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Edimilson de Almeida Pereira (ole rele UM TIGRE;NAFLORESTA DE SIGNOS -- Fstudos sobre poesia e demandas sociais no NS ae A trajetoria do negro na literatura brasileira Domicio Proenga Filho A presenga do negro na literatura brasileira nao escapa ao tratamento margina- lizador que, desde as instancias fundadoras, marca a etnia no processo de construgao da nossa sociedade. Evidenciam-se, na sua trajetoria no discurso literario nacional, dois posiciona- mentos: a condigdo negra como objeto, numa visdo distanciada, e 0 negro como sujeito, numa atitude compromissada. Tem-se, desse modo, literatura sobre o negro, de um lado, e literatura do negro, de outro. O negro como objeto: a visio distanciada A visao distanciada configura-se em textos nos quais 0 negro ou 0 descendente de negro reconhecido como tal é personagem, ou em que aspectos ligados as vivéncias do negro na realidade histérico-cultural do Brasil se tornam assunto ou tema. Envolve, entretanto, procedimentos que, com poucas exceg6es, indiciam ideologias, atitudes e esteredtipos da estética branca dominante. ‘Assim dimensionada, a matéria negra, embora s6 ganhe presenga mais signi- ficativa a partir do século XIX, surge na literatura brasileira desde o século XVII, nos. versos satiricos e demolidores de Gregorio de Matos, como os do “Juizo anatémico dos achaques que padecia o corpo da Repiblica em todos os seus membros e inteira definigdo do que em todos os tempos a Bahia’, poema de que vale lembrar a seguinte passagem, a propésito, manifestamente reveladora: Que falta nesta cidade?... Verdade. Que mais por sua desonra’... Honra. Falta mais que se lhe ponha?... Vergonha. O demo a viver se exponha, Por mais que a fama a exalta Numa cidade onde falta Verdade, honra, vergonha. Quem a pos neste rocrécio?... Negocio. t Quem causa tal perdicao?. Ea maior desta loucura? Notavel desaventura De um povo néscio e sandeu Que nao sabe que o perdeu Negécio, ambicao, usura. Quem sao seus doces objetos?. ‘Tem outros bens mais macigos?... Mesti¢os. Quais destes Ihe sio mais gratos?... Mulatos. Dou ao demo os insensatos, Dou ao demo a gente asnal, Que estima por cabedal Pretos, mesti¢os, mulatos.' No século XIX, presentifica-se a visio estereotipada, que vai prevalecer até a atualidade, com alguma variagio. Tomada como ponto de partida a caracterizacao proposta por David Brookshaw, em seu livro Raga e cor na literatura brasileira, 1983, embora com algumas ressalvas a outras colocagdes suas nessa mesma obra, passo a destacar os esteredtipos que considero mais evidentes. Comego pelo escravo nobre, que vence por forca de seu branqueamento, embora a custo de muito sacrificio e humilhacao. E 0 caso da escrava Isaura, do livro do mesmo nome, escrito por Bernardo Guimaraes e publicado em 1872 e de Raimundo, o belissimo mulato de olhos azuis criado por Aluisio de Azevedo em 0 mulato, langado em 1881. Essa nobreza identifica-se claramente com a aceitagao da submisso, apesar da bandeira abolicionista que o primeiro pretende empunhar e da demtincia do preconceito assumida pelo segundo, A fala de Isaura deixa clara a po ‘cao, como nesse didlogo com sinh Malvina, diante da tristeza da cangao pela primeira: — Nao gosto que a cantes, nao, Isaura. Hao de pensar que és malt és uma escrava infeliz, vitima de senhores barbaros e cruéis. Entretan aqui uma vida, que faria inveja a muita gente livre. Gozas da es senhores. Deram-te uma educa¢ao, como nao tiveram muitas damas, que eu conheso. Es formosa e tens uma cor linda, quen gira em tuas veias uma sé gota de sangue africano? ~ Mas senhora, apesar de tudo isso que sou eu mais do que va? Essa educagao, que me deram, e essa beleza, que tanto me servem?... Sao trastes de luxo colocados na senzala do africat por isso deixa de ser o que é: uma senzala, ~ Queixas-te de tua sorte, Isaura? ~ Eu ndo, senhora: apesar de todos esses dotes e vantagens, que me at conhecer 0 meu lugar: (O grifo é meu) 44 Raimundo, por sua vez, desconhecedor de sua origem de mae escrava, sabida, porém, “por quantos conheceram os seus parentes no Maranhao”', também faz uma se- vera auto-avaliagao, na cena de sua quase rentincia, que sé nao se consuma por forca do determinismo biolégico e circunstancial que comanda os comportamentos no romance: — Nao chores, minha flor... [..] Tens toda a razao... perdoa-me se fui grosseiro contigo! mas que queres? Todos nés temos orgulho, e a minha posicao a teu Jado era tao falsal...Acredita que ninguém te amar mais do que te amo e desejo! Se soubesses, porém quanto custa ouvir cara-a-cara: “Nao Ihe dou minha filha porque o senhor é indigno dela, o senhor éfilho de uma escrava!” Se dissessem: “ porque € pobre!” que diabo! ~ eu trabalharia! Se dissessem: “E porque nio tem a posigao social!” juro-te que a conquistaria, fosse como fosse!” E porque € um infame! um ladrao! um miserdvel!” eu me comprometeria a fazer de mim 0 melhor dos homens de bem! Mas um ex-escravo, um filho de negra, um ~ mu- lato! - E como hei de apagar a minha historia da lembranga de toda esta gente que me detesta?* No momento em que se explicita a gravidez de Ana Rosa, seu comportamento é ainda mais revelador: ~ 0 senhor é um malvado! Invectivou o pobre pai, afastando-se para um canto a solucar. O rapaz foi ter com ele ¢ pediu-lhe humildemente que lhe perdoasse e lhe dese ‘Ana Rosa por esposa.° Verdade que, no final, Raimundo reage, irritado, e toma posicao, o que lhe cus- tard a propria vida. ‘A nobreza de carter de Isaura e de Raimundo associa-se outr: ~ reotipada: a do negro vitima, sobretudo quando escravo. Nessa éptica, ele se transfigu- ra em objeto de idealizagio, pretexto para a exaltagao da liberdade e defesa da causa bolicionista, como nos empolgados versos de Castro Alves, poeta romantico. “O navio egreiro’, por exemplo, um de seus textos antolégicos, destaca a desumanidade que ava 0 trafico dos escravos, entao ja abolido. Outro poema, “A cruz da estrada’, a redengio pela morte, onde o escravo encontraria a sua plena liberdade: nao ha tle nessa sociedad, mas em compensagao, a natureza cuida do seu tamulo 40 reino dos céus. O poeta baiano nao atribui, na quase totalidade dos seus qualquer movimento de reagao ou de revolta ao escravo, ‘A Africa personificada lamenta a sua sorte e termina ‘a dimensao este- Se choro...bebe o pranto a areiaardente: TTalvez... pra que meu pranto, 6 Deus clemente! Nao descubras no chao! Basta, Senhor! Do teu potente braco Role através dos astros e do espago Perdao pros crimes meus!... Ha dois mil anos... eu solugo um grito... Escuta o brado meu li do infinito, Meu Deus! Senhor, meu Deus!” Em “O navio negreiro’, o apelo a que empunhem a bandeira da libertagao é fei. to aos “herdis do Novo Mundo”, a Andrada, o patriarca da independéncia brasileira, a Colombo, o descobridor da América. Zumbi nem pensar... Vejo excegdes no final de “A crianga” (“Amigo, eu quero o ferro da vinganga”), também na tiltima estrofe de “Bandido negro”: (“Cai orvalho do sangue do escravo/Cai orvalho da face do algoz,) Cresce, cresce vinganga feroz”), nas associagdes imagisticas de “Saudacao a Palma- res’, na vinganca individualizada de Lucas, em quem o “selvagem” emerge para lavar a honra da mulher amada. Repare-se que a énfase, nesses casos, recai sempre no ato vingativo, nunca no problema central, que seria a luta pela liberdade ou a referéncia a posicionamentos coletivos, isto numa época em que Palmares e outros quilombos jé eram realidades. Estamos diante de uma poesia que nao foge a ténica do seu tempo, necessario dizé-lo. Apesar do seu empenho consciente e do seu entusiasmo, 0 poeta nao consegue livrar-se, nos seus textos, das marcas profundas de uma formacao desenvolyida no bojo de uma cultura escravista. O que move a sua indignagao é, sobretudo, o sofrimen- to do negro, que ele vé como ser humano, e mais a necessidade de a na¢ao livrar-se da mancha da escravidao. Ele, como percebeu José Guilherme Merquior, “nao busca a especificidade cultural e psicolégica do negro; ao contrario, assimilando-lhe o carater aos ideais de comportamento da raga dominante, branqueia a figura moral do preto, facilitando-Ihe assim a identificacéo simpética das platéias burguesas com os softi mentos dos escravos.”