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como planejar

a ação da Igreja
em tempos de mudança

Agenor Brighenti
32 Capítulo II
O ITINERÁRIO DO PLANEJAMENTO NA AÇÃO
DAIGREJA
32 1. Diferentes modelos de ação pastoral e modos de
planejar
33 1.1. A pastoral voluntarista
35 1.2. A pastoral coletiva
37 1.3. A pastoral Orgânica e de conjunto
39 1.4. A pastoral de comunhão e participação
41 2. Por um processo de planejamento contextualizado
41 2.1. O porquê dos diferentes modelos de Igreja
44 2.2. O porquê dos diferentes modos de planejar
45 2.3. Exigências básicas para um bom planejamento
Capítulo II
o ITINERÁRIO DO PLANEJAMENTO
NA AÇÃO DA IGREJA

Nem sempre a Igreja levou a cabo sua missão da


mesma maneira, nem fazendo as mesmas coisas. O con-
teúdo da evangelização é sempre o mesmo, mas seu tes-
temunho, transmissão e vivência passam por ações e
modos de agir conformes às condições culturais e às ne-
cessidades de cada época. No que diz respeito ao plane-
jamento pastoral ou à forma de realizar sua missão
evangelizadora, a Igreja, em sua já longa trajetória histó-
rica, passou por diversos modelos de ação pastoral, com
seus respectivos modos de pensar a ação.

1.Diferentes modelos de ação pastoral


e modos de planejar

O planejamento técnico-sistemático da vida da Igre-


ja é de data recente, grosso modo da segunda metade deste
século. Como método de reflexão da ação pastoral, o pla-
nejamento depende do aparecimento e da evolução das
ciências administrativas. Mas como não existe o nada
planejado, isto é, uma ação humana totalmente impen-
sada, na realidade, ainda que muitas vezes de modo im-
plícito, o planejamento sempre esteve presente na ação
da Igreja. Historicamente, o modo de pensar a ação está
estreitamente ligado ao modelo de ação pastoral adota-
32
do pela Igreja num momento particular. Há uma relação
de interdependência entre circunstância histórica, mo-
delo de ação e modo de planejar. Na história da Igreja
desenharam-se, com bastante evidência, pelo menos qua-
tro modelos de ação, com seus respectivos modos de
projetá-Ia.

1.1. A pastoral voluntarista

A ausência de planos na ação da Igreja não significa


necessariamente ausência de planejamento. Planejar é
pensar a ação, prever, projetar o futuro. O plano é ape-
nas o registro das decisões tomadas no processo de pla-
nejamento. Por isso, ora mais, ora menos, a Igreja sem-
pre pensou sua ação. Entretanto, antes do aparecimento
do planejamento técnico com o advento das ciências ad-
ministrativas, que veio no bojo da revolução industrial,
predominaram na Igreja um modelo de ação e um modo
de pensá-Ia que se poderiam denominar de pastoral
voluntarista.
Historicamente, a pastoral voluntarista é o modelo
de ação típico do regime de cristandade, em que predo-
mina um eclesiocentrismo tributário da eclesiologia do
"corpo místico". A compreensão teológica da Igreja é re-
lativamente simples: Cristo é a cabeça do corpo e os
batizados, os membros. Aplicado o princípio à Igreja
institucional, faz-se mera transferência das categorias aos
membros que a compõem: o clero é a cabeça da Igreja e
os leigos, seus membros colaboradores. Como todo o
poder emana da cabeça, dado que o clero faz a vez do
Cristo-cabeça, a ação da Igreja e seu modo de realização
dependem da vontade (voluntarismo) do clero. Por sua
vez, o clero não atua acorde entre si, pois não existe a
consciência eclesial de Igreja particular. Há os parâmetros
do direito canônico para a parte administrativa, vigiada
33
pelo bispo através das visitas pastorais às paróquias, e,
de resto, cada pároco é bispo em sua paróquia. A ação
pastoral, circunscrita a cada comunidade (matriz, cape-
las), rege-se pelo pragmatismo do pároco, segundo as
necessidades que, a seu juízo ou segundo sua intuição,
vão se apresentando. Normalmente, não se vai além de
tarefas em tomo dos sacramentos e da ocasional assis-
tência aos pobres. Quando o clero não consegue realizar
todas as tarefas, pede a colaboração de leigos de confi-
ança para executarem sua vontade (veja figura 1).

