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Missiologia de Transformação

Charles Van Engen

Caminhando para uma missiologia de transformação

Introdução

uando meu filho Andrew tinha entre quatro e cinco


Q anos de idade, ele possuía vários brinquedos chamados
“transformers”. Tratava-se de grandes bonecos de plásticos que
representavam um soldado ou um guerreiro samurai. Quando
alguém girava os vários componentes do objeto, modificando
sua aparência, ele se transformava em um avião a jato ou em um
veículo blindado: ele se “transformava”. Ele ainda era o mesmo
brinquedo, mas suas várias formas eram bem diferentes. Quando
penso em missão hoje em dia, penso nos transformers do meu
filho. A atividade missionária e a análise missiológica no século
21 devem sofrer uma transformação radical parecida. Ela precisa
ser a mesma missão, a missão de Deus, missio Dei. Porém hoje
em dia vivemos um contexto de missão muito diferente do que
vivíamos, digamos, há 100 anos.
Minha tese consiste em que uma teologia de transformação
evangélica:
. Baseia-se em conceitos clássicos de missão desenvolvidos
durante os últimos 100 anos;
2. Supera as dicotomias entre evangelismo e ação social que
surgiram 50 anos atrás; e
Biografía autor . Recria a si mesma em uma prática trinitariana de missão
apropriada aos desafios globais/locais e às oportunidades de
igreja e mundo nesse novo século.
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© 2007 Misiopedia de la edición
española (portuguesa)

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Contexto histórico: preparando o terreno


Para entendermos para onde vamos com relação à articulação de uma
missiologia de transformação, é importando nos relembrarmos de
nosso passado. Deixe-me resumir brevemente por onde passamos em
nossa reflexão missiológica 100 anos e 50 anos atrás. Tal resumo nos
ofereceria lentes com as quais poderíamos ver o futuro. Em A Sociedade
Pós Capitalista Peter Drucker disse:

“Em todas as centenas de anos na história (humana) ocorre uma


transformação abrupta. Nós cruzamos... o que eu chamo de linha
divisória. No espaço de algumas curtas décadas (uma) sociedade
se acomoda – sua cosmovisão, seus valores básicos, suas estruturas
sociais e políticas, suas artes, suas instituições fundamentais. Cin-
qüenta anos mais tarde, existe um mundo novo. E o povo nascido
então não pode nem imaginar o mundo em que os seus avós viviam
e no qual nasceram seus próprios pais. Nesse momento, nós estamos
justamente vivendo uma tal transformação.” (1993:1)

Há alguns séculos, a missão global era a missão Ocidental, uma estrada


de mão quase única do Oeste e Norte às outras partes do globo. Naquela
época, as perspectivas dominantes tinham a ver com como as missões
Ocidentais poderiam cooperar entre si, de como regiões e povos
pioneiros poderiam ser alcançados pela primeira vez com o evangelho e
como igrejas florescentes na África, Ásia e América Latina poderiam ser
ajudadas a tornarem-se autônomas: auto-governadas, auto-reproduzidas
e auto-sustentadas.
No início do século 20 havia um grande otimismo sobre a cultura
ocidental de modernidade e civilização ocidental. Assumia-se que
outras religiões em breve diminuiriam em influência ou desapareceriam
totalmente. Missão era geralmente dirigida a áreas rurais, sendo que
medicina, educação e agricultura eram frequentemente vistos como
meios de evangelização daqueles que ainda não eram cristãos.
Atividades missionárias eram realizadas predominantemente por
organizações missionárias denominacionais com algumas notáveis
exceções, como a Missão do Interior da China, a Sociedade Missionária
Londrina, e as Sociedades Bíblicas, entre outras. Havia uma compreensão
compartilhada da Bíblia, e as pessoas partilhavam também uma definição
de missões, criada e popularizada pelo slogan do Movimento Estudantil
Voluntário, MEV, : “A evangelização do mundo nessa geração”.
Em uma série de conferências em vídeos feita em 1984, chamada
“Como minha mentalidade mudou com relação à missão”, Stephen Neill
observou que na época do grande congresso de missões de Edimburgo
em 1910, havia “nove razões para um otimismo sóbrio”: Eu os resumo
abaixo:

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. A exploração geográfica do planeta estava quase completa.


2. A vida humana gozava de maior segurança no mundo – a guerras
haviam cessado.
. A saúde dos missionários estava melhor.
4. Havia portas de entrada para as principais religiões e cada sistema
social havia produzido alguns convertidos.
5. As principais línguas mundiais haviam sido aprendidas.
6. A Bíblia estava disponibilizada na maioria das línguas.
. Igrejas locais estavam envolvendo-se no trabalho missionário além-
mar.
8. Existia um gigantesco Movimento Estudantil Cristão.
9. Igrejas no Terceiro Mundo já começavam, elas mesmas, a tornarem-
se igrejas missionárias.

Neill concluiu a conferência observando que nós “ignorávamos três


grandes mudanças” na missão no início do século vinte:
a. Muitas nações logo iriam fechar-se para o trabalho missionário
estrangeiro.
b. Haveria um restabelecimento e ascensão das grandes religiões não
cristãs.
c. O declínio da igreja aconteceria principalmente no ocidente, e entre
as igrejas mais firmemente estabelecidas então.
Em meio a isso tudo e, consciente de todas essas mudanças, Neill afirma
que: “O alvo de nossa pregação é que nossos ouvintes tenham uma
idéia mais clara a respeito de Jesus Cristo. Nós realmente desejamos
que pessoas se tornem Cristãs. Se vimos a Cristo e a vida n’Ele, nós
desejamos que todos vejam a Ele – isso é missão.” (Neill 1984, final do
vídeo, parte I).
Há um século, as Missões Cristãs partilhavam um consenso sobre uma
visão clássica de missões que não fazia distinção entre evangelismo e
ação social. Missiólogos geralmente viam o Evangelho causando um
impacto sobre toda a vida. Eles tinham uma definição em comum da
missão, criada e popularizada pelo slogan do MEV: “A evangelização do
mundo nessa geração”. Esse “moto” foi utilizado depois por John Stott
como título de seu livro mais famoso e foi também adotado como tema
da grande Conferência Missionária Mundial em Edimburgo em 1910. O
slogan do MEV deixava a entender uma visão holística da missão, ainda
que devamos reconhecer que tal visão se encaixava frequentemente no
alvo de cristianização e civilização centrado no modelo europeu. Porém,
mesmo esse alvo continha um componente de conversão.
Essa visão de missão também causava uma grande dose de tensão.
Devemos reconhecer que a fórmula de Venn-Anderson dos “três autos”
que dominava a cena daquela época era demasiadamente eclesiocêntrica
(introvertida e bastante estática), faltando um compromisso de
transformação da cultura ou das realidades político, sócio-econômica

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daqueles dias. A ênfase no serviço social em termos de agricultura,


medicina e educação encontrada há 100 anos não era vista como em
contradição com a proclamação verbal e conversão de fé pessoal. Ela
era vista como um aspecto integral da proclamação de um Evangelho
que exigia uma conversão. Depois da Segunda Guerra Mundial esse
conceito mudou no pensamento Norte-Americano sobre missão e um
grande abismo foi criado entre aqueles que defendiam câmbios sócio-
econômicos e políticos e aqueles que afirmavam ser a proclamação
verbal o centro da missão.

