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TSO A escrita da cultura: podtica « politica da etnogralla © pastoril toma possivel uma civilidade particular em relagdes qe Sobre a alegoria etnografica atravessam fronteitas sociais, Permite uma ternura polida, que formas malt diretas de teconhecimento da desigualdade poderiam inviabilizar, Sun cot tesia transforma-se em respeito, até mesmo em admiragio. Evans-Pritchanl € Le Roy Ladurie clatamente tém afeto pot “seus pastores”. Mas 0 pastor também permite atitudes paternalistas de condescendéncia, tais come wiih mead reveréncia por uma simplicidade que “nés” perdemos (compa to de Clifford, nesta coletiinea), Para Evans-Pritchard e Le Roy Ladurie, modo pastoril serve a seus interesses porque o pastor simboliza 0 pont il da dominacio em que a verdade ctnogrifica neutra pode ser encontracl © uso do pastoril ao mesmo tempo justifica e trai os esforgos ini dutérios de suprimir a inter-rclagio entre poder e conhecimento. Assim, ( natradores podem usuftuir de relagdes plenas de uma cortesia terna quic [i AF COM 0 (0H 1, wma bistria na qual pessoas, evsas ¢ avontei- -mentos tém ontro sgnificads, como em wnta fix nla on pardibola: as abgorias sao wadas para ensinar ow exphiear. rece transcender a desigualdade ¢ a dominacio. Mas 0 modo pastor revel, Vasil "te a aa obliquamente, desigualdades nas relagdes que produzem 0 conhecimi'ii tras. [J cemogrifico. Reprimidos nas narrativas introdutétias, os contextos dle «iy minagio voltam sob disfarces corteses. A qualidade das relagdes human personificadas nas figuras do inquisidor e do pesquisador de campo anit assombra os autores. Por meio de uma metamorfose literitia, as imaytit de dominagio reaparecem, nio como inquisidores ou pesquisadores, 1) agora, como “nativos” sob vestes de pastores. Fim um ensaio recente sobre narrativa, Victor Turner argumenta que formances sociais encenam histérias poderosas ~ miticas ¢ do senso jum — que dio ao proceso social “uma retérica, um modo de urdidura significado” (Lurner, 1980, p. 153). Nas paginas que se seguem, trato Este trabalho deve meito aos comentirios de Talal Asad, Amy Burce, James Cito ‘Vincent Crapanzano, Michael Fischer, George Marcus, Kirin Narayan, Mary Pratt, il Rabinow, Robert Thornton, Stephen ‘Tyler e Sylvin Yanagisako. ier Naw Tenth Contury Dictionary, 2 ed. Nos estudos litesivios, as definicdes de alego- ‘yjo da csracrerizagio frouxa de Angus Fletcher (1964, p. 2) (‘Colocando da forma mais pes, uma alegoria diz uma coisa e quer dizer outra”) até a reafitmasio de Todorov (1973, 163), de um sentido mais preciso: “Em primeiro lugar, a aleyoria implict a existéncia de a0 108 dois sentidos para as mesmas palaveas; de acordo com alguns exticos, o primeiro sen deve desaparecer, enquanto outros alegam que os dois devem estar presentes juntos. Em indo lugar, esse duplo sentido ¢ indicado na obra de uma forma expltiza ele nao provém Interpretagio do letor (eja ela atbitriria ou nfo)”. De acordo com Quinilano, qualquer tifora continua ou extensa se transforma em uma alegoria; e, conforme observa Northrop (1971, p. 91), “Dentro das fronteiras da literatura encontrannos uma espécie de scala grt- que vai daquilo que é maie expicitamente alegérico, coerente com o fato de ser literatura, lum exzremo, ao mais elusivo,antiexplicito € antialeyérico no outro”. Os vitios “segunclos ftidos” da alegoria etnogrifies que rastearei aqui sio, todos eles, textualmente explicitos fa a ctnografia desloca-se ao longa da escala de Frye, exibindo fortes teagos alegéricos, em al sem assinali-los eo alegosias. 1971, p. 43). Essa versio do pastoril muitas vezes orienta a escrita etnogritica. Ao ler Os Nie «Monta, peeocupe-me com 0 conteiido da idealzacio e seus propisitos. 4 propria etnografia como uma performance urdida por histérias poderosay Embutidas em relatos escritos, essas historias simultaneamente desereven acontecimentos culturais reais ¢ oldgicas ou mesmo cosmoldgicas. nivel de seu contetido (aquilo que to de sua forma (aquilo que é implicado por seu modo textual). Um exemplo aparentemente simples pode servir de apresentaciiy «I minha abordagem. Marjorie Shostak comega seu livro Nisa: the life and onl) ofa {Kung woman com uma historia de um parto feito ao estilo {Kin: aldeia, desacompanhado. Kis alguns trechos: eles acteseentam afitmagoes morais, ide é ale ceulturas ¢ suas Fiquci deitada ali, scntindo as dores 4 medida que vinham, repetidancrie Entio senti uma coisa molhada, © comeco do parto, Pensei “Hi, deve set bebe”, Levantei, peguei um cobertor ¢ cobsi Tashay; cle ainda estavs doy mindo. Entio peguei outro cobertor © minha pequena eoberta de ple ili antlope ¢ sai, Eu nio estava sozinha? A Gnica outra mulher era a av (li ‘Tashay ¢ ela estava dormindo na sua cabana, Entio, do jeito que estava, (i embora, Me afastei um pouco da aldcia ¢ me sentei perto de uma érvore, | ‘Depois que ela nascen, fiquei sentada ali; eu nfo sabia o que fazer. N a menor ideia. Ela estava ali deitada, agitando os bragos, tentando chupat 0 dedos. Fla comecou a chorar. Eu s6 fiquel sentada ali, alhando pra ela, [i ficava pensando: “Esta € a minha filha? Quem dew a luz esta erianca?” | ppensci: “Uma coisa grande assim? Como isso pode ter safdo dos meus diy genitais?” Fiquet sentada ali, olhando pra ela, olhando, olhando € olan (Shostak, 