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Supremo Tribunal Federal

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1.024.321 SANTA CATARINA

RELATOR : MIN. CELSO DE MELLO


RECTE.(S) : GOVERNADOR DO ESTADO DE SANTA CATARINA
RECTE.(S) : ESTADO DE SANTA CATARINA
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE SANTA
CATARINA
RECDO.(A/S) : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA
CATARINA
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE
SANTA CATARINA

DECISÃO: O presente recurso extraordinário foi interposto contra


decisão que, proferida em sede de fiscalização abstrata de
constitucionalidade (CF, art. 125, § 2º), pelo Órgão Especial do E. Tribunal de
Justiça do Estado de Santa Catarina, acha-se consubstanciada em acórdão
assim ementado:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.


ART. 4º DA LEI COMPLEMENTAR N. 447, DE 07 DE JULHO
DE 2009, DO ESTADO DE SANTA CATARINA, DISPOSITIVO
QUE LIMITA A CONCESSÃO DE LICENÇA A SERVIDOR QUE
ADOTA CRIANÇA COM IDADE INFERIOR A SEIS ANOS E
DOZE ANOS INCOMPLETOS. FUNDAMENTOS, OBJETIVOS
E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA REPÚBLICA
FEDERATIVA, NORMAS A SEREM OBSERVADAS E
CONCRETIZADORAS, INCLUSIVE SOBREPONDO-SE A
QUALQUER OUTRO DISPOSITIVO LEGAL, MERCÊ DO
ESTABELECIMENTO DE UMA DEMOCRACIA MATERIAL NO
BRASIL. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO.”

A parte recorrente, ao deduzir o apelo extremo em questão,


sustentou que o Tribunal “a quo” teria transgredido os preceitos inscritos
nos arts. 2º, 93, IX, 103, VI, e 125, § 2º, todos da Constituição da República.

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RE 1024321 / SC

Sendo esse o contexto, passo a examinar a postulação recursal em


causa. E, ao fazê-lo, observo que o Plenário do Supremo Tribunal Federal,
após reconhecer a existência de repercussão geral da questão
constitucional igualmente versada nos presentes autos, julgou o RE
778.889/PE, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, nele proferindo decisão
consubstanciada em acórdão assim ementado:

“DIREITO CONSTITUCIONAL. RECURSO


EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL.
EQUIPARAÇÃO DO PRAZO DA LICENÇA-ADOTANTE AO
PRAZO DE LICENÇA-GESTANTE.
1. A licença maternidade prevista no artigo 7º, XVIII, da
Constituição abrange tanto a licença gestante quanto a licença
adotante, ambas asseguradas pelo prazo mínimo de 120 dias.
Interpretação sistemática da Constituição à luz da dignidade da pessoa
humana, da igualdade entre filhos biológicos e adotados, da doutrina
da proteção integral, do princípio da prioridade e do interesse superior
do menor.
2. As crianças adotadas constituem grupo vulnerável e
fragilizado. Demandam esforço adicional da família para sua
adaptação, para a criação de laços de afeto e para a superação de
traumas. Impossibilidade de se lhes conferir proteção inferior àquela
dispensada aos filhos biológicos, que se encontram em condição menos
gravosa. Violação do princípio da proporcionalidade como vedação à
proteção deficiente.
3. Quanto mais velha a criança e quanto maior o tempo
de internação compulsória em instituições, maior tende a ser a
dificuldade de adaptação à família adotiva. Maior é, ainda, a
dificuldade de viabilizar sua adoção, já que predomina no
imaginário das famílias adotantes o desejo de reproduzir a
paternidade biológica e adotar bebês. Impossibilidade de
conferir proteção inferior às crianças mais velhas. Violação do
princípio da proporcionalidade como vedação à proteção
deficiente.