Reações na metade do século:


superando dicotomias
Vieram então as Guerras Mundiais, as revoluções Francesa, Mexicana,
Bolchevique e Maoísta, a Guerra da Coréia, o nascimento do Conselho
Mundial de Igrejas e a busca da reconstrução do Japão e Europa, entre Os evangélicos
outros eventos. O globo começou a encolher em razão das viagens protestantes forma-
aéreas, rádio, telefones e da televisão. E as igrejas na África, Ásia e ram novas coali-
América Latina começaram a crescer, amadurecer e ganhar influência zões, enfatizando
global. As perspectivas de missão mudaram radicalmente, produzindo a proclamação
profundas dicotomias. verbal e conversão
pessoal.
Há 50 anos, novas nações surgiram ao redor do globo. O debate sobre
a “moratória” trouxe para primeiro plano da consciência missionária o
papel de desenvolvimento, crescimento e de missões daquelas igrejas
que antes eram chamados “jovens” e, mais tarde, “nacionais”, na África,
Ásia e América Latina. Algumas igrejas protestantes ocidentais falavam
do fim da chamada “era missionária”, e defendendo sua substituição
por uma “era ecumênica” de cooperação igreja-igreja e o compartilhar
global de recursos. O ecumenismo global tornou-se um dos principais
pontos da ordem do dia para alguns, em conjunto com uma forte ênfase
em mudanças sócio-políticas na África, Ásia e América Latina.
Como reação a essa direção em teologia missionária ecumênica,
os evangélicos protestantes formaram novas coalizões, enfatizando
a proclamação verbal e conversão pessoal em oposição aos alvos
sócio-políticos, econômicos e humanistas da missão. Aparentemente,
os protestantes evangélicos já não eram incomodados por uma
“Consciência Pesada” (Carl Henry: 1947), em relação às dimensões
sociais do evangelho. Novas iniciativas de cooperação tendo como alvo
a evangelização mundial surgiram em Wheaton 1966, e Berlin 1966.
 Creio que um dos grandes obstáculos para a evangelização mundial hoje em
dia é a persistência no uso da fórmula dos “três autos” (3 self formula). O apego muito
forte àquela fórmula introspectiva e ossificada como o alvo de atividades missionárias
tem a tendência de criar igrejas egoístas (selfish, em inglês).
 Para uma abordagem resumida desse tema, veja C.Van Engen: 2000e C.Van
Engen: 2001
 Esse processo começou com a reunião em 1938 do Conselho Missionário
Internacional em Tambaram, Índia. Veja C.Van Engen: 1996:148-149.
 Para um apanhado sobre alguns desenvolvimentos dessa teoria, veja C.Van
Engen 1996:145-158.

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Eventualmente elas lançaram as bases para o Movimento de Crescimento


da Igreja, o Movimento AD2000 e outras iniciativas baseadas no
ocidente, que viam a missão em termos mais tradicionais de encontrar
meios missiologicamente eficientes para que “homens e mulheres se
tornem discípulos de Jesus Cristo e membros responsáveis da Igreja de
Cristo” (Donald McGravan: 1970; C.Peter Wagner 1989:16).
Poderíamos resumir a perspectiva missionária dos anos 1950 e 1960 da
seguinte forma:
. Igrejas nacionais começaram a amadurecer na Ásia, África, América
Latina e Oceania.
2. Novas nações nasceram, particularmente na África, e uma forte
crítica anti-colonialista surgiu entre igrejas mais antigas.
. Associações de missões de fé aumentaram em número e significância,
particularmente na América do Norte.
4. O debate sobre a moratória cresceu.
5. Iniciou-se um diálogo de mão dupla a respeito da missão mundial,
com uma crítica cada vez mais estridente por parte das novas igrejas
nacionais.
6. A Comissão da Missão Mundial e Evangelismo (CMME) reuniu-se
na cidade do México em 1962, com o tema: “A Missão nos Seis
Continentes”.
. O Concílio Vaticano II transformou a Igreja Católica Romana.
8. A divisão protestante entre evangelismo e ação social aumentou.
9. Os debates evangélicos e ecumênicos aumentaram e tornaram-se
mais acalorados, colocando em paralelo duas leituras da Bíblia
(uma visão tradicional e uma outra mais orientada para uma visão
sócio-política e econômica).
0. Formou-se um forte movimento ecumênico dentro do CMI.
. Coalizões evangélicas globais e estruturas de cooperação foram
criadas – com maior notabilidade o movimento de Lausanne.
2. Teólogos oriundos do mundo não ocidental começaram a fazerem
ouvidas suas vozes, oferecendo novas perspectivas para a missão
da igreja.

Evangélicos na Europa e na América do Norte reagiram a essa


situação, e especialmente decepcionados pela integração do Conselho
Missionário Internacional no Conselho Mundial de Igrejas, enfatizando
uma proclamação que buscaria uma conversão pessoal à Jesus Cristo,
 Para uma abordagem resumida desses pontos em teologia missionária evan-
gélica protestante, veja C.Van Engen, 1990.
 Veja, por exemplo, Donald McGravan 1977.
 É difícil subestimar o impacto que a proposta de integrar o Conselho Mis-
sionário Internacional ao Conselho Mundial de Igrejas, que aconteceu na reunião do
Conselho Mundial de Igrejas em Nova Deli em 1961, teve sobre a teologia evangélica
da missão. Veja C.Van Engen: 1996, 132-133, em particular as notas de rodapé 19-22e
1996:150, nota de rodapé 14.

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contrapondo-se à programas políticos-sociais (veja C.Van Engen:


1966: 128-136). O movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos
e movimentos da teologia da libertação na América Latina, Filipinas,
Coréia do Sul e na Índia, entre outros lugares, simplesmente acentuaram
a divisão. Os escritos de Donald McGravan, apesar de polêmicos,
apontavam para a direção correta mas, frequentemente, ampliavam a
distância entre essas visões opostas da missão.
Após 40 anos, ainda somos desafiados pelas palavras de Harold Lindsell
em 1962:
É lamentável que após 50 anos do congresso de Edimburgo (1910)
não seja possível termos um congresso de missão que transcenda
algumas das divisões sem importância que dividem aqueles com
propósitos missionários similares... Talvez as missões de fé sejam
capazes de ampliar essa visão e oferecer liderança dinâmica e cria-
tiva para uma nova época de avanço missionário.
(Lindsell 1962:230).

Infelizmente, parece que as fraternidades evangélicas de missões ainda


não fizeram frente a esse desafio.
O desenvolvimento histórico da teologia da missão que eu esbocei
acima deveria fazer com que os evangélicos dessem uma pausa para
pensar na maneira com a qual usamos certas frases. Por exemplo, “A
igreja toda levando todo o evangelho a todo o mundo” não foi de criação
do movimento de Lausane na reunião de Lausane II em Manilha em
1989. Ela foi usada pela primeira vez na reunião do Comitê Central do
Conselho Mundial de Igrejas em Rolle, Suíça, em 1951.
“Missão nos Seis Continentes” ou frases desse tipo enfatizando a missão
global de todos os lugares para todos os lugares foi usada primeiramente
na assembléia da Comissão de Missão Mundial e Evangelismo na
Cidade do México em 1963. (Veja R.R. Orchard, Testemunha nos Seis
Continentes 1964).
O conceito de missio Dei que parece ser utilizados com freqüência pelos
evangélicos hoje em dia foi articulado pela primeira vez por Karl Barth
em 1932 e, seguindo Barth, por Karl Hartenstein em 1952. Ele foi
associado com uma visão trinitariana de missão na conferência do CMI
em Willingen, 1952. O conceito foi popularizado por Georg Vicedom em
1958, tornando-se moeda bastante corrente no movimento ecumênico
pós Cidade do México em 1963 (veja Henry Van Dusen 1961; Georg
Vicedom 1965). Ele foi usado como a base conceitual da discussão
entre o Conselho Mundial de Igrejas e o CCN sobre “as estruturas
missionárias da congregação” em 1963 (cf. Colin Williams 1963, 1964 e
Conselho Mundial de Igrejas 1968). Eventualmente, a teologia conciliar
de missão carregou o barco da missio Dei com tanta bagagem que ele

 Veja, por exemplo, John A. Mackay 1963:13; J.C. Hoekendijk 1966:108;


and C.Van Engen 1981:382; and C.Van Engen 1996:150
 Conforme David Bosch 1980:167.

