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N. TNS a an Sena emer Me Te Teco Mee Sn Ca te mT Ute Mn We oul mn Cuma nn) demonstrar como 0 mada de produsia escravista Co are ae Meso oO PO ae UUM om ae eu Re etme ele eid cotrangulavam o nosso process de desenvolvimento ee SEO mn aCe oa Pe MERU Un ec ucer me Coto oan trite lc ee me COC en meme Oi Moe el tc arg eee oe ire et ea eee eke ec + Comunicaydes * Direito * Economia = Educagio Oe rene) ee eet Mem Tat ae Kut) SRR Seem Oey Se ea ULL mand BRASILEIRO @ ip2aoe efi SRE naa oc 34 CLOVIS MOURA SOCIOLOGIA DO NEGRO Diego Banjomin Abdela Junior Samnira Youssef Campede i Proparagii do texto Ivany Picasso Battata Srordenagie de composiobe jon ey ‘elds Hiromi Toyota Cape soy Lao ISBN €5 08 079337 088 ‘Todos 04 dhaltes reservados Editora Auica 8. Tal. (PAB) 378 End. — Rua Barto de iguane, 110 2 — Calin Postal OHA pr8lico "Baminre” —~ S80 Paulo Sumario Introdugao i! Parte Teorias & procura de uma pratica Os estudos sobre 0 negro como refiexo da estru- tura da sociedade brasitelra " 1, Pensarmento social subordinado eee | 2.0 racism ¢ a ideologia do sutoritarisma ——————— 0 3. Repetese na fieratura a jmagen: exereotipada do pensamiento xc — — 8 4. 0 dilema @ as aliernatives = » Notas ¢ refertncias bibliograficas ——— ET IL.Sincretismo, assimilacao, acomodagao, acultu- tagdo @ uta de classes 1, Amuopologia ¢ neoeolonialigma ‘Do “primidivismo fetichista” 3 Assimlloglo para acaber com a caltura colomizada 4 4 Acateuragdo wbstita a tuts de Notas ¢ refertncas Wblogréficas Il. Miscigenagdo e democracia racial: mito @ reall- dade —— Negseo da idendade Genie 2. Btnolopizacdo da histéria ¢ eicamoteagio da veaidade social — 5 Estrategia do imobilismo toda) 4.0 Brasil teria de ser branco ¢ capitatisca ‘5. Eniiega de mercadoria que nfo podia ser devolvida, 5. Das Ordenapdes da Reino & atualidade: 0 negro discrininads 9S Notas e referéncias bibliogrifieas AO IV. © negro como grupo eepeciica au dlferenciado em uma socledade de capitalismo dependente ___ 109 1.0 negro coma cobaia vociolégiea __ 109, 2. Grupos especificns ¢ diferenciados_ 116 | 3, Grupos especificas versus socied ade global | Um simboto Iibertieio: Exu 5. Fatores de resistencia 8. Um exemplo de degradagio Notaa e referdncias Bibliograficas 2? Parte A dinamica negra ¢ 0 racismo branco 1. Sociologia da Repdblica de Paimares __ 159 1. Preferiram ‘a lberslade enive as feras que a sudelple entre os j Nagel Cibicts Ate Cae oes —— 18 i | A oie aaiaine camera ae Tonto yet” bites 4. Erolnglo dh economia palmar 8 2etes fh eo iene ee ey, ite toe ——— “Mifay + alainarthe © eps a Rp, th ot 8. Palmares: uma nagdo em formasio? ____ 181 an Rese eertryca-an — it I. O negro visto contra 9 espelho de dois analistas 187 | ‘are coat earpur uaa ea 1, Um luxe permanente de ettudos sobre 0 negro —_____ 187 © negro consiruis: wm pals para os brancos, 2S coon sane es ert cote ae House Nasco 43. Da visio apetronada & rigiéez cemificista 195 Notas o referdncina bibliogrifisas ae ee Il. A imprensa negra em S40 Paulo__204 1. Rages a exists de un tmprenss negra 208 2. Uma trajetria de herofin 206 3. Do negro bemcomportado & descoberta da “Face” _ He 4, Do lsolamento ico & paricipagio poliiea__. 213 Notas ¢ referéncias biblioaraficas ———— — Tim WV. Da insurgéncia negra ao escravismo tardio _ 218 1. Modernizagto sem mudanga ___ 218 | 2 Rasgosfundamencais do excrevisme braslvo pleno (1550/1850) 220 & Significado social da insurgéncia negro-escrava —__ 222 onperidade, excraviddo e tebeldige 226 LOdequisectmia ay 6.0 despaste politieg 200 | 7A sindrome do medo «2 | 8. Rasgos fundamentals do escravismo tardko (1851/1888) 236, 9. Encontea do esteavismna tardio com a capital monopotisia._ 239 10, Operdrios ¢ escravos em lutas paralelas u45 Novas ¢ yeferdncins bibliogréfieas 28 Introducdo Este tiveo & a