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O SUBMUNDO DO DIREITO PROCESSUAL: A DISCRIMINAÇÃO DA

MULHER NA ÁREA DO DIREITO PROCESSUAL

Giovanna Gaute Cavalcante Bretas


Letícia Vasconcellos Moreira

RESUMO: O presente trabalho visa, por meio de métodos ontológicos, a análise da


mulher dentro do direito processual. Sendo assim, apresentaremos as conquistas realizadas
por esse gênero e demonstraremos que, por mais que a igualdade entre o gênero feminino
e masculino tenha alcançado patamares nunca vistos antes pela sociedade ocidental, ainda
é possível analisar inúmeros preceitos e preconceitos que fazem com que a mulher seja
inferiorizada. Desse modo, o estudo visa contribuir para a formação de indignações e,
como Judith Butler acredita, para formação de alianças. Isso é o que impulsionaria a luta
pela igualdade material entre os gêneros, não apenas a formal, fazendo com que a mulher,
efetivamente, conquiste o seu espaço social tornando-o público.

PALAVRAS-CHAVE: mulheres; direito processual; direitos constitucionais; direitos


internacionais; subdivisão do trabalho

ABSTRACT: The present work objective, through ontological methods, for analysis of
women within the procedural process. Thus, we present as conquerors executed by this
genre and demonstrate that, because female and male individuals have reached levels
never seen before by Western society, it is still possible to analyze precepts and prejudices
that make a woman “inferior” to men. It gave way, to an analogical view, to contribute to
the form of indignation and, as Judith Butler believes, to the formation of alliances. This is
or would lead to a struggle for gender equality and not just a formal one, to effectively
make a woman conquer her social space or to return an audience.

KEYWORDS: women; procedural law; constitutional rights; international rights; work


subdivision.
INTRODUÇÃO
A obra do sociólogo Pierre Bourdieu chamada “A dominação musculina”, publicada
em 1998, elenca conceitos elementares para a compreensão do machismo que perpetua na
sociedade. O autor tenta investigar a dimensão simbólica da dominação masculina. Simbólica,
pois, está relacionada com as estruturas mais profundas do pensamento. Tais estruturas, que
permanecem por muito tempo sedimentadas e inquestionadas, fazem com que possamos
compreender a origem dessa dominação.
Ao tratar da dimensão simbólica da dominação masculina, Bourdieu explica que
ocorre uma violência simbólica, essa violência seria mais suave, no sentido de passar muitas
vezes imperceptível porque ela está dentro das categorias de entendimento, ou seja, dentro da
forma “lógica” na qual percebemos o mundo e que acaba por legitimar as práticas.
Nesse sentido, é necessário analisar o modo como as práticas androcêntricas são
legitimadas em vários setores da vida cotidiana, principalmente no mercado de trabalho, em
que infelizmente as mulheres são submetidas a discriminações explícitas e implícitas que
fazem com que o princípio da igualdade, postulado pela Constituição de 1988, seja deixado de
“escanteio”.
No entanto, as Constituições e Códigos Processuais anteriores materializaram diversas
formas de subjugação da mulher, de forma que foram necessárias manifestações e intensa
persistência para que houvesse modificações normativas que tirassem a mulher do campo da
invisibilidade. Sendo assim, esse estudo foca na invisibilidade da mulher no campo do direito
processual civil, em que há a perpetuação de diversos estereótipos sociais da figura feminina
que influenciam o processo decisório e compromete a imparcialidade da decisão judicial, o
que infringe princípios basilares do processo como o princípio da imparcialidade do juiz, do
contraditório e o do devido processo legal, gerando uma violência institucional contra as
mesmas. O estudo também foca nas situações em que pelo simples fato de ser mulher, as
desembargadoras, advogadas e ministras, por exemplo, sofrem preconceitos embasados em
violência moral e psicológica. Assim como, por levarem consigo uma “carga mental”
composta por tarefas “invisíveis” – ou seja, não reconhecidas - de organização, planejamento
e tomada de decisões, faz com que as mulheres sintam o peso do estresse e cansaço no
exercício do seu trabalho, o que leva a concepção errônea de que produzem menos.
1. Contexto histórico 