PASTORAL VOLUNTARISTA

Figura 1

Trata-se, portanto, de ação atomizada, ou seja, da


execução de uma série de tarefas, sem conexão umas com
as outras, predominantemente ad intra. Predomina o
administrativo sobre o pastoral, o cuidado sacramental
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sobre a evangelização propriamente dita, a participação
na execução da vontade do clero, e não na decisão da
ação a realizar. Também por nem ser o objetivo, trata-se
de um modelo de ação e de planejamento que não cria
comunidade nem gera processo. A ação depende mais
da vontade dos indivíduos do que dos reais desafios da
realidade, discernida comunitariamente.

1.2. A pastoral coletiva

Historicamente, a pastoral coletiva corresponde ao


modelo de Igreja típico do regime de neocristandade, fun-
dado numa eclesiologia denominada de "Igreja, socie-
dade perfeita". Fruto da ruptura da cristandade medie-
val, que culminou com a separação entre trono (Estado)
e altar (Igreja), tal modelo reconhece a legitimidade da
autonomia da sociedade, mas reivindica à Igreja o esta-
tuto de "sociedade perfeita", também legítima, com o
direito de intervir no mundo para conformá-Io aos valo-
res evangélicos. Nesse modelo, como se trata de recris-
tianizar a sociedade, agora de baixo para cima, pela
ação capilar dos leigos, estes são convocados e delega-
dos como extensão do braço do clero. Os leigos passam
à "participar" da missão do clero. Na realidade, com
relação ao modelo anterior; há mais uma mudança de
forma que de fundo, pois o leigo continua a ser "aquele
que não é" clero. Existe o clero e sua missão, a missão da
Igreja, em que se insere o leigo, sem identidade própria.
Neste modelo, circunscreve-se a ação dos movimen-
tos apostólicos mandatados, típicos do regime de Neocris-
tandade, como foi o caso da Ação Católica. Mas estão
também aí diversas associações, como as Filhas de Ma-
ria, o Apostolado da Oração, a Legião de Maria, a So-
ciedade São Vicente de Paulo etc. Na vida da Igreja, cada
movimento ou associação, presidido (assistido) pela hie-
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rarquia, pensa e executa sua ação em consertação com
seus integrantes, mas independentemente dos outros.
Cada grupo forma um "corpo" semelhante às corpora-
ções medievais, dando origem a uma espécie de pasto-
ral corporativa.
Dentro dos parâmetros da pastoral coletiva dá-se
uma ação invertebrada, sem um objetivo comum agluti-
nado r ou um fio condutor que assegure uma atuação
consertada. Há uma mesma fé, mas não um plano co-
mum. Quando muito, há uma "colcha de retalhos" ou
um conjunto de pastorais, em vez de uma pastoral de
conjunto; enfim, uma diversidade que não tende à uni-
dade de critérios comuns na ação. As partes são impor-
tantes, não o todo, tido como mera soma das partes (veja
figura 2).

PASTORAL COLETIVA

..............................................

Figura 2
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Ao contrário da pastoral voluntarista, que desenvol-
ve sua ação em âmbito local, a pastoral coletiva circuns-
creve-se ao âmbito nacional e transnacional, mais ou
menos independentemente da Igreja local, seja ela di 0-
cesana, seja paroquiaL A ação não é pensada desde a rea-
lidade local, a partir das necessidades e dos desafios do con-
texto dos integrantes dos movimentos e associações, mas
de acordo com diretrizes e normas emanadas de fora. Tal
como na pastoral voluntarista, a atuação da pastoral cole-
tiva continua predominantemente ad intra. Em última
análise, busca-se, não edificar o Reino, mas implantar a
Igreja, que se confunde nesta eclesiologia com ele. Às ve-
zes, há uma ação ad extra, mas com a finalidade de recon-
quistar o que se perdeu para o ad intra. Mais do que servir
ao mundo, a Igreja se serve dele, para fortalecer-se e vol-
tar a exercer sua hegemonia dentro da sociedade.

