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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

FBB
Nº 70033834938
2009/CRIME

MANDADO DE SEGURANÇA. ACESSO ÀS PEÇAS DE


INQUÉRITO POLICIAL E MEDIDA CAUTELAR DE
PRODUÇÃO DE PROVA.
O Estatuto da OAB assegura ao advogado, mesmo sem
procuração, o direito de acesso aos autos de inquérito
policial (art. 7º). Precedentes no Eg. STF e no STJ.
Hipótese na qual foram cumpridos mandados de busca e
apreensão, havendo, inclusive, representação do Delegado
de Polícia pela prisão temporária de alguns dos suspeitos,
situação que evidencia o legítimo interesse do impetrante
em ter acesso à referida documentação, bem como
descobrir sua real situação no inquérito em questão, até
mesmo para postular, junto aos órgãos competentes, o que
entender pertinente. Todavia, mantida a restrição judicial no
que se refere ao expediente 019/2.09.0004807, porque,
tratando-se de diligências inconclusas, o atendimento do
pedido do impetrante pode significar frustração ou ineficácia
da própria diligência ou investigação policial.
ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA, confirmando a
liminar e garantindo aos procuradores do impetrante o
acesso às provas contidas no inquérito policial nº
759/2009-100306-A da 16ª Delegacia de Polícia desta
Capital.
MANDADO DE SEGURANÇA OITAVA CÂMARA CRIMINAL

Nº 70033834938 COMARCA DE NOVO HAMBURGO

PAULO ROBERTO CURE IMPETRANTE

JUIZ DE DIREITO DA 2 V CRIM DA COATOR


COM DE NOVO HAMBURGO

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Oitava Câmara
Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em CONCEDER
PARCIALMENTE A ORDEM, CONFIRMANDO A LIMINAR E GARANTINDO
AOS PROCURADORES DO IMPETRANTE O ACESSO ÀS PROVAS
CONTIDAS NO INQUÉRITO POLICIAL Nº 759/2009-100306-A DA 16ª
DELEGACIA DE POLÍCIA DESTA CAPITAL.
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Custas na forma da lei.


Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes
Senhores DES. SYLVIO BAPTISTA NETO (PRESIDENTE) E DES.ª
ISABEL DE BORBA LUCAS.
Porto Alegre, 27 de janeiro de 2010.

DES.ª FABIANNE BRETON BAISCH,


Relatora.

RELATÓRIO
DES.ª FABIANNE BRETON BAISCH (RELATORA)
PAULO ROBERTO CURE, impetrou MANDADO DE
SEGURANÇA contra ato do MM. Juiz de Direito da 2ª Vara Criminal da
Comarca de Novo Hamburgo, em razão de decisão que negou acesso dos
advogados aos autos do inquérito nº 759/2009-100306-A e processo nº
019/2.09.0004807-4.
Salientando que a advocacia tem assento constitucional,
essencial á execução da tarefa jurisdicional do Estado, sendo, o advogado,
indispensável à administração da justiça, insurgiu-se com a vedação de
acesso ao inquérito e processo instaurados, o que lhe é assegurado pelo
Estatuto da Advocacia e da OAB. Com procuração do interessado, figura
pleno o acesso do causídico aos autos, mesmo como no caso presente, no
qual tramita em regime de segredo de justiça. Requer, liminarmente, a
concessão da medida, ao efeito de viabilizar o acesso dos advogados
constituídos ao inquérito e ao processo referidos, confirmada, ao final (fls.
02/10).
Relegada a apreciação da liminar para momento posterior,
sobrevieram as informações pertinentes, no sentido de que “o presente
expediente que tramita em segredo de justiça objetiva a investigação de delitos de
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estelionato. Iniciou-se com as investigações oriundas da 16ª Delegacia de Polícia


de Porto Alegre, consoante pedido daquela autoridade que segue cópia em anexo
– fls. 02/08.
O Ministério Público da Promotoria de Justiça Criminal Regional da
Restinga de Porto Alegre opinou pelo deferimento dos mandados de busca e
apreensão (fls. 100/101, do qual segue cópia em anexo.

