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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DEMOGRAFIA

DM028 – Estudos sobre Família e Nupcialidade


Professora Glaucia dos Santos Marcondes

Thais Madeira
RA 229887

Guia de leitura

(Esping-Andersen & Billari, 2015)

O texto de Esping-Andersen tem por objetivo propor um modelo teórico para dar conta de
certas evidências a respeito da família em sociedades pós-transicionais – em especial no que diz
respeito à fecundidade, ao trabalho feminino, à equidade de gênero e à estabilidade das uniões.

Antes disso:
“As explicações providas por Chesnais e McDonald são semelhantes e enfatizam o que
McDonald chama de institucionalização incompleta. Em todos os países pós-transicionais da
Europa, como sugerem Chesnais e McDonald, o papel das mulheres mudou marcadamente. Na
maioria dos países, as mulheres são tão bem-educadas como os homens e participam da força de
trabalho em grande número, frequentemente ao longo de suas vidas. As mulheres também concebem a
si mesmas como provedoras independentes, e não apenas como esposas e mães, uma atitude que pode
ter refletido no aumento das taxas de divórcio em muitos países. Chesnais e McDonald sugerem que
onde os governos acomodaram essa mudança no papel e orientação das mulheres e fornecem o
amparo social que possibilita às mulheres permanecer independentes enquanto elas criam seus
filhos, as mulheres são de fato capazes de ter os dois filhos que a maior parte das pessoas
consideram ideal em sociedades pós-transicionais. Onde pouca ou nenhuma acomodação foi feita
com relação às mudanças no papel das mulheres, contudo, elas enfrentam conflitos entre manter sua
independência e ter filhos. O resultado é o adiamento do casamento e da gravidez e uma tendência
de ter somente um filho por parte das mulheres. Assim, tanto Chesnais quanto McDonald atribuem a
variação pós-transicional na fecundidade à extensão com que as instituições estatais têm acomodado
mudanças no sistema de gênero. Caso os papéis familiares mudassem em um sentido favorável às
atividades profissionais de esposas – por exemplo, através de divisão igualitária do serviço doméstico
e da criação dos filhos entre marido e esposa – isto também poderia sustentar a fecundidade a níveis
de reprodução” (Mason, 2001, p. 171 tradução minha).

* As considerações de McDonald são o ponto de partida do modelo teórico proposto


por Esping-Andersen e Billari.

* Outras correntes teóricas, como aquelas propostas por Gary Becker, pelos teóricos da
Segunda Transição Demográfica e mesmo por teorias da pós-modernidade não seriam capazes de
explicar algumas evidências recentes, sugerindo que mesmo que algumas de suas premissas não
sejam inteiramente inválidas, suas implicações e efeitos talvez o sejam.
- “Essas duas bases teóricas dificilmente poderiam ser mais diferentes entre si, e ainda
assim retratam uma evolução similar rumo ao ‘menos família’: menos casamentos e filhos; maior
instabilidade de casais” (p. 1, tradução minha)
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* Quais são essas evidências que põe em xeque a tese da “erosão da família”?
- Em primeiro lugar, há evidências crescentes de que nem o declínio da fecundidade ou o
boom de divórcios refletem qualquer alteração radical nas preferências sobre família das pessoas;
- Em segundo lugar, dados recentes apontam para uma reversão das tendências observadas
durante a segunda metade do século XX – em especial com relação às taxas de fecundidade, que
agora se encontram positivamente relacionadas ao desenvolvimento econômico, renda e níveis de
emprego femininos.
- Em terceiro lugar, a inversão também se manifesta no nível micro. O gradiente
educacional do comportamento familiar é elevado (ou seja, as pessoas com maior nível educacional
apresentam os comportamentos observados nas preferências sobre família) (p. 2-3).

→ Nesse sentido, seria possível afirmar que a tendência de “menos família” seria
apenas transitória e não o marcador de uma nova era.

Que abordagem teórica utilizar, então? Os autores apresentam uma nova proposta.

* Como avaliar as evidências empíricas a partir de um ponto de vista que não considera
mais os prognósticos das teorias anteriormente citadas?

- Há algumas convergências entre alguns países nos últimos anos sobre a queda nas taxas
de fecundidade e nas taxas de emprego de mulheres com filhos na pré-escola. Contudo, algumas
diferenças persistem, principalmente em termos do ritmo das mudanças (por exemplo, em grupos de
países com similaridade: França, Holanda e os países nórdicos; o Reino Unido e os Estados Unidos
e Alemanha, Itália, Japão, Portugal e Espanha);
- Para alguns países, mesmo depois de considerados os efeitos tempo e quantum, é possível
identificar recuperação das TFTs. E isso ocorreu mais marcadamente em países com maior
igualdade de gênero – e há ainda outros indicadores, como a estabilidade de uniões, que é mais
evidente entre aqueles com maior nível de escolaridade nesses países (p. 5).

* Os autores defendem a tese da estabilidade de preferências quanto ao tamanho de família


e descartam grandes mudanças de valores nessas sociedades.
- A questão, então, seria:
- “Posto de outra forma, por que as preferências sobre família das pessoas foram frustradas
por um período tão longo, e por que agora não o são tanto, ao menos para alguns países? (p. 5)