1.3. A pastoral orgânica e de conjunto

Historicamente, a pastoral orgânica e de conjunto


insere-se dentro do programa institucional proposto pelo
Concílio Vaticano II, ainda que suas raízes provenham
da experiência eclesial do início do século em algumas
dioceses urbanas na Alemanha. A eclesiologia subjacente
é a do "povo de Deus", que supera o eclesiocentrismo
característico de todo o período de cristandade e neocris-
tandade. Na verdade, a pastoral orgânica e de conjunto
nasce quando se descobre a dimensão diocesana da pas-
toraL E isso deu-se à medida que se foi tomando cons-
ciência dos limites de uma ação, por um lado, confinada
ao âmbito da paróquia e, por outro, diluída numa uni-
versalidade generalizante. O assumir consciente da di-
mensão social da fé levou a uma vivência dela em espa-
ços mais amplos e concretos, que pudessem fazer emergir,
de maneira efetiva, programas de ação capazes de pro-
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vocar maior impacto sobre a realidade. Conclamam-se,
então, clero e leigos para que, irmanados na radical igual-
dade da dignidade de todos os ministérios, que têm no
batismo sua fonte, desenvolvam desde a instituição, uma
ação de serviço e em diálogo com o mundo (veja figura 3).

PASTORAL ORGÂNICA E DE CONJUNTO


SOCIEDADE CIVIL

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............... . 9.~ º
PARÓQUIA

Figura 3

É da pastoral orgânica e -de conjunto que nascem os


planos técnicos, alicerçados em metodologias oriundas dos
meios administrativos. Sua elaboração, dado o então en-
cantamento pelas maravilhas da técnica e a complexi-
dade dos mecanismos em questão, normalmente, também
na Igreja, são confiados a técnicos que, substituindo os
militantes, muitas vezes são desprovidos da mística cristã
e do conhecimento da eclesiologia conciliar.
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A prioridade dos planos de pastoral de conjunto é a
"adaptação" da instituição eclesial às novas diretrizes da
Igreja, o que, em muitos casos, se transformou num
mecanismo de reforço do institucional e do administra-
tivo. E como não há real participação das comunidades
na elaboração desses planos, na prática acaba predomi-
nando o binômio clero-leigos. O clero representa a insti-
tuição eclesial e contrata técnicos para elaborarem pla-
nos a ser executados pelos leigos. Dá-se tamanha ênfase
ao "orgânico" e ao "conjunto", que o institucional prima
sobre o pastoral ou sobre a ação propriamente dita. Em
alguns casos, a diocese, ciosa de ser "Igreja universal",
ao não se abrir à solicitude das Igrejas particulares vizi-
nhas e às demais, enveredou em direção a um "dioce-
sanismo" que, em casos mais agudos, foi sinônimo de
uma verdadeira episcopalização da Igreja.

