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As Relações Brasil-União Européia no contexto da

consagração da Parceria Estratégica

Prepared for delivery at the 2009 Congress of the Latin American Studies
Association, Rio de Janeiro, Brazil June 11-14, 2009

Antônio Carlos Lessa


Institute of International Relations
University of Brasília
alessa@unb.br

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Introdução

As relações entre o Brasil e a União Européia (UE) se circunscreveram, nos últimos anos, às
negociações com o Mercosul. O impasse de tais negociações e o reconhecimento da
importância, por parte da Comissão Européia, de um diálogo mais próximo com o Brasil
motivaram a realização da primeira cúpula entre a UE e o Brasil, realizada em Lisboa em
julho de 2007, que institucionalizou uma “Parceria Estratégica” com o Brasil, nos moldes dos
arranjos que a UE mantém com alguns de seus principais interlocutores – Estados Unidos,
Canadá, Japão, Rússia, China e Índia.

Os objetivos deste paper é caracterizar o processo de adensamento do relacionamento Brasil-


UE e discutir as possíveis consequências da da sua atualização tanto na perspectiva dos
contatos bilaterais quanto para os objetivos centrais da política externa brasileira.

O que são as parcerias estratégicas da Europa

O termo "parceria estratégica" é usado de maneira pouco rigorosa no jargão e nos


documentos da União Européia. De acordo com a autora, a observação empírica da natureza
desses vínculos permite uma aproximação de conceito, sendo uma parceria estratégica “o
relacionamento político bilateral singularizado, de característica privilegiada que a União
Européia estabelece com cada um dos integrantes de um determinado grupo de terceiros
países, definidos em função da importância do papel que desempenham no cenário
internacional” (Barthelmess, 2008).

Com efeito, o adjetivo "estratégica" não é um item obrigatório dos instrumentos


constituintes desses processos, tendo começado a ser usado mais correntemente pelos
organismos de Bruxelas apenas a partir de 2001. A partir de então, a UE passou a
denominar alguns dos diálogos qualificados que mantinha com países importantes como
"estratégicos", mas os primeiros que foram constituídos como tal foram as parcerias com a
índia, em 2004, e com o Brasil, em 2007.

Os países reconhecidos como parceiros estratégicos da UE são de fato interlocutores


políticos privilegiados da UE, com estaturas diferenciadas, mas reconhecidamente
importantes para a realização dos interesses da ação internacional da Europa. Dos sete
parceiros estratégicos da UE: a) quatro (Canadá, Estados Unidos, Japão e Rússia) tomam

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parte do grupo dos principais países industrializados, o Grupo dos Oito; b) três são membros
permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas (EUA, Rússia e China); c) três
deles (Japão, índia e Brasil) pleiteam um assento permanente no CSNU na eventualidade de
uma reforma da instituição; d) quatro delas são elencadas como as principais economias
emergentes da atualidade, compondo o grrupo de potências elencadas sob o conceito
BRIC´s (Brasil, China, Índia e Rússia).

Uma comparação entre as diferentes parcerias estratégicas desenvolvidas pela União


Européa evidencia que Bruxelas não seguiu um modelo pré-estabelecido na sua
conformação. Eugênia Barthelmess (2008) elenca as características gerais de cada uma das
experiências, o que permite ressaltar as suas peculiaridades:
"(...) Com os Estados Unidos e o Canadá, contatos políticos baseados em reuniões de
Cúpula e em nível ministerial, bem como canais de coordenação em diferentes áreas
foram estabelecidos pelas respectivas Declarações Transatlânticas, ambas de 1990. No
caso dos EUA, entendimentos adicionais em 1995 (a Nova Agenda Transatlântica) e
1998 (a Parceria Econômica Transatlântica) vieram completar a complexa estrutura do
relacionamento bilateral; Com o Japão, uma Declaração Conjunta de 1991 deu início a
reuniões de Cúpula e ministeriais; foi apenas em 2001, no entanto, à altura da décima
Cúpula, que um Plano de Ação estabeleceu metas comuns e transformou o conjunto de
contatos em uma estrutura organizada; Com a China, o canal político de alto nível foi
estabelecido em 1994, por Notas Reversais; a estrutura regular do relacionamento, desde
as reuniões ministeriais até os diálogos setoriais, só veio a ser definida em 2002,
novamente por Troca de Notas; As reuniões de Cúpula e em nível ministerial com a
Rússia, bem como os canais técnicos temáticos, tiveram início em 1997, por meio de um
Acordo de Parceria e Cooperação. Este foi complementado pela criação, em 2003, dos
chamados “espaços comuns”, que atribuíram profundidade adicional ao relacionamento;
No caso da Índia, as reuniões de Cúpula precederam o estabelecimento da parceria
estratégica, formalizada apenas por ocasião da quinta Cúpula. Um Plano de Ação,
adotado pela sexta reunião de Cúpula (2005), definiu os temas centrais da parceria e
organizou os contatos institucionais".