* “— Curiosamente, & por essa via que acredito se possa dimensionar a sua com buigdo a causa da abolicéo. No momento em que o negro é extremamente co importa para a campanha afirmar, em altos brados, a sua condi¢ado humana e buir assim para instalar na burguesia a culpa moral da escravidao, Por outro afirmagao da liberdade era um dos ideais da ideologia predominante. Se idealizadora o poeta nao consegue escapar do esterestipo, se ele nao dé mas se comporta como um advogado de defesa que quer comover a pla injustiga da situaco que denuncia, tenhamos presente, entretanto, q sume, na literatura brasileira, o brado de revolta contra a escravidao, abre es 46 a problematica do negro escravo, num momento histérico em que o negro era, como assinala Antonio Candido, “a realidade degradante, sem categoria de arte, sem lenda histérica’” Trata-se, inegavelmente, de um notavel feito para a época. Ainda sob a perspectiva idealizante do Romantismo, sai a lume, em 1864, um poema que se destaca dos demais de seu tempo, ao retratar um negro de perfil herdico e consistente: trata-se de “Mauro, o escravo’, de Fagundes Varela. O texto, entretanto, yaloriza 0 negro mas nao consegue afastar-se da tendéncia ao branqueamento. E um momento em que também emerge o negro infantilizado, servical e subal- terno, que se encontra, por exemplo, em pecas de teatro como O deménio familiar, de José de Alencar, e O cego, de Joaquim Manuel de Macedo. Esse esteredtipo permanece, associado a animalizacao, na figura da Bertoleza, do romance 0 cortigo (1900), de Alu- isio Azevedo: Bertoleza é que continuava na cepa torta, sempre a mesma crioula suja, sempre. atrapalhada de servico, sem domingo nem dia santo: essa, em nada, em nada absolutamente, participava das novas regalias do amigo: pelo contrario, a me- dida que ele galgava posicao social, a desgracada fazia-se mais e mais escrava € rasteira. Joao Romao subia e ela ficava c4 embaixo, abandonada como uma cavalgadura de que jé nao precisamos para continuar a viagem."* Verdade que textos sem maior representatividade literaria, ainda que a servigo da causa abolicionista, por vezes dao voz ao negro: é 0 caso de Trajano Galvao de Car- valho, com 0 calhambola, centrado num escravo orgulhoso, embora resignado. Em situagao oposta, presentifica-se 0 escravo deménio, tornado fera por forca da propria escravidao, e que aparece, por exemplo, num romance pouco divulgado 0 mesmo Joaquim Manuel de Macedo, que tem por titulo As vitimas algozes (1873 1896), e no ainda menos conhecido romance de José do Patrocinio denominado Mota oqueiro (1877); destaca-se também em 0 rei negro (1914), romance de Coelho Neto, A familia Medeiros (1892), de Julia Lopes de Almeida. Na maioria dos casos, 0 o figura como personagem secundario, como contraponto social. ‘Da condigao de fera a perversao 0 caminho ¢ curto. E 0 negro pervertido ganha ena no excelente romance O bom crioulo (1885), de Adolfo Caminha, uma historia omossexualismo, corajosissima, para aquele momento, e em A carne (1888), de io Ribeiro, onde, segundo o narrador, a liberacao dos instintos de Lenita, a branca central, se deve & promiscuidade com os escravos. Dai para a conclusio de ‘a € inferior a distancia é curtissima, como O presidente negro (1926), de 1 sofrido Juca Mulato (1917), poema de Menotti ido do mesti¢o, tomado como centro de refe- por um “narrador” sentem. Destacar esse personagem ainda era, entretanto, uma atitude inusitada e vanguardista na da publicacao do texto. . . O negro ou o mestigo de negro erotizado, sensualissimos objeto sexual, é uma presenca que vem desde a Rita Baiana, do ctado 0 corto, emesmo do mulato Firmo, closmedearoratrce aan peloeysoemae George de Lams. como NB Fle’ uaa se nos Poemas da negra (1929), de Mario de Andrade © ganha especial cesta nacon- figuracio das mulatas de Jorge Amado. A propsito, a ficga0 do excepciona’ romana baiano contribui fortemente para a visdo simpatica ¢ valorizadora de intimeros tracos da presenga das manifestagbes ligadas ao negro na cultura brasileira, embora ndo con- siga escapar das armadilhas do esteredtipo. Basta recordar 0 caso do ingénuo e simples Jubiaba, do romance do mesmo nome, langado em 1955, ¢ da infantilizada e instintiva Gabriela, de Gabriela, cravo e canela (1958), para sO citar dois exemplos. A seu favor, 0 fato de que, na esteira da tradi¢4o do romance realista do século passado no pais, a maioria de suas est6rias inserem-se no espaco da literatura-espelho e, no caso, refletem, muito do comportamento brasileiro em relacao as mulheres que privilegia. Ainda na galeria do esteredtipo, que nao tenho pretensao de esgotar, vale assina- lara figura do negro exilado na cultura brasileira, como tem sido apontado por alguns criticos e de que um exemplo se encontra em Urucungo (1933), livro de poemas de Raul Bopp. A prevaléncia da visao estereotipada permanece dominante, alids, na literatura brasileira contemporanea, pelo menos até os anos de 1960, quando comecam a surgir, paralelamente, textos compromissados com a real dimensao da etnia. Cito alguns exemplos representativos do primeiro posicionamento. Em Corpo vivo (1962), romance de Adonias Filho, o negro fiel ¢ o personagem Setembro, simbolo da antivioléncia, responsavel pela educacao crista do herdi Cajango, antes da preparacdo deste ultimo para a vinganca, companheiro de luta quando o herdi assume a sua ingléria e cruenta misao. Outro negro da obra de Adonias ¢ Olegério, no romance 0 forte (1965), uma caixa “cheia de histérias’ E ele o personagem porta-voz, a memoria. Trata-se de uma narrativa que focaliza ‘um drama humano em torno do forte, o forte em torno de Salvador e 0 fundo historico de Salvador em torno de ambos’, como resume o proprio autor. Acrescento 0 que ele nao disse e o romance revela: a Teconstrugao da vida, com. a destruicao do passado e da violéncia. E 0 que fazem os personagens Jairo e Tibifi enquanto Olegério conduz a narrativa ele, nesse passado, um negro santo demé a protetor e vingador, terno e violento, preto velho contador de hist eee qualquer trago de linguagem especificamente reveladora. O experi rias, embora sem niias nao se preocupa com a dimensio mimética a esse nivel ‘perimentalismo de Ado- A tentativa de uma visio integradora aparece em Luanda Beira Babi uma tragica hist6ria de amor passada no triplice espaco geogrd a Beira Bahia (1971), Jo do romance. Destaca-se o estereétipo da morena es Beogrifico indiciado pelo titu- sual na personagem Iuta. 48 Ja os contos de Edilberto Coutinho, no ambito da literatura-dentincia, trazem 0 negro injusticado e ressentido de “O fim de uma agonia’. Apresentam a mitificagao/ desmitificaao do negro Pelé, em “O rei nu’, e em “Tem explicagao, doutor?”, a carac- terizagao da consciéncia desesperada do negro jogador de futebol e joguete na mao dos empresdrios; 0 novo passageiro de um singular “Navio negreiro’, titulo do conto, o contraste entre a negra favelada que ganha fama e paga caro por isso e a branca pri- vilegiada e nobre, emMulher na jogada’: Nao conseguem, porém, evitar 0 estereotipo em “Um negro vai a forra’, onde desponta como personagem principal o negro Bira, marginal, violento, passional, agressivo: ~ Um jogado fora, biscateiro do cais. Se arranjara com Wilma. Branca, ela. Dizia ‘que se amarrava no seu tigdo: demais. Mas vinha acontecendo o que nao estava no tracado da idéia do negro Bira, Gamado de verdade estava ele. A gamagao 86 fazendo aumentar cada dia. Um cachorro sarnento, se sentia agora. Um negro fedorento, imprestavel."! Essa paixao 0 levard ao crime. Num sonho, tira a vida da amante, ciumento de sua prostituicao e, na realidade, troca a sua morte efetiva pela do desconhecido que riu debochado do seu citime no espaco real do bar do cais do porto, onde a encontrara com © garotdo louro do estrangeiro. No teatro, um exemplo significativo € o Cristo de Ariano Suassuna, na cena cul- minante do julgamento do Auto da Compadecida. O estranhamento da popular figura folclérica do personagem Jodo Grilo, diante de sua caracteriza¢ao como negro ¢ sinto- maticamente revelador: Fala 0 “Encourado” (de costas, grande grito, com o brago ocultando os olhos): = Quem é £ Manuel? MANUEL: - Sim, é Manuel, 0 Ledo de Judé, o Filho de Davi. Levantem-se todos pois vao ser julgados. JOAO GRILO: ~ Apesar de ser um sertanejo pobre e amarelo, sinto que estou diante de uma grande figura. Nao quero faltar com o respeito a uma pes- soa to importante, mas se nao me engano, aquele sujeito acaba de chamar o senhor de Manuel. MANUEL: - Foi isso mesmo, Joao. Esse é um dos meus nomes, mas voce pode me chamar também de Jesus, de Senhor, de Deus... Ele gosta de me chamar de Manuel ou Emanuel, porque assim quer se persuadir de que sou somente homem. Mas vocé, se quiser, pode me chamar de Jesus. JOAO GRILO: - Jesus? ‘MANUEL: - Sim. JOAO GRILO: ~ Mas espere, 0 senhor é que é Jesus? MANUEL: - Sou. JOAO GRILO: ~ Aquele a quem chamavam Cristo? JESUS: - A quem chamavam, nao, que era Cristo. Sou, por qué? 49 JOAO GRILO: - Porque... nao ¢ Ihe faltando com o respeito nao, mas ey, Pens, ‘4 0.2 que o senhor era muito menos queimado imenda do Cristo por ele ter mang Segue-se um protesto do Bispo, a repr! 3 bee. Joao Grilo calar-se chamando-o de atrevido e a sintomatica observagao complements, dora deste tiltimo: JOAO GRILO: - Muito bem. Falou pouco, mas ore bonito. A cor pode nag ser das melhores, mas 0 senhor fala bem que faz gosto. A fala seguinte do Cristo, justificando a figura que assumira ¢ também cultura) mente reveladora: MANUEL: - Muito obrigado, Joao, mas agora é sua vez. Voce é cheio de pre. conceito de raga. Vim hoje assim de propésito, porque sabia que ia despertay comentarios. Que vergonha! Eu, Jesus, nasci branco quis nascer judeu, como podia ter nascido preto. Para mim tanto faz um branco ou um preto. Voce pensa que sou americano para ter preconceito de raga?!