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Revista Estudos Feministas

ISSN: 0104-026X
ref@cfh.ufsc.br
Universidade Federal de Santa Catarina
Brasil

Vilodre Goellner, Silvana; Jaeger, Angelita Alice


Reseña de "O longo caminho das mulheres: feminismos 80 anos depois" de Lígia Amâncio, Manuela
Tavares, Teresa Joaquim, Teresa S. de Almeida (Orgs.)
Revista Estudos Feministas, vol. 15, núm. 3, setembro-dezembro, 2007, pp. 839-841
Universidade Federal de Santa Catarina
Santa Catarina, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=38115324

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Os feminismos em PPor
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O longo caminho das mulheres: O livro foi organizado a partir de três eixos
temáticos: “Feminismos e percursos”, “Perfis das
feminismos 80 anos depois. mulheres feministas” e “Feminismos na viragem
do século XX”. Este último é subdividido em cinco
AMÂNCIO, Lígia; TAVARES, Manuela; partes: “Os estudos sobre as mulheres e autoras
JOAQUIM, Teresa; ALMEIDA, Teresa S. de feministas na viragem do século”, “Sexualidades,
(Orgs.). corpos e feminismos”, “Mulheres entre o público
e o privado”, “Violência sobre as mulheres” e
Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2007. “Acção feminista na viragem do século”. Encerra-
se, tal como aconteceu no Seminário, com a
470 p. entrevista concedida por Maria de Lourdes
Pintasilgo (1930-2004), primeira-ministra de
Portugal (1979-1980) e candidata independente
à Presidência em 1985.
O livro reúne as comunicações O conjunto dos textos reúne temas e autorias
apresentadas em um seminário que ocorreu em diversas: são 34 mulheres e três homens a assinar
Lisboa, em maio de 2004, para celebrar o I os diferentes artigos, o que acaba por conferir à
Congresso Feminista e da Educação realizado há obra um tom plural, ainda que seja consensual a
exatos 80 anos. Mais do que um evento referência ao movimento feminista como
comemorativo, teve como propósito percorrer os promotor de várias discussões de vanguarda no
caminhos traçados pelos feminismos em Portugal contexto da sociedade portuguesa, tanto na
desde os anos 20 do século XX até a atualidade, educação, quanto na medicina, na política, no
buscando pensar suas diferentes formas de ação mercado de trabalho, na ciência, entre outras
em função dos contextos políticos e sua áreas.
contribuição para a modernização e O primeiro eixo narra o percurso dos
democratização da sociedade portuguesa. feminismos em Portugal e, em certa medida, no

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contexto europeu. A referência é o Congresso de conjunto de seis textos focaliza os “Estudos sobre
1924, identificado como um acontecimento de as mulheres e autoras feministas na viragem do
grande importância para o movimento feminista. século”. A pergunta “para onde vai este barco?”
Organizado pelo Conselho Nacional das Mulheres inaugura a sessão. Aqui se evidencia que, entre
Portuguesas, fundado em 1914, o evento questionamentos, silenciamentos e visibilidades
visibilizou as principais reivindicações das indiferentes, os feminismos foram traçando seus
portuguesas daquele tempo: a obtenção do contornos em Portugal através da criação de
direito de voto (concedido de forma plena em associações de mulheres e de espaços de
1974), dos direitos sociais e jurídicos. A leitura dos produção e circulação do conhecimento.
textos que o integram permite identificar algumas Revelam, entretanto, que, mesmo com o longo e
iniciativas feministas existentes desde o início do sinuoso caminho trilhado, os estudos sobre
século XX, tais como a criação do Conselho mulheres ainda são, na maior parte das vezes,
Nacional das Mulheres Portuguesas como uma realizados por pesquisadoras que, apesar de
associação assumidamente feminista, a serem maioria na produção científica portuguesa,
organização do I Congresso, a fundação da são poucas nos cargos de decisão. Outro foco
Associação das Mulheres Universitárias de de reflexões recai na discussão sobre as relações
Portugal, as lutas em favor da co-educação, da de poder que atravessam diferentes espaços
ampliação dos direitos políticos, entre outras. Esse sociais, seja entre homens e mulheres ou mesmo
movimento foi, de certa forma, abortado pelo entre os distintos grupos de mulheres. São
regime ditatorial que se instalou a partir de 1926 destacados os estudos da bióloga Anne Fausto-
com o governo Salazar, cujo fim se deu com a Sterling, que, ao afirmar que os dados fixos da
Revolução dos Cravos, em abril de 1974. Os textos natureza podem ser manipulados pela cultura,
perscrutam discursos e práticas desse período e faz ver que os discursos científicos são apoiados
relevam o pensamento conservador de em pressupostos generificados.
autoridades políticas, científicas e religiosas para Na esteira dessas críticas, os textos
as quais a representação hegemônica da mulher evidenciam a pluralidade do feminismo, cujos
é a da mãe, esteio da família e da sociedade. modos de pensar são diversos e constituídos em
Assentados em explicações biológicas que vozes partilhadas, dissonantes, aproximadas,
atestam a maternidade como atribuição natural convergentes ou contraditórias, porém
do sexo feminino, os discursos que circulavam focalizadas nas lutas e conquistas das mulheres.
nesses tempos classificavam o feminismo como A noção de que “o pessoal é político” e a
o princípio da ruína da família e, por necessidade de compreender o funcionamento
conseqüência, do Estado. Nesse sentido, o recuo das estruturas de poder para ter condições de
do movimento feminista português se deu pela desafiá-lo são recuperadas na proposição de um
opressão das forças políticas, o que, de forma feminismo que toma as diferentes experiências e
alguma, significou seu aniquilamento. Os textos subjetividades das mulheres como o núcleo
mencionam diversas ações desenvolvidas pelas germinativo da construção de uma sociedade
feministas nos meandros do cotidiano de um alternativa, sustentada em torno do partilhamento
regime que condenava as vozes dissonantes ao de lutas e preocupações dessa coletividade. As
silêncio. obras de Elisabeth Badinter e de Donna Haraway
O eixo “Perfis das mulheres feministas” narra são analisadas na perspectiva de evidenciar o
a trajetória pessoal e política de três feministas: caráter plural do feminismo do novo milênio, cujas
Adelaide Cabete (1867-1935), médica, proposições celebram um deslocar permanente,
identificada como uma das precursoras do o borramento de fronteiras, a implosão de velhos
feminismo português; Maria Veleda (1871-1955), alicerces, evocando a conquista da polifonia e
professora; e Maria Antónia Palla (1933-), jornalista da diferença.
feminista pioneira na imprensa diária na década “Sexualidades, corpos e feminismos” é
de 50. A especificidade da atuação de cada composto por textos que discutem a emergência
uma delas é contada considerando o contexto nos anos 60 das questões relacionadas à
político e cultural do tempo em que viveram, cuja sexualidade feminina na sociedade portuguesa.
proximidade se dá pela luta a favor da ampliação Esclarecem que até a primeira metade do século
dos direitos das mulheres e em prol de uma XX a sexualidade era tratada pelo campo
sociedade menos desigual. biomédico, área constituída por homens que
“Feminismos na viragem do século XX” usavam como padrão de referência a
constitui o terceiro eixo: volumoso e plural, é sexualidade e o corpo masculinos. Essa
composto de cinco partes. Na primeira delas, um hegemonia foi rompida pelos feminismos dos anos