sintese de mais de vinte anos de pesquisas, cursos, palestras, congressos, simpétios, observacko ¢ andlise da situacio & perspectivas do problema do negro no Brasil, 0s seus diversos niveis, as pasicdes dos grupos ou segmentos que eompdem a comunidade negra, a ideologia branca das classes dominantes ¢ de muitas cama- das da nossa sociedade. Fa2 parte, também, do nosso contato & par- ticipagao permanente na solugio do problems racial ¢ social brasileeo, Procura dar resposta a essa problematica em dols nivels. © primeiro 80 tebrico. Nele apresentamos diversas propostas de critica epistemoldgica A maicria dos trabalhos de cientistas socisis tradicionais sobre a si- tuagiio do negro em nossa sociedade, Procuramos reanalisar algumas FormulagSes conceituais j4 muito difundidas na érea académiea, sem- Dre, ou quase sempre, repetidoras de cosreates tedricas que nos vem de fora ¢ quase nunca correspondem aquilo que seria uma citncia ca- paz de enfrentar — como ferramenta da pritica social — esses pro- blemas sempre escamoteados mo seu nivel de competi¢io ¢ conflite social ¢ racial. © segundo nivel de abordagem procura, através do método histdrico-dialdtico, analisar alguns aspectas especificos do problema abordado, objetivands dar uma visio diacBniee e dindmica de mes- 1_nseenuods mo até 0 cruramento das Iutas dos cécraves com as da classe operdria ‘taquela fase que chanamos de eseravismo tardio. Tomuando como ponto de partida a Republica de Palmares ¢ fa ‘endo aandlise de trabalho sobre ascravidio, abordamos, também, a imprensa negra de Stio Paulo, apés a Abotivao e cheyamios, con- forme jd dissemas, no conceito de escravismo tarddio no tltime capie tulo que trax subsidios para se encender no apenas 0 period do trabalho escravo, mat, também, como 6 negro s¢ organizou poste. riormente, inclusive nos seus grupos especfficos, Abre perspectivas, também, para que se possa entender alguns traumatismos da atual Sociedade brasileira ‘O negro urbano brasileiro, especialmente do Sudeste © Sul do Brasil tem urna trajetbria que bem demonstra os mecanismos de bat- ragem émica que foran estabelecidos historicamente contra ele na so- cledade branca. Nele estilo reproduridas as estraréglas de seleso eitabelecidés para oper-se a qué ele tivesse acesso & patamates privi- Iegiados ou compensadores soclalmente, para que as camadas bran- cas (Sinica ¢/ow socialmente brancas) mantivessem no pasado & mantenham no presente @ direito de ocup4-los. Bloqueios estraitgi- 0s que comegam to prbpric grupo familia, pastam pela educaglo primdria, aesoola de peau médio até universidade; passam pela ros- trigho ne mercado de trabalho, na selegio de empregos, no nivel de saldrios em cada profissfo, na discriminag#o velada (ou manifesta) fem certes esparor profissionais; passam também nos coniaies entre ‘x08 oposios, nas barreiras acs casamentos interéinicos ¢ também pelas restrigdes anihiplas durante todos os dias, meses ¢ anos que re~ presentam a vida de um negro. E, como dissemos, ums trajetdriasignificativa neste sentido por- ‘ave reproduz de forma dindmica ¢ transparente os diversos niveis de preconceito sem mediagbes kleoldgicas pré-montadas como a da de- ‘mocracia racial; demonstra, por outro tado, como a comunidade ne- grt ¢ ndo-branca de um modo geral tem diticuldades em afirmar-se no et cotidiano como sendo composta de cidados e nfl como apre- sentada através de esteredtipos: como seymentos atipicos. ex6ticos, fiihos de uma raga inferior, atavieamente eriminosos, preguirasos, oeiosos ¢ trapaceiras. Em Sko Paulo, com a dindmics de uma socisdude que desen. volven ai¢ as tikimas conseqittncias os padrdes ¢ normas do capita- lismo dependence, tendo a competiglo selvagem somo ventro de sua dindmica, podemes ver como, no mercado de trabatho, cfe sempre, : venopueko segundo expressiio de um