Ao longo da história mundial ocidental, a mulher e as atividades contempladas por ela


sempre foram subjugadas a dominação masculina. Assim, filósofos como Platão afirmavam
que “homens covardes que foram injustos durante a vida serão provavelmente transformados
em mulheres quando reencarnarem”; Tomás de Aquino complementa que a mulher deve viver
sobre a tutela do homem e Honorè de Balzac defendia que era mais atraente uma mulher de
barba do que uma mulher sábia. Com essa discriminação iminente até mesmo nos
pensamentos dos filósofos, esse grupo seleto de pessoas passou por inúmeras injustiças, a
exemplo serem comparadas a escravos e a estrangeiros na democracia ateniense, não
possuindo com isso, voz e poder de manifestação no que se dizia o “berço” da civilização.
Assim como foram perseguidas pela Igreja Católica na Idade Média por saberem um pouco
além do que uma mulher “ideal” deveria saber e foram, cruelmente, assassinadas no tempo da
inquisição. 

            No Brasil, durante o século XIX ainda se utilizava as Ordenações Filipinas no direito.
Essa Lei era fundamentada em uma visão patriarcal da Idade Média, a qual estabelecia as
relações de propriedade e do papel de submissão da mulher ao homem, reforçando a
incapacidade feminina e, com isso, a desigualdade de gênero. Assim, quando a mulher não
seguia esse “direito” de obediência, o marido poderia aplicar castigos e até mesmo matá-la. Já
no âmbito civil, a mulher não poderia exercer seus direitos se não fosse permitida pelo marido
a fazê-lo. Assim, apesar de o texto constitucional de 1824 dispor que a lei seria igual para
todos, a mulher não estava enquadrada, uma vez que só eram considerados cidadãos homens
maiores de 25 anos e que possuíssem renda de 100 mil-réis, ou seja, o que gerou a exclusão
de mulheres, crianças e pobres (estrangeiros e negros).  
            Com isso, aos poucos as mulheres começaram a tomar certo espaço social com
pequenas lutas. Como em 1879, em que alcançaram o direito de cursar ensino superior,
mesmo com o preconceito social, em 1850 em que puderam começar a trabalhar como
comerciantes, sendo um passo para a autonomia financeira e em 1890 quando foi
promulgado no Brasil o Decreto 181 que retirou o direito dos homens sobre o corpo das
mulheres, ou seja, os homens não poderiam impor mais castigos corporais às esposas e aos
filhos. 
            A primeira Constituição da República brasileira de 1891 reconhece todos perante a lei,
excluindo como cidadãos votantes os mendigos, os analfabetos (sociedade pobre e mulheres),
os religiosos e os inelegíveis. Dessa forma, a perspectiva da minoria feminina esperava que
enfim poderia deter seu direito como cidadã, todavia a jurisprudência da época decidiu que
por conta do vocábulo “cidadão” só estariam inclusos homens. Com essa nova Constituição
brasileira, veio a necessidade de formulação de um Código Civil. Assim, em 1916 é
instaurado o Código Civil que manteve os princípios conservadores das Ordenações
Filipinas. 
            Nesse código a mulher era tida como relativamente incapaz e seu domicílio é o do
marido. O homem permaneceu como chefe da sociedade conjugal e com o pátrio poder. Havia
ainda, o poder de desquite caso a mulher não fosse mais virgem. Para além, toda a atividade
feminina fora do domicílio deveria ser previamente autorizada pelo marido. Em 1932 houve
uma espécie de estabelecimento de licença à maternidade para as trabalhadoras, como