1981, pp. 1-3). A hist6ria no tem maiores mediagSes. A voz de Nisa é inconfund| vel, a experiéneia é agudamente evoeada: “Ela estava ali deitada, agitandl os bragos, tentando chupar os dedos”. Mas, como leitores, fazemos malt do que registrar um evento tinico, O desenrolar da histéria exige que 0 em primeizo lugar, imaginemos uma norma cultural diferente (0 parto !Ku1 desacompanhado, no bosque) e, em seguida, reconhecamos uma expe cia bumana comum (0 heroismo tranquilo do parto, os sentimentos de cles lumbramento e diivida do pés-parto). A histéria de um acontecimento cn) algam lugar do Deserto de Kalahari no pode ser somente isso. Ela implic 0 mesmo tempo significados culturais locais e uma hist6ria geral do parto \ diferenga & postulada e transcendida, Além disso, a histéria de Nisa diz (c como poderia nio dizé-lo?) uma coisa bisica sobte a experiéncia inina, A vida de um individuo !Kung narraca por Shostak transforma-se, jiavelmente, em uma alegoria da humanidade (feminina). Argumento a seguir que esses tipos de significados transcendentes nto abstragdes ou interpretagdes “acrescentados” ao relato original “sim- ‘Ao contritio, sio as condigdes de sua significacio. Os textos etno- icos siio ineseapavelmente alegéricos, ¢ levar esse fato a sério muda as 1s como podem ser escritos ¢ lidos. Uso o experiment de Shostak 10 um estudo de caso para examinar uma tendéncia recente de distinguis ts alegdricos como “vozes” especificas dentro do texto. Argumento, 20 |, que a propria atividade da eserta etnogréfica — vista como inscrigao extualizacio — encena uma alegoria ocidental redentora. Essa estrutura nrente precisa ser percebida ¢ avaliada em telacio com outras urdiduras performance da etnografia, “A desergio litera sempre se abre para ocendrio de onira cena, por assio dizer, “atrés” das coisas desse mundo que pretend desereve. Michel Beaujour, “Algans Paradoxos dla Desericao”, Alegoria (do grego allas, “outro”, e agoreuen, “falar”) em geral denota pica na qual uma ficco narrativa se refere continuamente a outro pa- de ideias ou eventos. E, uma representagio que “interpreta” a si mesma. ‘0 termo alegoria no sentido expandido que discusses criticas recentes dicam para ele, em particular aquclus de Angus Fletcher (1964) ¢ Paul ‘Man (1979), Qualquer historia tem uma propensio a gerar outra historia lente de seu lcitor (ow ouvinte), a repetit e desalojar uma histéria ante- Focat na alegoria etnogeifica em detrimento, digamos, da “ideologia” watifica — embora as dimensGes politicas estejam sempre presentes (Ja- ‘on, 1981) — chama a atengio para aspectos da descrigio cultural que, até entemente, tém sido minimizados. Reconhecer a alegotia enfatiza 0 fato a de que retratos realistas, na medida em que sio “eonvincentes” ou “riec sio metiforas expandidas, padres dle associngbes que apontam pr ficados adicionais (tedricos, estéticos, morais) coerentes. A alegoria (con mais forca do que a “interpretagio”) traz i mente a natureza cosmolopies tradicional ¢ poética desses processos de escrita. ‘A alegoria chama uma atencio especial para a natureza sarrutiti «li representagdes culturais, para as histérias embutidas no proprio process ile representagio. Quebra, também, a qualidade aparentemente ininterrupt «i descricio cultural, ao acrescentar um aspecto temporal ao processo de Ic Um nivel de significado em um texto vai sempre gerar outros niveis. Asin), retética da presenga que prevaleceu em muito da literatura pés-romintics (¢ ‘em muito da “antropologia simbélica”) ¢ interrompida, A critica de De Mar da valorizagio dos simbolos em detrimento da alegoria na estética ror também coloca em questio o projeto do realismo (De Man, 1969). A aleya Go de que a deserigio nao alegorica era possivel — uma posigéo subjacent¢ tanto ao literalismo positivista quanto sinédoque realista (a relagio orp ca, funcional ou “tipica” das partes com os todos) — mantinha uma {atin} alianca com a busca romantica pelo sentido nlio mediado do aconteciments O positivismo, o rcalismo ¢ o romantismo ~ ingredientes do século XIX «|i antropologia do século XX ~ rejeitaram, todos eles, 0 artificio “falso” «la re torica juntamente com a suposta abstragio da alegoria, A alegoria violou 0 cnones tanto da cigncia empitica quanto da espontaneidade astistica (Ony, 1971, p. 6-9). Ela era dedutiva demais, uma imposicio excessivamente aber de sentido sobre uma evidéncia sensivel. A “ressurreiglio” recente da retérie por um grupo vatiado de teéticos da literatura ¢ da cultura (Roland Barthes, Kenneth Burke, Gérard Genette, Michel de Certeau, Hayden White, De Man e Michel Beaujour, entre outros) langou sérias diividas sobre 0 eo" senso positivista-roméntico-realista, Na etnogeafia, a virada atual em dire«' A retériea coincide com um periodo de reavaliacio politica e epistemolty no qual a natureza construida imposta da autoridade representacional 9 tomou inusitadamente visivel e contestada. A alegoria incita-nos a dizer, et) relagio a qualquer descri¢io cultural, nfo que “isso representa, ou simbolizs, aguilo”, mas que “isso € uma histéria (com forte carga moral) sobre aquilo” ra sip ® Obras recentes de Boon (1977, 1982), Crupanzano (1980), Taussig (1984) e Tyler (19843) 90 _gerem, de mareiea muito explicta, uma “antropologia alegriea”. a icos contidos em etnografias nunca podem ser limi- lox