1.4. A pastoral de comunhão e participação


Historicamente, a pastoral de comunhão e partici-
pação inscreve-se na perspectiva de Medellín e Puebla,
que operaram uma "recepção criativa" do Concílio
Vaticano lI. Sua eclesiologia subjacente é a conciliar, mas
acentuando a auto compreensão da Igreja como "comu-
nhão", toda ela ministerial, e "participação", corpo de ser-
viço de Deus num mundo marcado pelo pecado social.
No plano intra-eclesial, este modelo leva à superação do
binômio clero-leigos, substituindo-o por comunidade-
ministérios. Põe-se em evidência a co-responsabilidade
eclesial de todos os batizados, incluindo o clero, de onde
deriva o princípio do direito de todos nas decisões relati-
vas à vida pastoral da Igreja. É com este modelo de ação
pastoral que, verdadeiramente, vai dar-se a passagem do
primado do administrativo ao primado do pastoral, do
institucional ao carisma da Igreja.
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o planejamento é menos técnico. Introduzem-se, nos
processos de planejamento, metodologias do trabalho
popular e busca-se conjugar saber científico e saber po-
pular, entendido este não como um saber anticientífico,
uma vez que também é dotado de um logos crítico. Sem
perder de vista a dimensão diocesana da pastoral, alar-
gam-se os horizontes de atuação. Por um lado, há um em-
penho em atuar desde pequenas comunidades de vida e
de serviço e, por outro, busca-se uma articulação supra-
paroquial e supradiocesana, seja ela regional, nacional,
continental etc. É na tensão entre estes dois pólos - o
PASTORAL DE COMUNHÃO E PARTICIPAÇÃO

/
.I
/
Figura 4

40
micro e o macroeclesial - que se desencadeiam os pro-
cessos de planejamento, em que cada nível eclesial con-
forma uma unidade de tomada de decisão, em estreita sin-
tonia em nível descendente e ascendente (veja figura 4).
Ao valorizar as comunidades eclesiais e fazer delas,
em seus diferentes níveis, unidades de planejamento,
constrói-se um modelo de pastoral que busca reforçar
ou engendrar processos. E, quando processos são desen-
cadeados, caminha-se para a superação do personalismo,
à medida que, até pela rotatividade, os ministérios são
exercidos mais claramente como serviço à comunidade.
Além disso, ao priorizar o carisma sobre a instituição,
privilegia-se a ação em vez das estruturas e da organiza-
ção. Estas são apenas suportes à ação, de uma ação pre-
ferencialmente dirigida aos pobres, para que, no dizer
de João XXIII, lia Igreja seja de todos".

2. Por um processo de planejamento contextualizado

A Igreja é uma instituição viva, dinâmica; lia tradição


progride", afirma o Concílio Vaticano n. Ela evolui em
seu ser e em seu fazer, para poder continuar sendo a mes-
ma Igreja de Jesus Cristo, sinal e instrumento do Reino de
Deus em seu hoje. E evolui, precisamente, porque o meio
na qual está inserida muda de forma constante, ao ritmo
do dinamismo da história que a humanidade vai fazendo,
sob a assistência do Espírito do Senhor da história.

