que Rosa
pudesse completar o nome a porta de sua pequena casa foi arrombada pelos militares.

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