a um projeto de descrigio cientifiea, na medida em que a tarefa que lent a obra é tornar o comportamento (muitas vezes estranho) de um wodlo de vida diferente humanamente compreensivel. Dizet que simbolos comportamentos exéticos fazem sentido, seja em termos “humanos” ou ulturais”, é fornecer os mesmos tipos de significados alegoricos acrescidos Jue surgem em narrativas mais antigas, que viam ages como “espiritual- ‘ente” significativas. As alegorias culturalista ¢ humanista estio por tris das iegdes controladas de diferenca e similitude, as quais chamamos de relatos ‘ogrificos. O que se mantém nesses textos é uma atengio dupla para a jperficie descritiva e para os afveis de significado mais abstratos, compa livos ¢ explicativos. Essa estrutura dupla ¢ exposta pot Coleridge em uma {inicio eléssica: Os telatos espe Podemos, entio, definit com seguranca a escrta alegérica como 0 emprego de um conjunto de agentes ¢ imagens, com suas agdes ¢ acompanhamentos ‘correspondentes, com 0 objetivo de expressas, embora de forma disfargad, qualidades morais ou concepedes da mente que nio sio, em si mesmas, ob- jetos dos sentidos, ou outras imagens, agentes, eventualidades ¢ cireunsti- cas de forma tal que a diferenca é apresentada pot toda parte ao olho ou a imaginacdo, enquanto que a semelhanga ¢ sugerida A mente; e isso de forma interlgada, de maneiea que as partes se combinam para format um todo €0- crente (Coleridge, 1936, p. 30). (© que uma pessoa fem um relato etnogrifico coerente, um construto imagens do outro, esti ligado a uma estrutura dupla continua com aquilo le a pessoa entende, Por vezes, a estrutura é Sbvia: “Durante 0 proceso fabricacfo de ceramica, as mulheres conversam de forma suave, em voz Ika, sempre em ambiente ameno, sobre a dindmica do ecossistema..” hitten, 1978, p. 847). Fim geral, a estratara é menos Sbvia ¢, portanto, mais, lista. Adaptando a formula de Coleridge, o que aparece descritivamente 1s sentidos (e basicamente, como cle sugere, a0 olho que observa) parece “outro”, enquanto o que & sugetido pela série cocrente de percepgies Luma similitude subjacente. Um comportamento estranho ¢ setratado mo dotado de sentido no seio de uma rede comum de simbolos ~ uma use comum de atividades compreensiveis, vilidas tanto para o observador ee quanto para o obser ado ¢, por implicagio, para todos os grupos humains Assim, a natrativa etnognifica de diferengas pressupde, ¢ sempre se telett, © um plano abstrato de similitude, Fi importante observar, embora no seja possivel desenvolver © tel0) aqui, que, antes do surgimento da antropologia secular como uma cicvieli dos fendmenos bumanos € culturas, os sclatos etnogrificos cram ligaloy 4 outros referentes alegéticos. A famosa comparagio do padre Iafitatt (172!) dos costumes dos nativos americanos com os costumes dos antigos hchteiis © egipcios é um exemplo de uma tendéncia antiga de delinear deserico« outro com base em concepgdes dos “premiers temps”. Slegorias cl biblicas mais ou menos explicitas sfo abundantes nas primeiras desc do Novo Mundo. Pois, conforme argumenta Johannes Fabian (1983), hiv uma tendéncia recorrente a prefigurar os outros em um espago (anterio}) temporalmente distinto, porém localizavel, em um progresso presumido historia ocidental. A antropologia cultural no século XX tendeu a substituil (cmbora nunca integralmente) essas alegorias hist6rieas por alegorias hu nistas. Absteve-se de procurat as otigens, preferindo buscar as semelhany)it hhumanas ¢ as diferengas culturais. Mas 0 processo representacional ct) §| mesmo niio mudou, essencialmente, A maior parte das descrigées dos 01) tos continua a pressupor e a se referir a niveis de verdade elementare' 0) transeendentes, Essa conclusio aparece claramente na recente controvérsia Mei Freeman, Dois rewratos conflitantes da vida em Samoa sio apresentacloy como projetos cientificos; mas ambos configutam o outro como um «ili eg moralmente carregado. Mead alegava estar realizando um “experiment conttolado no campo, “testando” a universalidade de uma adolescéricii estressante por meio do exame empirico de um contraexemplo, Mas, apes tl retdtica boasiana sobre 0 “laboratério” do trabalho de campo, o experimento de Mead gerou uma mensagem de ampla relevincia ética ¢ politica. Assi como Ruth Benedict em Patterns of culture (1934), ela adotava uma visio liberal c plutalista,reagindo aos dilemas de uma sociedade norte-americana “complex: As historias ctnognificas contadas por Mead e Benedict eram explicitament« vinculadas A situagio de uma cultura em luta com valores divergentes, com » Mead (1923), Freeman (1983). Recossi A minha resenha de Freeman no Times Litery Sup ‘ent, 13 de mio de 1983, pp. 475-76, que examina as dimenséesltersias da conteaveérsia, Pars ‘outto tratamento nessa linha, ver Porter (1984). - ee ee ge aparente dissolucio de tradigdes estabelecidas, com vis6es utépicas wileabilidade humana e receios de desagregacio. Suas etografias eram las de identidade”, para adaptar o titulo de Northrop Frye (1963). Seu ‘sito abertamente alegérico nfo er uma espécie de moldura moral ile exibicio para desericées empiricas, algo actescentado em preficios \luses, Todo o projeto de inventar e representar “‘culturas” cra, para Mead ionedict, um empreendimento pedagdgico e ético. Hoje, 0 “expetimento” de Mead sobre a variagio