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quase afundou. 10
Como procurei demonstrar em Missão Peregrina (Mission on the Way),
quando a Igreja e a Missão se confundem e fundem, e quando a missio
Dei representa todas as atividades que a igreja queira levar implementar
no mundo – então a máxima de Stephen Neil parece provada: “Quando
tudo é missão, nada é missão”.11 Com o tempo, no contexto do Conselho
Mundial de Igrejas, o termo passou a se referir a uma mudança na
seqüência, com relação ao conceito da missão. A perspectiva clássica
começa com Deus, o qual trabalha primeiramente através da igreja para
alcançar e transformar o mundo (Deus-Igreja-Mundo). Mas o profundo
pessimismo de J.C.Hoekendijk o motivou a sugerir em A igreja do
Avesso (The Church Inside Out) (1966) que uma nova seqüência se fazia
necessária, uma ordem que se tornou uma parte essencial da compreensão
da missio Dei por parte do CMI após sua Quarta Assembléia em Upsala
em 1968. Depois de 1968, seguindo o caminho aberto por Hoekendijk,
missio Dei era usada em círculos do Conselho Mundial de Igrejas para
O conceito de mis- enfatizar que Deus trabalhava no mundo e o melhor que a igreja poderia
sio Dei , articulado fazer era juntar-se ao movimento do que Deus estava fazendo no mundo
pela primeira vez (Deus-mundo-igreja). Essa mudança no encadeamento teve um efeito
por Karl Barth, foi profundo e de longo alcance na teologia da missão produzida por
associado com uma pessoas associadas com o Conselho Mundial de Igrejas. Tomando em
visão trinitariana consideração os três exemplos resumidos acima, creio que missiólogos
de missão na con- evangélicos devem ser muito claros ao expressar o que crêem – e o que
ferência do CMI não crêem – ao usar tais termos.
em Willingen, 1952.
Creio que ninguém estava contente com a dicotomia que eu resumi acima.
As décadas de 70 e 80 foram testemunhas de muitas tentativas de reduzir
a fissura entre a ação social e o evangelismo verbal. O Movimento de
Lausanne trouxe à luz uma série de consultas, publicações e encontros
buscando repensar a questão da “prioridade do evangelismo” como
articulada no Pacto de Lausanne. Nos anos 70 Arthur Glasser, apesar
de ainda usar a linguagem do “mandato evangelístico” e o “mandato
cultural”, ele começou a basear-se nas obras de Oscar Cullmann (1951),
Herman Ridderbos (1962) e George Ladd (1974) para desenvolver a
noção do Reino de Deus como uma maneira de aproximar evangelismo
e ação social. Hoje em dia há um maior consenso global a respeito do
tema do Reino de Deus como uma forma de estabelecer uma visão de
missão mais integral (veja, por exemplo, C.Van Engen 1991: 101-118).
Esse tópico tem sido proeminente na teologia da missão de René Padilla
10 Veja, por exemplo, H.H.Rosin, “Missio Dei: um Exame da Origem, Con-
teúdo e Função do Termo na Discussão Teológica Protestante;” 1972; James Scherer
1987:93-125; James Scherer, “Igreja, Reino e Missio Dei: Correções Luteranas e Or-
todoxas para Teologia Missiológica Ecumênica Atual 1993:82-88”; Johannes Verkuyl:
1978:328-331; 197-204; David Bosch 1980:242-248; 1991:389-393; C.Van Engen
1981:277-279; 305-323; 1991:108; 1996:150-153; Andrew Kirk 1999:229; Jan Jon-
geneel e Jan van Engelen 1995:447-448; Jan Jongeneel 1997:59-61; D.T.Niles 1962;
George Vicedom “Missio Dei” em Stephen Neill, Gerald H. Anderson e John Goo-
dwins; editores 1971:387; John McIntosh, “Missio Dei” em Moreau, Netland e Van
Engen, editores. Dicionário Evangélico de Missões Mundiais (Evangelical Dictionary
of World Missions) 2000: 631-633; Leslie Newbigin O Segredo Revelado (The Open
Secret) 1978 1978:20-31; Roger Bassham 1979:67-71.
11 Stephen Neill, 1959, citado por Johannes Blauw 1962:109.

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e seus associados na Fraternidade Teológica Latino Americana (FTLA).


Ao usar o conceito de Reino de Deus, eles desenvolveram a idéia de
“missão integral” como uma base conceitual que poderia ligar o abismo
que separa o evangelismo e a ação social.12
A Associação de Teólogos do Terceiro Mundo (ATTM) lidou com
o problema nos estágios iniciais de suas consultas.13 Membros
da Associação Teológica Asiática também tentaram expressar
uma compreensão mais integral da missão para juntar as antigas
dicotomias, como é evidente nos escritos de Ken Gnanakan (1989,
1992). No Conselho Mundial surgiu um interesse maior em matérias
de espiritualidade e formação espiritual. Teólogos Latino-Americanos
ligados à Teologia da Libertação, como Gustavo Gutierrez, passaram a
explorar questões acerca de espiritualidade e formação espiritual como
parte da libertação.
Quando chegamos aos anos 80 e 90, vemos o mundo missionário
evangélico começando a interessar-se em um método “integral” de fazer
missões. Creio que esse interesse por ter sido influenciado pelo fato que
agências missionárias baseadas na América do Norte, ativas por mais
de 50 anos, agora têm convertidos de segunda e terceira geração, assim
como igrejas amadurecendo na África e na Ásia. Esses convertidos
frutos da evangelização inicial por parte dessas missões, começaram a
buscar maneiras para que o evangelho que aceitaram tivesse um impacto
nas realidades sócio-econômica, cultural e política em que se encontram
inserido. Essas novas gerações de convertidos vivem atualmente em
circunstâncias de opressão, perseguição, doença, fome e pobreza
absoluta. E eles começam a perguntar aos seus irmãos e irmãs ocidentais
qual deveria ser o impacto do evangelho nas realidades em que vivem.
Com o declínio da igreja ocidental, e o centro de gravidade mudando de
tal forma que agora dois terços da totalidade do Cristianismo encontra-
se na Ásia, África, América Latina e Oceania, a igreja de Jesus Cristo
cada vez mais é uma igreja de pobres e oprimidos. Assim, no início
desse novo século, cristãos e não cristãos ao redor do globo sofrem
todo tipo de opressão, necessidade e carência, no contexto do mundo
conhecido como o mundo dos dois terços. David Barrett já apontou para
esse fenômeno em um artigo publicado na edição de outubro de 1983 do
International Bulletin of Mission Research, “Não Tenho Ouro ou Prata:
Igreja dos Pobres ou Igreja dos Ricos?” (7:4, outubro 1983, 146-151).
Dessa maneira, o movimento “Investigação” (Enquiry), do qual Luis
Bush foi pioneiro, é muito importante. Ele tem o potencial de provocar
uma reformulação do conceito sobre a natureza da missão que flui da
fonte das igrejas majoritárias situadas no mundo majoritário, expressado
por cristãos majoritários, espalhados em todos os seis continentes.
12 A primeira grande publicação da Fraternidade Teológica Latino Americana
foi intitulada O Reino de Deus e América Latina (El Reino de Dios y América Latina).
Desde então a FTLA tem enfatizado consistentemente o que Padilla e outros chama
de “missão integral”. Veja, nesse sentido, Orlando Costas 1974; 1982; Mortimer Arias
1980, 1984, 1998, 2003; René Padilla 1986; Samuel Escobar 1998; 1999; 2002; Timo-
thy Carriker 1992 e Valdir Steuernagel 1991, 1992.
13 Veja, por exemplo, John Mbiti, 2003.