também foi proibido o trabalho noturno em condições insalubres, perigosas e penosas para a
mulher. Nesse mesmo ano houve a promulgação do Código Eleitoral que reconheceu,
finalmente, o direito ao voto pela mulher capaz, livre e maior de 21, todavia, tinha
necessidade de deter economia própria. 
  Em vista disso, na Constituição de 1934 da Era Vargas, o legislador finalmente
reconheceu a mulher como cidadã, e não fez desse modo, nenhum tipo de distinção quanto ao
gênero, nascimento, sexo, raça, profissões ou do país, classe social, riqueza, crenças religiosas
ou ideias políticas. Foi a primeira vez que se preocupou devidamente com o Princípio da
Isonomia. Concedeu o direito ao voto aos maiores de 18 anos e proibiu a diferença de salário
para o mesmo trabalho devido à nacionalidade, estado civil, sexo ou idade. Ademais, em 1936
foi eleita a primeira deputada do Brasil, Carlota Pereira de Queirós. 
Em 1962 entra em vigor o Estatuto da Mulher Casada, que enfim reconhece a plena
capacidade da mulher, elevando-a a colaboradora da sociedade conjugal, como também
determina que a guarda dos filhos menores fosse da mãe, dispensa a autorização do marido
para o trabalho e separa os bens conquistados por elas, dos bens do marido. E, além dos
outros direitos conquistados no decurso, em 1977 houve a instauração da Lei do Divórcio, que
possibilitou à mulher a escolha de colocar o sobrenome do marido ou não; direito recíproco de
pensão alimentícia e o privilégio da mulher na guarda dos filhos, modificando o regime de
bens, que no silêncio, passa a ser parcial de bens. 
Apesar de inúmeros direitos aqui já listados, muitas mulheres brasileiras já os
exerciam. Como o direito ao trabalho que já era exercido pelas mulheres negras em nossa
sociedade devido à falta de rentabilidade das famílias negras na época em que foram
simplesmente soltas em um contexto de despreparo da sociedade, tendo elas
que se submeterem a trabalhos precarizados que a sociedade branca e dominante não queria
exercer. Aqui entra a ideia de “alianças” de Judith Butler, que defende que todos os grupos
discriminados na sociedade devem se juntar de forma a reivindicar seus direitos, e que quando
um direito de uma pessoa está sendo ferido, o direito de todos está sendo ferido.
Consequentemente, as mulheres negras se juntaram às brancas para conquistarem seus
direitos, ao mesmo tempo em que já exerciam atividades que as brancas não poderiam
exercer. Sendo assim, deve-se analisar o ponto de partida o qual estamos saindo, ou seja, a
história sempre é contada por homens brancos e dominantes sobre o pretexto de que são bons
e entendedores. Todavia, toda conquista traz uma luta por trás, e cabe a sociedade dar ouvido
a essas vozes que são sempre silenciadas. Para além das ideias de Butler, temos a ideia Helena
Hirata, que afirma que os trabalhos exercidos pelas mulheres são aqueles que os homens não
desejam desempenhar, criando o estereótipo dos tipos empregatícios de cada gênero. 
Com isso, tem-se que os direitos femininos formam uma longa trajetória ao longo da
história brasileira, que sempre foi muito conservadora. Todavia, ao longo do texto há de se
demonstrar que apesar da ideia de liberdade já ter sido alcançada em constituições anteriores e
na presente Constituição, permanecem traços da sociedade misógina e desigual que perpetua
as estruturas discriminatórias ao longo das gerações.