cultural controlada parece menos com ciéncia do que com alegoria — uma histdria excessi- yente focada de Samoa que sugere uma América possivel. Entretanto, w do trabalho etnogrifico e, em vex disso, aplica sua prépria versio do lificismo, inspirada por desenvolvimentos recentes da sociobiologia. Na io de Freeman, Mead estava simplesmente errada em relagio aos samo- les nao sio 0 povo permissivo e casual que ela tornou famoso, mas petturbados por todas as tensdes humanas comuns. So violentos. Tém tis, O corpo de sua critica é uma massa de contraexemplos retirados de istros histdricos e de seu proprio trabalho de campo. Em 170 paginas de massacre empirico, ele mostra, de maneira bem-sucedida, o que jé estava (0 para um leitor atento de Coming of age in Samoa. que Mead constrain ux imagem condensada, coneebida para propor li¢des priticas de moral & iedade norte-americana. Mas, & medida que Freeman comeca a amontoar mmplos da ansiedade e da violencia dos samoanos, 2 moldura alegérica do proprio projeto comega a ficat evidente. 6 claro que hé alguma outta coi- sendo expressa além de apenas 0 “lado sombrio”, como diz, Freeman, da lt samoana, Em uma reveladora pigina final, ele admite isso, contrapondo sentido “apolineo” de equilifrio cultural de Mead com a natureza humana jonisfaca’” da biologia (essencial, emocional etc.). Mas qual é 0 status cien- ico de uma “refatagio” que pode ser englobada de forma tio precisa por 1a oposi¢io ocidental mitica? Ao final, resta-nos um contraste gritante: 0 unclo calmo, atraente e sexualmente liberado do Pacifico, e, agora, a Samoa lc Freeman, com suas tensdes efervescentes, controles rigidos ¢ explosdes jolentas, Na verdade, Mead ¢ Freeman compéem uma espécie de diptico, jos painéis opostos represcntam uma ambivaléncia ocidental recorrente jante do “primitivo”. Tudo nos faz lembrar 0 Typee de Melville, um paraiso sual tecido com horror, com a ameaca da violéncia. a Ox 116s registros clo livro sho discrepantes em aspectos cruciais, Em Jogar, a autobiografia, comparada com as vidas de outras mulheres Le transfert de PEmpire de la Cll inserida em uma interpretacio cultural em curso (a qual ela acrescen- VE mpire de sob-nénte ost consianh {undidade”), Hm segundo lugar, essa experiéncia moldada logo se tor- 4 historia da existéncia “das mulheres”, uma hist6ria que se harmoniza hom com muitas das experiéncias e tépicos abordados no pensamento \ recente, Em terceiro lugar, Nisa narra um encontro intercultural, 1s] dois individuos colaboram para produzit um dominio especifico de | © encontro etnografico em si se transforma, aqui, no assunto do ima ‘obre comunicagio, encontro ¢, finalmente, uma espécie de 40, ficcional, porém persuasivo. Nix é, assim, expressamente, uma 1. da compreensio cientifica, operando tanto a0 nfvel da desctigio cul- junto da busca pelas origens humanas. (Junto com outros pesquisado- uletores-cagadores, o projeto de Harvard — Shostak inclusive — tende s¢ estigio, o mais longo do desenvolvimento cultural humano, o nivel «di natureza humana) Nisa é uma alegoria feminista ocidental, parte gio da categoria geral “mulher” nos anos 1970 e 1980. da ctnografia, do contato ¢ da compreensio. O livto é uma narrativa que entrelaca esses trés registtos significativos, ‘piussa constantemente de um para outro, as vezes de forma desajcitada. ‘como muitas obras que setratam experiéncias humanas comuns, con- ‘legrias, trabalho ete, Mas texto construido por Shostak € original M1 como se recusa a fundir seus trés registros em uma representagio "continua, Eles permanecem separados, em uma tensio dramitica. polivocalidade € adequada ao problema do livro, o mesmo a que se de- muitos escritores etnograficos autoconscientes que acham dificil falar “outros” bem definidos a partir de uma posicio estivel e distanciada. A ica invade o texto; ela a nto pode ser representada; precisa ser encenada, O primeito registro de Nisa, 0 registro da ciéncia cultural, coloca seu em firme relagio com um mundo social. Explica a personalidade de Jom termos do estilo !Kung e usa sua experiéncia para nuancar e corrigit lizagées sobre seu grupo. Se Niza revela mecanismos intersubjetivos ina profundidade incomum, sua construgio polivocal mostra, tam- aoe que a transigao para o conhecimento cientifico no se di de forma 1 Sobre as origens dessa “monotonia”, ver De Cetteau (1983, p. 128) 5 O restanse desta sgio € una versio expandida de tina reseaha de Nian publica Tag 0 pessoal fo se sende ao geral sem perdas. A pesquisa de Shostak itary Snpplomn, 17 de setembro de 1982, pp 94-95. nu'se em entrevistas sistematicas com varias mulheres [Kung. A partir Victor Sel ‘Uma etnografia cientifica costuma estabelecer um registro aleyitlh privilegiado identificado como “teoria”, “interpretagio” ou Mas, uma vez que fados 0s niveis significativos de um texto, incluinlo a ay rias e as interpretagGes, sejam reconhecidos como alegéricos, torna se «ill ver um deles como privilegiado, respondendo pelos restantes. Unis ver essa Ancora seja suspensa, encenat e atribuir valor aos mileiplos repisivoy ily g6ricos, ou “vozes”, passa a ser uma drea importante de preocupagilo pili! esctitores etnogrificos. Recentemente, isso as vezes significou dar 10 lise so native um status semi-independente no conjunto textual, intertompelily a monotonia privilegiada da representacao “cientifica”.