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Poderíamos dizer que pela primeira vez em 1600 anos, desde Constantino,
a igreja mundial tem a possibilidade de construir sua compreensão da
missão usando como base a experiência, vida, vitalidade e visão de
igrejas e missões no sul e no leste do globo, assim como no norte e no
oeste. Tudo isso leva a um desejo de repensar e refazer conceitos sobre
a natureza da missão no início desse novo século.

A situação atual: reconquistando credibilidade


Quando eu era criança, crescendo em San Cristóbal de las Casas, em
Chiapas, no sul do México, a palavra “transformador” se referia àquelas
volumosas caixas redondas instaladas em altos postes de eletricidade, as
quais transformavam a corrente de alta-voltagem bruta em uma forma
para uso doméstico. Regularmente eles explodiam, deixando a todos nós
no escuro. A função daqueles transformadores era converter a energia
de alta-voltagem vinda das linhas de alta-tensão acima – energia aquela
que não era útil e, de fato, perigosa para nossos lares – e a transformar
em voltagem, watts e ciclos apropriados para uso em nossas residências.
Eles adaptavam a eletricidade ao contexto de nossas casas.
Na alvorada desse novo século, creio que estamos em uma situação
similar no processo de repensar nossos conceitos de missão da igreja
global/local. Com dois terços do cristianismo localizado agora no sul
e leste, acredito que uma das mais importantes questões sobre missões,
sua existência e seu fluxo interior e exterior nos seis continentes no
mundo atual, tem a ver com a credibilidade da igreja e sua missão. Do
ponto de vista dos que ainda não são cristãos, na arena da competição
por afiliações religiosas, e em um mundo de profunda fome espiritual e
curiosidade, seria credível a Igreja e sua missão? Pareceria que tentativas
anteriores de criar uma teologia relevante falharam.
• A fórmula dos três “autos” não é boa o suficiente: ela é
demasiadamente eclesiocêntrica e introspectiva. Ela vê a igreja
através de lentes predominantemente institucionais e se torna
facilmente cega às questões diante daqueles que vivem fora do
contexto da igreja.
• A linguagem da “prioridade do evangelismo” não é apropriada
contextualmente para a maior parte das situações. Ela parece
mais preocupada com a formação a priori de definições fixas de
evangelismo do que em responder às necessidades, aspirações,
preocupações e sonhos das pessoas no contexto ao redor que ainda
não conhecem Jesus Cristo. O equilíbrio entre ação e palavra em
nosso evangelismo deveria ser orientado em relação ao receptor e
bem informada contextualmente.
• A linguagem do Reino de Deus é útil, mas tomou significados e
formas diferentes no momento de ser posta em prática – e parece ter
sido reduzida uma percepção de Deus predominantemente horizontal,
com a perda das questões verticais existentes. Estou começando a
ver que, para sermos fiéis à figura bíblica de Deus e à missão de

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Deus, devo permear-me da linguagem de relacionamentos, de pacto,


sobre o amor a Deus e ao próximo. Apesar de que aqueles que falam
a respeito do “Reino de Deus” deixam tal estrutura implícita, ela não
é sempre aparente ou enfatizada.
• Como mencionado na discussão acima, a linguagem de missio Dei,
apesar de potencialmente útil, necessita maior clarificação hoje em
dia, devido à bagagem múltipla, confusa e, por vezes, contraditória
que o termo carrega. Como vamos distinguir o que é parte da missio
Dei e o que não é? Devemos ser cuidadosos em não fazer de tudo
missões – e perder a missões no processo. 14
• A linguagem de “missão integral” ou “missão encarnacional” pode
ter algo a oferecer também, mas, às vezes, ela parece basear-se em
perspectivas que continuam a trabalhar com uma dicotomia entre
missão como uma proclamação verbal e pessoal e missão que busca
uma mudança sócio-cultural e estrutural. Em outros momentos, a
“missão encarnacional” parece tão preocupada em afirmar a cultura
que o escândalo profético da cruz pode ser eclipsado pelo desejo da A fórmula dos três
identificação com os receptores. “autos” é demasia-
Tudo considerado, tenho a impressão que nós evangélicos começamos a damente eclesiocên-
entender que se olhássemos para missões como uma moeda, deveríamos trica e introspectiva.
levar em consideração tanto sua “cara” como a sua “coroa”. Mas parece
que continuamos em nossa atitude de valorizar separadamente os dois
lados, deixando de reconhecer que a moeda se trata de uma peça de 25
centavos. Gostaria de sugerir que uma missiologia de transformação iria
nos ajudar a falar sobre a missão como uma “moeda de 25 centavos” em
vez de “cara” ou “coroa”.
David Bosch intitulou sua magnum opus “Missão Transformadora”
(Transforming Mission). E, ao fazê-lo, ele quis oferecer três
significados:
. No novo testamento e através do tempo, o conceito de missão
transformou-se de tal forma que se formaram uma variedade de
“paradigmas” de auto-compreensão relacionados a como a igreja
forma seus conceitos sobre a missão.
2. Com o passar do tempo, as atividades da missão transformaram a
igreja à medida que ela participa na missão de Deus.
. Os leitores de Bosch – e a igreja em geral – precisa permitir que o
Espírito Santo transforme sua idéia sobre a missão para incluir pelos
menos os treze “elementos emergentes de um modelo ecumênico de
missão”, os quais Bosch especifica no capítulo final de seu livro.
14 Uma maneira que tenho usado nesse sentido é usar a definição de missão de
Stephen Neill “o cruzar intencional de barreiras entre igreja para não-igreja em pala-
vras e ação em prol da proclamação do evangelho (Neill: vídeo de 1984)”. Eu defino a
missão como “a obra de Deus que colocada em prática primariamente através do Povo
de Deus, intencionalmente cruzando barreiras entre a igreja e não-igreja e fé e não-fé,
para proclamar em palavra e ação a vinda do Reino de Deus em Jesus Cristo através
da participação da igreja na obra de Deus, reconciliando pessoas com Deus, consigo
mesmas, entre si e com o mundo, reunindo-lhes na igreja através do arrependimento e
fé em Jesus Cristo pela obra do Espírito Santo com vistas a transformar o mundo como
sinal do Reino em Jesus Cristo”.