* A passagem citada fala por si. Repare-se que nem Deus pode ser negro sem des- pertar estranheza até do homem simples do sertao, e o proprio Cristo tem necessidade de se explicar. Ainda no ambito teatral, Vinicius de Moraes atualiza e carioquiza a tragédia gre- ga, ao transpé-la para a realidade urbana do Rio de Janeiro, em sua peca Orfeu negro (1954) ea etniza simpaticamente, destacada a relacdo entre o negro e a miisica popular brasileira. A peca, entretanto, nao se centraliza em questdes especificamente ligadas 8 condigao do negro; prende-se mais 4 dimensio trégica da historia grega, ponto de partida. Tanto que 0 autor esclarece, em nota ao texto, que “todas as personagens da tragédia devem ser normalmente representadas por atores da raga negra, nao impor- tando isso em que nao possa ser, eventualmente, encenada com atores brancos”. Propositadamente selecionei exemplos em que atuam Personagens represen- tativos da classe média urbana, da realidade rural, da marginalidade e um sertanejo carregado de folclore e de literatura popular. Todos criados : Por autores contempora- neos, cujos textos demonstram uma Preocupacdo com retratar aspectos marcantes da realidade sociocultural do nosso pais, Na ultrapassagem do esteredtipo, surgem, visoes distanciadas, obras preocupadas em Tesgi © romance Os ears de Sao Luis (1985), de Josué Montello, que nao é negro nem meee i ae hem na aparéncia fisica nem na confissio biografica, obra fende realizar, como informa a i i gran ‘ va Propria orelha do livro, “a grande saga do negro brasileiro, nas suas lutas, nos seus dramas ¢ na sua tragédia {...] O resgate de na década de 1980, ainda que a luz de atar a figura do negro. Esta entre elas propésito se traduz numa histéria em que se evidencia, e a professora brasileira Zilé Bernd o assinala, um exemplo de consciéncia negra dilacerada, o que efetivamente se da, na medida em que nela se configura o personagem negro dividido entre o mundo branco de sua circunstancia eo mundo de sua ancestralidade e etnia. Outra tentativa de atitude revalidadora da histéria do negro encontra-se em Viva 0 povo brasileiro (1984), de Joa Ubaldo Ribeiro, no caso integrada a preocupacao de buscar, na transfigura- 40 da arte literdria, a caracterizacao da gente do Brasil, a partir da retomada ficcio- nal do processo de formagao do pais. Em destaque, a luta permanente pela liberdade, com a consciéncia de que, como sabia o personagem Dandio, “a liberdade de um nao era nada sem a liberdade de todos ¢ a liberdade nao era nada sem a igualdade e a igualdade ha que estar dentro do coracao e da cabeca, nao pode ser comprada nem imposta’* Sao narrativas amplas, cuja apreciagdio pormenorizada escapa aos objeti- vos deste trabalho, dada a multiplicidade de aspectos que envolvem. Merece também referéncia a posicao revelada nos romances do ciclo do agitcar, escritos por José Lins do Rego, nos quais, entre outras atitudes, se trata do percurso do negro em ambiente brasileiro contemporaneo e se contam histérias de usinas onde o brago negro tem atuacdo relevante. Nesse espaco literdrio marcado pelo distanciamento, situam-se também obras de escritores negros e, em ntimero maior, mesticos de negros reconhecidos ou nao como tal, nas quais a matéria negra ¢ eventualmente tratada, num ou noutro texto. E 0 caso, por exemplo, de Domingos Caldas Barbosa (17402-1800), filho de pai portugués e mie africana, que assume, eventualmente, na sua Viola de Lereno (1798, t. 1 e 1826, t. 2) essa condigao. Sao bastante citados os versos com que se dirige ao seu contempo- raneo, o Pe. Antonio de Sousa Caldas: Tu és Caldas, eu sou Caldas; Tu és rico, e eu sou pobres Tu és 0 Caldas de Prata; Eu sou o Caldas de cobre."* Gongalves Dias, reconhecidamente uma das mais altas expressdes da poesia do Romantismo brasileiro, filho de pai portugués e mae cafuza, assina um poema, “A escrava” (1846), € um texto em prosa, “A meditacao” (1849); nenhuma condenacao aberta a escravidéo, mas a demincia-lamento da situacao de opressao. Referéncias sutis sdo encontradas em O horto (1900), da preta Auta de Sousa (1876-1901), formada em colegio de religiosas francesas. Na obra do mulato Mario de Andrade (1893-1945), encontro algumas passagens reveladoras de uma posicdo dividida, a acreditar-se na identidade entre 0 Pais ee poeta. Na “Meditacao do Tiete” aparece uma referéncia a vinculacdo com a etnias : Eu me sinto grimpado no arco da Ponte das Bandeiras, Bardo mestigo, ¢ meu verso vence a corda ‘ 51 acre » € enrouquece . os ventos dos ares, € Da caninana eafina com i as das Aguas do meu rio ” Os seus “Poemas da negra” (1929) exaltam a beleza da rasa, & luz da rea, amorosa valorizadora: Voce é tao suave, Vossos labios suaves ‘Vagam no meu rosto, Fecha meu olhar. Sol-posto. Ea escureza suave Que vem de voce, Que se dissolve em mim.'* O heréi Macunaima, do romance do mesmo nome, de sua autoria, é nas suas mutag6es, singularmente representativo, quando nasce preto e vira branco. Os versos do “Improviso do mal da América’, entretanto, situam, na passagem que segue, outro posicionamento: Grito imperioso da brancura em mim... Ke sinto branco, fatalizadamente um ser de mundos que [nunca vi IE Nao acho nada, quase nada, e meus ouvidos vao escutar [amorosos Outras vozes de outras falas de outras racas, mas formacao, [mas forcura. Me sinto branco na curiosidade imperiosa de ser, Mas eu nao posso me sentir negro nem vermelho! Decerto que essas cores também tecem minha roupa arlequinal ‘Mas eu nao me sinto negro, mas eu nao me sinto vermelho, Messintos6 branco, elumeando caridade e acollhimento, Purificado na revolta contra os brancos, as patrias, as guerras, as posses, as pre- guicas e as ignorancias Me sinto s6 branco agora, sem ar neste ar-livre da América! Me sinto $6 branco em mii inha alma crivada de racas! Como acontece com Mario de Andrade, a bi i i pelo menos a publicada nas historia ini ee eda $ € nos diciondrios de |i ‘lei Ie tenho noticia, e ainda as que figuram em seus livros, nio catia av me pontam vinculagao alguma coma vee ae embora, como atestam 0s que os conheceram pee ‘ram evident 5 . e lentes em ambos tracos fisicos Caracterizadores da mesti Curiosamen- te cosuma-s concede nfs sua nndesin Oe 52 Condicées epidérmicas a parte, entendo que, na tentativa de dar voz aos negros, jorge de Lima é outro escritor que termina por falar sobre os negros. Ha nos seus ver- s, € verdade, a tentativa de exaltaco mitificadora da Serra da Barriga, no poema do esmo nome, da contribuicao africana as comidas da Bahia (“Comidas”), da beleza edutora da mulher negra, mesmo na condigao de escrava, mas, no caso, associada 2 imagem de ladra e destruidora de lares, por forga de sua sensualidade e de seu erotismo ‘(Essa nega ful6”). Por outro lado, contém referéncias as praticas religiosas (‘Benedito Calunga’, “Obambé é batizado”“Rei ¢ Oxalé, rainha é lemanjd”), lembranga nostalgica da baba negra (“Ancila negra”), canto de esperanca redentora (“Ol4, negro”). Em todos ‘9s poemas, porém, a visdo é simpatica, mas distanciada e nao comprometida direta- mente, mesmo nesse tiltimo, em que se assume bandeira de libertacao. Esse texto é, alias, o unico que se aproxima do negro como individuo e cidadio contemporaneo do poeta, o tinico, portanto, que se caracteriza por um dimensionamento social objetiva- mente situado, para além da sentimentalidade e da folclorizacao. Ja