1.1. Da Constituição Atual 

A Constituição de 88 positivou os direitos iguais entre os homens e as mulheres como


preceito fundamental, assim inúmeras leis infraconstitucionais mudaram para incrementar a
proteção dos direitos da mulher. Dessa forma, com o Código Civil de 2002, as mulheres se
tornaram plenamente habilitadas a praticar os atos da vida civil. Outro ganho com a
promulgação desse código é que ele não traz a prerrogativa de que a mulher teria que ser
maternal e sendo assim, não poderia haver a separação do menor da mulher, pelo contrário, o
código traz consigo a ideia de que ambos os “pais” são responsáveis igualmente pela criação e
proteção dos seus filhos, ou seja, agora é “poder familiar”. Além disso, a mulher e
o homem podem trocar os seus sobrenomes no casamento e o planejamento é feito por
ambos. 
Outro ganho foi em 2006, com a materialidade da Lei Maria da Penha, que visa
proteger as mulheres de forma a garantir seus direitos constitucionais e civis. Criando, em
conjunto com essa lei, Juizados Especializados de Violência Doméstica Familiar contra a
Mulher com competência civil e criminal. 

       1.2. Dos Códigos Processuais Civis anteriores 

Muitas discriminações foram materializadas nos Códigos Processuais Civis (CPC’s)


anteriores. No art. 82 do CPC de 1939 têm-se que a mulher não poderia comparecer em juízo
sem autorização do marido (salvo exceções como em defesa do mesmo), no mesmo Código, o
art. 469, inciso I, postulava a exclusão da mulher no inventário do cônjuge, se por sua culpa e
ao tempo da morte do cônjuge, não estivesse convivendo com ele. O CPC de 1979, no
contexto da ditadura militar, trazia no art. 1.121, inciso IV, que a petição inicial da ação de
separação consensual deveria conter como requisito a pensão alimentícia “do homem à
mulher, se esta não possuir bens suficientes para se manter”, o que exclui o direito recíproco
de pensão alimentícia - consolidado no art. 731, II do CPC de 2015, o qual entende não ser via
de mão única, mas sim “entre os cônjuges”. 
A Lei Julia de Matos (Lei nº 13.336) inseriu em 2016 alguns dispositivos no Estatuto
da Advocacia (Lei 8.906/94) e no CPC de 2015. Tal Lei postula direitos e garantias para a
advogada que for gestante, lactante, adotante ou que vier a dar à luz e para o advogado que se
tornar pai. Sendo assim, o Estatuto da OAB, no art. 7º-A, I, a e b, prevê prerrogativa a
advogada gestante de não ser submetida a detectores de raio-x ao entrar nos Tribunais, como
também a reserva de vaga nas garagens dos fóruns dos Tribunais. O art. 7º, nos incisos III e
IV, também prevê garantia às gestantes, lactantes e adotantes a preferência na ordem de
sustentação oral e nas audiências a serem realizadas, elementarmente no caso de advogada
adotante ou a que vier a dar à luz, em que é assegurada a suspensão dos prazos processuais
(quando for a única patrona da causa) desde que haja notificação por escrito ao cliente. O
processo também pode sofrer suspensão no caso do advogado (único patrono da causa) vier a
se tornar pai, o qual têm prazo de 8 dias, enquanto a advogada tem prazo de 30 dias. Desse
modo, se observa a discriminação compensatória que é realizada na estipulação dos prazos.
Isso, pois o legislador leva em consideração ao elaborar a norma, todas as injustiças e falhas
cometidas contra a mulher no passado, com o objetivo de reparar tais danos causados. 

2. A influência do Direito Internacional 


É elementar analisar a relevância que os Tratados Internacionais exerceram na busca
pela isonomia de gênero. Sendo assim, têm-se selecionado os mais importantes tratados sobre
o tema. O primeiro, Convenção sobre Eliminação de todas as formas de discriminação contra
a mulher (CEDAW), o qual foi internalizado, no Brasil, pelo Decreto nº 4.377, de 13 de
setembro de 2002, traz contribuição importante na definição do que seria considerada
discriminação, pois define que “qualquer conduta que prejudique ou anule o pleno exercício,
pela mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais será considerada discriminação
contra a mulher”. Ademais, o art. 2º da CEDAW postula que todos os países membros devem
adotar políticas destinadas a combater a discriminação contra a mulher, estabelecer a proteção
jurídica dos direitos da mulher numa base de igualdade com os do homem e garantir, por meio
dos tribunais nacionais competentes e de outras instituições públicas, a proteção efetiva da
mulher contra todo ato de discriminação e abster-se de incorrer em todo ato ou prática de
discriminação contra a mulher e zelar para que as autoridades e instituições públicas
(incluindo o Poder Judiciário, o que indica postura ativa dos órgãos) atuem em conformidade
com esta obrigação.
Ademais, os compromissos assumidos pelo Brasil trazem como consequência para o
processo, que todos os operadores do Direito adotem medidas voltadas a garantir que
eventuais dificuldades surgidas para a prática de determinado ato processual pela mulher, em
todas as fases, sejam extirpadas. Sendo que o §2º do art. 15 da mesma Convenção dispõe que
os Estados partes reconhecerão à mulher, em matérias civis, uma capacidade jurídica idêntica
à do homem e as mesmas oportunidades para o exercício dessa capacidade
Além disso, têm-se a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência contra a Mulher (“Convenção de Belém do Pará”), tal foi concluída em Belém/PA,
no dia 9 de junho de 1994, e internalizada, no Brasil, pelo Decreto nº 1.973, de 1º de agosto
de 1996. No art. 1º do documento entende-se por violência contra a mulher “qualquer ato ou
conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico
à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada”.
Em vista disso, têm-se a exemplo a Súmula 09/2019 da OAB que versa sobre agressão
à mulher, tal súmula defende que se têm como requisito para a inscrição na Ordem dos
Advogados do Brasil, a inidoneidade moral. Sendo assim, a prática de violência contra
mulher demonstra a ausência da inidoneidade para a inscrição de bacharel em Direito nos
quadros da OAB, independente da instância criminal, assegurado ao Conselho Seccional a
análise do caso concreto, o que faz com que a discriminação e violência à mulher seja
certamente analisada e assim, instaurada a sanção cabível a cada caso, incluindo a possível
perda da inscrição na OAB.
Portanto, os Acordos Internacionais fornecem parâmetros interpretativos para lidar
com as circunstâncias concretas que ainda persistem em segregar as mulheres a uma posição
de vulnerabilidade no Processo Civil brasileiro, concretizando a igualdade material ao
condenar qualquer forma de discriminação contra elas, seja física, psicológica, sexual, etc.