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Eu gostaria de sugerir que o uso por Bosch do conceito de “transformação”


não foi desenvolvido suficientemente. Em Romanos 12:2, o apóstolo
Paulo admoesta seus ouvintes para que “Não se amoldem ao padrão
deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente,
para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável
e perfeita vontade de Deus”(NIV). Paulo usa aqui a forma grega
μεταμορφοισθε. Ele exige uma metamorfose.15 Uma missiologia de
metamorfose incluiria o tipo de missão que vemos na transformação da
mulher de Sicar – assim como toda a vila de Sicar – em João 4.
Metamorfose é a palavra usada para descrever a transformação fenomenal
que acontece quando uma crisálida se transforma em borboleta! Creio
que uma missiologia bíblica de transformação imagina justamente uma
transformação do mesmo tipo em pessoas, estruturas sociais e nações
de nosso mundo por causa do evangelho do Reino e a obra do Espírito
Santo.
Uma tal missiologia de metamorfose envolveria o tipo de mudança
radical que vemos em Paulo após encontrar-se com Jesus na estrada
de Damasco. Esta é a missão de Deus que procura “resgatar (pessoas)
do domínio das trevas e (resgatá-las) para o reino do seu filho amado
(por Deus), em quem temos a redenção, a saber, o perdão dos pecados”
(Col. 1:13-14 NIV). Essa é uma profunda e penetrante transformação,
a qual leva Paulo a dizer “fui crucificado com Cristo. Assim já não sou
eu quem vive. A vida que agora vivo no corpo, vivo-a pela fé no filho de
Deus, que me amou e se entregou por mim”. (Gal. 2:20 NIV).
Essa é uma missiologia que procura virar o mundo de cabeça para baixo.
Porque a missão da igreja é participar na missão de Jesus – e a missão de
Jesus fixa os parâmetros para a missão da igreja. A igreja de Cristo em
missão intenta “pregar as boas novas aos pobres... proclamar liberdade
aos presos e recuperação da vista aos cegos, para libertar os oprimidos,
e proclamar o ano da graça do Senhor” (Lucas 4:18-19, NIV). No final
do capítulo tratando do “Alvo e propósito da missão” (The goal and
purpose of mission), Johannes Verkuyl assinalou para uma missiologia
de metamorfose ao enfatizar “o Reino de Deus como alvo da missio
Dei”. Aqui estão alguns exemplos de seu pensamento.
O reino do qual a Bíblia testifica envolve uma proclamação e uma
concretização de uma salvação total, a qual cobre todo o espectro
das necessidades humanas e destrói cada bolsão do mal e dor que
aflige a humanidade. Reino no Novo Testamento tem amplitude e
âmbito insuperáveis; ele abarca tanto os céus como a terra, a histó-
ria mundial assim como a totalidade do cosmo.
O reino de Deus é a nova ordem das coisas iniciada em Cristo o
qual, quando finalmente completada por ele, incluirá a restauração
15 É interessante notar que todas as traduções em inglês que eu verifiquei
traduziram essa palavra como “ser transformado”. A Nova Versão Inglesa traduziu
o verso como “não mais adaptarem-se ao padrão deste presente mundo, mas deixem
suas mentes serem refeitas e toda sua natureza ser então transformada. Então vocês
serão capazes de discernir a vontade de Deus, e saberem como ela é boa, aceitável e
perfeita”.

11 misiopedia.com
Charles Van Engen

não somente da relação do homem (humanidade) com Deus, mas


também aquelas entre os sexos, gerações, raças e mesmo entre o
homem (humanidade) e a natureza...
Quando investigamos as conseqüências práticas de enxergar a mis-
são da perspectiva do reino e de suas estruturas, uma das primeiras
coisas a mencionar é nosso chamado divino para convidar seres
humanos virem conhecer a Jesus como o Messias do reino... Duas
coisas são necessárias a fim de levar pessoas ao Messias e convidá-
los a confessá-lo em palavra e atos. Em primeiro lugar, eles preci-
sam saber o que o Novo Testamento diz a respeito dele... A segunda
coisa necessária ao levarmos pessoas ao Messias consiste que cada
um de nós tenha claro que o Senhor vivo está presente... Assim, cada
geração descobre novos aspectos sobre ele e O confessa em um
novo feitio...
Precisamente porque aceitamos o reino como nosso termo de
referência e ponto de orientação para nossa tarefa missionária,
nós devemos prosseguir em afirmar que um chamado à conversão
deve suceder nossa proclamação... Dentro do esquema do reino, a
conversão tem sido vista corretamente como um dos alvos inclusivos
da missão...
De acordo com o Novo Testamento, a proclamação da mensagem
messiânica deve sempre ser seguida pelo ajuntamento, preservação
e adição ao povo de Deus... A missiologia deve sempre reservar um
lugar para a eclesiologia e para o estudo de igrejas em seus pró-
prios ambientes...
Olhar para nossa tarefa missionária dentro da perspectiva mais am-
pla do reino nos levará para ainda outra descoberta: que a partici-
pação na luta contra todo vestígio de maldade que ainda atormenta
o homem (humanidade) é parte intrínseca de nosso chamado. De
acordo com a Bíblia, o reino não pertence ao futuro. É uma reali-
dade atual, ainda não totalmente revelada, mas que mostra sinais
inequívocos de estar a caminho...
É gratificante ser capaz de notar ao final do estudo sobre o alvo
da missio Dei e nossa concomitante missão, que a missiologia está
progressivamente vendo o reino de Deus como o centro ao redor do
qual revolve todo o trabalho missionário. Igrejas nos seis continen-
tes devem manter uma atitude alerta para necessidades em constan-
te mutação e adaptar suas prioridades de acordo com as mudanças.
Mas mesmo então elas devem apresentar a mensagem completa a
respeito do reino e não reduzi-la a apenas um ponto. Seria inumano
tratar somente das carências mais urgentes e agudas de um povo e
privá-lo de todas as promessas de Deus por não mencionar o pró-
prio Messias. Ao mesmo tempo, seria um sinal de descaso e indolên-
cia pecaminosos se não tentássemos, pela fé, junto com os filhos do
reino espalhados ao redor do mundo, erigir no meio das dificulda-
des e pecados humanos, sinais e símbolos daquilo que está por vir.
Quem ora ‘venha o Teu reino, seja feita Tua vontade’ é chamado a
ajudar na difusão do reino de Deus em todo comprimento e largura
da Terra.”(1978:197-204).

misiopedia.com 12
Charles Van Engen

A ênfase trinitariana, orientada ao reino teve eco nos escritos de Lesslie


Newbigin, como expressado em O Segredo Revelado (The Open Secret).
Ele afirmou que:
A missão cristã é colocar em ação uma crença fundamental e, ao
mesmo tempo, um processo no qual essa crença é constantemente
reconsiderada à luz da experiência de sua prática em todos os se-
tores da vida humana, assim como no diálogo com todos os outros
modos de pensar com os quais homens e mulheres procuram dar
sentido às suas vidas. [Essa] crença fundamental é definida pela
afirmação que Deus revelou a si mesmo como Pai, Filho e Espírito.
Devo, então, [olhar]... para a missão cristã de três maneiras – a
proclamação do reino do Pai, compartilhando da vida do Filho e
dando testemunho do Espírito. (1978:31).

