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CASSIN Se Parménides 0 tratado anédnimo De Melisso Xenophane Gorgia Teneo en ene te) auténtica Te au dle eS uC Mar Koon. ee Cm millet) Te eee particular, Has também pat cla) mal, PMU UL A -v2-1 CCRC UMC Nia) SCC OM ince EER ta eee ee i SO Me alec) REMC ai ml Mee CM els Teo) eC eee ern le\°| Oy eet + ue ehegau até nds Junt atistotelleo, mas cuja obset ee Oe n OC ue nee) eel alee) ACCC MORE Cy (a outra 6 Sexto Emp! mi) sentido, | el elit) ie Gargias, da sofis etude, da propria rt TMU (eh): 8 Barbara Cassin Se Parménides 0 tratado anénimo De Melisso Xenophane Gorgia Outros livros da FILO FILO FILOBATAILLE FILOESTETICA Aalma e as formas 0 erotismo O belo auténomo Georg Lukics Georges Batatlle Texios classicos de estética Aaventura da filosofia francesa no século XX Alain Badiow Aideologia e a utopia Paul Ricoour 0 primado da perespeao @ suas consequéncias filosoficas Maurice Merleau-Ponty Relatar a si mesmo Critica da violencia ética Judith Butter A sabedoria tragica Sobre o dom uso de Nietzsche Miche! Onfray A teoria dos incorporais, No estoicismo antigo Emile Bréhier FILOAGANBEN Bartleby, ou da cor Giorgio Agamben gencia A comunidade que vem Giergio Agamben © homem sem conteddo Giergio Agamben Ideia da prosa Giorgio Agamben Introducao a Giorgio Agamben Uma arqueclogia da poténcia Edgardo Castro Meios sem fim Notas sobre a politica Giorgio Agamben Nudez Giorgio Agamben ‘A poténcia do pensamento Ensaios e conferéncias Giorgio Agamben A parte maldita Precedida de *A nocao ce dispéndio" Georges Bataille Teoria da religiao Georges Bataille FILOBENJAMIN © anjo da historia Waiter Beniain Baudelaire e a modernidade Waiter Benjamin Imagens de pensamento Sobre o haxixe outras drogas Watter Benjamin Origem do drama tragico alemao Walter Benjamin Rua de mao tinica Infancia berlinens Walter Benjamin FILOESPINOSA Breve tratado de Deus, do homem e do seu bem-ostar Espinosa Etica Espnosa Principios ¢a filosoha carteslana 2 Pensamentos metalisicos Espinosa Aunidade do corpo e da mente Metos, acées ¢ paixdes ern Espinesa Chantat Jaquet Rodrigo Duarte (org.) O descredenciamento filoséfico da arte Arthur C. Danto Do sublime ao tragico Friedrich Schiller fon Piatéo Pensar a imagem Emmanvil Alloa (Org) FILOMARGENS 0 amor impiedoso (ou: Sobre a crerca) Siavaj Zitek Estilo 6 verdade em Jacques Lacan Gilson lannini Introducao a Foucault Edgardo Castro Katka Por uma literatura menor Giles Deleuze Felix Guattari Lacan, o escrito, a imagem Jacques Aubert Frangais Cheng, Jean-Ciaude Miner, Francois Regrault, Gérard Wajeman 0 sofrimento de Deus Inversées co Apocaipse Boris Gunjevie, Stove) Zigek ANTIFILG. ARaréo Pascal Quignard FILO auténtica Barbara Cassin Se Parménides O tratado anénimo De Melisso Xenophane Gorgia Traducdo e apresentacdo Claudio Oliveira Cléudio Oliveira Podemos dizer que a publicagao de Se Parménides na Franca, em 1980, significou um marco, nao sé para os estudos sobre a filosofia grega antiga em geral ea sofistica em particu- Jar, mas também para a propria filosofia tout court. Iniciava-se Ali nao apenas a obra de uma grande helenista mas também de uma das filésofas mais importantes surgidas nas ultimas décadas do século XX, Os efeitos de Se Parménides foram miltiplos. Como um trabalho realizado numa certa interse¢ao entre filologia e filosofia (edigao comentada de um texto filos6fico grego), ele pds em questio essa propria interse¢do, permitindo desnudar , 08 processos interpretativos em jogo na edicao de um texto antigo (a discussao com Diels, nesse sentido, é fundamental), assim como os pressupostos vigentes e atuantes na inter- pretacdo de um texto filosdfico como o tratado De Melisso Xenophane Gorgia, uma obra que chegou até nds junto com © corpus aristotélico, mas cuja obscuridade impediu que se tivesse dela uma compreensao satisfatoria seja sobre