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RE 1024321 / SC

4. Tutela da dignidade e da autonomia da mulher para


eleger seus projetos de vida. Dever reforçado do Estado de
assegurar-lhe condições para compatibilizar maternidade e profissão,
em especial quando a realização da maternidade ocorre pela via da
adoção, possibilitando o resgate da convivência familiar em favor de
menor carente. Dívida moral do Estado para com menores vítimas da
inepta política estatal de institucionalização precoce. Ônus assumido
pelas famílias adotantes, que devem ser encorajadas.
5. Mutação constitucional. Alteração da realidade social
e nova compreensão do alcance dos direitos do menor adotado.
Avanço do significado atribuído à licença parental e à igualdade entre
filhos, previstas na Constituição. Superação de antigo entendimento
do STF.
6. Declaração da inconstitucionalidade do art. 210 da
Lei nº 8.112/1990 e dos parágrafos 1º e 2º do artigo 3º da Resolução
CJF nº 30/2008.
7. Provimento do recurso extraordinário, de forma a deferir
à recorrente prazo remanescente de licença parental, a fim de que o
tempo total de fruição do benefício, computado o período já gozado,
corresponda a 180 dias de afastamento remunerado, correspondentes
aos 120 dias de licença previstos no art. 7º, XVIII,CF, acrescidos de 60
dias de prorrogação, tal como estabelecido pela legislação em favor da
mãe gestante.
8. Tese da repercussão geral: ‘Os prazos da licença
adotante não podem ser inferiores aos prazos da licença
gestante, o mesmo valendo para as respectivas prorrogações.
Em relação à licença adotante, não é possível fixar prazos
diversos em função da idade da criança adotada’.” (grifei)

O exame da presente causa evidencia que o acórdão ora impugnado


ajusta-se à diretriz jurisprudencial que esta Suprema Corte estabeleceu
na matéria em referência.

Cabe salientar, por oportuno, no tocante à alegada “falta de


legitimidade ‘ad causam’ do Coordenador do Centro de Apoio Operacional do
Controle de Constitucionalidade”, que a suposta ofensa ao texto

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RE 1024321 / SC

constitucional, caso existente, apresentar-se-ia por via reflexa, eis que a


sua constatação reclamaria – para que se configurasse – a formulação de
juízo prévio de legalidade, fundado na vulneração e infringência de
dispositivos de ordem meramente legal. Não se tratando de conflito
direto e frontal com o texto da Constituição, como exigido pela
jurisprudência da Corte (RTJ 120/912, Rel. Min. SYDNEY SANCHES – RTJ
132/455, Rel. Min. CELSO DE MELLO), torna-se inviável o trânsito do
recurso extraordinário.

Com efeito, o acórdão impugnado em sede recursal extraordinária,


ao decidir referida controvérsia jurídica, dirimiu a questão com
fundamento em legislação infraconstitucional, circunstância esta que
obsta o próprio conhecimento, no ponto, do apelo extremo.

Impõe-se observar, por relevante, que esse entendimento tem sido


observado em julgamentos proferidos no âmbito desta Suprema Corte
(ARE 727.505/SC, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – ARE 774.292/SC, Rel.
Min. ROSA WEBER – RE 583.268/SC, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA –
RE 764.840/SC, Rel. Min. GILMAR MENDES, v.g.).

Cumpre assinalar, ainda, no que se refere à alegada transgressão ao


postulado constitucional que impõe, ao Poder Judiciário, o dever de
motivar suas decisões (CF, art. 93, IX), que o Supremo Tribunal Federal –
embora sempre enfatizando a imprescindibilidade da observância dessa
imposição da Carta Política (RTJ 170/627-628) – não confere, a tal
prescrição constitucional, o alcance que lhe pretende dar a parte ora
recorrente, pois, na realidade, segundo entendimento firmado por esta
própria Corte, “O que a Constituição exige, no art. 93, IX, é que a decisão
judicial seja fundamentada; não, que a fundamentação seja correta, na
solução das questões de fato ou de direito da lide: declinadas no julgado as
premissas, corretamente assentadas ou não, mas coerentes com o dispositivo
do acórdão, está satisfeita a exigência constitucional” (RTJ 150/269, Rel.
Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei).