Cada geração
descobre Recriando em um século:
novos aspec- buscando uma teologia de transformação
tos sobre o
Senhor e O Como podemos, então, caminhar em direção à construção de uma
confessa em missiologia de transformação que seja trinitariana, tendo o Reino
um novo feitio. como base? Parece-me que um primeiro passo seria afirmar que a
missão não é fundamentalmente nossa: ela não pertence à igreja, ela
não è propriedade de agências missionárias, não é propriedade de
ONGs (organizações não-governamentais) cristãs. Não nos compete
determinar nem o conteúdo nem os parâmetros de nossa missão. Pelo
contrário, seguindo a ênfase primeiramente expressada por Vicedom,
missão é primordial e fundamentalmente a missão de Deus: ela é a
missio Dei. Tomando essa afirmação como verdadeira, é essencial que
construamos um fundamento teológico sobre o qual edifiquemos a
superestrutura de uma missiologia de transformação. Tal fundamento
não pode ser antropológico ou estratégico, demográfico ou lingüístico,
político-econômico, sociológico, psicológico ou político. Ele não é
determinado tampouco pelas necessidades, exigências ou aspirações das
audiências as quais procuramos alcançar. As colunas enterradas no solo
macio de nossos vários contextos, colunas que suportarão a estrutura
de uma missiologia de transformação devem ser formadas de verdades
teológicas tiradas das Escrituras e de como a Igreja compreende Deus,
uma compreensão alcançada em vinte séculos de experiência com Deus
e de relação com Ele. Isso é pedir bastante, e está muito além dos limites
desse capítulo. Entretanto, na parte final desse artigo pretendo descrever
em frases gerais resumidas o que eu creio que poderia constituir o
conteúdo de uma missiologia de transformação trinitariana e do Reino
de Deus. Nós começamos, então, como a Bíblia, (por exemplo, Gênesis
1-3, Salmos 8, João 1, Efésios 1, Colossenses 1) declarando Deus o Pai
Criador Todo-Poderoso dos céus e da Terra.

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Deus o Pai

• Cristãos cuidam da criação não porque ela é a “mãe terra” (paganismo


Nova Era), nem porque o seu cuidado garante a sobrevivência da
raça humana (humanismo secular), mas porque ela é criada, cuidada
e sustentada por nosso Pai celestial em Jesus Cristo (Salmo 8, João 1,
Colossenses 1 e Efésios 1). Sabemos que há um elo entre a salvação
dos homens e a da natureza. Pois “a natureza criada aguarda, com
grande expectativa, que os filhos de Deus sejam revelados... na
esperança de que a própria natureza criada será libertada da escravidão
da decadência em que se encontra, recebendo a gloriosa liberdade
dos filhos de Deus” (Romanos 8:19-22). E sabemos que o status da
criação está conectado intimamente com o relacionamento de seres
humanos com Deus. Quando os homens se rebelaram contra Deus
no Jardim do Éden, aconteceu a queda da própria natureza. E agora
“sabemos que toda natureza criada geme até agora, como em dores
de parto... porque aguarda, com grande expectativa, que os filhos de
Deus sejam revelados...” (Romanos 8:19-22). Deus está sempre, em Uma missiologia de
todo momento, ativamente envolvido na preservação e recriação de transformação que
tudo que existe. Desta forma, uma missiologia de transformação que participa da missio Dei
participa da missio Dei inclui os cristãos no cuidado, preservação e inclui os cristãos no
recriação da ordem criada. cuidado, preservação
e recriação da ordem
• Todos os seres humanos são membros da mesma família humana criada.
(somos todos primos, por assim dizer), criados pelo mesmo Deus
(Gênesis 1-3, John 1). E toda vida é, em si mesma, sem preço,
apesar de caída é criada por Deus, na imagem de Deus. E, como
filhos do Deus Criador, os cristãos são inerentemente contra tudo
que desumaniza e destrói a vida. Uma missiologia de transformação
significará um profundo compromisso de valorizar tudo que dá
valor, cuida e realça a vida humana. O Deus da Bíblia ama toda
a humanidade de forma igual (a Lista das Nações de Gênesis 10 e
Atos 2). “Porque Deus amou o mundo de tal maneira” (João 3:16)
inclui toda a humanidade, mesmo aqueles que ainda não são cristãos.
Desta forma, uma missiologia de transformação buscará por todos
os meios legítima a chamar todos os povos a um relacionamento
vivo de fé com seu Criador em Jesus Cristo pela graça, através da
fé, concedida pelo Espírito Santo.
• Porque Deus o Criador de tudo colocou os homens como
administradores da Sua criação, uma missiologia de transformação
é uma missiologia de mordomia. Essa mordomia não é meramente
somente o uso cuidadoso e sábio do que você e eu possuímos. Em
vez disso, é cuidado resoluto e amoroso de tudo que pertence a Deus.
Pois tudo que possuímos pertence a Deus. Os cristãos entendem que
serem administradores de tudo que Deus criou é seu chamado e
sua responsabilidade, algo dado por Deus (Gênesis 1-3, Salmo 8,
Hebreus 2:6-9).
• O Deus da Bíblia é um Deus compassivo, paciente, cheio de
misericórdia (veja, por exemplo, Êxodos 34-6, 2 Crônicas 30:9,
Salmo 86:15) que não quer que ninguém pereça mas que deseja

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que todos se arrependam (2 Pedro 3:9). Assim, nós como cristãos


amamos todos os outros seres humanos porque Deus os amou
primeiro e deu Sua vida por eles – e que mesmo sendo ainda
pecadores, Cristo morreu por nós e por eles (Romanos 5:8). Nossa
motivação para a missão brota da criação de Deus, do amor de Deus,
da missão de Deus e do desejo de Deus. Sermos “filhos de Deus”
(João 1:12) supõe a participação na missão de Deus. Somos, então,
motivados a pregar o evangelho a todos os povos porque somos, de
fato, “devedores a ambos gregos e a bárbaros, tanto a sábios como
a ignorantes (Romanos 1:14). Participamos no chamado de nosso
Pai a todas as gentes para Si mesmo, pois “todo o que nele confia
jamais será envergonhado. Não há diferença entre judeus e gentios
- o mesmo Senhor é o Senhor de todos e abençoa ricamente todos os
que o invocam, porque ‘todo aquele que invocar o nome do Senhor
será salvo’” (Romanos 10:11-13).

Deus o Filho: Jesus o Cristo

• Cristãos em diálogo com pessoas de outras religiões confessam que


não há salvação em nenhum outro: somente através da fé em Jesus
Cristo (Atos 4:12). Uma missiologia de transformação irá reconhecer
a revelação geral ou graça precursora que Deus inseriu em outras
religiões, mas afirmará que somente Jesus Cristo é a completa
revelação de Deus – e que somente em Cristo há salvação.
• A Escarnação nos mostra que a salvação envolve a criação de uma
pessoa nova completamente, pois “se alguém está em Cristo [essa
pessoa] é uma nova criação, as coisas velhas passaram e tudo se
fez novo” (2 Coríntios 5:17). Uma missiologia de transformação se
implicará na criação e recriação de pessoas, almejando que elas se
tornem completas, totalmente humanas em Cristo.
• A contextualização encarnacional nos leva a uma comunicação e
contextualização baseada no receptor. Jesus adaptou sua missão
não somente aos seres humanos, mas também a seres humanos
específicos: compare sua missão com Nicodemos a sua missão com
a mulher se Sicar (João 3 e 4).
• O conteúdo da missão da igreja é definido e limitado pela missão
de Jesus. Em Lucas 4, Jesus descreve e declara a essência de sua
missão. Baseado em como o Novo testamento descreve a missão
messiânica de Jesus, e como o corpo de Cristo, a missão da igreja
inclui pelo menos Koinonia, Kerygma, Diakonia e Marturia, sendo
para o mundo uma comunidade de Profetas, Sacerdotes, Reis,
Sanadores, Libertadores e Sábios, e uma amorosa Comunidade
do Rei (veja C.Van Engen, O Povo Missionário de Deus (God’s
Missionary People) 87-132).
• O fundamento cristológico de uma missiologia de transformação
consistirá em um discipulado duplo. Primeiro, nosso chamado na
Grande Comissão é para fazer discípulos – chamar, convidar e juntar