seu au- tor, seja sobre os autores dos quais ele trata. Se o tratado teve uma sobrevida, talvez isso tenha se devido ao fato de ter sido ele uma das duas tnicas fontes (a outra é Sexto Empirico) do mais importante texto que chegou até nés da sofistica grega, © Tratado do ndo-ser, de Gorgias, Se Parménides é, nesse sentido, nao sé uma novissima € revoluciondria interpretacao de Gorgias, da sofistica e do pensamento grego em geral, assim como da doxografia eda relacao entre filologia e filosofia, mas, sobretudo, da propria relacao da filosofia com a linguagem ou, para ser mais preciso, da relacao de cada filosofia com ali nguz em que ela se escreve, Podemos afirmar, sem temor, que, em Se Parménides, seu primeiro livro, Barbara Cassin apresentou 0 programa de pesquisa que iria desenvolver nas décadas seguintes e que Seraria todos os seus livros posteriores, tendo permanecido fiel @ esse programa e ponto de partida até os dias de hoje. Estao ja ali asideias seminais de varios artigos que seriam escritos e pu- blicados posteriormente em Ensuios Sofisticos (Siciliano, 1990) ¢ Oefeito sofistico (Editora 34, 2005): esto ja ali os elementos de uma nova compreensio da discussio de Aristételes com a sofistica no livro Gammada Meiafisica e que ela desenvolverd, juntamente com Michel Narcy, em La décision du sens (Vrin, 1989), mas também, sozinha, em Aristéleles ¢ 0 légos (Loyola, 1999); esta ja ali, sobretudo, uma concep¢ao de filosofia que nortearé a direcao do monumental Vocabulaire européen des philosophies - Dictionnaire des intraduisibles (Le Robert/Seuil, 2004), e que traz, para a filosofia, as consequéncias de sua nova interpretagao da sofistica iniciada em Se Parménides. Podert- amos citar ainda como rebentos de Se Parménides os livros que a autora organizou em torno da sofistica e da filosofia grega em geral, como Positions de la sofistique (1986), Le plaisir de parler (1986) e Nos grecs et leurs modernes: les stratégies Contemporaines d appropriation de l’Antiquité (1997), para falar apenas dos mais importantes, Em ultima instancia, 0 que Barbara Cassin inaugurou com a publicagao de Se Parménides foi uma Perspectiva que 8 FILO oderiamos chamar de pés-saussuriana na abordagem de textos filosdficas e que poderia ser resumida pela ideia de que 6 significado de um texto sé pode surgir de uma compreensio da trama de seus significantes. Suspender o sentido e privile- glar o significante foi sua estratégia fundamental, uma tarefa na qual cla foi guiada primeiro pela leitura de Heidegger dos textos gregos, corrigida, por sua vez, pela influénca da Esco- Ja de Lille, onde realizou o doutorado que iria dar origem a Se Parménides. A ateng&o ao significante foi a regra de ouro A ser seguida ferreamente como tinica posslbilidade de Som preensao de um texto filoséfico. E foi também essa atensae que a aproximou, desde Se Parménides, de uma outra pra ia contemporanea, a psicandlise frendo:lataniana, queiele nao cessou, desde entao, de aproximar da sofistica. E, allds, essa Aproximacao que ela investiga em seu Ultimo livro publicado na Franga: Jacques le sophiste - Lacan, logos et psychanalyse (Epel, 2012), De Se Parménides a Jacques le sophiste, é uma tnica obra que vemos ser escrita e que espera ainda seus desdobramentos e consequéncias no cenario filoséfico contemporaneo. BARBARA CASSIN SE PARMENIDES do tradutor para a edicao brasileira A presente edic4o brasileira de Se Parménides difere aquela publicada na Franga em 1980. A edigdo francesa é onstiluida por trés partes: Blementos, uma longa introdugéo #i que a interpretacao do tratado é desenvolvida; a edicio, tradugao e comentario do De Melisso Xenophane Gorgia, onde o trabalho propriamente filologico é realizado; e, por fim, os Complementos, nos quais se encontram, entre outros textos, a bibliografia, ¢ o texto grego ea tradugdo continuos. Optamos, com