3. Da Mulher no Processo Civil Brasileiro atual 

Há um estereótipo de gênero utilizado no sistema judiciário brasileiro (GARROTE,


2018, p. 37), apesar da grande positivação contrária a isso. O estereótipo é uma série de
características, atributos ou papéis que devem ser desempenhados apenas por pessoas de
determinado grupo. Cusack (2014) divide o estereótipo de gênero em quatro categorias: 

a. Estereótipo de sexo – atributos e características físicas, biológicas, emocionais e


cognitivas de homens e mulheres;
b. Estereótipo sexual – características e comportamentos sexuais de homens e mulheres,
reforçando a sexualidade masculina dominante e heterossexual;
c. Estereótipo de papel sexual – papéis que homens e mulheres devem possuir e
quais comportamentos devem ter;
d. Estereótipo composto – pessoas que sofrem com a interseccionalidade; 

Assim, os juízes criam o estereótipo judicial ao aplicar, reforçar e perpetuar tais


estereótipos sociais em seu processo decisório e facilitar a perpetuação dos mesmos por sua
inação ou omissão em desafiá-los. Conclui-se que os estereótipos judiciais comprometem a
imparcialidade da decisão judicial infringindo, desse modo, princípios basilares do processo
como o princípio da imparcialidade do juiz, do contraditório e o do devido processo legal, o
que gera uma violência institucional contra as mulheres.
Nesse sentido, Asperti (2017, p. 99-117) afirma que o sistema de justiça age
reproduzindo práticas sociais e culturais opressoras. Schafran (1985, p. 12-53)  demonstra três
estereótipos na justiça americana: (a) Virgem Maria que é aquela mulher superior e até
mesmo assexual; (b) Eva que é aquela mulher, oposto da Virgem Maria, sendo tudo de mal e
(c) Supermulher que é aquela que trabalha, cuida dos filhos e serviços domésticos e não
precisa da ajuda de ninguém.
Assim, em uma pesquisa realizada por Já Oliveira em 2014, observando 30 acórdãos
do STJ em que a pauta era a aplicação da Lei Maria da Penha, foi observado esses
estereótipos nas decisões. Vale levar em consideração que as determinações para a aplicação
dessa Lei são, por si só, estereotipadas. Ademais, um estudo realizado por Matsuda et al.
(2015), em análise de 34 crimes de homicídios tentados e consumados, vê-se que apresenta as
mesmas visões deturpadas e misóginas da outra pesquisa, classificando as vítimas ou como
Virgem Maria ou como Eva. Com isso, para que haja concretizada a proteção da mulher,
socialmente e judicialmente, é elementar que ela tenha uma moral elevada e possua
características endeusadas, compondo “a mulher de família”.  
Nessa vertente, segundo Muñoz, temos uma igualdade formal plena tanto nos
ordenamentos internos quanto nos ordenamentos externos dos países. Todavia, não há uma
igualdade material plena entre os gêneros, ou seja, as mulheres não abandonaram suas
características para se aproximarem do sexo masculino, havendo, desse modo, uma
desigualdade estrutural. 
O grande fato apontado pela Hill (2019, p. 205) é de que há, de fato, uma diferença
entre homens e mulheres e que devemos partir desse ponto de vista para que haja uma
igualdade efetiva entre ambos os sexos e não, simplesmente o pressuposto de que as mulheres
largariam suas características para se equipararem ao sexo masculino. Desse modo, há
