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Resumo
Silva RHA*
Sales-Peres A** A evolução da Odontologia, desde o seu reconhecimento profissional e configuração
legal, atribuiu-lhe toda uma Deontologia específica, sendo o objetivo deste trabalho
o melhor entendimento dos aspectos legais que envolvem as modalidades de
atividade ilícita profissional, principalmente na relação acadêmicos e cursos
de aperfeiçoamento e/ou especialização. Sabe-se que é ilícito ao estudante de
graduação em Odontologia praticar seu aprendizado fora das dependências de sua
Odontologia e Sociedade
entre o ensino e a realidade social; as propostas E, refletindo a citação acima, obviamente há necessidade
pedagógicas, a qualificação e tendências filosóficas, de utilizar-se de cursos de extensão universitária a fim de
os recursos existentes e os processos formativos não obter uma melhor qualificação, contudo há regras a serem
conduzem à capacitação de pessoal comprometido social seguidas, visando à proteção do profissional e, sobretudo,
e criticamente com os problemas de saúde da população. da comunidade.
Na mesma vertente, Barros8 (1983) coloca que a existência Consolaro12 (2000) expõe que cursos de aperfeiçoamento
de dois ciclos no ensino superior em Odontologia, o ciclo buscam possibilitar um melhor treinamento de
básico e o profissional, cujos ensinamentos ficam a cargo habilidades visuais, manuais e outras atividades práticas
do aluno relacioná-los e integrá-los, necessita de uma de necessidade do profissional. Já o curso de especialização
melhor estruturação. visa preparar profissionais para resolver todos os tipos de
Souza9 (1982) salienta que o ensino estático perdeu sua situações pertinentes à área escolhida. Entende-se por
razão de ser, pois o aprendizado real só existe quando a curso de aperfeiçoamento teórico-prático àqueles em que
dinâmica utilizada no ensino assegura a participação exista o atendimento clínico a pacientes.
constante do acadêmico com os problemas da vida diária, Sendo o assunto deste tópico baseado no ensino,
em que ele tem uma participação interessada. E ainda Chaves13 (1986) sintetiza os objetivos da educação
afirma que a formação do cirurgião-dentista exige que se odontológica em quatro itens:
lhe estimule um desenvolvimento acentuado do espírito O processo educacional deve ser eficiente (facilitar
crítico, do amor à investigação e à pesquisa, porque o a aprendizagem das habilidades e conhecimentos, bem
exercício profissional implicará em uma constante análise como o desenvolvimento de uma atitude mais social);
e julgamento de dados, assim como uma experimentação A quantidade produzida deve ser suficiente (o
muitas vezes difícil. sistema de ensino tem como responsabilidade promover
E, de acordo com Chaves e Lantz10 (2001), mudanças o equilíbrio de tal forma que um dentista possa ter um
significativas e substanciais no programa educacional de número de pacientes que o mantenha ocupado durante
escolas de Odontologia somente podem ser implementados uma semana normal de trabalho);
e sustentados se os membros das instituições entenderem A qualidade do produto deve ser adequada
a necessidade de mudanças, abraçarem-na e trabalharem (capacidade de preservar por maior tempo possível os
efetivamente juntos a fim de tornar realidade. dentes naturais, beneficiando o maior número possível de
Isso nos remete ao pensamento de Shawn11: “Não há indivíduos da comunidade);
progresso sem mudança. E quem não consegue mudar a A entrega dos serviços deve ser econômica (custo
si mesmo, acaba não mudando coisa alguma”. não elevado em relação aos benefícios prestados, devendo
o profissional delegar funções ao pessoal auxiliar,
3. Realização de cursos de aperfeiçoamento e/ simplificar técnicas e equipamentos).
ou especialização por graduandos Carvalho6 (1987) explica que se entende por curso de
Inicialmente é interessante citar a frase de Goethe citada pós-graduação os estudos formais realizados dentro de
por Consolaro12: “O homem com percepção suficiente uma área específica do conhecimento, após a graduação,
para admitir suas limitações, é o que mais se aproxima da sendo o sistema de ensino dividido em pós-graduação
perfeição”. lato sensu (cursos de aperfeiçoamento e especialização) e
stricto sensu (cursos de mestrado e doutorado). dos cursos realizados em congressos, em sua maioria
Baseado nestes fundamentos é possível interpretar meramente teóricos e observacionais, há permissão para
como atividade ilícita profissional as situações indivíduos não inscritos em seu Conselho Regional,
inicialmente questionadas e, nesta vertente, Nobre14 quanto mais em cursos de formação profissional.
(2002) identifica outra modalidade de crime na Soa muito estranho a falta de coerência entre as
atualidade, o “paitrocínio”, onde o pai financia cursos legislações emitidas pelas autarquias odontológicas com
de especialização ou aperfeiçoamento para o filho ainda a realidade.
acadêmico, considerando-a, além de uma deformidade, Contudo, as normativas referentes aos cursos de
uma atividade ilegal. aperfeiçoamento, apesar de ausentes no CFO, fazem-se
Calvielli15 (1993) alega que o estudante do curso presentes em outro documento, em nível federal, a Lei de
de graduação em Odontologia não pode praticar o Diretrizes e Bases da Educação18 (Lei nº. 9394, de 20 de
seu aprendizado, a não ser nos laboratórios e clínicas Dezembro de 1996):
da faculdade em que estiver realizando o seu curso “Art. 44 – A educação superior abrangerá os seguintes
de graduação, e sempre sob a supervisão do pessoal cursos e programas:
docente. III- de pós-graduação, compreendendo programas
Samico16 (1990) reafirma tais posições configurando de mestrado e doutorado, cursos de especialização,
como lícito o exercício de atividades clínicas, pelo aperfeiçoamento e outros, abertos a candidatos
acadêmico de Odontologia, nas clínicas da Faculdade, em diplomados em cursos de graduação e que atendam às
Hospitais Universitários ou Hospitais-Escola, somente sob exigências das instituições de ensino”
a supervisão de professores. E também assinala que não O acréscimo do número de cursos de aperfeiçoamento
se pode exigir, do ponto de vista legal, a responsabilidade e especialização no país deve-se, principalmente, ao
profissional do estudante. direcionamento dado pelo ensino, conduzindo a uma
Dentro das normativas estabelecidas pelo Conselho grande procura pelos mesmos.
