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Observação de sessão musical para infância

dezoito meses a três anos de idade

João Vicente

Didáticas II – Teoria da Aprendizagem Musical


Docente: Ana Isabel Pereira

Março, 2020
• Hello

Canção com palavras, tonalidade eólia, tonicalidade de ré, métrica usual binária.

Os participantes dispõem-se sentados em forma de círculo e a sessão começa com uma


música de acolhimento.

As facilitadoras exploram o plano baixo predominantemente com movimentos fluídos


dos braços; movimentos circulatórios das ancas; e movimentos angulares do torso. A
meio da música, quando aparece o padrão - dominante em silaba neutra, mediante e
tónica, acontece com frequência um momento “coreográfico”: braços ao alto esticados,
mãos abertas abanando ligeiramente; movimento descendente do torso até os braços
tocarem no chão.

Após cada repetição verifica-se sempre um longo silêncio, um momento importante de


observação aos movimentos das crianças, e audição das suas vocalizações.

As primeiras duas repetições são uma exposição à canção, direcionadas para o grupo,
sendo a primeira de todas de inteira interpretação da professora Ana Isabel e Margarida.
Durante a primeira pausa, Naiara emitiu um longo pitch isolado de tónica, sentou-se e
cruzou as pernas. Em resposta, as orientadoras cantaram o padrão dominante-tónica, e
imediatamente replicaram a sua pose, efetuando a repetição seguinte com movimento
fluído das pernas. Esta atitude mímica, com um carácter seletivo, é uma característica
corrente em todas as atividades da sessão. Acontece novamente, e não exclusivamente,
quando o bom dia se dirige à Naiara, imitando a sua pose; e quando se dirige ao Tomé,
este girando sobre si.

Ao longo das repetições algumas crianças balbuciam algumas partes para música. De
realçar a intervenção do Duarte nas últimas duas repetições, quando canta
antecipadamente as sílabas “yararampampam”, o que poderá indicar a audiação desse
momento da canção. Ao terminar a música de boas vindas, uma criança emitiu uma
vocalização rítmica, similar a este contorno - “bocabocapara”. A professora Ana Isabel
imitou e, embora não tenha acontecido, podia ter sido um momento de diálogo e até
mesmo de improvisação coletiva.

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• Rolling

Canto rítmico sem palavras, métrica usual ternária.

Introdução do canto rítmico com sílaba neutra em plano baixo, com movimento fluído
dos braços e torso. Há também uma exposição do canto em duas repetições, separadas de
um silêncio observativo. Nas duas primeiras pausas o silêncio e os olhares expectantes
imperam. Ao ver o vídeo, como participante da sessão, notei que durante a primeira pausa
me deitei. Depois reparei que nesse preciso momento o Rodrigo me observava e decidiu
também deitar-se, sugestão, por sua vez, imitada pelas facilitadoras.

De seguida, demonstraram um jogo a pares, cada uma com duas pequenas bolas. Sentadas
frente a frente, com as pernas abertas e esticadas, emitem o canto rítmico enquanto
movimentam os braços, agarrando as bolas nas mãos. Ao chegar ao compasso final, cada
uma lança as bolas pelo chão, como se de um passe se tratasse.

Após o agrupamento em pares e a distribuição das bolas, o canto executou-se da mesma


forma, respeitando os silêncios entre repetições. Numa determinada pausa, ao que parecia
ser uma nova repetição, a Margarida começou o canto de uma forma diferente,
nomeadamente, com duas semínimas pontuadas (dois macrotempos), parando de
imediato. Nesse preciso instante, Duarte irrompe numa variação do canto rítmico com a
duração quase exata do canto rítmico original.

• Cha Cha Tango

Canção sem palavras, tonalidade menor, tonicalidade de ré, métrica usual binária.

Apresentação da música em sílaba neutra, no plano baixo com movimentos fluídos dos
braços e torso.

O Duarte intervém na primeira pausa, vocalizando a tónica. A professora Ana reconhece


e canta o padrão dominante tónica, estabelecendo uma relação entre o plano alto quando
canta a dominante, e o plano baixo quando canta a tónica. Após algumas imitações do

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padrão referido, a professora cantou o padrão de imitação e assimilação de tónica
descendente, associando o plano médio ao terceiro grau, ao qual Duarte imitou com
sucesso.