* Muitas ctnoy lh buscando afastar-se dessa antropologia totalizadora, tentam evocar alee: iltiplas (mas nio ilimitadas). Nisa, de Marjorie Shostak, exemplifica e se debate com o probleiy)i apresentar ¢ mediar miiltiplas histérias.’ Vou me deter aqui, de forma ly detalhada. Shostak coloca em cena, explicitamente, trés registros aleyoriiie (1) 2 representagiio de um objeto cultural coerente como fonte de cvnlity) mento cientifico (Nisa é uma “mulher !Kung”); (2) a construgo dle wi oly jeto dotado de género (Shostak pergunta: 0 que quer dizer ser uma mullet) (3) a histéria de um modo de produgio e relacio etnogrifiea (am dilly intimo). Nisa € 0 pseudénimo de uma mulher de cinquenta anos, «uc Vin a maior parte de sua vida em condicdes seminémades. Marjorie Shostak pot tence a um grupo de pesquisa sediado em Harvard que vem estudarili cagadores-coletores !Kung San desde os anos 1950. As complexas veri que surgem a partir dessa “vida e palavras” nfo sio limitadas a um indivi ‘ou a0 mundo cultural que 0 cerca. “explicaglilly eS ae a 8, ela reuniu um conjunto de dados grande o suficiente pint tevelar atitudes, atividades ¢ experiéncias tipicas. Mas Shostak feita com a falta de profundidade de suas entrevistas, o que a fez busear wit informante capaz de fornecer uma natrativa pessoal detathada. Nisa tinh uma habilidade muito rara de recordar e de explicar sua vidas além disso, al se desenvolveu uma forte ressoniincia entre suas histérias e as preoeupayiies pessoais de Shostak. Isso colocou um problema para as expectativas de witli ciéncia social generalizante. Ao fim de sua primeira estada no campo, Shostak ficou preocupiy da com uma suspeita de que sua interlocutora pudesse set ex idiossineritica. Nisa padecera de graves sofrimentos; sua vida, conforme ely a recontava, fora muitas vezes violenta, A maior parte dos relatos anteriores sobre os [Kung — como The Harmless People, de Elizabeth Marshall’ Thonys (1959) — os mostrara como um povo amante da paz. “Seré que cu quetli mesmo ser a pessoa que abalaria o quadro?” (Shostak, 1981, p. 350). viagem de volta a0 Kalahari, Shostak se tranquilizou. Embora Ni ivamenty umn a sind cexercesse uma fascinagio especial, ela agora parceia menos incomum, I! § cetndgrafa ficou [-] mais segura do que nunca de que nosso trabalho, juntas, pocia co avangar. As entrevistas que fazia com outras mulheres estavam me prowal aque Nisa era basieamente igual Aquelas A sua volta, Ela era incomumcnt ticulada, ¢ tinha passado por perdas maiores do que as perdas normais, 1h ‘pa maioria dos outros aspectos importantes, cla era uma mulher !Kuny: ip (Shostak, 1981, p. 358) Roland Barthes (1981) escteveu de forma incisiva a respeito de wii ciéncia impossivel do individual. Sentimos, a0 longo de Nisa, um pus il sistente na diregio do geral, € nfio é de maneita indolor que vemos Nis. generalizada, “ligada a uma interpretagio da vida !Kung” (ibid,, p. 350), discurso cientifico do livro, incansavelmente contextual, tipificante, se «i trelaga com as outras duas vozes, apresentando cada uma das quinze seqey tematicas da vida com algumas poucas paginas de contexto, (“Uma ver «) © casamento tenha resistido por alguns anos apés a primeira menstrinigi da jovem esposa, a relagio entre os cOnjuges se torna mais igual” [ibid |) 169], E por af vai.) De fato, o leitor sente, as vezes, que 0 diseurso cient a funciona no texto como uma espéeie de freio das outras vozes do livro, Jos significados s mente pessoais ¢ intersubjetivos. HA uma crepinc ‘ao mesmo tempo que a histéria de Nisa contribui 1m goncralizagdes melhores sobre os !Kung, sua especificidade em si ¢ as uunstincias particulares de sua construgio criam significados resistentes demandas de uma ciéncia tipificante. O segundo eo terceiro registros do livzo sfio muito diferentes do pri- (10, Sua estrutura é dialégica, e as vezes cada um deles parece existit basi- jente como reago a0 outro. A vida de Nisa tem sva propria autonomia ual, como uma narrativa especifica contada com tons catucteristicos ¢ cis, Mas ela é, explicitamente, o produto de uma colaboragio. Isso € par- larmente verdadciro no que diz respeito & sua forma geral, uma vida intei- quinze capftulos que incluem “Primeiras Lembrangas”, “Vida Familiar”, Jescobrindo o Sexo”, “Tentativas de Casamento”, “Casamento”, “Mater- jade c Perda”, “Mulheres e Homens”, “Arranjando Amantes”, “Um Ritual Cura”, “Envelhecendo”. Embora no inicio das entrevistas Nisa tenha ypeaclo sua vida, delineando as principais éreas a serem abordadas, a lista itica parece ser de autoria de Shostak. Na verdade, ao colocat o discur- de Nisa no formato de uma “vida”, Shostak se ditige a duas audiéncias ito diferentes. Por um lado, essa colecio intensamente pessoal de mems- € tornada adequada para a tipificagZo cientifica como uma “historia de I” ou um “cielo de vida”. Por outro, a vida de Nisa coloca em cena um (canismo potente ¢ recorrente para a produgio de sentido no Ocidente sefexemplat ¢ coerente (ou melhor, o self organizando-se em uma auto- rafia). No ha nada de universal ou natural nos processos ficcionais da wgeatia e da autobiografia (Gusdorf, 1956; Olney, 1972; Lejeune, 1975). A nao se organiza facilmente por si mesma em uma narrativa continua, indo Nisa diz, como faz com frequéncia, “Nés morivamos naquele lu- ; comendo