a concordancia da autora, por publicar nesta edicdo brasileira da obra apenas o longo estudo introdutério dos Elementos, a bibliografia e 0 texto grego e a tradugdo continuos dos Complementos. Omitimos, portanto, nesta edigao, toda a discussdo mais técnica da segunda parte da ecigdo original do livro, supondo que o leitor mais especia- lizado tenha acesso a obra original, esgotada na Franca, mas disponivel pela internet. Com isso, quisemos privilegiar a interpretagao inovadora desenvolvida nos Elementos, bem como dar acesso ao texto do De Melisso Xenophane Gorgia que é assim publicado pela primeira vez no Brasil. Uma novi- dade da edigao brasileira e que nao consta na edi¢ao francesa original foi a intradugao do aparato critico no texto grego 11 continuo; na edic&o francesa, esse aparato critico encontra-se espalhado pelos varios trechos editados e traduzidos na se- gunda parte da obra. Agradecemos a Sophie Legrain pelo magnifico trabalho de edigao do aparato critic do texto grego continuo. Por fim, esclarecemos que a traducdo apresentada aqui do tratado do Anénimo nfo é uma tradugio do texto grego original, mas uma tradugao da tradugado que Barbara Cassin fez desse texto para o francés. Pareceu-nos natural, e também A autora, que nfo caberia fazer uma nova traducio do texto grego para o portugués, mas, 20 contrario, traduzir a traducao francesa que Barbara Cassin dé do texto, traducao essa que representa o resultado final de sua interpretagao e compreenséo do tratado do Anénimo. 2 FLO Prefacio a edicao brasileira Paris, 1980 - Rio, 2014: 0 trajeto de um “se” Paris, 1980: dez anos apos ter-me inscrito na Sorbonne com Pierre Aubenque, que tinha me aconselhado a me inte- ressar pelo De M.X.G., De Melisso Xenophane Gorgia, pequeno tratado apacrifo de Aristoteles, conhecido ou, antes, desco- nhecido, sob esta sigla de science-fiction; seis anos depois da defesa disso que se chamava entao These de 3*"* Cycle, feita finalmente sob a orientacao de Jean Bollack, que me tinha na verdade raptado para a sua Escola de Lille, na qual nenhuma (ese tinha sido ainda defendida, eu conclui, com o auxilio de uma bolsa alema, a redac4o de Se Parménides. Um titulo nfo muito apropriado, exatamente para me mostrar livre, eu, que tive que fazer, depois de 1968, uma dezena de vezes a agrégation em filosofia, esse concurso sem o qual era quase impossivel ensinar na Franga em condigdes toleraveis. Se Parménides, portanto, entre a histeria heroica de Edith Piaf, entoando a Marseillaise empoleirada nas grades reais em Si Versailles m’était conté, o filme de Sacha Guitry sobre a revolucao francesa, e a neurose obsessiva onipotente do sunnémon estoico, “se... entéo”, que arruina de maneira bem mais ampla que qualquer silogismo. Fu gostaria de expressar aqui todo o meu reconheci- mento, primeiramente, a Pierre Aubenque, que tinha, desde 13 © problema do ser em Aristdteles,' aberto o interesse pela sofistica, do ponto de vista de uma ortodoxia aristotélica magistralmente tragada, A Jean Bollack, em seguida, que me ensinou, com Heinz Wismann, o que é ler um texto grego e, até mesmo, um texto, simplesmente. Ora, essa pratica nao era, e nao ¢, na verdade, evidente. Ela ¢ infinitamente custosa em tempo e em trabalho, f com- preensivel que a Universidade nfo tenha senio um desejo: poupar-se dela, Este livro é testemunha, eu espero, do nada que separa o trabalho filoldgico e o delirio de interpretacio. Eu me lembro que, no momento de minha defesa, Jean-Paul Dumont, entao professor na Universidade de Lille, autor de um Les sophistes na pequena colego da editora Presses Universitaires de France e que viria a dirigir a tradugao dos Présocratiques, para a colecéo La Pléiade, me tinha dito, a Propésito de meu trabalho de edicdo, algo como: “Eu com- preendo enfim o que a senhora fez: 0 que, habitualmente, fica embaixo, no aparato critico, a senhora o colocou em cima, no texto!”