A Dra. Cláudia Junqueira Sulzbach, Juíza de Direito, declinou da


competência para a Comarca de Novo Hamburgo, tendo em vista que o delito mais
grave é o de estelionato ocorrido nesta cidade, consoante decisão de fl. 102, da
qual segue cópia em anexo.

Este juízo acolheu, em parte, o pedido da autoridade policial,


consoante decisão de fls. 112/113, que segue cópia em anexo.

As investigações policiais prosseguem, consoante novas


representações da autoridade policial por mais mandados de busca de apreensão
(fls. 234/237) e, inclusive, prisão temporária (fls. 279/288), todos deferidos por este
juízo (fls. 249 e 429/429v), consoante segue em anexo cópia das folhas referidas.

Atualmente, o feito aguarda a manifestação da autoridade policial


quanto ao resultado das últimas investigações e das medidas deferidas por este
juízo.” (fls. 22/23).

A liminar foi parcialmente deferida, tão-somente para garantir


aos procuradores do impetrante o acesso às provas contidas no inquérito
policial nº 759/2009-100306-A, da 16ª Delegacia de Polícia desta Capital (fls.
25/27).
O ilustre Procurador de Justiça, Dr. Ricardo Vaz Seelig, opinou
pela ratificação da liminar (fls. 60/61).
Vieram conclusos para julgamento.
É o relatório.

VOTOS
DES.ª FABIANNE BRETON BAISCH (RELATORA)
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Trata-se de MANDADO DE SEGURANÇA impetrado por


PAULO ROBERTO CURE, contra ato do MM. Juiz de Direito da 2ª Vara
Criminal da Comarca de Novo Hamburgo, em razão de decisão que negou
acesso dos advogados aos autos do inquérito nº 759/2009-100306-A e
processo nº 019/2.09.0004807-4.
Analisando o feito, tenho que com parcial razão o impetrante.
Quando do deferimento parcial da liminar requerida, assim me
manifestei:
Vistos.
À luz do disposto no art. 1º da Lei n.º 12.016, de 7 de
agosto de 2009, “Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito
líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que,
ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer
violação ou houve justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que
categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.”

Deflui do conteúdo informacional da presente ação, que


após investigações realizadas pela autoridade policial, materializadas no
expediente n.º 2.09.0004807-4, foram expedidos Mandados de Busca e
Apreensão em desfavor da empresa Farmatec do Brasil Ltda ME, de
propriedade do impetrante, onde recolhidos diversos documentos e
objetos a ela pertencentes, originando-se, então, o inquérito policial n.º
759/2009-100306-A, instaurado para averiguação de eventuais práticas
criminosas.
Em decorrência deste ato, os signatários da inicial do
presente “mandamus”, procuradores constituídos do proponente,
peticionaram junto ao Cartório da 16ª Delegacia de Polícia, objetivando ter
acesso ao conteúdo do procedimento inquisitorial. Não obtiveram êxito,
pois o mesmo se encontra sob o manto do segredo de justiça, restando
indeferida a postulação, também, ante a ausência de acusação formal

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contra o postulante, além de se tratar de medida cautelar de produção de


prova (decisão à fl. 03).