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70 ao protagonizarem a luta das mulheres pela ainda são poucas as mudanças observadas e
apropriação do seu corpo, em favor da interiorizadas no cotidiano, seja por questões
contracepção e do aborto, reivindicando a culturais, seja por falta de medidas judiciais que
vivência livre da sua sexualidade. São centrais, protejam as mulheres vítimas e punam os
também, as análises sobre distintas formas de agressores.
generificação dos corpos e, no plano da política O tema “Ação feminista na viragem do
de identidade, as discussões acerca das alianças século” sublinha que o feminismo não é um
tecidas entre os movimentos lésbico, gay, estado de alma de algumas mulheres, mas sim
bissexual e transgênero na luta pelos direitos das um movimento para mudar a sociedade. Por essa
mulheres razão, é necessário potencializar suas
O trabalho na vida de homens e mulheres capacidades, lutando para que a agenda
e seus atravessamentos com o público e o privado política portuguesa abrace a igualdade entre
também é tematizado nesse eixo. Os textos homens e mulheres, sem prejuízos ou privilégios,
evidenciam o quanto as desigualdades entre como um direito fundamental.
homens e mulheres são alvo de intensos e Enfim, ao narrar trajetórias dos feminismos
acalorados debates. Ao mesmo tempo que a em Portugal o livro estende-se muito além daquele
dualidade público-privado é questionada, há país. Sua leitura permite compreender que a
uma série de afirmações que atribuem à história dos feminismos não é linear nem plena
legislação trabalhista portuguesa a manutenção de positividades. Nela inscrevem-se avanços e
das desigualdades, visto que, ainda hoje, recuos, desistências e persistências, possibilidades
restringe direitos, suspende garantias e dificulta sempre negociadas consoante os tempos, as
o acesso e a permanência de jovens mulheres culturas, as representações, as práticas, os
no mundo do trabalho, em especial naqueles discursos. Permite, sobretudo, compreendermos
lugares tomados como masculinos. que os direitos adquiridos pelos feminismos não
A “Violência sobre mulheres” é abordada são garantidos para sempre, o que implica eterna
sob dois olhares finamente articulados: as vigilância e disposição para os enfrentamentos
reflexões teóricas e investigações produzidas pelo necessários para sua afirmação.
feminismo, que permitiram criar as condições
necessárias à produção da visibilidade dos maus- Silvana Vilodre Goellner
tratos vividos pelas mulheres no interior de suas Universidade Federal do Rio Grande do
famílias e os relatos de experiências de mulheres Sul
envolvidas no atendimento às mulheres vítimas
de violência. Ambos destacam que, embora a Angelita Alice Jaeger
legislação portuguesa possua certos avanços Universidade Federal de Santa Maria
quando comparada com a de outros países,

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