O fator obviamente decisivo de qualificação de cada um dos parceiros é a existência de


relações comerciais dinâmicas e quantitativamente importantes. O quadro abaixo sintetiza
informações do comércio entre a UE e os seus principais relacionamentos comerciais, alguns
dos quais elencados como "parceiros estratégicos", apresentando a participação de cada um
deles nas correntes de comércio comunitárias.

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Participação percentual dos principais parceiros comerciais da União Européia

em suas correntes de comércio

Parceiro
2006 2007 2008
comercial
Importações Exportações Importações Exportações Importações Exportações

Extra-
100.0 100.0 100.0 100.0 100.0 100.0
UE27

Estados
13.0 23.2 12.7 21.1 12.0 19.1
Unidos

China (ecl.
Hong 14.4 5.5 16.2 5.8 16.0 6.0
Kong)

Rússia 10.4 6.2 10.1 7.2 11.2 8.0

Suíça 5.3 7.6 5.4 7.5 5.2 7.5

Noruega 5.9 3.3 5.3 3.5 5.9 3.3

Japão 5.7 3.9 5.5 3.5 4.8 3.2

Turquia 3.1 4.3 3.3 4.2 3.0 4.1

Coréia do
3.0 2.0 2.9 2.0 2.5 2.0
Sul

Brasil 2.0 1.5 2.3 1.7 2.3 2.0

India 1.7 2.1 1.9 2.4 1.9 2.4

Canadá 1.5 2.3 1.6 2.1 1.5 2.0

Argélia 1.8 0.9 1.5 0.9 1.8 1.2

África do
1.4 1.7 1.5 1.7 1.4 1.5
Sul

Arábia
1.7 1.5 1.3 1.6 1.4 1.6
Saudita

Líbia 1.9 0.3 1.9 0.3 2.2 0.4

Ucrânia 0.7 1.6 0.9 1.8 0.9 1.9

Singapura 1.4 1.7 1.3 1.7 1.0 1.7

Emirados
Árabes 0.4 2.2 0.4 2.2 0.4 2.4
Unidos

Austrália 0.8 1.8 0.8 1.8 0.7 1.9

México 0.8 1.6 0.8 1.7 0.9 1.7

Fonte: Eurostat

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Ademais, a União Européia é o principal parceiro comercial de cinco desses grandes
relacionamentos – Estados Unidos, China, Rússia, Índia e Brasil. O Canadá, por conta dos
seus vínculos preferenciais desenvolvidos no contexto do NAFTA, e o Japão, têm como
principal parceiro comercial os Estados Unidos, vindo a Europa Comunitária logo em
seguida.

Brasil, parceiro estratégico da União Européia

O anúncio da criação do Mercado Comum Europeu em 1957 jogou o governo brasileiro na


mais viva inquietação, ainda que os governos europeus envolvidos tenham se empenhado
desde muito cedo em explicitar que tal processo não causaria prejuízos para as posições
econômicas dos países latino-americanos.

Em 1957 o governo brasileiro estava totalmente convencido de que o início do processo


europeu de integração ensejaria uma diminuição expressiva das exportações de café e de
outros produtos brasileiros, que se daria mediante a criação de desvios de comércio que
beneficiariam os concorrentes africanos, favorecidos que foram pelas medidas de associação
comercial que garantiam o acesso em condições privilegiadas (através das disposições dos
artigos 131 a 136 do Tratado de Roma), não mais apenas para a França ou a Bélgica, mas para
todos os seis parceiros, entre os quais se encontravam dois dos maiores clientes em termos
globais do Brasil, a Alemanha e a Itália (Lessa, 1998).