diferenças biológicas, sociais e culturais que devem ser levadas em consideração. Se essa
visão se efetivasse, passaríamos da visão estereotipada ao equilíbrio da situação entre os
gêneros. Ademais, Hill afirma que para alcançar a igualdade material é necessário que as
mulheres, ao se perceberem em situações de desigualdade, tentem reverter essa situação,
iniciando, a princípio, um movimento “a conta-gotas” para depois se tornar mais amplo. 
O grande problema dessa visão é que a mulher que exerce sua profissão na área do
direito encontra-se negligenciada constantemente, tendo que sozinha contornar essas
discriminações para o exercício de sua profissão. Dessa forma, ela carrega o ônus, o dever e a
faculdade de tentar se equipar ao seu concorrente. Visando esses problemas, Flávia Hill
afirma que para que haja uma paridade são necessários três fatores, que em conjunto
possibilitariam a igualdade material entre os homens e as mulheres: 

a. Que os profissionais fiquem atentos às circunstâncias concretas que predisponham a


disparidade entre os gêneros. 
b. Que ao detectada a disparidade, anuncie-se nos autos para que essa disparidade seja
suprimida. 
c. Que haja a ação, ou seja, propositura em contraditório e implementação por todos
envolvidos de medidas concretas a fim de contornar a desigualdade estrutural, mantendo,
desse modo, o princípio de cooperação das partes, levando a flexibilização procedimental
com ações afirmativas. 
Sendo assim, apesar da igualdade formal alcançada pelas mulheres no direito
positivado como um todo há uma reinvenção na divisão do trabalho. Dessa forma, nos
estágios mais subalternos da carreira, encontram-se as mulheres - e a jornada dupla de
trabalho que elas enfrentam faz com que não haja priorização de sua ascensão. Com isso,
segundo Chies (2010, p. 510-511) é normal que essa força de trabalho seja considerada
inferior e “produza menos”. Ela Wiecko Volkmer de Castilho et al. (2019, p. 170) postula que
exemplo disso é a prática corrente, em diferentes espaços, de não escutar o que as mulheres
têm a dizer, quando sua presença é inviabilizada ou quando são interrompidas com
frequência, o que configura práticas eficientes em fazer com que elas se sintam
desconfortáveis e renunciem, por exemplo, à ambição de ascender na carreira. Assim, a
prática de não escutar as mulheres ocorre diariamente no sistema judicial, até mesmo presente
no STF (diálogo transcrito): 
Cármen Lúcia: Ministra Rosa Weber, Vossa Excelência tem a palavra para voto. 
Rosa Weber: Ministro Lewandowski, o ministro Fux é quem tinha me concedido um
aparte. 
Cármen Lúcia: Agora é o momento do voto…
Luiz Fux: Concedo a palavra para o voto integral (risos).
Cármen Lúcia: Como concede a palavra? É a vez dela votar. Ela é quem concede, se
quiser, um aparte. Foi feita agora uma análise, só um parêntese. Foi feita agora uma
pesquisa, já dei ciência à ministra Rosa, em todos os tribunais constitucionais onde há
mulheres, o número de vezes em que as mulheres são aparteadas é 18 vezes maior do
que entre os ministros… E a ministra Sotomayor [da Suprema Corte americana] me
perguntou: “como é lá?”. Lá, em geral, eu e a ministra Rosa, não nos deixam falar,
então nós não somos interrompidas. Mas agora é a vez de a ministra, por direito
constitucional, votar. Tem a palavra, ministra. (SORG, 2017) 