sindicalista neyro durante 0 1 Encontro Bs. ‘adual de Sindicalistas Negros, realizado em $80 Paulo, em 1986, ““é 0 Hitimo a ser admitide e © primeiro a ser demitido’’, Este quadro ‘iscriminatério, eujos decalhes serdo apresentados no presente lito, restringe basicamente o comportamento do negro urbana, quando ele ndo aeupa o-espago universitario ou pequenos espaces burveriiticas ‘A grande massi negra que atualmente ocupa as favelas, invasdes, cor- tigas, calgadas a noite, dreas de mendicineia, pardieiros, prédios aban- donados, albergues, apraveitadores de restos de comida, ¢ por exten- soos marginais, delinglentes, ladres contra o patriménio, baixas prostitutas, lumpens, desempregados, horistas de empresas multina- lonsis, eatadores de Iixo, lixelras, domésticas, Faxinelras, margari das, devempregadas, alsodlatras, assaltantes, portadores das neuroses das grandes cidades, malandtos ¢ desinteressados no trabalho, encontra-se em estado de semi-anomia. Essa grande masta negra — repetimos —, sstematicamente bar- ‘aula socialmente, airavés de insimeros meosanismos ¢ subterfgios €3- tratégivos, colocada como 0 resealdo de uma sociedade que ja tem grandes franjas marginalizadas em conseaiitneis da sua extrutura de capitatisme dependente, ¢ rejeltada ¢ estigmatizada, inclusive por al- guns grupos da classe média negra que ndo entram em sontato com cla, niio Ihe transmitem identidade ¢ consciéncia ¢tnicas, finalmente ado a accitam como o eentro nevralgico do dilema racial no Brasil ¢, com isto, reproduzem uma ideologia que justifica vé-la como peri- fitica, como @ negativo do préprio problema do negro. ‘A sociologia do negro é, por estas razGes, mesmo quando escri- {a por alguns autores negros, uma sosiologia branca. E quando es ‘revemos branca nie queremos dizer que © autor € negro, branco, muito, mas queremos expressar que hd subjacente um conjunto con: ceitual Branco que ¢ aplicado sobre a realidade do negro brasileiro, come s¢ ele fosse apenas objeto de estudo ¢ ndo sujeito dinimico de uum problema dos mais importantes para o reajustamento estrutural da sociedade brasileira. Como podemos ver, 0 pensamento social bra- sileiro, 8 nossa literatura, finalmente 0 nosso e7hos cultural em quase todos os seus niveis, est impregnado dessa visdo alienada, muites veres paternalista, oulras vezes pretensamente imparcial, O proprio negro da classe médin introjetou esses valores de tal forma que, em um simpésic sobre o problema racial, ouvimmos de um socidloge me- gro a afirmagdo de que cles deviam preparar-se para dirigirem a5 mul- tinacionais que operam no Brasil. ““Por que no?" dizia ele, sem _tuso0uc%0 ber, ou possivelmonte sabendo, que a General Motors sé contrata rabalhadores negroscome horistas, sem nenihuma garantia, sem pos- sibilidades de fazer carreira, isto &, so escolhides para desempe- tnharem aqueles trabethos sempre considerados su/os, dndignos hue middantes. Eats falta de perspestiva que impede ver-s¢ a ponte entre 0 pro- blems do negro ¢ 05 sstruurais da sociedade brasileiza, ito &, supor- se que 0 negro, através da cultura, poderd dfrigir unsa maultinacional, bem demonstra o nivel de alienagio sociol6gica no raciocinio de quern exp8e.o problema desta forma, O problema do negro tem especifici- dades, particularidades e usa nivel de problensdtica muito mais pro- fundo do qué 6 do trabathadar braneo. Mas, por outro Indo, esta 4 ele ligndo porque ndo se poders resalver o problema do negro, a sua discriminacto, o preconeeito contra el, finalmente.o racismo bra- sileiro, sem atentarmos que esse racismo nilo ¢ epifenoménice, mas tem causas econdmicas, sociais, histérieas ¢ ideolgiens que alimen- tam oseu dinamismo atval. Umi negro diretor de uma multinacional ésociologicamente um branco. Tera de conservar a discriminag0-corie {ra oncgro na divisio de trabalho inverno