a posicao de Machado de Assis tem merecido consideragdes especiais. Ha quem defenda que o fato de um mulato ter-se tornado um dos maiores, senao o maior dos escritores brasileiros, é altamente significativo para a causa da afirmacao da etnia, embora nao se encontre em sua obra ficcional uma assuncao ideolégica nesse sentido. Outros criticam a auséncia em seus textos de problematica ou tematica negra posi yamente dimensionada e vergastam o seu branqueamento, numa atitude tao racista quanto a que discrimina os negros. Outros mais consideram que a sua critica mordaz Asociedade brasileira de seu tempo revela um modo de participagao que o vincularia a uma certa literatura-dentincia. De minha parte, entendo que a literatura machadiana é indiferente a problematica do negro e dos descendentes de negro, como ele. Mesmo os dois contos que envolvem escravos, “O caso da vara” e “Pai contra mae’, nao se centra- lizam na questo étnica, mas no problema do egoismo humano e da tibieza de carter. Os demais tipos negros ou mesticos participam como figurantes em hist6rias que, no nivel do contetido manifesto ou do realismo de detalhe, constituem reflexo da realida- de social que pretendem retratar. O distanciamento se evidencia também no espaco da cronica, Sao significativas as passagens do texto datado de 19 de maio de 1888: Eu pertengo a uma familia de profetas aprés coup, post factum, depois do gato rmorto, ou como melhor nome tenha em holandes. Por isso digo, e juro se ne- cessirio for, que toda a historia desta lei de 13 de maio estava por mim prevista tanto que na segunda- fra, antes mesmo dos debates, tratei de alforiar um molecote que tinha, pessoa de seus dezoito anos, mais ou menos. Alforrié-lo era nada; entendi que, perdido por mil, perdido por mil e quinhentos, e dei um jantar. fel No golpe do meio (coup de milieu, mas eu prefiro falar a minha Kingua),levan- tei-me eeu com a taga de champanha e declarei que, acompanhando ae idéine 53 stituia a liberdade ag isto, ha dezoito séculos, res ’ pregadas por Cristo, hé de anagio ntira devia acompanhar as mega Pancricio; que entendia que nie ori nal eimitar meu exemplo fnalments, au sie 0 0s homens nao podiam roubar sem pec Cruz e Sousa, 0 notavel poeta do simbolismo Pearse ca Singular Negro, filho de escravos alforriados, com nome, Soa avioléncia do prea @& nhos dos senhores de seus pais, tendo sofrido soe cage de Sse en et que 0 impediu, entre outras discriminagdes, de assum sft en que 36 dia em Laguna, deixa entrever na sua obra as marcas do con ad ativid. ico Plano da agao, assume a luta contra a opressao racial e, entre a ae i 0 jornalzinho O Moleque, significativo desde o titulo, e fea a © dois tey. tos em prosa comprometidos com a causa abolicionista. ae aie Entretanto, evidencia uma posicdo dividida e conflitada. A confissao de “O empar lad? nao det margem a diividas, como se pode perceber nas seguintes passagens, entre outras: temperamento entortava muito para o lado da Africa: ~ era necessério fazé.jp endireitar inteiramente para o lado Regra, até que 0 temperamento regulasse certo como um termémetro! (1 ‘ Num impulso sonambulo para fora do circulo sistematico das formulas press. tabelecidas, deixei-me pairar, em espiritual esséncia, em brilhos inatingiveis, através dos nevados, gelados e peregrinos caminhos da Via-Lactea, E€ por isso que eu ouco, no adormecimento de certas horas, nas moles quebrei- ras de vagos torpores enervantes, na bruma crepuscular de certas melancolas na contemplatividade de certos poentes agonizantes, uma voz ignota, que pate ce vir do fundo da Imaginagao ou do fundo dos mucilaginosos do Mar ou ds mistérios da Noite ~ talvez. acordes da grande Lira noturna do Inferno e dit harpas remotas de velhos céus esquecidos, murmurar-me: ;, lu & de Cam, maldito, réprobo, anatematizado! Falas em Abstragées, em Formas, em espiritualidades, em Requintes, em Sonhos! Como se tu fosses das ragas de ouro ¢ da aurora, se viesses de arianos, depurados por todas as civiliza- es, célula por célula,tecido por tecido, ctistalizado o teu ser num verdadeito cadinho de idéias, de sentimentos ~ direito, perfeito, das Perfeigdes oficiais dos Ieios convencionalmente ilustes! [ Artista! Podes Id isso ser é velmente pelo deserto, tumultuada de mat: pelo as bravias, arre anda Jodo das Civilizagoes despéticas, torvament. nant venenoso da Angtistia!2 € amamentada com o leite amargoe arrojou toda a peste letal e tenebrosa das maldigdes eternas’, que lhe resta? ele mesmo responde, com a saida pela evasio: deixar-se “para sempre perdidamente alucinado e emparedado dentro do teu Sonho”.® E na sua poesia, essa visao negativa se corrobora, sobretudo quando associa & cor branca as qualidades do ideal e ao negro os mesmos aspectos dolorosos e viciosos que vincula a Africa de origem. Autoconvertido em vitima da fatalidade de sua cor, 0 poeta lamenta a sua condi¢ao de emparedado e procura, como assinala Alfredo Bosi, a solucao pela sublimagio.” Vale acrescentar, ainda nas palavras do mesmo critico em percuciente ensaio, que Compondo a prosa poética do “Emparedado’, que fecha o livro das Evocagées, foi possivel a Cruze Sousa lancar o seu protesto contra os argumentos da ideolo- gia dominante no discurso antropoldgico. Trata-se de um fendmeno notavel de resistencia cultural pelo qual o drama de uma existéncia, que € sobretudo subje- tivo e piblico ao mesmo tempo, sobe ao nivel da consciéncia inconformada e se faz discurso, entrando, assim, de pleno direito, na historia objetiva da cultura.* Em sintese, no Ambito do distanciamento que procurei caracterizar, conscien- te de nao ter esgotado todos os exemplos representativos, notadamente em relacao & producdo literdria do ultimo século e do comeco do atual, predomina 0 esteredtipo. O personagem negro ou mestico de negros caracterizado como tal ganha presenga ora como elemento perturbador do equilfbrio familiar ou social, ora como negro herdico, ora como negro humanizado, amante, forga de trabalho produtivo, vitima sofrida de sua ascendéncia, elemento tranqiiilamente integrador da gente brasileira, em termos de manifestacdes. Zumbi e a saga quilombola nao habitam destaques nesse espa¢o. Por outro lado, os protagonistas de romances e de muitos poemas, quando es- cravos, sao originariamente, como destaca Antonio Candido, mulatos, a fim de que 0 autor possa dar-lhes tragos brancos, e, deste modo, encaixd-los nos padroes da sensi- bilidade branca. Essa poetizagao da figura do negro, mais configurada nas manifestagées literd- rias do século XIX, culminou por tornar-se, segundo penso, uma faca de dois gumes: se, como quer ainda o mesmo Antonio Candido, conseguiu impor a dignidade humana do negro, por outro lado passou a ser uma via de saida confortavel para 0 preconceito presente na realidade brasileira, na medida em que acabou escoando na aceitagdo do negro e do mestigo de negro reconhecido como tal enquanto emocionalmente e social- mente bem comportados, déceis, resignados e que, como Isaura, sabem reconhecer 0 lugar que socialmente lhes foi imposto. Tal imagem, entretanto, vem-se dluindo desde as duas décadasfinais do século passado, diante dos posicionamentos daqueles que seguem empenhando na luta pela afirmagao cultural e pela legitima e devida integracao do negro a soci ; iciedad para além dos esteredtipos e das distorgdes. manures 55 O negro como sujeito: a atitude compromissada ' ras de alguns pioneiros, como o ir m fidalgo baiano e 0 primeiro a falar acado pelas estrofes satiricas da “Boday. fragmento: A literatura do negro surge com as 0 Luts Gama (1850-1882), filho de africana CO versos do amor por uma negra. £ também dest rada’ (“Quem sou eu?”), de que transcrevo um Eu bem sei que sou qual Grilo De magante e mau estilo; E que os homens poderosos desta arenga receosos, ho de chamar-me tarelo, bode, negro, Mongibe. Porém eu, que nao me abalo, you tangendo o meu badalo com repique impertinente, pondo a trote muita gente. Se negro sou, se sou bode, pouco importa. O que isto pode? Bodes hd de toda a casta, pois que a espécie é muito vasta... Ha cinzentos, hé rajados, baios, pampas e malhados, bodes negros, bodes brancos, e, sejamos todos francos, uns plebeus e outros nobres, bodes ricos, bodes pobres, bodes sdbios, importantes, e também alguns tratantes... Aqui, nesta boa terra, marram todos, tudo berra.* Outro exemplo é 0 mulato Lima Barreto em cuja obra, vinculada a realidade social w destaca, a propésito, o romance Clara dos oe pees do Rio de Jens ear » escrito em 1! 