Por primeiro, assinalo, segundo informado pela autoridade


apontada coatora, com a continuidade das investigações, representou o
delegado de polícia pela expedição de outros mandados de busca e
apreensão, bem como pela prisão temporária de alguns suspeitos, o que
deferido.
Diante deste quadro, legítimo o interesse do impetrante em
ter acesso à documentação até o momento reunida, bem como descobrir
sua real situação no inquérito em questão, até mesmo para postular, junto
aos órgãos competentes, o que entender pertinente.
Sob outro enfoque, o art. 7.º, inc. XIV, da Lei 8.906/94
(Estatuto da OAB) assegura ao advogado, mesmo sem procuração, o
direito de acesso aos autos do inquérito policial, nos seguintes
termos:
“art. 7.º - São direitos do advogado:
(...)
XIV – examinar em qualquer repartição policial, mesmo
sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em
andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e
tomar apontamentos;”

O egrégio Supremo Tribunal Federal, ao interpretar o


referido dispositivo legal, garantiu ao advogado o direito de acesso às
“informações já introduzidas nos autos do inquérito, não as relativas à
decretação e às vicissitudes da execução de diligências em curso”:

“I. Habeas corpus: inviabilidade: incidência da Súmula 691


(‘Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de "habeas corpus"
impetrado contra decisão do Relator que, em "habeas corpus" requerido a
Tribunal Superior, indefere a liminar’).
II. Inquérito policial: inoponibilidade ao advogado do
indiciado do direito de vista dos autos do inquérito policial.
1. Inaplicabilidade da garantia constitucional do
contraditório e da ampla defesa ao inquérito policial, que não é processo,
porque não destinado a decidir litígio algum, ainda que na esfera
administrativa; existência, não obstante, de direitos fundamentais do
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indiciado no curso do inquérito, entre os quais o de fazer-se assistir por


advogado, o de não se incriminar e o de manter-se em silêncio.
2. Do plexo de direitos dos quais é titular o indiciado -
interessado primário no procedimento administrativo do inquérito policial -,
é corolário e instrumento a prerrogativa do advogado de acesso aos autos
respectivos, explicitamente outorgada pelo Estatuto da Advocacia (L.
8906/94, art. 7º, XIV), da qual - ao contrário do que previu em hipóteses
assemelhadas - não se excluíram os inquéritos que correm em sigilo: a
irrestrita amplitude do preceito legal resolve em favor da prerrogativa do
defensor o eventual conflito dela com os interesses do sigilo das
investigações, de modo a fazer impertinente o apelo ao princípio da
proporcionalidade.
3. A oponibilidade ao defensor constituído esvaziaria uma
garantia constitucional do indiciado (CF, art. 5º, LXIII), que lhe assegura,
quando preso, e pelo menos lhe faculta, quando solto, a assistência
técnica do advogado, que este não lhe poderá prestar se lhe é sonegado
o acesso aos autos do inquérito sobre o objeto do qual haja o investigado
de prestar declarações.
4. O direito do indiciado, por seu advogado, tem por
objeto as informações já introduzidas nos autos do inquérito, não as
relativas à decretação e às vicissitudes da execução de diligências
em curso (cf. L. 9296, atinente às interceptações telefônicas, de
possível extensão a outras diligências); dispõe, em conseqüência a
autoridade policial de meios legítimos para obviar inconvenientes
que o conhecimento pelo indiciado e seu defensor dos autos do
inquérito policial possa acarretar à eficácia do procedimento
investigatório.
5. Habeas corpus de ofício deferido, para que aos
advogados constituídos pelo paciente se faculte a consulta aos
autos do inquérito policial e a obtenção de cópias pertinentes, com
as ressalvas mencionadas.” (Supremo Tribunal Federal, HC 90232/AM,
Relator(a): Min. Sepúlveda Pertence, j. 18/12/2006, Órgão Julgador:
Primeira Turma) (grifei).

