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O SEGREDO DAS ARTES NEGRAS

Acostado em meio a uma multidão caminha um homem louro, porte atlético, olhos
azuis como o céu. Seu nome é John Engels, mas na verdade ele se chama Helaziel, um anjo
caído que conseguiu voltar do Inferno. Do contrário dos outros anjos caídos, Helaziel pos-
sui asas de demônio, daí ele também ser conhecido como anjo-demônio.
Helaziel caminha até um antiquário. O dono da loja é um senhor de meia idade, de
nome Dickens. Helaziel entra no antiquário e, se dirigindo ao dono, pergunta:
— Trouxe minha encomenda?
— Sim, trouxe. Mas me digas, por que pagou tão caro por uma espada quase destru-
ída e que deve ter uns seiscentos anos.
— Quatrocentos, cavalheiro. Mas seu serviço foi bem executado. Tome cinco mil,
como combinado.
Helaziel leva o objeto, embrulhado num pedaço de tecido azul. O objeto em questão
é um sabre inglês, do século XVII. Helaziel voltou ao seu escritório, onde também morava,
num prédio comercial em Nova Iorque. Ele ocupava todo o último andar. Foi até seu quarto
e começou a tirar a ferrugem do sabre. Era um item que ele procurava por anos.
O sabre, na verdade, era uma arma forjada por um demônio chamado Azuli. Esse
sabre tinha um aspecto desgastado e por muito tempo era chamado de Lâmina do Flagelo.
Após tirar a ferrugem, a arma mostrou ter uma lâmina cor de sangue e um aspecto demoní-
aco. Brilhava muito.
Após isso, o anjo-demônio guardou a lâmina em um suporte, junto com seus outros
itens. Ele coleciona itens, pois nunca sabe quando vai usá-los e outros ele ganhou de pesso-
as que ajudou e outros de inimigos que matou.
Em seguida, o telefone toca. Ao atendê-lo, reconhece a voz como a de um de seus
contatos. Ele lhe diz para ficar de olho, pois algo de estranho estava acontecendo.
E de fato estava. Ao pegar seu jornal, viu uma noticia, quase ignorada: “Roubaram
cálice de museu”.
Era estranho. Um cálice de bronze não valia muito, pelo menos não aquele.O museu
tinha itens cujo valor era maior, mesmo financeiro ou histórico. Então resolveu que era hora
de averiguar o que estava acontecendo.
Chegando lá, percebera que a policia tinha chegado ao local. Mas foram embora
logo, pois não parecia ser muito grave, era só um cálice velho mesmo, só valia o bronze
dele. Ele ficou até os policiais saírem e pediu ao curador do museu para lhe dar uma foto
desse cálice. Ao entregar-lhe a foto, se retirou.
Estudando a foto, percebera uns símbolos no cálice. Foi até sua biblioteca particular,
que ficava longe do seu escritório, numa casinha muito simples. Fuçou nos seus livros mais
arcanos e reconheceu uma coisa que o deixou abismado: aquilo era o símbolo de Satanás!
Aquele cálice, segundo o que aparentava, era usado em cerimônias da seita conheci-
da como Filhos de Satanás. Essa seita era do século XIX, mas foi ferozmente combatida
pelos anjos e pela Igreja, secretamente, com sua Inquisição. Era impossível ter sobrado al-
gum membro vivo.
Então pensou que devia ter alguém daquela época vivo.
Então veio a questão, quem seria essa pessoa? Bem, nessa época ele não se envol-
veu com essa ordem, mesmo porque não havia cruzado com nenhum deles na época em que