6 a cara filha de um carreteiro de subuirbio, oe wee : en Bg a texto denunciador do Preconceito, ee a ae ee meee lente diante da injustiga, impacta aa cadena eieeoe esta vida” A dilaceracdo tam Pelo tom desesperancado: “- NOs le vivéncia pessoal nas Record, la com realismo carregado i éM se revel ‘a¢des de Isaias Caminha2 (1881-1922), 0 excepcional ficcionista 0 posicionamento engajado s6 comega a corporificar-se efetivamente a partir de vozes precursoras, nos anos de 1930 e 1940, ganha forga a partir dos anos de 1960 e presenga destacada através de grupos de escritores assumidos ostensivamente como negros ou descendentes de negros, nos anos de 1970 e no curso da década de 1980, preocupados com marcar, em suas obras, a afirmagao cultural da condicao negra na realidade brasileira. As vozes continuam nos anos de 1990 e na atualidade, embora com menor presenga na repercussao ptiblica.* Essa tomada de posicdo literéria relaciona-se com os movimentos de conscien- tizacio dos negros brasileiros que marcam 0 inicio do século atual e vem ganhando contornos mais nitidos e definidos ao longo desse periodo histérico, com maior ou menor evidéncia. Data de 1915 0 aparecimento, na imprensa, de periddicos especializados, en- tre eles, Menelik (1915-1935), O Clarim da Alvorada (1924-1937), Voz da raga (1924- 1937); em 1931 surge a Frente Negra Brasileira. Segue-se o interregno da ditadura ge- tuliana. As vozes voltam a clamar a partir de 1945, através, entre outras publicag6es, de Mundo Novo, Novo Horizonte, Alvorada. Nesse mesmo ano, funda-se a Associagao de Negros Brasileiros; de 1944 € a criagao do Teatro Experimental do Negro, onde se ressalta a figura de Abdias do Nascimento, também fundador, em 1968, do Museu de Arte Negra. Data de 1978 a fundagao do Movimento Unificado contra a Discrimina¢ao Racial (MNUCAR), depois Movimento Negro Unificado (MNU). Deste mesmo ano é a ctiagdo, em Sao Paulo, do Centro de Cultura e Arte Negra. No Ambito oficial, cria-se, nos anos de 1980, a Fundacdo Palmares. Sao algumas das publicagdes, entidades movimentos de posigdes diferenciadas quanto ao equacionamento do problema, mas todas com o mesmo niicleo de preocupacao: a causa do negro brasileiro.” Pouco a pouco, escritores negros e descendentes de negros comecam a manifes- tar em seus escritos 0 comprometimento com a etnia. E 0 caso do precursor Lino Guedes (1897-1951), autor, entre outros titulos, de O canto do cisne preto (1926), Urucungo (1936) e Negro preto cor da noite (1936): sua poesia é marcadamente irdnica, com alguma dose de autocomplacéncia e apelos de afirmacao racial bem comportada. Esto no primeiro caso os seguintes versos: Se porventura mel fosse Nao seria assim téo doce O sorriso de Pai Joao Que apesar de sofrer tanto De ninguém, tal como um santo, Guarda rancor ou paixdo! (J Alenda triste do Congo, Criada em noites de jongo, Quando sorria Pai Joao, 37 Aos nossos olhos desfia, Dizendo com ironia: ~ Que histéria linda, pois nao?” Exemplo da segunda posigao ¢ 0 poema “Novo rumo”: “Negro preto cor da noite’ Nunca te esquecas do acoite que cruciou tua raga. Em nome dela somente faze com que nossa gente um dia gente se faca! Negro preto, negro preto sé tu um homem direito como um cordel posto a prumo! E $6 do teu proceder ‘que por certo ha de nascer aestrela do novo rumo!*! Outro combatente da velha guarda é Solano Trindade (1908-1973), legitimado pela tradicao literdria brasileira, mas nao pela matéria negra de seu texto e sim pelo po- sicionamento politico-social; o seu poema presente na coletinea Violdo de rua (1962), antologia representativa de uma das tentativas de renova¢ao poética pés-modernista, fala que “tem gente com fome”. Mas também sao dele textos como, por exemplo, “Navio negreiro’, onde se léem, entre outros, os versos: Lavem o navio negreiro Cheio de melancolia La vem o navio negreiro Cheinho de poesia... LA vem o navio negreiro Com carga de resisténcia La vem o navio negreiro Cheinho de inteligéncia.” Entre os pioneiros da arte feita por negros, situa-se ainda o citado Abdias Nascimen- to, autor de intimeros livros de poemas, entre eles, Axés do sangue da esperanca (1983), em que se configura uma tentativa de resgate dos mitos e rituais da cultura negra. Os outros autores assumidos embarcaram, na sua maioria, nas a da chamada poesia marginal ou independente. Sao, com raras excegdes, produtores dos préprios livros. Os propésitos de afirmacao étnica e de identidade cultural, 0 eg ae d ; aliados as dificuldades mercadolégicas que enfrentaram e ae Bea integrar grupos e movimentos, entre eles 0 grupo Quilombhoje, = pecans 4 58 a em 1980, responsavel pela publicacao dos Cadernos negros, periddicos divulgadores com varios mimeros em circulagio,™ 0 grupo Negricia, Poesia e Arte do Crioulo, lan- gado no Rio de Janeiro, em 1982, e o grupo Gens (Grupo de Escritores Negros de Sal. vador), que data de 1985, Como outros veiculos de divulgacao, além das obras de cada escritor, cabe citar ainda trés coletaneas: Axé ~ Antologia da poesia negra contemporanea (Global, 1982), organizada por Paulo Colina, A razdo da chama. Antologia de poetas negros brasileiros (GRD, 1986), com coordenagao e selecgao de Oswaldo de Camargo, e a globalizante Poesia negra brasileira (1992), organizada por Zila Bernd. Entre os autores, figuram Abelardo Rodrigues (Memoria da noite, 1979), Adao Ventura (Abrir-se um abutre ou mesmo depois de deduzir dele o azul, 1970; As muscu- laturas do Arco do Triunfo, 1976, A cor da pele, 1980), Arnaldo Xavier (Pablo, 1975, A rosa da recusa, 1980), Cuti (Luiz Silva), (Poemas da carapinha, 1978; Sol na garganta, contos, 1979, Batuque de tocaia, 1982), Ele Semog (Luiz. Carlos Amaral Gomes) (Ata- baques, 1983, em colaboragao com J. C. Limeira), Geni Mariano Guimaraes (Tercei- 10 filho, 1979), Paulo Colina (Plano de véo, 1984, Fogo cruzado, 1980), W. J. de Paula (Versos brancos, negra poesia, 1972), José Alberto de Oliveira de Souza (Cinco poemas vivos, 1978), Maria da Paixao (esparsos, nos Cadernos negros), Eduardo de Oliveira (Ancoradouro, 1960, Gestas liricas da negritude, 1967, Tiinica de ébano, 1980), Oswaldo de Camargo (Grito de angiistia, 1958, 15 poemas negros, 1963), Mirian Alves (Momen- tos de busca, 1983, Estrelas no dedo, 1985), Oliveira Silveira (Roteiro dos tantas, 1981, Banzo, saudade negra, 1970, Décima do negro pedo, 1974, Pelo escuro, 1977), Antonio Vieira (Areia, mar, poesia, 1972, Cantos, encantos e desencantos dialma, 1975, Cantares @Africa, 1980), Jonatas Conceigao da Silva (Miragem do engenho, 1984), Ronald Tutu- ca (0 paquiderme com asas de dgua, 1981), Mortoalegrense, 1982, Homem ao rubro, 1983), Carlos Assumpcao (Protesto, 1982). A leitura dos textos antologiados possibilita algumas conclusées, por sua repre- sentatividade, embora nao definitivas, até porque a maioria desses escritores se encon- tra com obra em processo. A quase totalidade dos poemas centraliza-se na tematica e na tomada de posi- ao. Raros os exemplos em que se observa preocupagao com uma linguagem diferen- ciada: os textos se fazem de versos livres, com uma ou outra manifestacao em verso tradicional; 0 discurso vincula-se as técnicas incorporadas pela linguagem pottica a partir do modernismo. Algumas ultrapassagens verificam-se no nivel da imagistica, Transparece um comprometimentoideolbgico deliberadamente assumido, uma preocupagio de “[..] atigar na consciéncia de um povo usurpado/ usurpador a bra- sa da dignidade humana/ hist6rica a ser fundamentalmente resgatada’, como esc Paulo Colina na apresentagio da antologia Axé Predomina uma posigdo de tesistencta € luta pela afirmagao e pelo reconhecimento social. Os versos de “Protesto”, di e ae Ree craeete dette tat facets desse posicionainentos ee 59 Mas irmio, fica sabendo Piedade nao ¢ 0 que eu quero Piedade nao me interessa Os fracos pedem piedade Eu quero coisa melhor Eu nao quero mais viver No porio da sociedade Nao quero ser marginal Quero entrar em toda a parte Quero ser bem recebido Basta de humilhagoes Minha alma ja esta cansada Eu quero 0 sol que é de todos Ou alcango tudo o que eu quero Ou gritarei a noite inteira Como gritam os vulcoes Como gritam os vendavais Como grita o mar Enema morte tera forca Para me fazer calar!* Por forca desse posicionamento deliberado, os textos se abrem sobretudo para uma leitura em nivel de contetido manifesto e, muitos, pelo menos em relacao ao ma- terial que examinei, terminam prejudicados, em termos de linguagem literdria, pela transparéncia, pela acentuada tendéncia a univocidade. Oswaldo de Camargo, Oliveira Silveira, Cuti, Geni M. Guimaraes, Paulo Colina e Ele Semog encontram-se, entretanto, entre os que ultrapassam, com freqiiéncia, essas condigées.