. E Jonathan Barnes, com quem eu tive, de qualquer mods, a felicidade de trabalhar depois, escreveu entdo uma resenha atacando Se Parménides, na qual os alunos de Bollack eram comparados a cavalos magnificamente treinados, mas, como eu, incapazes de saltar o obstaculo de partida. Este livro: um patinho feio, excessivamente escrito talvez — entendam- -no: nao suficientemente cientifico, como se as duas coisas devessem ser inversamente proporcionais - até mesmo para alguns bollackianos, como André Laks, aos olhos de quem este livro era o pior da série dos Cahiers de Philologie das Editions de Lille. AUBENQUE, P. Le probléme de étre chez Aristote. Paris: Presses Uni- versitaires de France, 1962. (Ed. bras.: O problema do ser em Aristoteles. ‘Tradugao e revisdo técnica Cristina de Souza Agostini e Dioclézio Domingos Faustino, Sao Paulo: Paulas, 2012.) As FILE No entanto, foi trabalhando Sobre Melisso, Xendfanes Gorgias que cu aprendi tudo, tanto em filologia quanto em wolia, Primeiramente, porque eu compreendi, desde o terior de um texto, a intimidade da relagdo entre as duas jaciplinas, é a que ponto é impossivel ou, ao menos, inutil e ensalo, praticar a filosofia grega sem praticar a lingua grega, ern trabalhar a transmissao do texto e colocar em questao 0 aim chamado “dado”. Em seguida, porque a sofistica ea doxo- ‘afia, postas em aco precisamente neste texto, me obrigavam “A nio mais crer somente, e sem dtivida a nao mais crerabsoluta- Mente, em Heidegger, a recolocar em perspectiva a “origem” ea “doacao”. 8 imediatamente, com uma evidéncia imprescritivel: Heidegger radicalmente colocado de lado, com uma histéria historial da filosofia vesga, ultrapassada pelo préprio texto. Sim, era possivel ser pré-socratico de um outro modo. E a sofistica é uma alavanca potente para colocar em perspectiva a ontologia ¢ 0 pensamento do ser, desde wm fora que nos permite vé-los. E essa extraterritorialidade que eu nao cessei, desde en- lao, de trabalhar, quer sc tratasse da decisao do sentido aris- totélica, quando, no livro Gamma da Metafisica, Aristoteles reduz Protagoras, com os sofistas que recusam 0 principio da nao-contradigao ¢ pretendem falar logou kharin (“pelo prazer de falar”), a ser “semelhante a uma planta”; quer se trate do Poema do proprio Parménides, quando eu, muito tempo de- pois, ousei me medir com ele, para demonstrar, com as chaves do Tratado do ndo-ser de Gérgias, a maneira como ele é fabri- cado; ao mesmo tempo autobiografia da lingua grega, na qual o verbo “é”, forma apés forma, segreda seu sujeito: “o ente”, e palimpsesto homérico, narrativa de todas as grandes narrati- vas, que joga 0 muthos no colo do logos. Todo o meu trabalho parte, portanto, bem dai, do esforco de compreender, palavra por palavra ¢ frase por frase, o que Gérgias replica a Parmé- nides quando se lhe da enfim o crédito de querer dizer 0 que ele diz, literalmente e em todos os sentidos. Se Parménides. BARBARA CASSIN SE PARMEN|DES 15 Rio, 2014, Jamais teria acreditado ser possivel uma tal aventura: traduzir uma tradugao e sua justificacdo em todos os seus meandros de linguas, através do grego, do francés e do portugués do Brasil. Que loucura! Uma loucura magnifica, Eu jamais agradecerei o bastante a Claudio Oliveira por té-la levada a cabo, com a Auténtica. Ha, pelo menos em filosofia ¢ em filologia antiga, algo como uma ponte aérea entre o Brasil e a Franga, Rio e Paris, as ideias e as pessoas, ¢, além disso, com a inventividade coletiva, Eu me lembro de Claudio como estudante na ocasido de um semindrio dado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UER)), no Collége d’Etudes Transdisciplinaires de Bric Alliez; era, eu creio, um semindrio sobre o “Sujeito”, com Alain de Libera, ¢ ew ai falava de Aristoteles, da relacio entre 0 objeto da sensacao eo sujeito da