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foram aniquilados. Até onde ouviu falar, os últimos morreram em 1920, numa cidade perto
de Londres. Mas o que um deles faria aqui? Isto é o que precisava descobrir.
Então resolvera pesquisar mais sobre esse culto. Mas ele não tinha os livros dispo-
níveis, então resolvera pegar seu carro, um Mercedes preto, e ir até uma biblioteca confiá-
vel.
Após duas horas de viagem, se aproximou de um casebre muito velho, perto de uma
loja abandonada. Chegando lá, ele disse, em tom baixo:
— Deixe-me usar seus conhecimentos, Mestre Guardião da Palavra Abnoir.
Alguns instantes depois, a porta abre e um homem bem velho atende John. Ele é
Abnoir, um homem detentor de um grande conhecimento e uma das mais vastas bibliotecas
místicas de todo o mundo.
O velho, com voz rouca, diz:
— Trouxe meu presente, meu jovem?
— Claro, afinal de contas, não seria educado de minha parte não fazê-lo.
John entregou ao velho um punhal entalhado num cristal de quartzo e com um cabo
feito em ferro. O velho aprovou o presente.
— Só existem dez dessas no mundo conhecido, meu jovem.
— Eu sei, tenho as outras nove comigo. Agora, deixe-me adentrar em vossa biblio-
teca.
A biblioteca de Abnoir era uma coisa espantosa. Dentro dos meios arcanos conta-se
que Abnoir era um poderoso mago, nascido em Castela, na Espanha, e que teria feito um
pacto cuja oferenda seria sua própria alma. Depois, quando esse demônio viera reclamar a
alma de Abnoir, o próprio matou o demônio, conseguindo assim sua imortalidade ao beber
o sangue de seu sangue. Não se sabe se isto é verdade, mas ao certo é possivel dizer que ele
é muito poderoso. Ninguém pode entrar em sua biblioteca sem seu consentimento, ele pode
lacrar as entradas e tornar os livros apenas pedaços de papel em branco. Ninguém pode
acessar sua biblioteca, nem mesmo um anjo ou um demônio.
Ao descer as catacumbas da casa de Abnoir, John adentrou na biblioteca. Ficou lá
por muitas horas, pesquisando em livros e mais livros e achou vários relatos sobre a seita.
Resolveu pesquisar.
Após horas e mais horas de pesquisa intermitente, John descobriu muito sobre a
seita. A seita em questão foi eliminada em 1940 e não em 1920, como anunciara a Igreja.
Houve muitos membros que resistiram ferozmente, se escondendo e matando anjos que os
perseguiam. Então, quando todos os seus artefatos foram roubados por um colecionador,
eles foram descobertos e mortos.
Os artefatos em questão, logo após a morte do colecionador foram vendidos ou doa-
dos a museus. Pesquisando sobre o cálice, descobriu sobre os rituais que podiam ser feitos
com aquele instrumento. John pediu a Abnoir uma cópia dos livros e o velho lhe concedeu
algumas cópias, todas manuscritas, e disse que as queria de volta em três semanas.
Após ir embora, com os livros, John volta a sua casa e começa a ler, com a televisão
ligada. Após ler durante trinta minutos um dos livros, ouviu uma noticia urgente num tele-
jornal, o que lhe chamara a atenção.
A notícia falava sobre um homem, dono de uma livraria, que havia sido morto de
maneira brutal e nada havia sido levado da loja.
Vestiu uma camisa social branca, sapatos e uma calça preta e foi até o local. Viu que
tinha uma multidão se aglomerando ao redor dos legistas. O homem foi morto com tiros de