** Ha, flagrantemente, nos poemas, uma preocupagao com a singularizacao cul- tural. O texto é posto a servico desta tiltima e, assim caracterizado, ora se situa como dentincia, ora nos espa¢os da ruptura declaradamente assumida. Uma e outra atitude envolvem enfoques variados. Encontro dentincia-lamento, por exemplo, nesses versos de Oswaldo de Camargo: Ai da tristeza de meu corpo, ai, 0 passaro conhece a manha, e sabe que é branca a manha, mas nao ousa enterrar-se de novo na noite... A manha se espalha nos quintais ea flauta matutina do pastor faz desenhos no ar... Eu, no entanto, permaneco ao lado da manha e das cantigas.., 60 A noite, a grande noite, esta pousada em mim escandalosamente!” Eainda no poema “Quem disse?’, de Oliveira Silveira: Quem disse j4 nao sermos aqui burros cargueiros? Em pastos brasileiros ser negro e proprietério 6 fardo na garupa. Ser negro e proletario élevar carga dupla.® Desse mesmo poeta, hé versos que associam valorizagio e questionamento: ALTAS FILOSOFIAS O negro pensa: por que o pensador de Rodin ébranco em ver de preto? O negro pensa. O negro pensa por participagdes ou por conceitos? O negro pensa.” questionar associado a cobranga aparece, por exemplo, em “Viu", de Geni Ma- riano Guimaraes: L] $6 porque voce nao me bate de chicote, nao me fura de faca, nao me espeta o ventre... nao quer dizer que vocé nao me deve nada: ‘vocé me deve a chave da senzala, que esta escondida nas gavetas dos balcdes.” A consciéncia da necessidade de afirmacao est, entre outros, no texto de Cuti: FERRO, Primeiro o ferro marca a violéncia nas costas depois o ferro alisa a vergonha nos cabelos Na verdade o que se precisa 61 6 jogar o ferro fora e quebrar todos 0s elos dessa corrente de desesperos." A revolta acentua-se em versos como os de José Carlos Limeira: Quilombos meus sonhos sofro de uma in: de viver vocés. Ese um distinto senhor me disser para nao pensar nessas coisas terei que mata-lo com certo prazer.® nia eterna E também no poema “minha namorada’, de Cuti, onde se léem os seguintes versos iniciais: Minha namorada? éa violencia vestida de esperanga éalegitima filha da mie-hist6ria amarga.” ‘A violéncia ameniza-se na direcdo do desejo de integracao, no texto de Paulo Colina, “Pequena balada insurgente’, de que transcrevo passagem significativa: Nao ha rancor nem édio: hd esse clamor surdo que rebenta em meu cora¢io face a tantas bocas subterraneas, face a tanto cuidar de telenovelas, samba e futebol. Até quando nossos filhos poderao continuar a soltar pipas, a rolar juntos, na terra, no cimento, na grama, na lama, brincando de serem irmaos?" Nem faltam, de um lado, a nostalgia da ancestralidade africana e, de outro, 0 orgulho valorizador. Exemplo do primeiro caso é 0 poema “O el” de Camargo. Transcrevo um trecho: B h, mame!” de Oswaldo Como pensei falar, sozinho, & minha ma > 10, 4 minha mie Africa, it : » € oferecer-lhe, em meu peito, ee ied turva et mse Pertences de vento, sombra e relembranga, ae ascimento, a minha historia, ¢ 0 me e ? ees cera 'U tropeco que ela nao sabe, nem viu e eu 62 0 orgulho de pertencer & etnia transparece vigoroso nas palavras de “Integrida- de”, de Geni Mariano Guimaraes: Ser negra, Na integridade calma e morna dos dias. Ser negra, De negras maos, De negras mamas, de negra alma. Ser negra, negra. Puro Afro sangue negro, Saindo aos jorros por todos os poros. grande inimigo ¢ identificado por fle Semog: Juntaremos tantos grilhoes Quanto for possivel E mais quatrocentas misérias Entao trocaremos tudo por flores Para enfeitar o enterro Dessa coisa estranha: racismo.” ‘Além das antologias e dos livros dos autores citados, outras obras tém assegu- rado a resistencia, Entre eles estdo os poemas de Incursées sobre a pele (1996), de Nei Lopes, em que ressalta, desde logo, a intimidade com a miisica e a assuncao da etnia. O poeta se assume como sujeito, na afirmacao da identidade cultural. Consciente da situ- acio do negro, seja no Brasil, seja na Africa, seja nas demais comunidades da diaspora africana, nao carrega, entretanto, a pele como um fardo. Mas, como esta no poema de abertura, “como um fato/ na cor do Homem/ da Histéria/ da luta e da vitoria”. Assim. posicionado, seus poemas associam os espacos de valorizagio étnica ao ambito da pre- ocupagao com a condicao humana. 0 poeta ¢ critico Sebastiao Uchoa Leite, precocemente falecido em 2003, lem- bra, em artigo de 1997, “poetas que se dedicam, mais recentemente, A recuperacao de linguagens afro e o seu universo simbélico, ou a experiéncias lingtifstico-formais, inclusive no plano visual. Este segundo caso esta representado por Arnaldo Xavier, cujas caracteristicas experimentais podem inclui-lo no grupo dos poetas da lingua- gem, embora, por outros aspectos, pudesse figurar também como militante”. No plano da Fecuperacao da linguagem afro, destaca otrabalho de poetas e pesquisadores, como Antonio Risério, que incorporou ao Portugués ‘0 mundo fascinante dos okiris da cultu- ra nago-ioruba’, trabalho que marca também, em outra elaboracao, a poesia de Ricardo Aleixo. Destaca ainda a presenga do universo cultural bant fo, nos limi de Almeida Pereira. s textos de Edimilson 63 Quanto a Dionisio esfacelado (Quilombo dos Palmares) (1984), livro de pog de minha autoria, centrado na condigdo negra, entendo que nao me compete avaliags Falta-me o necessério distanciamento e sobra-me pudicicia autoral. Deixo-o 4 aprecia, $0 dos eventuais leitores. Seja-me, entretanto, permitido, nessa direcao e por forga dg matéria e do cardter deste ensaio, dar a palavra a Benedito Nunes, em texto da ocq do langamento do livro: O que assegura a ligacao dos fragmentos que compoem essa suite lirica na qual a negritude ascende ao plano conflitivo da historia — € 0 permanente retorng g Palmares, como objeto de experiéncia individual e social, repensada e retomadg pela meméria [...] Em Dionisio esfacelado, quilombos ¢ quilombolas ingressamm na vertente comemorativa do pensamento que recorda, da recordagao que colige € recompée as partes dispersas de uma origem remanente. Mais nao seré precisa dizer sobre a originalidade dessa obra.” Em termos de prosa, no escasso material que examinei, ou seja, as narrativas constantes dos citados Cadernos negros, destacam-se a nota erdtico-sensual, com forte dose de ironia e a preocupagio com assunto ligado ao negro. Os textos constantes dos “Melhores contos’, publicados em 1998, acentuam a presenga do erotismo e revelam uma preocupacao maior com a linguagem e com uma perspectiva universalizante, a partir de experiéncias ligadas a singularidade dos representantes da etnia.” Cabe, tam- bém, registrar na Area, entre outros, os romances de que tenho noticia, A maldigao de Canad (1951), de Romeu Crusoé, lembrado por Oswaldo de Camargo, 0 autobiografico A descoberta do frio (1975), de autoria deste ultimo, a quem se deve ainda 0 livro de contos O carro do éxito (1972), e os textos do autor de histéria do Brasil romanceada e de literatura infanto-juvenil, do combativo historiador e professor Joel Rufino dos Santos, entre eles, Quatro dias de rebelido (1980), O dia em que 0 povo ganhou (1982) e Ipupiara (1985). Registro também A mulher de Aleduma, 1956, de Aline Franga, e, no Ambito da literatura-testemunho, o diario da favelada Carolina Maria de Jesus, Quarto de despejo, 1960, resgatado em edicao de 1990, a que se juntam ainda Casa de alvenaria, — 1961, e Didrio de Bitita, 1986. Assinale-se, no teatro, a pega Sortilégio, Mistério negro (1951), de Abdias Nascimento e, na literatura oral, as histérias registradas por Mestre Didi (ioscéredes M. dos Santos) sob 0 titulo de Contos crioulos da Bahia (1961), ea mangers Sts, Ci a-raein 0) negra vem sendo configurada no ee ae ereney equivocadamente, literati : ts Paco reivindicatério de escritores negros ou mestigos de negros como tal, nao costumam ser nelas situadas obras fei cite res contemporaneos nao vinculados & etnia, pelo menos em ni ia a Po me : derada, entretanto, a condi¢ao negra na liter: vale dest: nivel epidérmico. 