Esse início pouco auspicioso dá a tônica da história das relações do Brasil com o processo
europeu de integração nas suas primeiras décadas. Enquanto as relações bilaterais do Brasil
com os seus parceiros europeus tradicionais fluíam na dimensão política, descarregadas a
partir de então do peso dos contenciosos comerciais (que foram muito importantes em alguns
casos, como no das relações com a França), esta agenda pesada, na qual as partes raramente
convergiam, se fortaleceu justamente com a criação do Mercado Comum Europeu. As
demandas recorrentes do Brasil, que se juntava aos demais países latino-americanos, estavam
principalmente circunscritas ao acesso aos mercados, ao tratamento tarifário conferido aos
produtos tropicais e às tentativas de circundar os graves desvios de comércio que se
produziram pela associação das antigas colônias européias (Bueno, 1994).

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A criação do Mercado Comum deu origem a uma ruptura de grandes proporções no núcleo
europeu do sistema de relações bilaterais do Brasil: produziu um eixo de conflito, que até
então inexistia, e que sobreviveu praticamente até meados da década de noventa, centrado
sobre o manejo das questões comerciais, especialmente acesso a mercados e tratamento
tarifário (Lessa, 1998). Nesse longo período, não há que se falar em cooperação política, uma
vez que a America Latina em geral constituía um ângulo cego das prioridades internacionais
da Europa comunitária.

Por outro lado, esse foi também um momento de criação nas relações do Brasil com boa parte
dos seus parceiros europeus. Uma vez liberados do fardo dos contenciosos comerciais, os
relacionamentos bilaterais com os principais países da Europa Ocidental evoluíram com
rapidez para o desenvolvimento de formas de cooperação políticas e econômicas inovadoras,
como se percebe na experiência de diversificação de vínculos externos levada a cabo no
governo Ernesto Geisel (1974-1979), por exemplo (Lessa, 1995).

Ensaiava-se ali o primeiro experimento de uma parceria estratégica, como viria a se


consolidar no pensamento diplomático brasileiro: com efeito, a parceria estratégica com os
países europeus foi concebida estritamente como um movimento de escape das tensões do
relacionamento bilateral com os Estados Unidos, mas não sobreviveu à mudança da
conjuntura política e econômica internacional ao final da década de setenta. Os seus
significados históricos são importantes: produziu experimentos interessantes do ponto de vista
político, como o acordo nuclear com a Alemanha (1975) e o engajamento na discussão de
uma nova ordem econômica internacional. Na dimensão econômica, crítica no momento da
crise do petróleo, a dinâmica de aproximação dos países europeus permitiu a reversão da
preponderância histórica dos Estados Unidos nas correntes de comércio e nos fluxos de
investimentos do Brasil (Lessa, 1996).

Desde então, as interações do Brasil com a Europa Ocidental se deram em duas velocidades:
com os países do núcleo europeu ocidental (França, Grã-Bretanha, Alemanha, Itália, Espanha,
Portugal, Holanda e Bélgica), foram gradualmente normalizadas, em torno das peculiaridades
das agendas binacionais. Os contatos com a dimensão comunitária, por seu turno, evoluíram a
passos mais lentos: o Brasil estabelece relações diplomáticas com as Comunidades em 1960, e
muito pouco acontece a partir daí. Um acordo de cooperação pouco abrangente entre as
Comunidades foi assinado vinte anos depois, e entrou em vigor em 1982, sendo substituído
em 1995 por um Acordo-Quadro de Cooperação. Esse é o instrumento que regulava os

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contatos entre UE e Brasil até 2007 e que dispunha sobra a cooperação econômica, industrial,
nas áreas de investiments, de ciência e tecnologia e de propriedade industrial, além de prever
o funcionamento de uma Comissão Mista Bilateral, com reuniões previstas para cada dois
anos.