2.1. O porquê dos diferentes modelos de Igreja


O conteúdo da evangelização é sempre o mesmo,
ainda que sua compreensão evolua e cresça. Já as práti-
cas e as formas de evangelizar mudam, pois dependem
do contexto em que a Igreja está inserida. Em outras
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palavras, se Jesus viesse hoje, não mudaria o conteúdo
de sua mensagem, que é transcultural; mas certamente
se utilizaria de outros meios e de outros recursos para
levar a cabo sua missão, que são sempre dependentes da
cultura em que se está. Caso contrário, a mensagem,
transcultural, perderia sua pertinência e relevância, cor-
rendo o risco de transformar-se numa ideologia, prisio-
neira de certos padrões de conhecimento de determina-
da época. A exigência de mudança não é um imperativo
da moda, mas do esforço de uma busca de resposta aos
novos desafios e perguntas que vão se apresentando no
decurso da história.
As mudanças no ser e no fazer da Igreja fundam-se
no dinamismo da inculturação do evangelho, na diversi-
dade cultural e contextual, pois a instituição eclesial, por
ser também humana, não foge à contingência de ser, tam-
bém ela, fator cultural, ainda que não somente isso. Auma
Igreja não inculturada corresponde uma instituição inca-
paz de dar sentido, desde a mensagem evangélica, às rea-
lidades de seu tempo e espaço. Por isso, muito mais do
que fazer, de tempos em tempos, uma mudança de men-
talidade é preciso deixar-se impregnar por uma mentali-
dade de mudança. Esta sim nos capacita a estar em dia
com os dinamismos do Espírito. Do contrário, ao simples-
mente passarmos de uma mentalidade a outra, estaremos
fadados a ser espectadores, e não atores da história.
Como se pôde constatar a partir do que viemos ex-
pondo neste capítulo, a Igreja tem uma rica tradição e
vários foram os modelos de ação que se sucederam na
história. Cada um deles responde a determinadas neces-
sidades de seu tempo. E como cada novo tempo apre-
senta novas perguntas, as respostas precisam ser outras
e, conseqüentemente, os modelos passam. Além disso, é
impossível estar à margem de um modelo, ainda que não
seja único em cada tempo e lugar. Quando não se está
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seguindo os modelos correntes atuais ou gestando novos
modelos a partir dos vigentes, normalmente se está re-
petindo um modelo de ação de um tempo que não é o
seu. Por isso que a prática dos modelos apresentados
rompe com a lógica cronológica linear. Não é porque a
racionalidade neste particular esteja no âmbito da pas-
toral de comunhão e participação, que todas as comuni-
dades eclesiais estejam neste estágio. Há quem ainda se
inscreva nos parâmetros de uma pastoral voluntarista ou
coletiva, como aqueles que ainda não chegaram à pasto-
ral orgânica. e de conjunto, inaugurada pelo Concílio
Vaticano 11.;Com isso, o que se quer frisar não é que os
modelos sejam o mais importante. O mais importante é
não ignorar as novas perguntas dos novos tempos. "O
que não é assumido não é redimido", diziam os Padres
da Igreja. O primordial é tentar dar uma resposta con-
creta, desde a mensagem evangélica, aos desafios que se
apresentam. Mas, ao fazê-Io, não se pode fugir da con-
tingência de dar certo rosto cultural à Igreja e, portanto,
de gestar um modelo. Isso não empobrece em nada o
evangelho. Ao contrário, livra-o de converter-se numa
ideologia, isto é, de se tomar determinada versão sua e
torná-Ia a-histórica, aplicando-a como resposta a todos
os problemas passados e futuros.
Como expusemos no primeiro capítulo, hoje atra-
vessamos um período marcado por profundas transfor-
mações, em que um mundo novo e uma nova civilização
vão-se conformando pouco a pouco, com o risco de nem
o percebermos. Surgem novos desafios e novas pergun-
tas. Diante disso, a Igreja precisa deixar-se desafiar por
eles, abdicando de suas falsas seguranças, muitas vezes
gestadas num mundo velho, e buscar responder, com o
evangelho de sempre, às exigências dos novos tempos.
Por isso, não podemos aferrar-nos a qualquer modelo de
ação, nem do passado nem do presente, ainda que isso
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desestabilize a Igreja e nos cause um sentimento de or-
fandade e de insegurança. Ora, é precisamente a insegu-
rança que nos pode abrir ao novo, sem a qual não há
espaço para a vivência da pobreza evangélica. É preciso
superar, seja a atitude suicida ou conformista de uma
visão catastrófica, seja a atitude conservadora de uma
visão retrospectiva, que nos condena a viver num tempo
que não é o nosso. O convite a uma nova evangelização,
quando autêntica, implica caminhar com paixão (novo
ardor) e, desde os novos desafios, recriar o modo de ser
da Igreja (novas expressões), para que ela se torne apta a
dar respostas concretas às necessidades sentidas pelas
pessoas de hoje (novos métodos). Qualquer resposta a
perguntas que ninguém mais faz torna velha e obsoleta a
evangelização, assim como impertinente e irrelevante a
própria boa nova, que deveria ser sempre "salvação para
nós, hoje", como diz o Concílio.