Federal de Odontologia (CFO) não iremos encontrar Chaves13 (1986) alerta que a especialização em
nenhum regimento que trate especificamente dos Odontologia não pode ser forçada em nenhum país ou
cursos de aperfeiçoamento, porém em sua Resolução comunidade, pois o exercício de especialidades exclusivas
CFO 63/200517, a Consolidação das Normas para só é possível em locais que possuam um certo nível de
Procedimentos nos Conselhos de Odontologia, há vida, com demanda suficiente para manter ocupado um
referência aos eventos odontológicos, no Título V - Das ou mais especialistas.
efemérides odontológicas, dos eventos odontológicos e Barros19 (1999) vem de acordo com o posicionamento
dos serviços relevantes prestados à classe odontológica, acima e afirma que é importante a estruturação de um
conforme segue: sistema de pós-graduação que permita a formação de
“Art.204. Para a inscrição em congressos, jornadas, especialistas nos mais diferentes aspectos profissionais,
conclaves e outros eventos odontológicos realizados no devendo ser cada vez mais aprofundada, mas não para
país, fica obrigado o profissional a apresentar prova de tantos profissionais, a fim de possibilitar a formação de
inscrição em Conselho Regional.” um bom número de generalistas.
Interpretando a regulamentação acima, nem mesmo Já que, conforme mostra Carvalho6 (1987), os cursos
de especialização e aperfeiçoamento buscam o objetivo “III – A informação adequada e clara sobre os diferentes
técnico-profissional específico, sem abranger o campo produtos e serviços, com especificação correta de
total do saber em que se insere a especialidade, destinam- quantidade, características, composição, qualidade e
se ao treinamento nas frações de que se compõem um preço, bem como os riscos que apresentem”.
determinado ramo profissional ou científico. Assim como em seu artigo 8º23:
Observamos essa cultura de especialização na atual “Os produtos e serviços colocados no mercado de
configuração do mercado de trabalho odontológico onde, consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança
segundo dados do Conselho Federal de Odontologia, em dos consumidores, exceto os considerados normais e
2008, existem 188 cursos de Odontologia instalados no previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição,
país e mais de 220.000 cirurgiões-dentistas20. obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar
Assim, se analisarmos as resoluções do Conselho as informações necessárias e adequadas a seu respeito.”
Federal de Odontologia, veremos que, no tocante aos Desta forma, o responsável pelo atendimento realizado
cursos de especialização, há alguns impedimentos, tal pelo acadêmico é o professor15-16, sendo esta situação fácil
como na Resolução CFO 22/200121: de ser entendida quando pensamos em clínicas e hospitais
“Art. 48 – Entende-se por curso de especialização ou universitários, porém, em cursos além dos muros das
programa de residência, para efeito de registro e inscrição, universidades, podem vir a suscitar dúvidas, haja vista a
aquele destinado exclusivamente a cirurgião-dentista maneira irregular de realização por parte de acadêmicos
inscrito em Conselho Regional de Odontologia e que de graduação.
atenda ao disposto nestas normas.”
5. Considerações Finais
4. Os pacientes dos acadêmicos Torna-se necessário uma adequação, por parte do
E como fica a questão dos pacientes dos estudantes de CFO, a respeito do assunto cursos para acadêmicos,
Odontologia? Quem responde por possíveis danos ou principalmente frente aos aperfeiçoamentos e atualizações
insatisfação? É importante lembrar que o Código Civil disponíveis no mercado, haja vista a diversidade de
Brasileiro22 (2002), frente a questão da responsabilidade, posicionamentos e a falta de uma normativa específica,
afirma que: para estabelecer limites e realizar os esclarecimentos
“Art. 927 – Aquele que, por ato ilícito, causar dano a necessários.
outrem, fica obrigado a repará-lo”.
Além disso, perante o Código de Defesa do Consumidor23 6. Referências
(Lei nº 8.078, de 11 de Setembro de 1990) deve, o paciente
atendido em tais cursos, ser alertado sobre a qualificação 1. Brasil. Presidência da República. Decreto-Lei 2.848,
de quem presta o atendimento, pois: de 7 de dezembro de 1940: Código Penal. Disponível
“Art. 2º - Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que em http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/
adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário Del2848.htm [Acesso em 20 Ago 2008].
final.” 2. Lino HL, Lino FMM. O exercício da odontologia
Quanto aos direitos básicos do consumidor pertence ao domínio do direito público ou privado? Rev
encontramos, em seu artigo 6º que23: Gaúcha Odontol 1971; 19(3): 170-3.
Correspondência/Correspondence:
Prof. Dr. Ricardo Henrique Alves da Silva
Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto –
Universidade de São Paulo. Depto. de Clínica Infantil,
Odontologia Preventiva e Social. Avenida do Café, s/n,
Bairro Monte Alegre, Ribeirão Preto – SP, CEP: 14040-
904. Email:ricardohenrique@usp.br.