Sendo assim, é comum no dia a dia do trabalho as mulheres passarem por situações
como o “manexplaning”, “manterrupting”, pois, estruturalmente, a voz do homem é “maior” e
carrega consigo mais autoridade do que a voz feminina. Para que haja uma equiparação entre
os gêneros na área do Processo Civil é necessário que haja uma garantia de representatividade
e de que a fala das mulheres não vá serem cortadas simplesmente pela condição de gênero. 
Dentro da área do direito há subdivisões em que a mulher se destaca como em família,
consumidor e trabalho, por exemplo, enquanto a prática processual fica a cargo masculino.
Isso, pois, há a falsa ilusão de que a mulher tem mais domínio nessas áreas. Visto isso, (CNJ,
2014) o número de magistradas em primeira instância é de 36%, enquanto 64% eram
ocupados por homens; nos tribunais elas ocupam 21,5% dos desembargadores; nos tribunais
superiores ocupam 18,4%. 
Desse modo, segundo o jornal PÚBLICO, recentemente em Portugal, Pedro Proença,
advogado de um homem condenado por violar a própria filha, apresentou um requerimento
pedindo que a juíza desembargadora Adelina Barradas de Oliveira se afastasse do processo
para que fosse substituída por um juiz desembargador homem. Isso foi requerido pelo simples
fato de que a desembargadora era mulher e que tinha filha, o que a seu ver provocaria uma
especial e mais gravosa oscilação na neutralidade exigida perante o mesmo e que é
humanamente impossível a uma juíza mulher e mãe ser tão imparcial quanto um juiz homem.
Com isso, vemos que o advogado pressupõe que a desembargadora vai levar pré-
julgamentos a análise do caso ao quebrar o princípio da imparcialidade pelo simples fato de
ser mulher. Sendo assim, tem-se que são justificativas repugnantes que fomentam a
desigualdade de gênero. Ademais, sendo o ato de julgar o mais importante ato processual
dentro de todo o contexto do CPC, o fato de ser mulher e mãe é positivo, pois concede a
mulher um olhar mais humilde e com mais realidade, vislumbrando prismas das relações
sociais que nem sempre são bem percebidos e avaliados.

4. Conclusão

Conclui-se que a perspectiva de gênero não é equânime a quanto se refere à legislação


vigente. Houve inúmeras conquistas ao longo dos anos pelas mulheres o que fez com que, por
meio de luta, elas conseguissem ultrapassar a barreira do patriarcado e se transformassem em
donas de si próprias e do próprio corpo. Todavia, a discriminação material ainda ocorre no dia
a dia e é intrínseca a sociedade, sendo estrutural, embora descaradamente opressora. Assim, as
mulheres devem se unir de forma a reunir forças para que a igualdade material seja atingida,
através de reivindicações e lutas.
Apesar da ideia de liberdade já ter sido alcançada em constituições anteriores e na
presente Constituição, permanecem traços da sociedade misógina e desigual que podem ser
verificados através dos estereótipos sexo, sexual, de papéis sexuais e compostos - porque
através do entrecruzamento dos diferentes marcadores sociais de diferença, a violência que
sofre uma mulher advogada e negra, por exemplo, se intensifica.
Visando esses problemas, Hill afirma a necessidade de paridade entre três fatores que
possibilitariam a igualdade material entre os homens e as mulheres: atenção dos profissionais
às circunstâncias concretas que predisponham a disparidade entre os gêneros, que ao ser
detectada a disparidade, anuncie-se nos autos para que essa disparidade seja suprimida e por
fim que haja a ação, ou seja, propositura em contraditório e implementação por todos
envolvidos de medidas concretas a fim de contornar a desigualdade estrutural. Além disso,
que haja uma garantia de representatividade e de que a fala das mulheres não vá serem
cortadas simplesmente pela condição de gênero.

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