A atividade prosseguiu para uma dança de roda, em que para cada frase da música estava
associada uma coreografia coletiva. Assim, na primeira frase a roda circulava para um
lado, na segunda frase a roda girava para o outro, e na terceira frase a roda convergia para
o centro. Esta esquematização é particularmente feliz nesta música pelo facto das duas
primeiras frases serem semelhantes (o mesmo padrão melódico começando em graus
diferentes, e uma variação no final da segunda frase), e a terceira frase claramente
diferente das duas primeiras.

Entre cada frase houve silêncios intencionais prolongados onde as facilitadoras se


dispuseram imóveis em forma de “estátua”, optando por variar entre os planos alto, médio
e baixo. Apesar de ocorrem algumas vocalizações não musicais, as repetições e as pausas
foram marcadas pela atenção e o silêncio dos intervenientes.

Stop, look and listen

Canto rítmico sem palavras, métrica usual binária

Os facilitadores apresentaram um canto rítmico em sílaba neutra, de forma ABA.


Colocaram-se um atrás do outro e iniciaram a proposta em plano baixo, assinalando a
parte A do canto rítmico, com movimentos contrastantes, sendo os braços e o torso os
principais veículos de fluidez. A passagem para a parte B foi indicada com a passagem
dos movimentos para o plano alto, e com um ligeiro aumento de intensidade e entoação
mais grave. Finalmente, o regresso ao A e ao plano baixo. Na última repetição, houve a
introdução de uma segunda voz em ostinato.

Ocorreram algumas vocalizações não musicais durante as primeiras intervenções, e


silêncio nas primeiras pausas. Na penúltima pausa, o Duarte improvisou um padrão
rítmico com dois macrotempos. Após algumas tentativas de diálogo com a criança ao meu
lado, fiz um padrão rítmico que pertencia à parte B do canto rítmico, e do outro lado,
Duarte ecoou esse mesmo padrão. Respirando em silêncio, já no momento final da

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proposta, uma vocalização do Duarte despoletou para uma improvisação coletiva. Estava
deitado no colo da sua mãe Quando emitiu um longo pitch isolado. Esta decidiu, num
gesto repetitivo, levar e tirar a sua mão à boca do filho, produzindo uma interrupção
cíclica do som. Isto levou a uma imitação generalizada, que depois foi variada
individualmente, como por exemplo, a vibração dos lábios com o auxílio do dedo
indicador.

Bumble Bee

Canção sem palavras, tonalidade maior, tonicalidade mib, multimétrica.

Exploração livre do espaço em flow, cobrindo o plano alto e médio. No final da música,
cada um permanecia imóvel e em pose – as facilitadoras variavam sempre de posição.

Na primeira pausa há um pitch isolado continuo da dominante. Na segunda pausa duas


crianças começam a correr marcando os microtempos da música; na repetição seguinte, a
professora Ana adotou o movimento. Na pausa seguinte, ocorreu uma vocalização: um
padrão de tónica com três macrotempos e duas alturas (mi dó dó). A professora Ana
respondeu com um padrão de tónica descendente com três alturas (mi ré dó).

Esta atividade proporcionou grande entusiasmo e energia às crianças presentes.

Dorme, dorme meu menino

Canção com palavras, tonalidade maior, tonicalidade ré, multimétrica.

Depois de uma atividade de livre exploração, a seguinte proposta é contrastante.


Novamente sentados em roda, a Margarida abria o fole e o timbre da shruti box ressoava
um profundo intervalo de quinta perfeita. Ocorreram algumas vocalizações não musicais
ao longo da música. A certa altura, a professora Ana deitou-se e, em conformidade, os
pais acolheram seus filhos e replicaram o gesto – a proposta abrandou o lume.

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O movimento foi reduzido, quando acontece é estacionário. Durante a segunda pausa,
duas crianças se levantam e voltam a deitar-se quando a música inicia. Na terceira pausa
há vocalizações rítmicas e estabelece-se diálogo.

Faço uma casa

Canto rítmico com palavras, multimétrica.

De ânimo equilibrado, voltamos a uma atividade de exploração livre. As crianças ainda


um pouco embaladas, levam o seu tempo para se recompor e mexer.