4 ‘acar um romance que j atura, altamente representativo em termos de elementos valorizadores da contribuigao Zumba (1962), escrito por Jodo Felicio negro a cultura brasileira. Refiro-me a Ganga- 64 dos Santos. Trata-se de uma narrativa visceralmente associada a histéria do negro, ou como se explicita na apresentacao do romance: “Os Quilombos dos Palmares e Os Qui- lombolas do Rei Zumbi foram evidentemente o cenario, o fundo, 0 motivo, a época e 0s personagens deste romance, escrito no Rio de janeiro, de 1959 a 1961. O livro é de todos aqueles que, em algum tempo da vida, lutaram até o fim por uma estrela qualquer Na obra, um narrador onisciente alterna relatos com comentarios explicitadores, mas, acada momento, cede a voz as personagens nascidas a partir de uma realidade diluida ou ignorada pela histéria oficial, Sao personagens da época, com fala tipica de negros, carregada de africanismos, de ritmos, com sentimentos e problematica peculiares, marcadas pelo sofrimento, mas dimensionadas sobretudo a luz da altivez de um grupo étnico que se assume, em torno do seu Ganga, na luta por sua afirmagio, no percurso de Palmares. Apoiado na histéria esquecida, fruto de pesquisa e de arte, Ganga Zumba é a presenga de Palmares transfigurada na prosa poética de Jodo Felicio, um romancista que tem obsessao pela liberdade. Ao assumir compromissadamente a literatura como espaco de afirmagao cons- ciente de singularizagao e de afirmagao cultural, ao assumir-se como sujeito do discur- so literdrio, o negro enfrenta novas e sutis armadilhas marginalizantes. Nesses espacos de sutileza, mesmo uma designa¢ao aparentemente valorizadora, como literatura negra, de presenga tranqiiila na area dos estudos literarios desde os anos de 1970, traz, segundo entendo, o sério risco de fazer 0 jogo do preconceito velado. sintagma admite, desde logo, duas acep¢ies: Em sentido restrito, considera-se negra uma literatura feita por negros ou por descendentes assumidos de negros e, como tal, reveladora de visGes de mundo, de ide- ologias e de modos de realiza¢ao que, por forga de condigdes atavicas, sociais, e histé- ricas condicionadoras, caracteriza-se por uma certa especificidade, ligada a um intuito claro de singularidade cultural. Lato sensu, sera negra a arte literdria feita por quem quer que seja, desde que centrada em dimensées peculiares aos negros ou aos descendentes de negros. ‘A designagao, tal como vem sendo utilizada no Brasil e em outros paises da América, vincula-se ao significado restrito e emerge no bojo de uma situagao historica dada, configuradora da reivindicagao pelos negros de determinados valores caracteri- zadores de uma identidade propria. Essa identidade e sua presenca forjadora e agluti- nadora da comunidade em que o grupo étnico se situa seriam elementos decisivos na luta pela eliminagio das discriminagées e pela conquista do lugar que Ihes pertence de direito e que o grupo dominante insiste em negar, das mais variadas maneiras, osten- siva ou disfargadamente. A luta é um procedimento que surge forte no ambito da cri da modernidade, ligada a fragmentacao social. ay 65 Oexercicio da literatura associa-se, assim, também em sentido amplo, aos Movi. Mentos de afirmagao do negro, a partir de uma tomada de consciéncia de sua situacag Social, seja no espago dos povos da Africa, seja no dominio da afrodiaspora e condya, entre outros aspectos, a Preocupagio com a singularizagao cultural mencionada, Tal preocupacao ganha pertinéncia quando ultrapassa as dimensdes epidérm). Cas € 0 corporativismo, e traz para a representatividade literdria a afirmagao de ele. mentos que vao dos espacos miticos (resgate da memoria coletiva) aos s6cio-historicos (resgate dos elementos que fazem a historia do negro enquanto grupo étnico). 0 risco da adjetivacao limitadora reside, segundo penso, no explicavel mas pe. Tigoso empenho em situar radicalmente uma autovalorizacao da condi¢ao negra por emulacao, equivaléncia ou oposicao a condi¢ao branca, colocagao no minimo comple. Xa no caso brasileiro, diante até da dificuldade de se estabelecer limites entre uma e outra no miscigenado universo da cultura nacional. Mesmo porque as distingdes nessa Area costumam apoiar-se na cor da epiderme e na estereotipia sedimentada. Nesse sentido, o opositor nao é 0 brasileiro branco, mas 0 brasileiro preconceituoso, O esquecimento desta distincao implica nao considerar 0 apoio dos aliados relevantes na busca do espago negado. Ha quem argumente que a literatura negra se situaria, livre de conotagao pre- conceituosa, em plano similar ao que marca expresses como literatura nordestina, literatura gaticha etc, caracterizadoras de um direito a diferenga.* Penso que se trata de adjetivos imersos em rea semantica distinta, ligados que s4o os dois tiltimos ao Ambito geografico. Além disso, o Ambito significativo da primeira expressao parece-me bastante marcado e semanticamente comprometido. O negro brasileiro nao pode ser tratado como 0 outro, que tanto trabalhou pela grandeza da nagao etc e a quem se deve reconhecimento especial por isso, como nao cabe agradecer aos brancos portugueses ou aos indios, mas também nao deve tratar- se como 0 outro em nome de sua auto-afirmacio. Como os demais grupos étnicos, ele é parte da comunidade que fez e faz o pais. Se a luta em que se empenha se tornou e continua necesséria, isto se deve, como ¢ sabido, ao fato de ter-se tornado alvo de tra- tamento social e historicamente discriminatério. Admitiro isolamento no espaco de uma especificidade identificadora é, na reali- dade brasileira, aceitar 0 jogo do preconceito, Outra deve ser a estratégia. Ha que assu- mir a igualdade na co-participa¢ao da construgao da nacionalic o direito 4 plenitude da cidadania, E mais: diante da atitude engajada e de outros tra dade. Ha que reivindicar GOS que a singularizam, alguns cificos para a avaliagao produ- : idos cor questionadora de sua Producao a pertinéncia da causa te dsenden a quem proponha, a partir da perspectiva de uma releitura cultural, sub: a8 ina ey ciagao, qualidade literaria por oportunidade histérica.> ee ee 66 __ Nao me parece atitude valida. Tal proposta pode, de certa forma, converter-se em instrumento mantenedor de discriminacao: equivaleria a considerar que a litera- tura produzida pelos negros ¢ literatura negra e como tal deve ser tratada, em funcao dessa especificidade e das circunstancias sdcio-histéricas em que é produzida, como se nao tivesse nada a ver com a arte literdria que se realiza no pais e que ¢ dimensio- nada a luz dos conceitos norteadores da teoria da literatura e que, mesmo em tempos pds-modernos, seguem orientando os estudos da arte literdria no Brasil e nos demais centros ocidentais. O que julgo se deve considerar é que nesses textos hé 0 centramento na causa do negro no Brasil, na luta por sua indiscutivel afirmagao cultural na realidade brasilei- ra, e que eles se convertem, legitimamente, em revelacao, dentincia, ruptura, produto cultural afirmativo, realizado por escritores que, mais do que quaisquer outros, tém condigées de concretiz4-lo. O resgate dos mitos, a proximidade cultural com a Africa, mas sem distorgdes nostélgicas, e com outros paises em que a discriminagao existe, 0 tempo escravo re- pensado, as revoltas, a situagdo do negro e de seus descendentes na construgao sécio- econdmica do pais e sua marcada participagdo nos tempos herdicos da formacao da nacionalidade, as contribuigdes lingiiisticas colocadas em evidéncia na nossa lingua portuguesa do Brasil, podem, entre outros tragos, contribuir, através da transfiguragao na literatura, para o melhor conhecimento e o redimensionamento da presenca do ne- gro na sociedade brasileira. Sao verdades e valores capazes de se opor vigorosamente aos esteredtipos e preconceitos ainda vigentes no comportamento de muitos brasileiros. Se, por forga de caracteristicas peculiares, a literatura feita por negros ou por descendentes assumidos de negros concretizar linguagens geradoras de cinones de uma poética nova, essa dimensio se inserird necessariamente no processo da literatura brasileira e nao no nicho discriminatério de uma literatura “negra” ou “marrom’. E preciso, entretanto, ter sempre em mente que a arte literaria compromissada precisa ser arte literdria antes de ser compromissada, sob pena de descaracterizar-se e perder seu poder de repercussio mobilizadora. Essa posigao benjaminiana nao pode ser desprezada, quando consideramos a contribuicio literaria dos negros e dos descen- dentes de negros que trazem para seus textos a preocupacao com a etnia. Ha que con- siderar a literatura como lugar de afirmagio e singularizacao de identidades mltiplas e varias, mas integradas no tecido da arte literdria brasileira e universal, Acredito que nenhum dos autores que se encontram nesse caso na atualidade brasileira, e me incluo entre eles, concordard em ter 0 seu texto legitimado apenas por forca do tema ou do assunto que elege, ou porque, ao elegé-lo, pertence ao segme! t Yi nico, Mesmo porque nenhum deles,até o momento, concretizou uma lineurron coc, de justificar uma alteracao no conceito vigente de literatura: a énfase, ea eae? assinalar, tem-se centralizado nos contetidos, a partir da adocao de pracehh en nt entdo consagrados. Entendo que & muito mais pertinente c aren ees ae inente e apropriado, por forga 67 ‘0 da etnia, que, em lugar de literatura ng da condicéo negra na literatura by, Se es ; tus, slem de facltar ge enaad posicionamento foge a qualquer jogo preconcennos” dc Tacilitar a caracteyal avaliacao mais objetiva da 4 da matéria no processo literario do pais € 2 | contra literaria de representantes assumidos da etnia que, mesmo diante dos maig Vatig obstaculos, tém trazido a piblico, nas tltimas décadas, a forca de sua palavra Ado E importantissima a ocupagao pelos negros ¢ seus descendentes de esyy.