coisas. Ai fomos embora para outro lugar”, ou, simplesmente, {6s viviamos e viviamos” (Shostak, op. cit, p. 69), 0 murmirio da existén- ‘gem marcas ¢ impessoal pode ser escutado. A partir desse pano de fundo condo, uma forma nasrativa emerge por ocasifi da fala, simultaneamente sic para 0 outzo. Nisa conta sua vida, um processo dramatizado textu- jente no livro de Shostak. Enquanto aller ego, instigadora e editora do discurso, Shostak faz tsas intervengdes relevantes. Um bocado de cortes ¢ de tearrama- sek TUR NOTRE UN CUEIS portion © POURS Cs STHOgrars cs transforma histérias superpostas em “uma vida” que nio se repele indevidamente ¢ que se desenvolve por meio de passos e passagens teow nheciveis. A voz distinta de Nisa emerge. Mas Shostak remove ticamente suas proprias intervengdes (embora elas muitas vezes porsiil) ser percebidas através da resposta de Nisa). Ela também omitiu diver marcadores narrativos: o comentério habicual de sua amiga ao fini ce histéria, “o vento levou isso embora”; ou no inicio, “Vou abrir a hi dizer a vocé 0 que tem 1a”; ou no meio, “O que estou tentando fazer? Ch estou cu, sentada, contando uma histéria, ¢ af vem outa hi ‘na minha cabeca e nos meus pensamentos!” (ibid., p. 40). Shostak clay mente pensou com cuidado sobre o enquadramento de suas transcrigiies eno se pode ter tudo —a performance com todas as suas divaga mesmo tempo, uma histéria de facil compreensao. Para que as palavr Nisa pudessem ser lidas por um piblico amplo, era preciso faz sdes as exigéncias da alegoria biogréfica, a uma forma de leitura trcina na interpretagao ética de selves. Com a utilizagao desses meios formal segundo discurso do livro, a vida contada de Nisa, é aproximado cle sei leitores, transformando-se em uma narragio dotada de um sentido “hy mano” eloquente. terceito registeo distinto do livzo é o relato pessoal de Shostak 1 bre o trabalho de campo. “Me ensine o que é ser uma mulher !Kunp” eh | pergunta que ela fazia a suas informantes (ibid. p. 349). Nisa respondia co) uma habilidade peculiar, suas palavras pareciam responder também a 0) pergunta: “O que é ser uma mulher?” Shostak dizia a suas informantes “(it queria aprender o que é set uma mulher em sua cultura pata poder enterlt melhor o que é ser mulher na minha propria cultura”. Com Nisa, a relacio 6 torou, nos termos !Kung, a relagio de uma tia em conversa com uma joel sobrioha, “uma menina-mulher, recém-casada, debatendo-se com os pro) mas do amot, do casamento, da sexualidade, do trabalho e da identiclacde” (ibid, p. 4). A mulher mais jovem (“sobrinha”, as vezes “filha” é instru por uma mulher mais velha e experiente nas artes e dores da feminiliducle. | rclagio em mudanga termina com uma igualdade de afeto e respeito, ¢ call ‘uma palavra final, forte em seu significado feminista: “inma” @bid,, p. 571) ‘Nisa fala, ao longo de todo o livro, nio como uma testemunha neutra, Hi) ‘como uma pessoa que da tipos especificos de conselhos a alguém de idade especifica, com perguntas ¢ desejos explicitos. Ela no é uma “inlol éria © enti ces ¢ 1 cOnee mm andlo verdacles cu/tunas, como se as enunciasse para todos e para \é1n, fornecendo informagSes ao invés de respostas circunstanciais, n seu relato, Shostak desereve uma busca por conhecimento pes- |, por algo que vai além da relagio etnogrifica comum. Ela espera que \imniclacle com uma mulher [Kung vi, de alguma forma, alargar ou apro- iar sua percepgao de ser uma mulher ocidental moderna, Sem extrait ies explicitas com base na experiéncia de Nisa, ela dramatiza a partir de propria luta a forma como uma vida narrada faz sentido, alegoricamente, ‘utra pessoa, A historia de Nisa é revelada como uma producio conjunta, ultado de um encontro que no pode ser reescrito como uma dicotomia Kilo objeto. Ha algo mais acontecendo do que a explicagio ou a reptesen- 10 da vida e das palaveas de outra pessoa — algo mais aberto, O livro faz de um novo interesse em revalorizar os aspectos subjetivos (ou, mais inamente, intersubjetivos) da pesquisa. Esse interesse emerge de um mo- 0 crucial da politica e da epistemologia feministas: © despertar da cons- ict. € o compartilhar de experiéncias das mulheres, Produz-se um senso bmunbao que, ao aproximer vidas separadas, empodera 2 agio pesso- conhece um estado comum. Esse momento de consciéncia feminista We ¢ alegorizado na fébula de Nis sobre sua propria relacionalidade. uttas etnografias, histérias tradicionalmente masculinas de iniciagio (trago encenam, de maneira diferente, o encontro produtivo entre 0 0 outro) A alegoria feminista explicita de Shostak reflete, assim, um lento especifico no qual a construgio da experiéncia “da mulher” ocupa wweénio, Trata-se de um momento de importincia duradoura; mas tem questionado por contsacorrentes atuais da teoria feminista. A afirmacio jalidades femininas (¢ opressdes) comuns que atravessam fronteiras ra étnicas ¢ de classe tem sido problematizada tecentemente. E ha alguns \gos em que “mulher” é visto nio como um fos de expetiéncia, mas (0 uma posigio subjetiva mével irredutivel a qualquer esséncia.” Aalegoria de Shostak parece registrar essas contracorrentes em seus, Ios por vezes complexos dos processos de jogo ¢ transferéncia, que luem a inscri¢io final de comunbio, Pois as relagdes intimas do livto Fea enograia como ua slegoria de conqusa cia, ver