da empresa, terd de execu tar suas normas racistas, e, com isto, deixar de pensar como negro cexplorado e discriminado ¢ rcprostuzis no seu comportamneato empre- ial aquilo que um executive branco também faria. ‘A anticolagdo do problema nico com o sociale poiitico-€ que alguns grupos negros nto estfo entendendo, ow procuram no enten- der para se bencficiarem de cargos burocréticos ¢ espacas aberios pa 14 os membros qualificados de uma inflma classe média branqueada. Guerreiro Ramos teve oportunidade de enfatizar © perigo de se criar uma ‘‘socfologia enfatada”. E tememos que alguns clementos negras a0 coneluirem a universidade, ao invés de se transformarem em ideS- logos des mudaocas soctels que irl solvcionar 0 problema racial no. Brasil, assimilem of valores idealégicos dessa sociotogia ealatada, © _que levied o negro a continuar sendo-cobaia socioldgien daqueles que dominam as ciducias sociais tradicionais: beaneos ou negros. ‘Como se pode ver, no quero que ela, quase toda ela estruturada através de modelos tebricos e postulades metodologicos vindos de fora, abstém-se de estabelecer Ht IUD Wane kG Ce RERLEND a KitmUTLDA on SOCMDADR BULAN uma préxis eapaz dedeterminer parimetros conchusives ¢ nomas de sede para a sotughode problema sacial brasileiro nos seus dhersos niveis ¢ implicagdes Tomando-se cimo precursores Perdigitio Matheiros ¢ Nina Rar ues, podemos ve que 0 primeira absteve-se na sua Hsia da sscravidée de aptese:tar uma solucdo para o problema que estudou, ravés de medidas ndicais, ¢, 0 segundo, embebido c desiumbrado pela cigncia oficial e:ropéia que predominava no seu tempo e vinha para o Brasil, via 0 acgro como biologicamente inferior, transtetin. do para ele as causascla nosso atraso social, Em Nina Rodrigues po- demos ver, jd, essa caracteristien que até hoje perdura nas ciéncias socinis do Brasil: a subservineia do colonizado aos padedes ditoscien- tificos das metrépoks doninadorss A paitir de Nina Rodrigues os estudos africanistas, ov assim ebamados, s¢ desenvolvem sempre suberdinados a métodos gus nllo conseguem (nem pretendem) pensirar na esstncla do problema para fentar resolvé-lo cieitificamente. continuadorde Nina Rodrigues, Artur Ramos, conforme ve: remos em capitulo ssbseqtiente, recorre it psicanilise, inicialmente, eno método histdrico-cultural americano, para penetrar naquilo que elechamava de omunclo do negro brasileira, A visio culturalisa trans- feria para um choque ou harmonia entre culturas as contradigdes so Giais emergentes ou as conciliagdes de classes. Antes de Ramos, Gilberto Freyre antecinava-se na elaboragio de uma interpretagao s0- ‘cial do Brasil através das eategorias cosa-grande ¢ senza, colocando 9 nossa eseravidio eomo composta de senhores bondosos e escraves submissos, empatieamente harménicos, desfazendo, com isto, # pos: aibilidade de se ver 0 perlode no qual perdurou o excravismo enire 1n6s como cheio de contradigdes agudas, sendo.que a primeira ¢ mais importante ¢ que determinava todas as outras era a que existia entre senhores ¢ escravos © mito do bom scahor de Freyre € uma tentativa sistemitica ¢ deliberadamente bom montada ¢ inteligentemente arquitetada para interpretar 25 contradicdes estruturais do eseravismo coms simples epis6dio epilérmico, serm importancia, ¢ que nilo chegaram a desmen- existéncia dessa harmonia entre exploradores ¢ éxplorados du- Fante aquele perfodo, ‘Convém salientar que a geragdo que antecedeu a Freyre nilo pric maya pela elaborago de um pensamento isento de preconceitos con tra 0 negro. PRRSAMrITe SHC1AL SURORMIADA We (O desprezo por ele, mesmo come objeto de citncia, fol domi- nante durante muito tempo entre os nossos pensadores sociai, Silvio Romero constatou 0 fato escrevendo: Multa estianhazs cousaram am vAsion rods nacionata.o haverem 38:0 Histone da iteratura #08 