O canto rítmico é multimétrico e contém duas suspensões. A proposta tem como objetivo
explorar uma consciência corporal do espaço que ocupamos. Nesse sentido, o canto
sugere ao sujeito para fazer uma casa com o corpo. De novo, as facilitadoras sugerem
ideias distintas a cada suspensão. Os pais empenham-se por fazer casas com os seus
filhos.

Após algumas repetições, a professora Ana que se recorria da pandeireta para marcar os
macrotempos, faz uma repetição sem palavras, apenas com o batuque. Mais tarde também
faz o canto rítmico em sílaba neutra. Por várias vezes, Duarte diz “não” no silêncio,
recusando ficar parado. A professora Ana executou o canto rítmico utilizando somente
essa palavra.

No geral as crianças não exploram com o seu corpo a ideia da casa, optando por andar
livremente sem associação ao canto rítmico.

The goodbye song

Canção com palavras, tonalidade maior, tonicalidade de fá, métrica usual ternária.

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A sessão acaba com uma música de despedida, exposta primeiramente em sílaba neutra e
depois com letra. Os participantes sentam-se em círculo; as facilitadoras expressam
movimentos fluidos do torso e braços, com um particular movimento de adeus.

Ocorrem intensas vocalizações não musicais. A Naiara e o Duarte escondem-se por de


trás das cortinas, este último executando um gesto de adeus para a “plateia” que culmina
no fechar da cortina. Acabam por não ser mencionados na música do adeus.

Para sedimentar a despedida, é cantada a música when the saints com a silaba neutra “ai”,
que me parece ser uma imitação das vocalizações que se faziam ouvir.

Avaliação global da sessão

B1. Conteúdos tonais

A sessão apresentou cinco canções e três cantos rítmicos. Houve uma canção em eólio,
uma em menor, e as três restantes em maior.

As tonicalidades usadas foram a de ré (três músicas), mi bemol e fá. As melodias cantadas


encontram-se maioritariamente entre ré3-lá3, mas todas elas contêm padrões para além
do registo de audiação e vocal das crianças. A tonicalidade foi previamente estabelecida
e assegurada com o auxílio do diapasão.

B2. Conteúdos rítmicos

Houve bastante variedade nas métricas utilizadas, usuais (binário e ternário) e, em relação
a músicas multimétricas, não usuais desemparelhadas (quinário e setenário).

B3. Padrões

O padrão tonal predominantemente usado foi o de dominante-tónica, na sua maioria para


contextualizar alturas isoladas, adequado à faixa etária das crianças (18 meses a 3 anos)
e ao respetivo estádio de aculturação em que se encontram. Em uma ocasião excecional

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(caso Duarte) vimos o uso de um padrão de imitação e assimilação, no seguimento de
uma correta imitação do padrão dominante-tónica.

Reconheço o princípio de apresentação “todo-parte-todo”, na exposição da música,


contextualização de vocalizações nos momentos de silêncio, e reexposição, por vezes
baseada na sugestão espontânea da criança.

B4. Movimento

Todas as propostas exploraram o movimento com predominância na fluidez dos membros


superiores. Em músicas como cha cha tango, bumble bee, faço uma casa, que envolveram
atividades de livre exploração de movimento no espaço, favoreceram a tomada de
consciência corporal. Cada uma das atividades referidas abordou um aspeto mais
específico. O cha cha tango explorou as direções no espaço e o movimento em conjunto:
o bumble bee para além das direções, também abordou os planos espaciais; o Faço uma
casa incluiu a exploração do espaço partilhado.

B5. Aspetos gerais

Houve um equilibro de músicas com e sem palavras. A utilização de palavras parece-me


ter critérios bem definidos – as canções de boas vindas e despedida; a canção dorme,
dorme meu menino com uma intenção de afetividade e serenidade; e o canto rítmico faço
uma casa para consciencialização corporal.

Ao longo da descrição, é possível encontrar momentos ondem foram utilizados diferentes


timbres (shruti box e pandeireta); utilização de sílabas neutras facilmente imitáveis pelos
bebés em todas as canções sem palavras; a repetição e o contraste, com mais impacto na
passagem do bumble bee para o dorme, dorme meu menino, e de seguida o faço uma casa;
momento de improvisação coletiva ao terminar stop, look and listen; e a utilização de
imaginação no faço uma casa.

A meu ver, uma sessão estruturada, equilibrada e alegre.

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