Clifford (19836). hi a dvsGcsraciais de case ao sei do feminismo, vero repensar de Rich (1978) e 0s los de Hal, Scott e Smith (1982), Hooks (1981) e Moraga (1983). Forte eieas fem fs a csencialsmo pode ser encontrada em Wit (1981) ¢ Haraway (1985), SS basei ¢ em movimento tis € reciprocos de duplicagio, imagina descjo, movimentos alegorizados em uma das histrias contadas por Shoe tak em contraponto A narrativa de Nisa — um incident corpo de menina-mulher, 4 de Néw acompanham = ¢ prolongam = o jogo de um desejo. Imag fo espelho do outro, uma autoabsorcio sem engano, um sentimento inyplicado de “ser atraente” que Shostak traduz por “tenho trabalho”, produtiva”, “tenho valor” (ibid., p. 270). © trabalho de campo antropoldgico tem sido representado tanto como Um dia notei uma menina de doze anos, cujos seios haviam comes § “Iaboratstio” cientifico quanto como um “ito de passagem” pessoal. As se desenvolver, olhando-se no pequeno espelho retrovisor do nosse 1h metiforas captam muito bem a tentativa impossivel da disciplina de Rover, Ela se olhava atentamente, em seguida ficava na ponta dos pes (i lr priiticas objetivas e subjetivas. Até recentemente, essa impossibilidade © e mascarada pela marginalizagio das bases intersubjetivas do trabalho Inpo, por sua exclusio dos textos etnogrificos sérios, sendo relegadas fiicios, memérias, anedotas, confissdes etc, Ultimamente, esse conjunto ay disciplinares vem ruindo. A nova tendéncia de nomear e citar infor- {os mais integralmente e de introduzir elementos pessoais no texto tem ilo a esteatégia discursiva e 0 modo de autoridade da etnografia. Muito Joss0 conhecimento sobre outras culturas precisa agota set visto como \jente, como 6 resultado problemitico do didlogo, da tradugio ¢ da ‘gio intersubjetivos. Isso coloca problemas fundamentais para qualquer icin que se mova, predominantemente, do particular para o geral, que “ fazer uso de verdades pessoais apenas como exemplos de fendmenos bre o valor de wi cexaminar seus seios ¢ tudo © que pudesse ver de seu corpo, ¢ enti villi a observar seu rosto, Fla se afastava para enxergar mais, em seguida se opt) sximava para ver de perto. Eta uma mening adosivel, embora sio se (hs ceasse em nada, a nfo set pela sadde perfeita ¢ pela beleza da juventinle viv que eu 2 observava, Impliquei com ela do jeito !Kung, que ji dominiyy entio completamente: “Tio feia! Como pode uma menina tio joven ji Wl to feia?” Bla si, Pergunteé: “Vocé nfo concorda?” Ela sorsiu e disse: "Ni de jeito nenhum. Bu sou linda!”. Continuou 2 se olhar no espetho. Hi die “Linda? Talvez meus olhos tenham se estmgado com a idade e por no veja linda onde”, Ela respondeu: “Em todos os lugares — meu ost, i corpo. Nio tem feiura nenhuma”, Hssas frases foram ditas com esp neidade, com um sortiso latgo, mas sem atrogineia, O prazer que ela slit (ps ou como excegdes a padrées coletivos. ‘com seu corpo em mudanga era tio evidente quanto a auséncia de qualuey Uma vez que se reconheca a plena complexidade das relagées dialégi- conflito em selagio a isso (Shostak, 1981, p. 270). toricizadas presentes no proceso etnografico, o que antes sc afigurava relatos empiricos /interpretativos de fatos culturais generalizados (alit~ Boa parte do livro esté aqui: uma voz velha, uma voz jovem, uni of es e atribuicdes referentes “aos IKung”, “aos samoanos” etc.) aparece, pelho... Que obsessio por si mesma, Narcisismo, uma expresso de desvit apenas como um nivel alegérico. Esses relatos podem ser complexos quando aplicada 4s mulheres ocidentais, transfigura-se. Observamos, ta) licleitos; e sio, em principio, suscetiveis a refutacdes, presumindo-se bem, que é a etnégrafa que, assumindo uma voz de idade, traz um espelhiy 0 a0 mesmo teservat6rio de fatos culturais. Mas, enquanto versdes assim como Nisa fornece um espelho alegérico quando Shostak assumic ( as baseadas em trabalho de campo, esses relatos claramente nfo sio papel da juventude, A etnografia ganha uma “profindidade” subjetiva por historia, mas uma historia entre outras. Os registros alegéricos discor- meio dos tipos de papéis, reflexos e invetsdes dramatizados aqui. O escrito, tes de Nita — as trés “vozes” do livzo, nunca inteiramente controléveis — € seus leitores, podem ser, simultaneamente, jovens (aprendendo) e velh tem um momento inventivo ¢ conturbado na historia da representagio Gabendo). Podem, a0 mesmo tempo, eseutar, ¢ “dar voz”, a0 outro." Oy culturas. 7 As etmografias muits veres se apresentam como fcgdes da sprendizagem, da agus cl contecimento e, fnalmene, da astordade pars compreeader representa outa cl, “de um auior podem ire woltarente aprender com 0 outro « far por ele, A Pequisador comesn como ima eriznga em eelagio cuitura dos adultos termina is ie Hlecional¢ crucial para o apelo alegérico da etmografa:«rconstrogio simaltinca de Coma sabedouia da experiéncn 1 intercssanteobservar 0 modo como, n0 texto, 8 nx in clzura e de um sf conhecedor, um daplo“amadurecimento em Samoa”. LOD PCIE Cs WELT [ponte © i Weleome of Tears és belo livre, cainando ar tirias de um pero em processo de desaparecwento om cerescimenio de sem antropélego. Margaret Mead, comentario pat cconteacapa da ediclo em brachii de Wakome of Tears, de Charles Wo) Os textos etnogrificos niio sio apenas, ou mesmo predomi te, alegorias. Na verdade, conforme vimos, lutam para