frase,’ como se fosse um work in progress. Eu tinha consciéncia de nao ser muito clara, jd era dificil demais para mim mesma, e eu me lembro apenas de que Claudio me formulou uma questdo que colocaya o dedo sobre a dificuldade eesclarecia tudo. Carmen Lticia Magalhies Paes, que eu tive ahonra de conhecer,' 0 acorde Capes-Cofecub foram passa- dores incontornayeis, Hoje, ¢ em torno de Fernando Santoro e do Dictionnaire des intraduisibles que as trocas se intensificam. J4 faz algum tempo que, quando um estudante fran- cés de destaque nao encontra ~ evidentemente! — nenhum posto na universidade na Franga, eu 0 oriento para o Brasil, Esse seminério apareceu no Brasil como iltimo capitulo de Anistdteles € 0 ldgos (“Investigacao sobre 0 iégos ne De Anita”, In: CASSIN, B. Aristoteles ¢ 0 idgos - contos da fenomenologia comum. Trad. Luiz Paulo Rouautet. $20 Paulo: Loyola, 1999,) Professora aposentada do Departamento de Filosofia daUFRJ,orientadora de Claudio Oliveira, e que tintha feito seusakmos lerem na época (inal des anos 1980) 0 Se Parmenides, (N.T.) Num evento sobrea Sofistica Grega na Universidade Federal Fluminense (UFF). (N.T.) 16 pais-continente onde a politica compreendeu como e por que A filosofia antiga ndo apenas faz parte da cultura, mas esclarece @ permite inventar as praticas do presente. E também o lugar onde as disciplinas, literatura, poesia, filosofia e filologia se enlrepertencem naturalmente, através dos autores, das obras e da lingua, sem forgar nem as tradigdes nem 0s preconceitos liniversitérios. Praticar o grego nao tem nada de elitista, é evi- dente que se leia Homero ao mesmo tempo que Parménides, e Arist6fanes ou Plauto ao mesmo tempo que Platao. A natureza do homem, esse animal dotado de logos, é na verdade a cultura. Uma outra relagao entre cultura e politica. Respira-se. Bu gostaria de dizer um pouco mais a partir de minhas pesquisas atuais, que tém, mais uma vez, afinidade com as de Claudio Oliveira e que criam uma ponte entre nossos con- tinentes ansiosos. “O psicanalista é a presenga do sofista em hossa época, mas com um outro estatuto”, diz Lacan em seu semindrio de 1965. Quando Aristételes exclui os sofistas para fora da humanidade, é porque ele os acusa de se rebelarem contra a univocidade: “falar”, para Aristoteles, é “dizer algo”, “dizer algo” é “significar algo”, e “significar algo” é “significa uma tinica coisa e a mesma para si mesmo € para um outro”; dizer algo que tem um sentido e um Unico.’ O um-sentido é a condigao do sentido: a proibi¢ao da homonimia ¢ tao estru- turante para o discurso quanto a proibicao do incesto para a familia ea sociedade. Ora, os sofistas se atém a “o que hd nos sons da voz e nas palavras”: eles jogam como significante, com o equivoco. Simultaneamente, a modalidade discursiva que os caracteriza, a saber, a epideixis, é uma performance: eles agem falando, eles produzem um “efeito-mundo”, 0 que eu chamei, apés Novalis e Dubuffet, de “logologia”, para diferencia-la 5 Legein, legein ti, sémainein ti, sémainein hen autéi kai alldi, sao as es tagdes de equivaléncia que estdo no fundamento da demonstragao do principio de néo-contradiga0 em Gamma, 4. BARBARA CASSIN SE PARMENIDES 17 da “ontologia”. Essa terceira dimensao da linguagem, nem “falar de”, nem “falar a”, nem fenomenologia, nem retérica, mas “falar por falar”, via performance e significante, é uma modalidade discursiva radicalmente ndo-aristotélica, anti c até mesmo ab-aristotélica - “falar em pura perda”, diz Lacan. Donde, a ligacao entre sofistica e psicandlise: sao atos de lingua- gem, alias que se fazem pagar, que tratam, ds vezes, como um bom pharmakon. B essas performances, cujo “performativo” inventado por Austin é sua ponta aguda, séo capazes de quebrar 08 dois fetiches que Austin se satisfaz em quebrar bem no final de Quando dizer é fazer: 0 fetiche verdade-falsidade € 0 fetiche valor-fato, Psicanalistas e sofistas se encontram, Portanto, por bons motivos, a partir de sua critica da ontologia: para Gorgias como para Lacan, ou para Lacan como para Gorgias, “o set é um fato de dito” e “o significado é 0 efeito do significante”.’ F preciso ainda que o outro, Parménides por exemplo, tenha primeiramente falado: se Parménides, mais, ainda. Mas had um passo a mais a ser feito, uma nova ligagao. “Uma lingua, entre outras, nao é nada mais que a integral dos equivocos que, nela, sua historia deixou subsistir”, diz Lacan em LEtourdit’ Eu proponho estender isso a todas as linguas, e nao apenas aquelas do inconsciente, de que Lacan fala aqui. Os equivocos, semanticos mas também gramaticais e sintaticos, que as Refutagées sofisticas [de Aristételes] tratam com mau humor ¢ paciéncia, ¢ bem af que tropeca a tradugao. Nosso Dicionnaire des intraduisibles [Diciondrio dos intraduziveis]® * Euremeto, para tudo isso, ao conjunto do Séminaire XX. Encore (LACAN, J. Le Séminnatre. iivre XX: Encore. Paris: Seuil, 1975, Ed, bras.: LACAN, J, O Semindrio, livro 20: Mais, ainda, Rio de Janeiro: Zahar, 1985.) * “Oaturdito”. In: LACAN, J. Outros escritos. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. * Vocabulaire européen des philosophies, dictionnaire des intraduisibles, Pavis: Seuil/Le Robert, 2004. Tzaducdo em curso emumadezena de inguas, entre as quais o portugues do Brasil, sob a direcao de Fernanda Santoro, Le FILO ibalha precisamente sobre esses sintomas de diferenga das \giias, que so as homonimias, tio pouco acidentais que isttcles ndo encontra exemplo delas que resistam a andlise leis, a chave, e kleis, a clavicula, nao teriam nada a ver, nao € Elas contribuem, de fato, para constituir uma lingua ingularidade, mais ou menos aparentada aquela de 4 outra. Como voces dizem étre em portugués? F o frances mihece a diferenca entre ser e estar? E ficar, que equivoco revela do francés visto de fora, desterritorializado pela lingua de vocés? Cada lingua é como uma rede de pesca, qtie pega outros peixes, Os romanticos alemaes falavam de “visio de mundo”: cada lingua performa um mundo, nem. totalmente o mesmo, nem totalmente um outro. E assim que Toso diciondrio dos intraduziveis imerge a logologia sofistica fu pluralidade das linguas. Compreende-se a sequéncia, que conduz da critica sofistica da ontologia ao interesse apaixonado pela tradu- glo, Maneira de desfazer nossa certeza aristotélica quanto A esséncia das coisas: “Se s6 houvesse uma lingua - escreve Hannah Arendt em seu Journal de pensée -, nds seriamos talvez, mais seguros da esséncia das coisas”, e ela conclui sobre a “equivocidade vacilante do mundo”, caracteristica da condicdo humana, sobretudo feliz, mais feliz, em tado caso, que a uniformizagio. A sofistica e a tradugao sao operadores de desessencia- lizagdo. Mas nés s6 0 sabemos ao ler os textos, lentamente, vivamente também: se um psicanalista nao cede sobre o seu desejo, um fildlogo nao cede sobre 0 seu texto. BC Paris, outubro de 2014. ” Journal de pensée (1950-1973). Paris: Seuil, 2005, I, p. 56. BARBARA CASSIN SE PARMENIDES . 19 facio a edicdo francesa 980) Como a tapegaria de Penélope, este livro se desfez 1 mesmo tempo e durante todo o tempo em que se fez. lio ha sequer uma sé frase do texto que ele pretende ler que nao tenha sido, com Jean Bollack e Heinz Wismann, compreendida, decomposta, reformada, de outro modo mal eompreendia, entendida de novo em tantas voltas de leitura e durante tantos anos - quatro depois que Pierre Aubenque orientou parao tratado meu desejo de trabalhar sobre Aristo- teles c os pré-socraticos, mais seis depois da defesa da minha tese sod a forma de uma edico comentada — que cu mesma mal consigo acreditar, Esse gasto violento de tempo nao tern nem sequer, como Afiel tapecaria, adesculpa ou a vantagem da astlicia. Para dizer €om