15 misiopedia.com
Charles Van Engen

aqueles que se tornarão discípulos de Jesus Cristo. Em segundo


lugar, os discípulos devem “oferecer seus corpos em sacrifícios
vivos” sendo constantemente transformados a fim de “experimentar
e comprovar [qual é] a boa, agradável e perfeita vontade de Deus”
(Romanos 12:2). Como discípulos de Jesus somos por natureza
discípulos missionários e “o amor de Cristo nos compele a sermos
embaixadores da reconciliação” (2 Coríntios 5:11-21) em um mundo
ferido, confuso e conflitado.
• O senhorio de Cristo é o senhorio sobre todos os homens. Um dia,
“todo joelho se dobrará” diante de Seu senhorio (Filipenses 2).
Nosso privilégio, direito e dever é proclamar o Evangelho do Reino
em que “Jesus é o Senhor” em todos os cantos do globo, entre todos
os grupos étnicos, e para toda pessoa. O senhorio de Cristo é também
sobre todos os principados e poderes deste mundo, incluindo centros
de poder econômico, político, social ou estrutural.

A missão messiânica
Deus o Espírito Santo de Jesus inclui pelo
menos Koinonia,
• O Espírito Santo transforma toda a vida – cada aspecto e todas as Kerygma, Diakonia e
facetas da vida de homem e mulheres. Assim uma missiologia de Marturia, sendo para o
transformação com fundamentos pneumatológicos almejará a criação mundo uma comunida-
e recriação da pessoa integral, permeando todos os relacionamentos de de Profetas, Sacer-
e estruturas humanas relativas à vida da pessoa. dotes, Reis, Sanadores,
• O Espírito Santo convence “o mundo do pecado, da justiça e do Libertadores e Sábios.
juízo” (João 16:8). O Espírito Santo converte (transforma) pessoas,
dando a elas graça e fé para crerem em Jesus Cristo. Ele é o agente
de transformação de pessoas de dentro para fora. A conversão não
é possível exceto pela obra do Espírito Santo. Uma teologia de
transformação somente pode acontecer através da obra do Espírito
Santo. Ela procurará, no poder do Espírito, a criação e recriação
espiritual da pessoa juntamente com os aspectos físicos, sociais,
emocionais e intelectuais do seu ser. Devemos também, ultimamente,
reconhecer que uma missão de transformação implicará, devido à
sua própria natureza, uma variedade de formas de guerra espiritual.
• Uma missiologia de transformação com fundamentos
pneumatológicos supõe o entendimento que somente o Espírito
Santo forma a Igreja – e que somente o Espírito Santo dá poder
e direção à missão da Igreja (Harry Boer 1961). O Espírito Santo
forma, transforma e reforma a igreja para ser, saber, fazer, servir e
se relacionar de maneiras descritas em uma variedade de metáforas
bíblicas de igreja em missão, como “sal da terra”, “luz do mundo”,
vasos terrenos cheios de pérolas do Evangelho, corpo de Cristo,
uma nova humanidade, embaixadores da reconciliação, a família de
Deus, entre outras. A espiritualidade dos cristãos, de igrejas, e de
agências missionárias deve ser transformada através do ministério
do Espírito Santo e dirigido em missão para um mundo perdido e
ferido tão amado por Deus.

misiopedia.com 16
Charles Van Engen

• Os dons do Espírito Santo são dados à igreja para a missão no mundo.


E os frutos do Espírito são produzidos para o mundo através da
presença da comunidade da fé que representa aqueles frutos. Nosso
mundo encontra-se em um estado desesperado de necessidade
do fruto do Espírito: amor, alegria, paz, paciência, amabilidade,
bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio (Gálatas 5:22). E
esse fruto é baseado em pessoas vivendo o Decálogo no amor a Deus
e ao próximo. Tal fruto, no poder do Espírito Santo, transformará
radicalmente – ele alterará fundamentalmente – as realidades nas
quais vivemos hoje em dia.
• Jesus Cristo governa o Reino pelo ministério do Espírito Santo. Nós
não podemos ter uma missiologia do Reino a menos que tenhamos
um conceito pneumatológico e prático da missão que seja amplo,
profundo, elevado e vasto.
• O Espírito Santo cria esperança sobre a vinda do reino em Jesus
Cristo como um depósito da vida eterna (Efésios 1:14). (veja C.
Van Engen, “Fé, Amor e Esperança: uma Teologia de Missão No
Caminho – em Missão no Caminho 1996, 253-262 (Faith, Love,
and Hope: A Theology of Mission-on-the-Way,” in Mission on
the Way). Uma missiologia de transformação com fundamentos
pneumatológicos aguardará com ansiedade o dia final quando
Cristo retorne assim como a transformação final, completa, que
ocorrerá em um novo céu e em uma nova terra. Naquele dia, cristãos
transformados, dentro de uma realidade transformada, se juntarão
ao redor do trono do Cordeiro cantando: “Digno é o Cordeiro que
foi morto de receber poder, riqueza, sabedoria, força, honra glória e
louvor” (Apocalipse 5:12 NIV).

Os pensamentos acima compõem somente um resumo do que creio


serem os pontos básicos do desenvolvimento de uma teologia de
transformação. No âmago dessa visão encontra-se um compromisso
para uma mudança radical.

Conclusão
Durante as décadas de 70 e 80 servi como missionário em Tapachula,
uma cidade tropical na fronteira Mexicana com a Guatemala. Ali, um
“transformador” era uma pequena caixa de metal na qual conectávamos
nossos eletrodomésticos para regular a corrente que entrava em nossa
casa. Aquele “transformador” elevava a voltagem a níveis aceitáveis e
amortecia as variações súbitas na corrente elétrica. Esses aparelhos eram
imprescindíveis para uma longa vida útil de nossos eletrodomésticos.
Da mesma forma, a missão global/local no século 21 deve ser cultural
e contextualmente apropriada às necessidades, aspirações, cosmovisão
e programas das pessoas em cada contexto. A fim de responder tais
reivindicações, uma missão de transformação precisará ser baseada

17 misiopedia.com
Charles Van Engen

em uma visão trinitariana que está em conformidade com o que


aprendemos sobre a missão nos últimos cem anos e, contrariamente,
em descontinuidade com a prática missionária levada a cabo no último
século. Continuidade e descontinuidade. Essa parece ser a essência
do conceito de trans-form-ação. Uma missiologia de transformação
envolve trans – e – formação, descontinuidade e câmbios unidos com
continuidade e recriação.

TRANS- (discontinuidade)
Uma missiologia de transformação pede movimento, metamorfose,
mudança, conversão e uma mudança íntima. Sem tal mudança de
coração; uma mudança do eu, do ser, nada se transformará. Uma mera
mudança de religião, meramente uma conversão individual e vertical não
transformará as pessoas, estruturas, sistemas, e culturas desse mundo. A
fim de serem credíveis, a igreja e cristãos devem ser úteis para algo – eles
devem ser capazes de demonstrar aos povos dos seus contextos e nações
que eles têm algo concreto, mensurável, visível, positivo, construtivo e
útil aos seus contextos e nações. Isso pede conversões radicais tanto da
igreja e de cristãos a serem a presença transformadora de Cristo nesse
mundo – quanto à conversão de não cristãos à fé em Jesus Cristo.