limitar 0 jogo «le sous significados “extra”, subordinando-os a fungdes referenciais ¢ mincticny Esse embate (que muitas vezes inclui disputas em relacio ao que € conyl derado teoria “cientifica” ou invengio “literitia” ou projectio “ideol6xici") preserva as convencdes disciplinares ¢ de género. Se a intengao ¢ salva dara etnografia como um instrumento da ciéncia positiva, essas convenciies ptecisam mascaras, ou organizar, processos alegéricos miltiplos. Pois mio ( verdade que qualquer descricio extensa, qualquer virada estilistica, quale! hhistétia ou metéfora pode ser lida como significando alguma outta co) (Precisamos aceitar os trés niveis explicitos de alegoria em um livro come Nisa? B, suas fotografias, que contam sua propria histéria?) Ni turas, em si mesmas, imposstveis de decidir? Criticos como De Man (1979) adotam rigorosamente essa posi¢io, argumentando que a escolha de un) setética, imagem ou modo natrativo dominante em um texto € sempre UM) tentativa imperfeita de impor uma leitura ou uma gama de leituras sobri ‘um processo interpretativo aberto, uma série de “significados” deslocaloy que nunca termina, Mas, embora o jogo livre de leituras possa, em tese, »¢) infinito, ha sempre, em qualquer momento hist6rico, uma gama limitada de alegorias candnicas e emergentes disponiveis para o leitor competente (0 lel tor cuja interpretagio seja considerada plausivel por uma comunidade espe cifica), Essas esteuturas de sentido sio historicamente limitadas ¢ coercitivas Na pritica, nfio ha qualquer “jogo livte”. Nessas citcunsténcias histéricas, 2 exitica de historias e padrdes «uc orientam recorrentemente os relatos entre culturas continua a ser uma importante, de natureza ao mesmo tempo politica e cientifica. No res sfio as lel te ensaio, examino wn alegoria ampla ¢ orientadora (ou, colocando de ira mais pre te como um t6pico de discussio — uma estructura de retrospeccio que ale ser chamada de “pastoril etnogrifico”, O livro de Shostak ¢ os estudos sudores-coletores de Harvard, na medida em que se voltam para a s humanos descjaveis ¢ fundamentais, esto perpassados por 1, um padtiio de alegorias possiveis) que surgiu recente~ ‘um attigo arguto, intitulado “The Use and Abuse of Anthropology: flections on Feminism and Cross-Cultural Understanding”, Michelle {ldo colocou em questo uma tendéncia persistente: a aptoptiagio dos los etnogrificos sob a forma de uma busca pelas otigens. As anilises de \los” sociais como o géneto ¢ a sexualidade mostram uma necessidade we reflexiva de histérias especulativas’ antropolégicas. Partindo da tnta fundadora de Simone de Beauvoir — “o que é uma mulher?” ~, iscussdes académicas “avangam [..J na ditecio de um diagndstico de Ibordinacio contemporinea ea partir dai para as questdes “As coisas sempre 1m como s4o hoje?” ¢, em seguida, ‘Quando ‘isso’ comegou?” (Rosaldo, , 1980, p. 391). Entram exemplos retirados da etnografia, Em uma pritica ie no é essencialmente diferente daquela de Herbert Spencer, Henry ine, Durkheim, Engels ou Freud, parte-se do prinefpio de que evidéncias \Contradas em sociedades “simples” iluminario as origens ¢ a estrutura padrdes cultursis contemporineos. Rosaldo observa que @ maioria dos {ropélogos cientificos abandonou, desde o inicio do século XX, a busca luicionista pelas origens, mas scu ensaio sugere que essa influéncia é sngente ¢ duradoura. Além disso, até mesmo os antropélogos cientificos podem controlar inteiramente os sentidos — as leituras — provocados por jis relatos. Isso é particularmente verdadeiro no caso das representacies l¢ nfo historicizaram scus objetos, retratando sociedades exéticas em “presente etnogrifico” (0 qual, na verdade, é sempre um passado). sa suspensio sincrdnica efetivamente textualiza 0 outro € provoca uma sercepeao de uma realidade que no existe no fluxo temporal, que nao existe 1» mesmo presente histiree ambiguo ¢ em movimento que inclui ¢ situa 0 Hutro, 0 etndgrafo, ¢ o leitor. As representagdes “alocrdnicas”, para usar termo de Johannes Fabian, foram recorrentes na ctnografia cientifiea do No original “ast-so-stories”, (N. do T) século XX, Hlas convidam a apropriagdes alegsticas no modo mitologivanle que Rosaldo repudia. Até mesmo os relatos mais friamente analiticos podem se bavear New apropriagio retrospectiva, Os Nuer, de E. B. Evans-Pritchard (1910) caso desse tipo, pois retrata uma anarquia sedutoramente harmonies, sociedade no corrompida por uma Queda. Hentilka Kulick (1984) iil Os Nuer (no contexto de uma tendéncia mais ampla na antropologia pol britinica preoeupada com sociedades “tibais” acéfalas) como uma sli politica que reinsereve um “modelo nativo” recorrente da democracia sj -saxd, Quando Evans-Pritchard escreve “no ha nenhum senhor ou ¢1)i\li) nessa sociedade, mas apenas iguais que veem a si mesmos como a 1 livres. Subtons paradisfacos so ocasionalmente ressaltado ‘© caso em se tratando de Evans-Pritchard, de forma seca, Embora eu tenha falado sobre tempo e unidades de tempo, os Nuet 1 ii ‘nenhuma expresso equivalente a “tempo” na nossa lingua © nio jill portanto, como nds, falar do tempo como se Fosse uma coisa real, «ue iis, que pode ser desperdigada, pode ser poupada, e por ai vai, Nao ereio que ele ‘vivenciem mesmo sentimento de lutar contra o tempo ou de ter que CO

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