Gorgias, Ulisses nao existe, ele nao veio e de qualquer modo eu no o reconheci. Pois o tratado nos obriga a sair da economia do fim e dos meios: ele também € propriamente sem fim. Preso na finalidade do resultado, seria, com efeito, inaceitavel o trabalho de, a cada vez, retomar tudo desde o inicio, e com o aparelhamento exato da ciéncia, para fixar 0 menor sentido, sempre ausente, recomegado e modificdvel até o tiltimo s6-depois da tiltima frase. O texto devorador de 21 sentido o restitui, no entanto, em intensidades instantaneas, em que se deixa apreender a adequacao entre trabalho que ele exige e sua natureza propria: longe de ser, como sempre se acreditou, wm testemunho doxografico sobre a ontologia pré- socratica, uma fonte de informagées mais ou menos inexatas, desajeitadas, a se verificar e filtrar, trata-se de um discurso inteiramente sofisticado, Ele nao diz nada, nao transmite nada, nao tem objeto: é, primeiramente, uma pratica que, A medida que ela se efetua - 20 mesmo tempo implicitamente, por sua construgao critica, e explicitamente, no Tratado do nao-ser, que da forma e sentido 20 conjunto -, denuncia os resultados da ontologia e a economia metédica constitutiva da ciéncia. Assim o leitor treinado, em vez de agarrar a informagao, tem apenas que fazer 0 aprendizado da sutileza c do esvaecimento, De tal modo que o maior interesse do livro, sua maior chance de fazer escutar algo nesse tipo de pratica em que “nao ha nada além do ouvir”, é dar em nada, como 0 proprio discurso. Ele nao poderia, portanto, ser uma contribuicgao, um fruto que cai no colo da ciéncia; digamos que seja um lugar: uma concregao de tempo. Esse tempo nao ¢ apenas o meu, é também aquele de Pierre de La Combe, de André Laks em todas as etapas e em todos os planos, de Jean-Paul Woitrain, da equipe inteira do Centro de Pesquisa de Lille IIT. O trabalho realizado por Heinz Wismann sobre o atomismo e 2 doxografia permitiu construir, frase apés frase, a ideia-forca de uma repeticao do gesto sofistico por uma doxogralia cujo anonimato é aqui o emblema. Eu agradeco a oferta de Echange Universitaire franco- alema que me ofereceu durante dois anos em Heidelberg as melhores condicGes de trabalho, Enfim, eu gostaria de dizer o cuidado que Simone Piette trouxe para a confecgio do ma- nuscrito, a paciéncia e o talento de Nadine Deregnaucourt, que levou a bom termo a composi¢ao do livro. BC. a FILO reviagoes feréncias internas ‘taco (tratado): remete ao conjunto do De M.X.G. facto: remete ao Tratado do ndo-ser na versio do Anénimo (=G.). lv M, X.C.: Sobre Melisso, Xendfanes e Gérgias. |: Sobre Melisso. ) Sobre Xendfanes. 1 Sobre Gorgias. [, 1., 4-5: primeiro paragrafo do Sobre Melisso, quarta e quinta inhas do texto grego, ., 1., 4-5: primeiro pardgrafo do Sobre Melisso, quarta ¢ quinta nhas da tradugao. jo interior de cada secdo (M., X., G,), a referéncia se efetua por elo apenas das cifras (1.-4. no interior do Sobre Melisso designa pardgrafos 1 a 4 dessa seco). Referéncias a obras frequentemente citadas ), B.:J. Bollack, Empédocle. Les Origines, tomos | ¢ II, Paris, 1969. Ni: HJ. Newiger, Untersuchungen zu Gorgias Schrift tiber das Ni- ehtsciende, Berlin, 1972. W.: J. Wiesner, Ps.-Aristoteles, M.X.G.: Der historische Wert des Xenophanesreferats, Amsterdam, 1974, 1.8): A Greek-English Lexicon, compiled by H. G. Liddell, R, Scott, H, S. Jones, Oxford, 1968. KG: R. Kithner, B. Gerth, Ausfiihrliche Grammatik der griechischen Sprache, Zweiter Teil: Satzlehre, Hanovre e Leipzig, 1898 e 1904 (reimpressao Darmstadt, 1966). Denniston: J.D. Denniston, The Greek Particles, Oxford, 1954. Referéncias aos fragmentos dos pré-socraticos 54 B.: fragmento 54 de Empédocles na edicao de J. Bollack, t. IL 28 B 2, 3-5 DK: verso 3 a 5 do fragmento 2 de Parménides (= 28) na edicao de H. Diels e W. Kranz, Die Fragmente der Vorsokratiker, sexta edicdo, Berlin, 1951. 