No início dos anos noventa, já no quadro mais amplo do desenvolvimento das experiências de
integração na América do Sul, as prioridades da UE se voltam para o estabelecimento de uma
agenda de cooperação com o Mercosul. Nesse sentido, o estabelecimento do Mercosul em
1991 foi um importante fator para o recondicionamento das relações da Europa comunitária
com a América Latina em geral, uma vez que o bloco sul-americano surgia como o maior
parceiro comercial e principal destino dos investimentos europeus na região. O surgimento de
um novo processo de integração, em região que compunha a periferia das prioridades
internacionais da Europa não deixou de ser um motivo de alento para a organização de uma
nova agenda de cooperação.

Desse modo, ainda em 1992 firmou-se um Acordo de Cooperação Inter-institucional, seguido


em dezembro de 1995 pelo Acordo Marco Inter-regional de Cooperação. A articulação de
interesses teve prosseguimento em junho de 1999, com a realização da primeira Cúpula de
Chefes de Estado e de Governo da União Européia e América Latina/Caribe, quando se
decidiu pela formação de um Comitê Bi-regional de Negociações União Européia-Mercosul,
com o objetivo de liberalizar as relações comerciais visando no futuro a assinatura de um
acordo de associação inter-regional (Saraiva, 2004). Nesse quadro acabou por formalizar uma
parceria inter-regional, enquadrando os mecanismos de contato político entre a UE e a
América Latina e o Caribe – as Cúpulas ALC-UE e as reuniões ministeriais Grupo do Rio-UE
– e seus resultados (Valle, 2005).

O início da crise do Mercosul e os alargamentos da União Européia, dois processos


contemporâneos, desfocaram a agenda de cooperação inter-regional, enquanto outros temas
na dimensão política e econômica surgiam como prioritários. As conseqüências diretas e
indiretas dos eventos de setembro de 2001, tiveram impacto decisivo sobre o estabelecimento
de novas prioridades na agenda global de segurança, ao lado da necessidade de buscar o
fortalecimento do multilateralismo e o reforço da ordem internacional multipolar. Na
dimensão econômica, a premência de um novo arranjo para a liberalização comercial ensejou
o lançamento de uma nova rodada de negociações comerciais sob os auspícios da
Organização Mundial do Comércio. Na agenda ambiental, os impactos, os riscos e os custos

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causados pela mudança climática, que se tornaram mais evidentes ao longo dos últimos anos,
chamaram a atenção dos governos de parte dos países ricos para a necessidade de se priorizar
a cooperação na busca de alternativas energéticas.

O cruzamento dessas três novas agendas produziu uma oportunidade única para o Brasil, cujo
governo especialmente a partir de 2003 buscou com entusiasmo espaços para uma nova visão
política de articulação Sul-Sul e Norte-Sul. Se as chances de atuar como protagonista eram
diminutas na agenda global de segurança, o mesmo não se podia dizer sobre o debate acerca
da legitimidade na política internacional contemporânea e sobre a necessidade de reforma e
de valorização das instituições multilaterais. A melhor tradução dessa vertente foi a ambição
por um assento permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas,
objetivo perseguido mediante articulação com a Alemanha, a Índia e o Japão, com a
articulação do Grupo dos Quatro (G4).

Ainda em 2003, durante a reunião da Conferência da Organização Mundial do Comércio em


Cancún, o Brasil buscou a liderança dos países emergentes, contrapondo-se à prática histórica
de que as regras do comércio internacional são negociadas e decididas pelos países
desenvolvidos. A criação do Grupo dos 20 e o exercício posterior de mandato negociador no
desenvolvimento das negociações da Rodada Doha da OMC foram momentos nos quais se
pretendeu condicionar a abertura dos mercados de serviços e industriais dos países do Sul a
correspondente abertura dos mercados agrícolas dos países do Norte.

Na agenda sobre mudança climática o Brasil não atua propriamente como protagonista, mas
como detentor de ativos importantes. O desenvolvimento tecnológico e, especialmente, as
muitas vantagens competitivas que o país possui na cadeia produtiva dos biocombustíveis são
fatores que alimentam um perfil inovador na ação internacional do país, com grandes
repercussões sobre a sua agenda de cooperação, tanto com países do Sul, quanto do Norte.