2.2. O porquê dos diferentes modos de planejar


O planejamento é um pensar a ação da Igreja atra-
vés de um método de reflexão apoiado num instrumen-
tal técnico. O mais importante é a ação pensada. O mé-
todo e o instrumental técnico para pensá-Ia são simples
meios, uma mediação para a ação. Em princípio não é a
técnica que dá a direção ou que vai mostrar aonde che-
gar. Ela pode ajudar a encontrar o caminho, até mesmo
fazer caminho, mas não pode constituir o próprio cami-
nhar. Seria submeter a ação da Igreja a uma razão técni-
co-instrumental, como aconteceu com as ciências mo-
dernas, em suas produções dos últimos séculos.
Entretanto, os métodos e as técnicas não são instru-
mentos neutros. Aos métodos correspondem conteúdos
determinados que, no mínimo, condicionam a decisão
do rumo que se quer dar ao planejamento. Esses conteú-
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dos, às vezes, são subjacentes ao método, em forma de
pressupostos implícitos; outras vezes, estão explícitos,
expressos na adesão a determinada eclesiologia, por
exemplo. Por isso, quem opta por um modelo de ação
eclesial, como a pastoral voluntarista ou coletiva, acaba-
rá condicionado a tomar decisões em tomo de uma ação
enquadrada nos horizontes de sua respectiva eclesiologia.
Não é possível fazer uso indiscriminado de qualquer
metodologia, não importando neste caso o tipo de ação.
À medida que vão mudando os tipos de ação, também
devem ir mudando as formas de atuação, uma vez que o
tipo de ação condiciona a forma de sua realização. Daí a
razão da evolução do planejamento, dos avanços no cam-
po da metodologia e, conseqüentemente, da impossibili-
dade de canonizarmos ou aferrarmo-nos a determinado
modelo de ação ou de planejamento.

2.3. Exigências básicas para um bom planejamento

Mais importante do que planejar é como se planeja.