No mesmo sentido, decisão do Colendo STJ:


“PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM
MANDADO DE SEGURANÇA. INQUÉRITO POLICIAL. ACESSO AOS
AUTOS. DIREITO DO ADVOGADO. ARTS. 133 DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL E 7º, XIII E XIV, DA LEI 8.906/94. RECURSO PROVIDO.
1. O advogado é indispensável à administração da justiça,
sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão,
nos limites da lei (art. 133 da CF).
2. É direito do advogado examinar em qualquer repartição
policial, mesmo sem procuração nos autos de flagrante e de inquérito,

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findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo


copiar peças e tomar apontamentos (art. 7º, XIV, da Lei 8.906/94).
3. O § 1º do art. 7º do Estatuto da OAB exclui o inciso XIV
(inquérito policial) da exceção dos processos protegidos pelo segredo de
justiça.
4. Ao advogado que possui procuração nos autos e está no
exercício da profissão, indispensável à administração da justiça, não se
pode impedir o acesso ao inquérito policial.
5.Recurso provido.” (RMS 20719/RS, Rel. Ministro
ARNALDO ESTEVES LIMA, 5ª Turma, j. em 24/4/2008, in DJ de
23/06/2008).

Guilherme de Souza Nucci, comentando o art. 20 do


Código de Processo Penal, que trata do sigilo no inquérito policial,
observa que “o sigilo não é, atualmente, de grande valia, pois se alguma
investigação em segredo precise ser feita ou esteja em andamento, pode
o suspeito, por intermédio de seu advogado, acessar os autos e descobrir
o rumo que o inquérito está tomando” (“Código de Processo Penal
Comentado”, 5.ª Edição, Editora RT, pág. 121).
No que se refere ao expediente investigado
019/2.09.0004807-4, mantenho a restrição judicial, pois, como bem
assinalado pelo Ministro Carlos Brito, no voto proferido no Mandado de
Segurança n.º 90.232-4, supracitado, “...quando as diligências levadas a
efeito no inquérito já são reduzidas a termo, já se transformaram em
documentalidade, e, portanto, inseridas nos autos, aí não há por que negar vista
aos advogados e às partes. Agora, quando se trata de diligências inconclusas ou
in fieri, esse atendimento ao pedido dos advogados pode significar – a depender
de cada caso – frustração ou ineficácia da própria investigação policial, da
própria diligência...”

Assim, por vislumbrar, em sede se sumária cognição, a


presença do “fumus boni iuris” e do “periculum in mora”, defiro,
parcialmente, a liminar, tão-somente para garantir aos procuradores
do impetrante o acesso às provas contidas no inquérito policial n.º
759/2009-100306-A, da 16ª Delegacia de Polícia desta Capital.

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Em acréscimo e em reforço aos fundamentos que lancei


naquela ocasião, o entendimento lançado pelo ilustre Procurador de Justiça,
Dr. Ricardo Vaz Seelig, no parecer de fls. 60/61, quando fez constar que “a
restrição relativa ao expediente investigatório deve ser mantida, seja por configurar
diligência ainda inconclusa, seja para não se frustrar a eficácia da própria
investigação ou medida cautelar. É o caso dos autos, em que a manutenção do
sigilo do expediente da medida cautelar, anda não concluído, embora excepcional,
pode ser mantido para a devida coleta de elementos que darão azo à eventual
ação penal”.

Ante o exposto VOTO no sentido de CONCEDER


PARCIALMENTE A ORDEM, confirmando a liminar e garantindo aos
procuradores do impetrante o acesso às provas contidas no inquérito policial
nº 759/2009-100306-A da 16ª Delegacia de Polícia desta Capital.

DES.ª ISABEL DE BORBA LUCAS - De acordo com o(a) Relator(a).


DES. SYLVIO BAPTISTA NETO (PRESIDENTE) - De acordo com o(a)
Relator(a).

DES. SYLVIO BAPTISTA NETO - Presidente - Mandado de Segurança nº


70033834938, Comarca de Novo Hamburgo: "CONCEDERAM
PARCIALMENTE A ORDEM, CONFIRMANDO A LIMINAR E GARANTINDO
AOS PROCURADORES DO IMPETRANTE O ACESSO ÀS PROVAS
CONTIDAS NO INQUÉRITO POLICIAL Nº 759/2009-100306-A DA 16ª
DELEGACIA DE POLÍCIA DESTA CAPITAL. UNÂNIME."

Julgador(a) de 1º Grau:

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