PROPOSTA

Proposta do equilíbrio múltiplo, em que equilíbrio é entendido como uma condição na qual
indivíduos agem segundo expectativas bem definidas com relação às estratégias de ação dos outros
– ou seja, sobre adequação às normas de conduta social. Essa abordagem, que operacionaliza
conceitos sobre a dinâmica da ação social, também incorpora a ideia de mudança nos padrões de
ação para determinada dimensão do social. A adequação às normas convive com o comportamento
desviante. Quando não há clareza em termos de expectativa em torno do que é considerado como
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comportamento “adequado” ou “desviante” existe uma situação de desequilíbrio. Nessa situação,


conforme os autores argumentam, há resultados negativos e/ou sub-ótimos para os agentes no
contexto, pois estes terão suas preferências continuamente frustradas.
Há equilíbrio quando a dinâmica das expectativas sociais ganha estabilidade e se torna
autoperpetuante, o que acontece quando membros de uma comunidade acatam de maneira
consistente as regras normativas e de modo que o custo de transgredir a norma é maior do que o
benefício em acatá-la. Um equilíbrio é reproduzido de forma endógena quando as expectativas são
reconfirmadas ao longo do tempo. No que diz respeito ao tema tratado no texto, o equilíbrio pode se
referir tanto a uma situação de equidade de gênero como à situação historicamente anterior de
relações de gênero desiguais “tradicional”, do modelo marido/pai provedor e esposa/mãe dona de
casa. O modelo de equilíbrio múltiplo se distingue da teoria da norma sociológica pelo primeiro ser
explicitamente dinâmico (p. 9). Vale a pena destacar, nesse caso, que igualdade e equidade de
gênero não são termos intercambiáveis:
“A igualdade de gênero é geralmente definida em termos de como resultados em domínios como a
educação, emprego e trabalho doméstico diferem entre homens e mulheres. Em contraste, a equidade
de gênero diz respeito a percepções de justiça e de oportunidades, independente do resultado final
(McDonald, 2013 apud Esping-Andersen e Billari, 2015, p. 7). Com relação à fecundidade, a
equidade de gênero é considerada como mais relevante do que a igualdade de gênero (idem, p. 7).

Como determinadas dimensões do social passam de um equilíbrio a outro? Conforme


sugestão dos autores, isso ocorre a partir de choques externos que reformulam expectativas. Se estes
forem fortes o suficiente, podem enfraqueceras normas padrões, o que acaba diminuindo os custos
do comportamento desviante. Contudo, deve ser lembrado que um padrão normativo alternativo não
emergirá automaticamente. Para isto é preciso que o choque externo seja seguido pela adoção uma
nova maneira de se comportar que se autoalimenta de forma endógena. Os autores defendem que é
muito provável que isso ocorra por meio de um processo de difusão. O choque externo, no caso
dos arranjos familiares, foi produzido por mudanças nos comportamentos associadas à “revolução
feminina” – as mudanças no papel e condições das mulheres na sociedade, como através do acesso
à educação, da ampliação de direitos, do acesso ao mercado de trabalho e ao planejamento familiar
etc.
Os autores utilizam um modelo de difusão que leva em consideração a velocidade do
processo de desenvolvimento endógeno do novo padrão de comportamento, da proporção de
igualitários (aqueles que adotaram um padrão de comportamento desviante do atual e que
“disputam” um novo equilíbrio) e a proporção dos indivíduos suscetíveis (aqueles que adotam
padrões de comportamento tradicionais mas que podem ser “convertidos”). Há equilíbrio no modelo
tanto quando não há igualitários como quando todos são igualitários (p. 10). A adoção de um
modelo de difusão deve levar em consideração a receptividade dos diversos grupos sociais aos
choques externos mencionados para que haja mudanças no padrão de ação no que diz respeito à
formação de famílias e aos determinantes da velocidade dessas mudanças (uma vez que os autores
defendem que, quando iniciado, o questionamento e desvio do equilíbrio tradicional é irreversível).
A ideia é que as mulheres são o motor da mudança de equilíbrio, uma vez que o comportamento dos
homens mudou muito pouco ou quase nada na era do pós-Guerra.
Dois fatores são considerados como decisivos para a velocidade do processo de difusão: a
força da confiança pessoal generalizada e a dinâmica da estratificação social. O primeiro diz
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respeito à mudança de uma confiança social muito localizada ou familista para outra mais
generalizada no que diz respeito a tomadas de decisão pertinentes. Alguns exemplos são a confiança
no mercado de trabalho ou no cuidado infantil externo, como as creches, como garantias para a
prevalência das preferências quanto ao tamanho de família. O segundo diz respeito ao quanto a
estratificação social pode agir como barreira ao processo de difusão. Ela pode ser expressa por
lacunas educacionais entre os diversos grupos sociais, por diferenças de classe, raça e etnia, para
citar alguns exemplos.
O modelo é aplicado em evidências sobre estabilidade e instabilidade de uniões. A hipótese
é a de que quanto mais uma sociedade avança rumo a um contexto de normas de gênero igualitárias
universalmente compartilhadas, mais provável será o aumento de resultados pró-família. A medida
de normas igualitárias de gênero foi obtida de uma questão retirada do European World Values
Survey (“Quando os empregos são escassos, homens deveriam ter mais direito a um trabalho do que
mulheres: concorda, nem concorda nem discorda ou discorda?”) e a medida de instabilidade de
uniões foi obtida por meio do percentual da população entre 30 e 60 anos de idade divorciada,
separada e solteira dos anos 1980 e 2000 (p. 22).
A hipótese foi confirmada com os dados: “o efeito da instabilidade reduzida é
especialmente nítido naqueles países como a Dinamarca, Países Baixos e a Suécia, que mais se
aproximam de uma igualitarismo de gênero hegemônico” (p. 24).

Observação adicional: devemos considerar as instituições estatais como endógenas ou exógenas às


mudanças nos padrões de comportamento associadas à dimensão da formação de famílias e das
dinâmicas de gênero?

Referências

Esping-Andersen, G., & Billari, F. C. (2015). Re-theorizing family demographics. Population and
Development Review, 41(1), 1–31.
Mason, K. O. (2001). Gender and Family Systems in the Fertility Transition. Population and
Development Review, 27(2001), 160–176.

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