Estudos sobre a poesie popular breaiere ‘tamendo contra o olvda proposital ete nas leas naclonals 28s. pelto do contingents aircane ¢ protestands contra 4 Injustign dal rained. (.) Ningude Jarnals quis eabelo, am obediénola xa prejuize dor, 20m med de, em mostiando simpatia ery qualquet gra par {00 imerso elemento da nossa popunpse,passar por descendentes Ge race eftcana, de passer por mestipo!., Ea vordade nus 6 ‘ais do excravinmo como simples epiaédio sem ieportincia, que nfo cshegaram a desmentir a enisténcia dessa harmonia entre explorado~ res cexplorados. Finelmentc podemos compreender por que toda uma seragllo que sucede a de Freyre psicologiza o problem do negro, sendo ‘que grande parte dels € composts de psiquiatras como René Ribeiro Gongalves Fernancies, Ulisses Pernambucano © proprio Artur Ra- ‘mos. Salve-se, nesse perfodo, a obra de Edison Carneiso, autor que procurou dat uma visd0 dialétiea do problema racial brasileiro, 2. © raciame © & Todos esses trabathos procuravam ver, es: ideologla do tudar ¢ interpretar o negro nfo. como um @utortarisma = ser socialmente situado numa determinada ‘estrutura, isto €, como escravo e/ou exe scravo, mas come simples componente de uma cultura diferente do ethos mcional. Daf vermos tantas pesquisus seren: realizadas sabre © seu mundo religioso em nivel etnogréfico ¢ sobre tudo aquile que implicava diferenca do padrao ocidenial, ido como normativo, «tio poucos estudos sobre a situasto do negro durante a sua trajetéria his- (Orica e social. Minimiza-se por isto, inclusive, o ntimero de eseravos entrados durante o trdfico negreito, fato que vera demousuar come ‘esses estudos, conforme ja dissemos, assessoram, conseiente ou in ‘conscientemente, ¢ municiam a subjacéncia racista de grandes cama- das da populacdo brasifeira, mas, especialmente, 0 seu aparctho de dominagdo. Nao mostram a importéncia social do trifico € no aCe HA WHO LOOIA BO AUTONRARLINE aL Procuram (na sua maioria) demonstrar como a importancia sociold- fica do trdfico ndo se cifra a0 niimero de exeravos importados, mas tna sua relevdncia estrutural o que permite os seus efeitos se eviden- clarem em grapos ¢ instituisies da sociedade ave foram organizados exatamente para impedito, jdque, a partir de 1830, @ fico era ofl- cialmentc considerado ilegal, Neste particular, Robert Edgar Conrad * mostra como toda & méquina do Estado passa 2 servir de mantenedora ¢ protetora deste tipo de comércio, citando a taxa au comissio que os fuizes recebiam (10,804) para liberar as cargas de escravos ilegalmente desembarca- os. Mas, nfo era apenas o poder judiciério 0 conivente com 0 trifi- {20 criminoso; 6 segmento militar participa também ativamente, de raodo especial a Matisha, que tinha papel substantive na repressio fo txifico negreiro. Nele estavans envolvidos os mais significativos fgurdics ¢ personalidades importantes da época: juizes, politicos, litares, padres ¢ outros segmentos ou grupos responsaveis pela Hor. mmaiidade do sistema, Em 1836, por exemplo, um certo capit&o Vasques, comandante da fortalera de $80 Joao, na entrada da bala do Rie de Janeiro, transformou-a em urs depésito de escravos, Politicos apoiavam ¢ co viviam abertamente com os traficantes. Manoel Pinto da Fonseca, um dos mais notdrios conirabandistas de escravos, era companteiro de jogo do ehefe de polfcia e foi elevado u Cavaleiro da Ordem da Rosa Brasileiea, honsa imperial concedida por D. Pedro TL Esta atitude sistematicn de defesa ideoligica ¢ empirica de um trdflco ilegalizado por peessio da Inglaterra e pelas autoridades bra sileiras nfo s¢ dava acidentalmente, porém. Era uma decorréncla da propria essincia daestrutura do Estado brasileiro, Sem se fazer ums andlise socioS6gica ¢ histérico/dialética da seu conteddo nfo pode- mos entender esses padres de comportamento da elite politico” tministrativa