Na dimensão regional, observou-se também o crescimento do papel de liderança exercido


pelo Brasil, ainda que contestado por alguns de seus vizinhos, em particular, pela Venezuela e
pela Argentina. Adicionalmente, o governo brasileiro procurou demonstrar preocupação com
a evolução política da região, se envolvendo em experiências de estabilização, como se
observou, por exemplo, com a participação no estabelecimento da Missão de Paz no Haiti.

O crescimento do perfil internacional do Brasil ao longo dos últimos anos decorrente dessas

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dinâmicas, ao lado do cansaço da fórmula de diálogo empregada pela União Européia com a
América Latina-Caribe (a assimetria entre os processos de integração, o desnível das
correntes de comércio, a heterogeneidade política e econômica dos atores latino-americanos)
e do estancamento das negociações com o Mercosul, levaram Bruxelas a abandonar o seu
modelo de cooperação tradicional com a região. Assim, ao final de 2005, a União Européia
decidiu, na reavaliação do conjunto das suas relações com a América Latina, passar a
privilegiar o Brasil como país-chave da região.

Com efeito, a leitura que Bruxelas fazia da América Latina era calcada na percepção de uma
homogeneidade histórica e estrutural que não era condizente com as condições políticas e
econômicas da região, o que por certo acabou prejudicando a fluidez do diálogo birregional.
Decorre da atualização dessa visão a decisão de singularizar o relacionamento político com os
grandes países da região, a exemplo do Brasil e do México, o que daria um novo ânimo aos
contatos entre as duas regiões, por meio da definição de objetivos políticos mais nítidos.
Aliás, esse ajuste era antecipado em 2005, quando a Comissão propunha ao Conselho da UE e
ao Parlamento Europeu ajustes nessa direção, propondo o lançamento de diálogos políticos
específicos com "determinados países da região que desempenhem um papel específico, bem
como a modulação adequada das suas acções de cooperação" (Europa, Comissão Européia,
2005).

O amadurecimento dessa perspectiva levou à adoção do modelo já aplicado no manejo das


relações da União Européia com os seus principais interlocutores – Estados Unidos, Canadá,
Japão, Rússia, China e Índia – ou seja, o de relações de “parceria estratégica”, que são
caracterizadas pela “amplitude dos contatos bilaterais e pela intensidade dos vínculos
políticos e comerciais e constituídas sobre complexas redes de foros institucionalizados e
diálogos temáticos, que incorporam desde grupos de trabalho técnicos até reuniões de Chefes
de Estado e de Governo” (Barthelmess, 2008).

Reconhecia-se então que a manutenção de estruturas insuficientes de diálogo político bilateral


com o Brasil não era condizente com o perfil que o país assumira na política internacional e,
mais especificamente, o seu aparente descolamento da realidade política e econômica latino-
americana.

O anúncio da parceria estratégica, rompeu o ciclo de paralisia da política européia para a


América Latina, e foi feito em 4 de julho de 2007 em Lisboa, por ocasião da primeira

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Conferência de Cúpula Brasil-União Européia, reunindo a Tróica do Conselho Europeu e o
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva 1. É certo que o novo vínculo é um fator de prestígio
importante para o Brasil que, apesar de não estar singularizado entre as potências emergentes
(na verdade, foi a última delas a ser distinguida dessa forma), passa a ter condições de diálogo
individualizadas com um ator fundamental da política internacional contemporânea (Brasil,
MRE, 2007).

Uma mudança nas condições de visibilidade internacional do Brasil

O conceito de "parceria estratégica" como desenvolvido na experiência internacional recente


da União Européia é particularmente útil para que se possa por em perspectiva a agenda
bilateral Brasil-UE que está em construção e tem consequências indiretas sobre as condições
de visibilidade internacional do Brasil.

Apesar dos ruídos de desagrado dos países vizinhos diante do gesto europeu, a parceria
estratégica pode dar ao Brasil condições de propor o reencaminhamento do diálogo União
Européia – América Latina e, do mesmo modo, pode ser fator importante para o desbloqueio
das negociações do acordo de associação com o MERCOSUL. Ademais, pelas características
do vínculo, pode permitir ao Brasil ampliar e repercutir os debates sobre temas que são do seu
especial interesse, como a reforma das instituições políticas (especificamente a ONU),
cooperação científico-tecnológica em diversas áreas, energias alternativas e liberalização
comercial. Há também potencial de cooperação em torno de temas que interessam igualmente
aos europeus, como o fortalecimento do multilateralismo, os mecanismos de governança
ambiental, a reforma das instituições financeiras, e a consecução de uma ordem internacional
multipolar (Barbosa, 2007).