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RE 1024321 / SC

Vale ter presente, a propósito do sentido que esta Corte tem dado à
cláusula inscrita no inciso IX do art. 93 da Constituição, que os
precedentes deste Tribunal desautorizam a abordagem hermenêutica feita
pela parte ora agravante, como se dessume de diversos julgados
(AI 529.105-AgR/CE, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – AI 637.301-AgR/GO,
Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – AI 731.527-AgR/RJ, Rel. Min. GILMAR
MENDES – AI 838.209-AgR/MA, Rel. Min. GILMAR MENDES –
AI 840.788-AgR/SC, Rel. Min. LUIZ FUX – AI 842.316-AgR/RJ, Rel. Min.
LUIZ FUX – RE 327.143-AgR/PE, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, v.g.),
notadamente daquele, emanado do Plenário do Supremo Tribunal
Federal, em que se acolheu questão de ordem para reafirmar essa mesma
jurisprudência no sentido que venho de expor:

“Questão de ordem. Agravo de Instrumento. Conversão


em recurso extraordinário (CPC, art. 544, §§ 3º e 4º). 2. Alegação
de ofensa aos incisos XXXV e LX do art. 5º e ao inciso IX
do art. 93 da Constituição Federal. Inocorrência. 3. O art. 93, IX, da
Constituição Federal exige que o acórdão ou decisão sejam
fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar,
contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou
provas, nem que sejam corretos os fundamentos da decisão.
4. Questão de ordem acolhida para reconhecer a repercussão geral,
reafirmar a jurisprudência do Tribunal, negar provimento ao
recurso e autorizar a adoção dos procedimentos relacionados à
repercussão geral.”
(AI 791.292-QO-RG/PE, Rel. Min. GILMAR MENDES –
grifei)

Cabe registrar, finalmente, tratando-se da hipótese prevista no


art. 125, § 2º, da Constituição da República, que o provimento e o
improvimento de recursos extraordinários interpostos contra acórdãos
proferidos por Tribunais de Justiça em sede de fiscalização normativa
abstrata têm sido veiculados em decisões monocráticas emanadas dos
Ministros Relatores da causa no Supremo Tribunal Federal, desde que, tal

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Supremo Tribunal Federal

RE 1024321 / SC

como sucede na espécie, o litígio constitucional já tenha sido


definido pela jurisprudência prevalecente no âmbito deste Tribunal
(AI 258.067/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO – AI 348.800/SP, Rel.
Min. CELSO DE MELLO – RE 243.975/RS, Rel. Min. ELLEN GRACIE –
RE 334.868-AgR/RJ, Rel. Min. AYRES BRITTO – RE 336.267/SP, Rel. Min.
AYRES BRITTO – RE 353.350-AgR/ES, Rel. Min. CARLOS VELLOSO –
RE 369.425/RS, Rel. Min. MOREIRA ALVES – RE 371.887/SP, Rel.
Min. CÁRMEN LÚCIA – RE 396.541/RS, Rel. Min. CARLOS VELLOSO –
RE 415.517/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO – RE 421.271-AgR/RJ, Rel.
Min. GILMAR MENDES – RE 444.565/RS, Rel. Min. GILMAR MENDES –
RE 461.217/SC, Rel. Min. EROS GRAU – RE 501.913/MG, Rel. Min.
MENEZES DIREITO – RE 592.477/SP, Rel. Min. RICARDO
LEWANDOWSKI – RE 601.206/SP, Rel. Min. EROS GRAU, v.g.).

Sendo assim, e em face das razões expostas, nego provimento ao


recurso extraordinário, por achar-se este em confronto com acórdão
proferido pelo Plenário desta Suprema Corte (CPC/15, art. 932, IV, “b”).

Não incide, no caso em exame, o que prescreve o art. 85, § 11, do


CPC/15, ante a inadmissibilidade de condenação em verba honorária,
por tratar-se, na origem, de processo de controle concentrado de
constitucionalidade.

Publique-se.

Brasília, 23 de fevereiro de 2017.

Ministro CELSO DE MELLO


Relator

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