da €poca. Por nto fuzerem esse tipo de andlise dialética, certos historiadores académicos chegam a falar em uma “‘democra- cia coroada”" (Joho Camilo de Oliveira Torres) para caracterizar @ reinado de Pedro IJ. No entanio, como toda Estado de uma socieda de excravitta ele era inteframente fechado a tudo aquilo que poderia ser chamado de democracia, Durante toda a existencia do Estado bra- sileiso, no regime escravista, ele se destinava, fundamentalmente, a manter ¢ defender os interesses dos donos de eseraves, Sito quer di- er que © negro que aqui chegava coercitivamente na qualidade de semovente tinha contra si todo o peso da ordenagio juridica e militar 2 _csesrubea scan kono cin Hert ED Da sr DA OCEDADE RRASIETE do sistema, e, com iso, todo © peso da estrutura de dominacto ¢ ope- ratividade do Estade O historiador AntOnio Torres Montenegro elaborou, no part cular, um exquema qoe explica muito bem 0 contesido do tipo de Es tado escravista moniequico/constitucional e quabo seu papel efuncio. Diz ele: Esta (a estruturtdo Estado mondrqulcofescravists) so carseteriza po la igldez 0:pelarnicbilidace. isto se pode evidenciar ema multos ov toe sepectoscons: aescolha de eeitares scendidatos,feltaconforme ‘mere de rend 0 que axstul granda parcola da populagdo, faio que 4 luta abolelonita Roraando lure multes eacravoa) «0 prosesso de naturaiizagto de migrates tera 2 corigr a intarvencae aireta 40 aovernc nee eleydee da Chmare, sempre ee formance malerins parle Imentares comrespon dentes aos gablnstes: s excalha deur sanador vl talllo entre 08 que compuniam a lista tripice, feito pao Pager ‘Moderedor, em lungde de cildios peasouis; aexisténcia, no interior 18 settuura de jedor, db umn nagmrent witalico, 0 Consélhc do Ea ‘do (constituldo ¢© 12 membros} © 0 Sanat (constituldo ce 60 mam. br08) qué, apetr de todis a2 crises, permenecla ne poder « #4 ‘Sonatitulam na base politica do Poder Modoradr.* Esse tipo de esrutura de Estado (desptieo na sua esséncia) ak tamente centralizade ¢ tendo como espinha darsal ¢ suporte perma: ‘neste dois segmentos vitalicios (0 Conscibo de Estado ¢ © Senado) foi montado priorltarlamente para repsimir a luta, entre 05 essravos € aclasse tenhorial. Ndo foi por aeaso, por isto mesmo, que o Brasil fosse 0 Ultimo pals do miindo a abolir a escravidko. (O-que caracteriza fundamentalmente esse periodo da nossa his- X6ria Social 4 a luta do eseravo contra esse aparetho de Estado, E é, por um indo, exalamente este eixo contraditério e decisério parm a udanga social que é subestimado pela maioria dos gocidlogos ¢ his- loriadores da Brasil, os quais se comprazens em descrever detalhes, em pesquisar minudéncias, exotismos, encontrar analogias, fugindo, esta forma, & tentativa de se analisar de maneira absaagente ¢ cin tifiea as caractertsticas, 08 graus de importincia social, econdmica, cultural e pottica dessas lutas. Toda uma literstura de acomodacao sobrepde-se aos poueos clentistas soviais que abordam essa dicoto- mia basica, restituinde, cam isto, ao negro escravo a sua posture de agente social dinkinico, no por haver criado a riqueza contumt, mas, ccxatamente pelo contrario: por haver criado mecanisenos de resistén- cia e negacto ao tipo de sociedade na qual o criador dessa slqueza +a slienado de tado @ produto elaborado. “nse P 4 HCOLOOLK DO ALTONITARISNO 33 Em vista disto a imagem do negro tink de ser descartada da sua dimensio humana. De um lado havia necessidade de mecanismos poderosos de repressio para que ele permanecesse naqueles espagos sociais permitidos e, de outro, a sua dinémica de rebeldia que a iso se opunhs, Dal anccessidads de ser ele colocade como irracional, as mas mtirudes de rebeldia. como patologia social e mesmo bioldgica ‘0 aparelho ideoldgice de dominagdo da socledade eseravista ge- rou um pensameato racista