Por certo que uma mudança dessa intensidade no paradigma com o qual a União Européia
vinha se relacionando com a América Latina não se implementaria sem resistências. Na
perspectiva comunitária, algumas delas se produziram em decorrência da própria mudança do
viés tradicional com que a União Européia se relacionava com a América Latina - desse

1
A Tróica é integrada pelo Chefe de Governo do Estado-membro que detém a Presidência rotativa do Conselho
da UE, pelo Secretário-Geral do Conselho e pelo Presidente da Comissão Européia. O Chefe de Governo do país
que assumirá a próxima presiência frequentemente se integra à Tróica.

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modo, alguns setores comunitários alegaram que a singularização do relacionamento com o
Brasil levaria fatalmente à perda de proeminência do diálogo inter-regional e também da
valorização dos esquemas regionais de integração, no caso concreto, da cooperação com o
Mercosul. Ademais, o novo modelo implicaria também na relativização da abordagem "ibero-
americana" de enquadramento das relações inter-regionais, agenda que constituiria uma zona
de influência particularmente da Espanha, que se veria enfraquecida com a mudança de
paradigma simbolizada com a inauguração da parceria estratégica com o Brasil (Sberro,
2003).

Na dimensão regional, seria de se esperar que o anúncio da mudança de nível do diálogo entre
o Brasil e a UE repercutisse do mesmo modo. Assim, em determinados círculos em Buenos
Aires, particularmente, mas também em Assunção, Montevideo e Caracas, a consagração da
parceria Brasil-UE foi notícia recebida com reticências. Estaria enfim o Brasil dando início a
uma nova fase na sua política de integração? O Brasil vai perseverar com o Mercosul? Quais
seriam os impactos dessa nova fase no relacionamento brasileiro-europeu sobre o perfil de
liderança política que o país vem perseguindo na região?

Enfim, reconhece-se que se trata de uma mudança que traz impactos de diferentes formas para
a região, com consequências imprevistas para o esforço de busca de equilíbrio político na
América do Sul. O fato novo, que é de reconhecimento por parte de um ator internacional de
maior relevância como a União Européia da transcendência e da importtância que o Brasil
assume na economia e na política internacional incita pois a desconfiança entre os vizinhos do
Brasil. Poucos setores foram capazes de verbalizar como o editorial de El Clarín da Argentina
que o movimento também tem consequências positivas para o Mercosul, os seus sócios e para
a América do Sul (El Clarín, 2008):

La Argentina debería poder aprovechar los incentivos que ofrece este socio mayor, no solamente
en términos de complementación económica sino también en este caso, como factor propulsor de
una visión integral del desarrollo, y del lugar que pueden tener la región y el Mercosur en el
mundo.
Las definiciones del presidente brasileño Lula da Silva en los últimos días son un ejemplo de
visión estratégica; la de una potencia regional que ha trabajado para proyectarse al mundo en el
terreno económico y estratégico.

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Conclusão

O relacionamento entre o Brasil e a União Européia passa por um momento auspicioso. Não
propriamente pela simples consagração da “parceria estratégica”, o que faria dela um fim em
si mesmo.

O potencial da “parceria estratégica” reside nas possibilidades que a organização de diálogo


de alto nível com parceiro tão importante abrem para o Brasil, com repercussões ainda
maiores sobre o seu perfil internacional e, virtuosamente, sobre a qualidade da cooperação
para o desenvolvimento, sobre a liberalização comercial com acesso aos mercados agrícolas
protegidos, sobre a reforma das organizações internacionais (e sobre o papel que o Brasil
pode nelas desempenhar), sobre a ordem internacional multipolar, sobre a política regional
sul-americana, sobre o Mercosul... enfim, sobre os constrangimentos, condições e grandes
projetos do desenvolvimento brasileiro.

Bibliografia

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