-FORMAÇÃO (continuidade)
Uma missiologia de transformação também pede uma contextualização
encarnacional, para lidar com a relação do evangelho e cultura em
milhares de contextos diferentes mundialmente. Essa transformação não
é somente uma mera mudança religiosa, não meramente uma questão de
um novo rol de membros da igreja. Não se trata somente de civilização
ou educação, ou uma mudança do comportamento ético; não é somente
uma melhora política ou sócio-econômica. Em vez disto, uma teologia de
transformação supõe a nova formação, a recriação de pessoas integrais
– de todos os aspectos de suas vidas, cada um em seu contexto particular
em termos de saber, ser, fazer, servir e relacionar-se uns aos outros. Ela
tem implicações simultâneas pessoais, sociais, estruturais e nacionais.
Implica reconciliação com Deus, com o eu, com a criação, outros, e
as estruturas sócio-culturais. (Conforme 1 Coríntios 5; veja também a
definição de missão de C. Van Engen na nota de rodapé 14 acima).
João termina seu evangelho dizendo: “Jesus realizou na presença de seus
discípulos muitos outros sinais milagrosos, que não estão registrados
neste livro. Mas estes foram escritos para que vocês creiam que Jesus é
o Cristo, o Filho de Deus e, crendo, tenham vida em seu nome” (João
20:30-31). Para que tenham vida. Assim como uma esponja é permeada
de água, também nossa missão é oferecer nova vida a mulheres e homens
de nosso mundo do século 21 na qual a totalidade de suas vidas, cada
aspecto da vida, cada campo de batalha dela sejam permeados com a
presença de Deus o Pai, Filho e Espírito Santo. E os ricos e poderosos
desse mundo precisam ser transformados, eles precisam se converter,
assim como também precisam os pobres e fracos.
Esse é um tempo de mudança social massiva na África, Ásia, Europa

misiopedia.com 18
Charles Van Engen

Oriental, e América Latina – assim como em cidades da Europa


Ocidental, Austrália e America do Norte. A igreja de Jesus Cristo está ali
para proclamar o evangelho e contribuir na construção de novas nações
e na reconstrução de velhas nações. A igreja de Jesus Cristão representa
amor, gozo, paz, reconciliação e o valor da vida humana.
Nossa missão é uma missão de transformação. Penso que Gisbertus
Voetius (1589-1676) entendeu corretamente – mas devido a sua
perspectiva do cristianismo, ele foi incompleto na sua visão da missão
de Deus. Voetius afirmou que o alvo da missão é triplo: a conversão de
pessoas a Jesus Cristo, a implantação e desenvolvimento da igreja e
a glória de Deus. (J.H. Bavinck 1977:155; D. Bosch 1980; 1980:126-
127; J. Verkuyl 1978:21; Moreau, Netland, Van Engen, editores,
2000:1002).
Entendo que no século 21 devemos acrescentar um quarto alvo, inserido
entre “implantação e desenvolvimento da igreja” e a “glória de Deus”,
Uma missiologia como abaixo. Sabemos que hoje ao redor de um quarto da população do
de transformação mundo professa algum tipo de fé em Jesus Cristo. Esses cristãos estão
trinitariana e ba- agora espalhados pelo mundo em todas as nações, falam mais línguas
seada no reino de e tem mais facilidades de comunicação e de locomoção do que nunca
Deus terá somente na história da igreja. Pela primeira vez na história da humanidade,
um alvo: a glória a igreja de Jesus Cristo pode apresentar o evangelho em uma forma
de Deus. compreensível para todo ser humano na face da terra. Mas isso significa
também que a igreja tem também a oportunidade, dever e chamado de
ser uma presença transformadora em todos os cantos do planeta. Creio
então que devemos adicionar um quarto alvo de missões, como abaixo:
• a conversão de pessoas a Jesus Cristo,
• a implantação e desenvolvimento da igreja,
• a transformação da igreja e, através dos ministérios da igreja, a
transformação dos contextos e nações nos quais ela se encontra
e,
• a glória de Deus.

Orlando Costas estava certo quando afirmou que a igreja somente pode
ser o penúltimo alvo da missão, não o alvo final. Mudanças sócio-
econômicas é também somente o penúltimo alvo da missão. Uma
missiologia de transformação trinitariana e baseada no reino de Deus
terá somente um alvo: a glória de Deus (veja, por exemplo, Efésios 1:6,
12, 14). Um dia estaremos em pé juntos com todos aqueles vindos de
todas as tribos, famílias e nações que lavaram suas vestes no sangue do
Cordeiro. Todos nós nos colocaremos ao redor do trono do Cordeiro e
cantaremos: “Digno é o Cordeiro que foi morto...” (Apocalipse 5:12).
Nossa missão é participar na missão de Jesus, a qual era fazer a missão
de Deus no poder do Espírito Santo: nada mais, nada menos. Essa missão
de transformação radical – uma missão de metamorfose. Qual forma ela
deve tomar nesse período transitório entre o “já está aqui” e o “ainda
não está aqui” da vinda do Reino de Deus? Creio que Lesslie Newbigin

19 misiopedia.com
Charles Van Engen

capturou isso bem quando nos desafiou a dar presença concreta, vida e
expressão à nossa missão (nossa missão como transformação) dentro e
através da vida de congregações locais espalhadas ao redor do mundo.
Ele colocou assim:
A realidade primária a qual devemos levar em consideração na nos-
sa busca de um impacto Cristão na vida pública é a congregação
cristã... A única hermenêutica do evangelho é um grupo de homens
e mulheres que crêem n’Ele e vivem por Ele... Essa comunidade
terá, penso, as seis seguintes características:
• Ela será uma comunidade de louvor
• Ela será uma comunidade da verdade
• Ela será uma comunidade que não vive para si mesma
• Ela será uma comunidade... experimentada no exercício
do sacerdócio no mundo
• Ela será uma comunidade de responsabilidade mútua Nossa missão é procla-
mar em palavra e atos
• Ela será uma comunidade de esperança. sempre o mesmo evan-
(Lesslie Newbigin 1989:222-223) gelho que sempre toma
novas formas – que
Seja um brinquedo nas mãos do meu filho Andrew, um grande contêiner sempre recebe transfor-
colocado acima de um poste ou um pequeno aparelho elétrico no sul do mações e sempre causa
México, as três imagens nos mostrarão a mesma idéia: cada objeto é transformações.
sempre a mesma coisa, mas sempre se transformando em alguma coisa
diferente. Assim deve ser nossa missão nesse novo século. Nossa missão
é proclamar em palavra e atos sempre o mesmo evangelho que sempre
toma novas formas – que sempre recebe transformações e sempre causa
transformações.

Minha tese consiste que uma missiologia evangélica de transformação


. baseia-se em conceitos clássicos de missão desenvolvidos
durante os últimos 100 anos;
2. supera as dicotomias entre evangelismo e ação social que
surgiram 50 anos atrás; e
. recria a si mesma em uma prática trinitariana de missão apropriada
aos desafios globais/locais e às oportunidades de igreja e mundo
nesse novo século.

misiopedia.com 20
Charles Van Engen

Obras Citadas:
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