O planejamento pode ajudar ou atrapalhar a Igreja,
dependendo do uso que se faz dele. Se for um meio para
pensar melhor aonde o evangelho nos quer levar, a partir
de onde se está, então é um instrumento útil. Mas se for
um mecanismo de burocratização ou de centralização da
ação, então é mil vezes melhor tomar distância dele. Por
isso, por um lado, é fundamental fazer uso correto do pla-
nejamento, pondo-o no seu devido lugar, e, por outro,
desencadear um bom processo de planejamento. A esse
respeito, poderíamos evocar três exigências básicas.
a) Ter os pés no chão
Um bom processo de planejamento, para poder aju-
dar a Igreja a encarnar-se e inculturar o evangelho, exige
de seus participantes inserção na própria realidade. Pla-
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nejar é, antes de tudo, não ignorar. É o diálogo, a partici-
pação, a convivência etc. que vão nos fazendo sintonizar
com os "novos sinais dos tempos", como diz Santo Do-
mingo, e intuir por onde caminhar para chegar ao futu-
ro almejado. Antes de pensar a ação futura, para que ela
seja resposta a perguntas reais, é um imperativo situar-
se em relação às pessoas, à sociedade, à instituição, às
metodologias de planejamento disponíveis etc. Nada
substitui a consciência crítica diante da realidade e os
ouvidos abertos para o diálogo, condição para um
discernimento da realidade tal qual ela é. Partir da reali-
dade é partir de onde se está, e não de onde gostaríamos
de estar. Do contrário, não se gera processo. Os proces-
sos, ou estão alicerçados sobre a realidade, ou então são
fogo de palha, que logo se apaga. Sem processos, estam os
condenados ao eterno recomeço. Mas não basta querer
desencadeá-Ios, num ato de voluntarismo. É preciso reu-
nir as condições para tal. E uma delas é concatenar o
processo de planejamento com os processos em curso,
sempre existentes. Não detectá-Ios é correr o risco de
caminhar à margem da realidade e, portanto, da história
e desembocar num plano fictício, ainda que bem elabo-
rado tecnicamente.
b) Ter os olhos no horizonte
Visto que planejar é prever a ação futura, o planeja-
mento implica, sim, ter os pés no chão, mas também olhar
longe. Não há autêntico processo de planejamento sem
esperança, sem confiança na possibilidade do futuro de-
sejável. Na pastoral, isso significa saber-se acompanha-
do e interpelado por Deus, que vai à frente. Deus não
está atrás. Certamente já esteve, mas caminha à frente,
na "nuvem" que vai mostrando o caminho, em meio à
ambigüidade dos acontecimentos. Partir da realidade não
significa que os problemas e os desafios que se apresen-
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tam têm a última palavra. A realidade, por mais contra-
ditória e dura que seja, não nos condena a andar cabis-
baixos. Em meio às vicissitudes, os que caminham na fé
contam sempre com uma voz que soa do coração dos
fatos: "Toma, come, levanta e continua o caminho" e a
missão.
Sem essa atitude de esperança, não há metodologia,
por melhor que seja, que consiga fazer caminhar. Ter os
olhos voltados para o horizonte é condição para sintoni-
zar com a utopia do evangelho e, desde aí, projetar um
futuro desejável, na perspectiva do Reino de Deus. Como
já frisamos, uma visão catastrófica da realidade, ou mes-
mo retrospectiva, inviabiliza qualquer possibilidade de
um processo de planejamento.
c) Ter a coragem de "sujar" as mãos
Num processo de planejamento, os pés no chão e o
olhar no horizonte precisam cruzar-se com as mãos. De
nada valem a consciência da realidade e a esperança de
que um dia ela pode ser diferente, se não são traduzidas
em utopias realizáveis. Há três níveis de aprendizagem,
instâncias pelas quais se passa do teórico ao prático. Há
o nível da apreensão de princípios, de conhecimentos em
si, o nível mental (cabeça), ponto de partida do ato cria-
dor, ainda que este esteja vinculado à prática. Depois, há
o nível do coração. Se esses princípios não se tornarem
convicções, terão pouca possibilidade de efetivação. Fi-
nalmente, há o nível das habilidades (mãos), mediação
necessária para que os princípios, assumidos com con-
vicção, tornem-se realidade. Dito de outra forma está o
axioma popular: o que eu ouço, esqueço; o que eu vejo,
recordo; o que eu faço, eu sei.
Neste particular, movemo-nos no campo das media-
ções para a ação, que dependem das condições
socioculturais circundantes. E como se trata de media-
47
ções humanas, elas estão, inevitavelmente, sujeitas a ser
falíveis e limitadas. Mas não há outro caminho. Entra-
se, aqui, no terreno do ensaio, portanto, sempre sujeito a
erro. Não há como escapar disso, a menos que fiquemos
no nível dos princípios, o que também é um erro, pois
nesse caso a utopia do Reino jamais desembocaria na
prática. É verdade que, por um lado, está a possibilidade
do equívoco e o risco do fracasso; mas também é verda-
de, por outro, que ali está a condição para o acerto, do
encontro com uma verdade que passa pela veracidade,
ou seja, por sua realização histórica.
Num processo de planejamento, é preciso ter a co-
ragem de "sujar" as mãos. É o preço do exercício da li-
berdade, condição para criar o novo, para avançar, para
ser protagonista da mudança.

AIgreja precisa mudar muito, constantemente, para


poder continuar a ser sempre a mesma. Ela existe para
evangelizar, para uma missão junto a todos os povos de
todas as épocas. Evidentemente, como instituição sujei-
ta às contingências culturais em que está inseri da, a Igre-
ja, seguindo os desafios dos novos sinais dos tempos,
impulsionada pelo Espírito, tem feito esforço contínuo
de aggiornamento. Este esforço está estampado nos di-
versos modelos de ação e modos de planejar, que foram
se explicitando durante sua trajetória histórica. A histó-
ria é dinâmica; a Igreja, também. Por isso, como diz o
Vaticano II, "a tradição progride". Ora, por sua vez, o
planejamento deve ajudar a Igreja a ver um Deus novo
em cada manhã. Só a vivência da fé num Deus vivo pode
fazer da Igreja uma comunidade viva, testemunha do
Senhor Ressuscitado.
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