que perchira até hoje. Como a estrutira da sociedade brasileira, na passagem do trabalho escravo para o livre, permaneceu basicamente a mesma, os mecanismos de dominagdo in: elusive ideoldgicos foram mantidos ¢ aperfeicoados, Dal o auroritaris- mmo que caracteriza 0 pensamento de quantos ou pelo menos grande parte das pensadores socials que abordam 0 problema do negro, aps 8 Aboticio. Vejase, por exemplo, Oliveira Vianna. Para ele o autor tarismo estava na razio direta da inferioridade do negro. Por isto de fende uma organizagao oligérquica para a sociedade brasileira, Diz Petas condigtes dentio das. quale ae procassou anoass focmagbo po {Wi estamos condenades As olgarquiss:e, ebarvanta, as ofgarqulat. exetem. Pode parece’ pacacoxal mas eume democracia como a not a, eins tim aio 9 nossa salvage, O nosso grande problema. como Molsse athures, no # acabar com as oligarqulas:¢ tranatorméiaa — Fazendo-0s paasarem 63 ava alual condo do olkaeraubns bronces para ‘uma nova condigto de oligarquias eaclarecidas. Estas cligarquias 08 ‘larecidas tenam. ent, realmente, a eipresséo da nica forma dade ‘moecacie posalvel no Brasi* Mas, segundo Oliveira Vianna, essas oligarquias, pars ascende. rem de Broncas esclurecidas teriam de se arianizar. Porque ainda para ele 8 nossa cllizagtio d obra exclusiva do homem brance. © nogro #9 Ir» ‘la, aurante o tengo proces 0-a noses formagao social, nfo dn, co- fe #6 vb, ds clagson superiores 6 dirigentes que realizam a obra do Civtizagto @ construgio, nenhumn elemento de valar, Um # outro for am uma massa peteive& improgiaesiva, sobra quatrabalhe, nem sem pre com Oxito fell, @ a980 modatadcra da rwca trance. ” ‘Toda a obra de Oliveira Vianna val nesse diapasio, Continua. 1a ideologiz do Poder Moderador de D. Pedro Il ¢ procura ordenar a nossa sociedade através da “‘selegio racial”. No € por acaso que ‘9 mesmo autor chega a elogiar as teorias racistas ¢ fascistas no plano politico, Esse autoritarismo de Oliveira Vianna é uma constante no pensamento social e ha um cruzamiento sistemstico entre essa visio antoritarista do mundo ¢ 0 racismo. 98 10006 soar o nemLG COMO KEFTING DA ESTRUTUR DA YOCiRONDE HASSLE Através de vices menos agrestivos, podemos ver que a defe- sa das cligarquias po peste de Gliveisa Vianna poderd fundirese & ddelesa dos senhores patriarcais de Gilberto Freyre. Em um dos seus livros, Preyre cscreve dofendendo, da mesma forma que Oliveira Vian- ma, a necestidade de seonbecermos realisticamente a fungi positi- va das oligarquias: No Brasil aa séeub passado, o8 publicistas « pollicos de tendénclan relermadoras, deftnsores mais de iotias e deis vagarmenteiberas ‘Que de reformas orrrospondentes A necessidades 0 hs condigces do 88a, pare eles dexconhecido, sempre excreveram @ falaram sobre oa problemas necieniis com um simplisrsinlanll. Para alguns dels 0 (Grande mel do Bra estava indistintamente nos grandes senheres: nos vagia9 dominiga; na supremacia do Corto nimero de tanniian. € pace Fetelver seas situseso beslava que ge faeesem lots eral. Apenas ito: leis Ibaraie(}. Os sannores de ongenho nBo constitulam um: ‘tents lagisiatve:t nha de descobrai-se em oxecutho.Oal ox "rei", vals" & aniig, dnkevindo na atiicade dos moradores.e escrewos, ‘que alguns doles pareceram a Totlenare. 