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uma arma de grosso calibre. Tentou ver e nada de interessante apareceu a sua vista. Então
se retirou e, após acender um cigarro, voltava para casa.
No dia seguinte, ao ler seu jornal, numa nota perto do rodapé da página, vê que um
milionário fora assaltado e levaram uma adaga de bronze. Uma adaga de bronze!!!?! Quem
seria estúpido, perguntara o jornal, de roubar uma adaga velha feita em bronze?
Um cultista Filho de Satanás.
Foi esse o pensamento que irrompeu a mente de John. Ele começou a ler desespera-
damente sobre a seita e seus rituais e encontrou um chamado “Força Diabólica”, cuja fina-
lidade era aumentar os poderes do usuário. Segundo o livro, que não dava detalhes precisos
sobre o ritual, ele precisava de uma adaga e um cálice de bronze. Na verdade, ao ler com
mais cuidado viu que os dois eram feitos de ferro de Estígia, a cidade de ferro do Inferno.
Esse ritual também dependia do sangue de um mortal. Esse mortal deveria ser uma
pessoa boa, livre de pecados e que fosse querida pela sua benevolência.
John se lembrou de um padre, Friedrich Waltz, dono de um albergue que acolhe
mendigos e crianças de rua. Ele deveria ser o próximo alvo do cultista e ele daria a resposta
a John.
Vestiu um casaco, pegou uma de suas espadas, uma adaga feita de metal vermelho e
saiu até o albergue.
Esperou até o anoitecer, quando o albergue era fechado para que as pessoas pudes-
sem dormir sem serem incomodadas. John se fez de mendigo e conseguiu entrar.
Esperou até depois da meia-noite. Ouviu um estrondo, como de uma janela sendo
quebrada. Alguns mendigos acordaram também e foram ver.
Era um vulto de um homem muito alto e magro. Ele era negro, com um longo cabe-
lo estilo rastafari, que cingia até a cintura. Ao chegar mais perto, era possível ver melhor
sua silhueta e seu rosto. Estava cheio de cicatrizes, possuía olhos castanhos e cabelo negro.
Parecia ter descendência africana. Portava em um de suas mãos uma adaga feita em bronze
e na outra um cálice.
Os mendigos tentaram se atracar com o homem, mas foram postos para dormir com
uma poeira que ele soprou contra eles. John não dormiu e nem o padre.
— Você me viu — grita o homem — e vai morrer junto com o padre!!!
Então John largou seu casaco, com uma adaga na mão e uma espada nas costas. A
adaga brilhava num vermelho doentio. O homem acertou um ataque em John, que sentiu
uma dor enorme e soltou um grito. Ele não podia acreditar que uma arma dessas pudesse
feri-lo de forma tão intensa.
O padre via tudo, totalmente perplexo. Então John mostrou seu real aspecto. Duas
asas de morcego surgiram em suas costas, rasgando sua camisa. Símbolos arcanos surgiram
em seu corpo. Helaziel estranhou e começou a se contorcer de dor.
— Não sei o que é você — diz o homem a Helaziel — mas tenho certeza de que não
é humano. É meu dever te matar, em nome da nova Irmandade de Lúcifer.
Helaziel estava acuado. Os símbolos foram colocados pelo ataque da adaga, prova-
velmente uma magia que ele havia preparado para o padre. Enquanto ele começava a falar
palavras arcanas, Helaziel usou seu poder mágico e cancelou o feitiço.
— Devia ter me matado quando pôde. Não terei piedade de ti, mortal.
— Mas você não viverá muito. Está sem sua adaga.
— Mas tenho isso — responde Helaziel, com uma espada em punho.

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Era uma espada curta, do tamanho de um facão. Parecia um gládio romano, mas era
de lâmina cinza e com uma runa na lâmina. Era a Espada dos Oprimidos, uma arma forjada
na Grécia, por um escravo dos romanos, para se defender. Era uma lâmina formidável.
Helaziel, mesmo com um pouco de dificuldade, golpeou o braço do homem. Um
golpe de raspão. O homem riu de Helaziel e, quando ia dar um golpe nele, sentiu seus mús-
culos paralisarem.
— Esta é a Espada dos Oprimidos. Um golpe certeiro dessa lâmina paralisa o opo-
nente que tentar me atacar. Agora vamos ver se és capaz de seus intentos mágicos sem seus
objetos.
Arrancou-lhe a adaga e o punhal. Viu que ele tinha deixado perto da janela uma mo-
chila. Procurou e viu um livro de magia negra. Era um livro que possivelmente fora rouba-
do. E levou o livro junto com todo o resto.
O padre estava perplexo. Chamou a policia, mas não contou sobre o anjo-demônio.
Ninguém acreditaria mesmo. Prenderam o homem, sem saber que foi ele quem roubou o
cálice e a adaga.
John mandou pelo correio os itens roubados e tomou o livro para si. Foi devolver os
livros a Abnoir. Após voltar para casa, percebeu que a Lâmina do Flagelo começou a bri-
lhar.
Algo estaria para acontecer.

Fabio Melo
telperion_pendragon@yahoo.com.br

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