* rae aie hat PaCOs terdrios e de outros espacos igualmente culturais até entao timidamente freqiient i caminho vem sendo percorrido. Al guns resultados, poucos, tém aflorado, Imp . prosseguir na busca de uma plena € insofismavel representatividade, até que se te i inteiramente dispensdvel a presenga como marca de uma diferenca redutora, Aina, literatura nao tem cor. mesmo do propésito de afirmaca fenda a referéncia a presenga do negro ou Notas 0 presente texto [ Universidade de Sao Pa publicado na Revista do Patriménio Histdrico ¢ Artistico Nacional ~ p. 159-77, Texto recebido e aceito em 15 de fevereiro de 2004. " Gregorio de Matos, Poemias escolhidos, sel, introd. ¢ notas de José Miguel Wisnik, Sao Paulo, Cul, 1976, p. 37. 2 Bernardo Guimaraes, A escrava Isaura, 6* ed., Sao Paulo, Atica, 1976, p.13. Idem. * Aluisio Azevedo, O mulato, Sao Paulo, Martins, 1964, p. 67. 5 Idem, p. 272. * Idem, p. 307. 7 Antonio de Castro Alves, “Os escravos’, em _.. Obra completa, Rio de Janeiro, J. Aguilar, 1960, p.291 293. * José Guilherme Merquior, De Anchieta a Euclides. Breve historia da literatura brasileira, Rio de Janeio, J. Olympio, 1977, p. 92-93. ° Antonio Candido, Formagdo da literatura brasileira: momentos decisivos, 7* ed. rev. vol. 1, 1964, p. 270. 2” Aluisio Azevedo. O cortigo, 6.ed., Sao Paulo, Atica, 1974, p. 104. ” Edilberto Coutinho, “Um negro vai a forra’, em Os jogos, Sio Paulo/Brasilia, Atica/ INL/Fundagao Ne cional Pré-Memoéria, 1984, p. 126. " Ariano Suassuna, Auto da compadecida, Rio de Janeiro, Agir, 1970, p. 146-148. © Idem, p. 148-149. u ae ie a Panis aed de Sao Luis, 5* ed., Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1985, 1* orelha. eid, Viva 0. ileir 8 i i . ;povo brasileiro, 5+ impr, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1984, p. 312-3 "* Domingos Caldas Barbosa, Viola de ae Janeiro, Agir, 1958, p. 23, ‘ola de Lereno,em ____L.. da Camara Cascudo (org.), Poesia, Rio " Mario de Andrade, Poesias complete {tic i iataeEdugy 96h po ime e: etca de Dili Zanotto Mani, Belo Horizonte/i0 Pa In: Estudos Avangados. 18 (50), 2004, p. 161-193; Instituto de Estudos Avangados 4, ulo] & uma versio reformulada, ampliada e atualizada do ensaio de mesmo tia Negro brasileiro negro, n° 25, 17 ASSESS a ‘io Paulo, Martins, °8 Idem, p. 248, © Idem, p. 266-267. "Ct. Gilberto Freire, “Nota preliminar’, publicada como prefacio a Jorge de Lima, Poemas negros e trans: crita posteriormente em 0 Jornal, Rio de Janeiro, 22 nov, 1953, com o titulo “Jorge de Lima e seus poemas negros’, apud Jorge de Lima,Obra completa, Rio de Janeiro, J. Aguilar, 1958, vol. 1, p. 385. * Machado de Assis, Obra completa, Rio de Janeiro, J. Aguilar, 1959, vol. III, p. 520. ® Joao da Cruz e Sousa, Evocagdes, em . Obra completa, Rio de Janeiro, J. Aguilar, 1960, p. 651 662-663. * Idem, p. 664. * Alfredo Bosi, Historia concisa da literatura brasileira, 2* ed., S40 Paulo, Cultrix, 1979, p. 303. ® Alfredo Bosi, “Poesia versus racismo’, em 2002, p. 168. * Luis Gama, apud Oswaldo de Camargo (org.). A razéo da chama, Sao Paulo, GRD, 1986, p. 14. ¥ Para um visdo ampla e profunda do posicionamento, ver Alfredo Bosi, “Figuras do eu nas Recordacdes de Isaias Caminha”, In: °c., p.186-208. Literatura e resisténcia, S40 Paulo, Cia. das Letras, Ver, para uma idéia da situagdo atual, o artigo de Flavio Carranga, “Breve historia da literatura negra ~ pu- blicar ainda é dificil para autores negros brasileiros’ publicado na revista Problemas brasileiros, em 2003. ® Para uma visio desses posicionamentos, pode-se ler, como ponto de partida, Zila Bernd, Negritude e literatura na América Latina, Porto Alegre, Mercado Aberto, 1987, p. 83 € ss. * Lino Guedes, em Oswaldo de Camargo, op. cit, p. 35. "Idem, p.33. ® Solano Trindade, em Oswaldo de Camargo, op. cit. p. 39. ® Abdias Nascimento é também autor de uma antologia do teatro negro brasileiro intitulada Drama para negros e prélogo para brancos, Rio de Janeiro, Teatro Experimental do Negro, 1961. * Esclarece, a propdsito, Flavio Carranga: “Durante o ano de 1978, existiu em So Paulo, no bairro do Be- xiga, o Centro de Cultura e Arte Negra (Cecan), onde se reuniam pessoas ligadas as letras, entre as quais © poeta Cuti e o advogado Hugo Ferreira. Juntos, eles decidiram langar os Cadernos Negros, pequenas coletineas de poemas. Paralelamente, Cuti participava de um grupo formado por Oswaldo de Camargo, Abelardo Rodrigues e o falecido Paulo Colina, que se reunia no bar Mutamba, no centro de Sao Paulo, para discutir literatura e que, por volta de 1980, resolveu batizar-se Quilombhoje. O grupo assumiu a publicacdo dos Cadernas recebeu adesdes, mas em seguida sofreu uma ruptura, com a saida de Camargo, Colina e Abelardo, que criticavam principalmente a qualidade do material publicado” (Carranga, °c.), Os Cadernos continuaram a ser publicados, envolvendo poesia e prosa ¢ totalizam, em 2004, 26 nimeros, ainda dificilmente encontrados nas livrarias. °S Carlos Assumpgao, em Oswaldo de Camargo, op. cit., p. 53. ~ Outros poetase prosadores negros ou descendentesassumidos de negros vém marcando a representa- tividade litera de seus textos, cuja andliseescapa aos limites do presente artigo. Para uma visio ainda que restrita da produgao atual, em prosa e poesia, ver os niimeros 25 e 26 dos Cadernos n em 2003, Ver também, na internet, os numerosos sites sobre “literatura negra” » Oswaldo de Camargo, op. cit, p. 56. ~ Oliveira Silveira, “Quem disse’, apud Paulo Colina, Axé: antologia cont : sileira, Sao Paulo, Global, 1982. Sia contempordnea da poesia negra bra- » Idem, p. 31. * Geni Mariano Guimaraes, apud Oswaldo de Camargo, op. cit, p. 74, egros, langados «0 * (Luiz Silva) Cuti, “Ferro”, apud Oswaldo de Camargo, op. cit.. p. 90. José Carlos Limeira, “Quilombos”, apud Paulo Colina, op. cit., p. 45. (Luiz Silva) Cuti, “Minha namorada’, apud Paulo Colina, op. cit, p. 59. “Paulo Colina, apud Oswaldo de Camargo, op. cit. p. 88. “ Oswaldo de Camargo, “Oh, mamae!” apud Paulo Colina, op. cit., p. 84. “ Geni Mariano Guimaraes, “Integridade’, apud Paulo Colina, op. cit., p. 68. * Ble Semog, “Cangio para um negro abandonado’, apud Oswaldo de Camargo, op ct, p, 196 Cf, Sebastiio Uchoa Leite, “Presenca negra na poesia brasileira moderna’, em Revistg hist6rico e artistico nacional. n° 25, Negro brasileiro negro, Rio deJaneiro, 1997, p, 113, ® Benedito Nunes, em 0 Estado de S. Paulo, Suplemento de Cultura. n° 223. 0 volume traz narrativas de Abilio Ferreira, Concei¢ao Evaristo, Cuti, Fle Semog, Esmeraldy Eustéquio José Rodrigues, Jonatas Conceigdo, José Carlos Limeira, Lia Vieria, Marcio Barbosa, Alves, Oswaldo de Camargo, Oubi Inaé Kibuko, Ramatis Jacinto, Ricardo Dias e Sonia Fatima, * Joao Felicio dos Santos, Ganga Zumba, Rio de Janeiro, Civilizacao Brasileira, 1962. ° Ct. Zilé Bernd, Negritude e literatura na América Latina , Porto Alegre, Mercado Abert 1987, 3) * Bo caso de Luiza Lobo, em artigo de 1987, intitulado"Literatura negra brasileira contemporines? < blicado em Cadernos Candido Mendes de Estudos Afro-Asidticos, n° 14, 1987, p. 119, onde escreve:*fy, lizando a literatura negra que surgiu desde a década de 70 como uma possibilidade de reletura cul ento se percebe que nela nao importa sua qualidade, mas sim sua oportunidade”. 40 patrnig » Magy Referéncias bibliograficas ADONIAS FILHO. Corpo vivo. Rio de Janeiro: Civilizacao Brasileira, 1962. 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