0 wiajante france viv senho 96 Niscalzando Wabalhos: apradande a rlugsiba pret alunds Hap do& negras ano«mes, certos do prestigfo da vor @ do gesto,* As oligarquias de Olivelra Vianna tém muita semeinanga com os senhores de engenho idealizados por Gilberto Freyre, pois so as Formas diversificadas de um mesmo fenémeno. Ambos criaram € man= tiveram os suportes justificatdrios de uma sociedaée de privilegiados, xno Império ou na Republica. Entre os dois pensamentos hi uma cous- tanto: 4 inferiorizagio social ¢ racial do negro, segmentos mestigos ¢ Indios a exalcapo cultural ¢ racial dos dominadores brancos. Esta ligagdio entee racismo e autoritarisine € unia comstante no Pensamento sociat ¢ politico brasileiro, Outre socidlogo, Azevedo Amaral, um dos idedloges do Estado Nove, escreve: ‘A cniraca de corres Imioraorian de oigem europsia roeimenta ume das queetbes de malor imporncis na tase de evolucta qua staves somes @ nao na exagers stiemanse qua do némero de imipranies a ‘a branca que assimiiarmos. Nos prGimos dectinlos depend I ‘ante 9 fvture da naclonatidade(..) Uma andlisn ratrospnctiva do de- senvoivimente da economiabres|sira desde o time quartet do stculo XIK poem svidéncia um fato que alias nada tom de surpreenionie po ‘ave noe apenas reproduita em malores proporgdes wnda, 0 que |& ccae- ‘era een fags anteriores da evolvggo nacional, As resices para onde aftiramos contingantes. oe inegranites europeus receBeram vm Impulse roprous ta que a distanciou de tal modo dan toaas deslavorscidas de inlgragao que ealre as osimelras ¢ as Gitimas ee formaram aitaran- ‘gate nivel ecantmico © soclal, culga efeitos justiticam apreens CSD Ws LIFYRATINA A HIAOEEY ESTURKOTIPADA 09 PHIKAMENTE SOCIAL 38 6, Enguanto nas provinclas qué nBo receblam imigrantes ‘obparvava marcha lenin de Gosanvolvimento eoanemica sola), quande ago poattva estagnaggo do movimento progressive, a3 regides afortunadas a que lam ter em caudal continuas lavas de tra- ‘Sanadores outopeus Toram cameo os supreanantenWansomagc ‘ecandmices de que temas os exeriples maisimportantee em Sto Pe foe no Ric Grange do Su, Alls, ecenteceu ante nds o mesmo que 0" toda a parte onde ax nag roves surgeme prosperam com a eso beraqde 26 elomontos colontendares vindos 68 palane male adin {dou nabitacos por poves de racaa antropologloamerte superiores.t.) {© problema dire brasil ro ~ chavs do todo destino da nacionaidar de reouine-se 4 doteroinage Ga qual vied & ber 0 lator tiple ‘riseigens¢ae que 84040 opera queeaterk impor a aecendéncte {esutad definitive do eabseamanto, € claro que scrnente se tomar osaive! aasogurara-iérladinlca doa elamentosrepreceriailvor one faeas ¢ dn cultura da Europa se felorgaernos polo xo Conlin ue 380 Vor contingentes branes. Or obaticutos opcatot i imigrs¢to de or {Gem europbia ‘constitvem portanio ticuioades celiberadamente ‘rindas ao roforgamento dea valores éiniovs uperlores de culo prado ‘rinio final no ealsoamento deoendéen ae fvluras formas actraturals {Ea chilaagdo brasliots © as manttesiagdes do sau cetorin smo eco: nomic, goto, social eculura.{.) A noasa ainla eta longe de pe- {iodo tinal de crstalizagio. como acima ponderamos, oo mais altos Interesses saclonals impécm que 8¢ Taga entrar no pals omator nume- re-poctive! de elomantoe sinicos superores, a fim de que no epflaga ‘do ‘cakéeamento possamos alingk um Uo tecal Gapex de arcer om raponsabiondee de ume grande slivegte,* Isto era escrito logo depois da implantation do Estado Novo, ‘em livro elaborado para defendé-lo ¢ justificar 0 seu autoritarismo. ‘Como vemos hi um condlnuum neste pensanento social da inteti- sedacia brasileirn: 0 pols sera tanto mais elvlizado quanto mais bran queado. Esta subordinagio ieoldgica desses pensadorcs socials demonstra como as elites brasileiras que claboram este pensamento encontram-se parcial ou totalmente alienadas por haverem assimilade ‘edesenvolvido a ideologia do colonialismo. A este pensamento seguemmse medidas administrativas, poiticas © mesmo repressivas para estancer © luxe demografico negro ¢ estimular 4 entrada de brancos “‘civilizados"’. 3, Repete-se na literatura Este aspecto alienante que se a imagom estercotipada —encontrana literatura antropo- do pansamento social logica, histdrica esocioligica, © {que tam suas raizes socinis na estrutura despética e racista do apare-

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