82 A5 DK: testemunho 5 sobre Gorgias (= 82) na mesma coletanea. BARBARA CASSIN SE PARMENIDES: 23 objeto nao identificado 1. Filologia ou filosofia “Se Parménides”: trata-se de ontologia, de sofistica, de doxografia. “Edi¢géo do tratado anénimo Sobre Melisso, Xendfanes ¢ Gérgias”: trata-se do estabelecimento de um texto grego, de sua tradugao, de suas justificag6es. Do titulo ao subtitulo, trata-se de filosofia e de filologia, de uma certa relacéo entre elas. Por um lado: por que nao filosofar sem subterftigios nem esse desvio com pretensdo cientifica no qual é preciso rastejar, dizia Nietzsche, “com a acribia de uma lesma miope”? Por outro lado: como justificar essas especulagdes que incham um traba- Tho aparentemente sério? Pratica filosdfica ou pratica filolégica: uma, se ela nao invalida a outra, a torna ao menos ilegivel. E impossivel fazer de outro modo, eis tudo. Nao se compreende nada em um texto como o Sobre Melisso, Xendfanes e Gérgias enquanto nao se o decifrar literalmentee longamente. Eis por que é tao dificil. E nele se 1é mais e outra coisa que nao se tinha pressentido ou que nao se teria inven- tado, eis por que é to interessante. Nao que se passe assim da filologia a filosofia como a uma esfera superior ¢ que teria fornecido em segredo uma pré-compreensao para executar as obras baixas, Nem que haja. na prépria filologia dois niveis 27 de interpretagao, um “baixo” e “de base” para operar sobre as palavras ¢ a gramaticalidade da frase, e outro mais alto para decidir do sentido geral e da identidade do texto, HA, antes, uma pratica unica que, seguindo simplesmente até o fim suas proprias leis, respeitando simplesmente a si mesma, no cessa de se erguer, do mesmo modo como sons articulados pelo jogo de suas articulagées acabam em discurso. Ao contrario, a separagao dos poderes filoldgico filoséfico tornaa primeira contente com hipdteses moles, e faz com quea segunda tenha falta de abertura e de desconfianga, cada uma recebendo da outra, sem sabé-lo, apenas ideias preconcebidas. 2, Doxografia do De M.X.G. O De M.X.G. é muita adequadamente designado por esta sigla que, embora fazendo dele uma entidade distinta, deixa apreender muito pouco de sua identidade; esse tri- plo pequeno tratado tradicionalmente publicado no final do corpus aristotélico tem, com efeito, por primeira e essencial caracteristica ter escapado e escapar ainda 4 identificacao. O objeto € nao identificado porque nao se sabe nem de quem ele fala, nem quem fala, nem, portanto, qual é finalmente 0 seu sentido ¢ o seu interesse. A filologia é constrangida por esse objeto paradoxal: ela se encontra confrontada com um texto que nao é nada além de um texto, que néo oferece meio de toma-lo do exterior, ¢ deveria forga-la a se tornar o que ela é: uma pratica primeiramente e essencialmente interna. Todavia, nao é nada disso, pois o primeiro enigma, a identidade daqueles dos quais se trata, é muito facil de re- solver, Sobre a {é do titulo transmitido pela maior parte dos manuscritos, dos quais R é 0 primeiro conhecido, trata-se até 2 edigdo de Bekker (1831), logo, também para Kant,' e para Critique de la Raison Pure, traduction A. Tremesaygues et B. Pacaud, 1 édition, Paris, 1944 (8°™ édition 1975), ». 378 3.5 édition W. Weischedel, ¥. I, Darmstadt, 1963, p. 468 s. FILS lege|,“ le Xenofanes, Zeno e Gorgias. No entanto, o manus- erito L., colacionado por Beck (1793), e que tem como titulo "Sobre Zcndo, Xenofanes e Gorgias”, permitia hd muito tem- identificar Xendfanes sob Zendo enquanto que Spalding, fia mesma época, ja reconhecia Melisso sob Xenofanes, e pro- punhao atual titulo. As provas de que se trata primeiramente dle Mel ‘altemunhos, e primeiramente o de Aristoteles;* referéncias iter nas no tratado;* e, sobretudo, comparacgao com os frag- Mentos conseryados, eles prdprios tirados de Simplicio, feita fom mintcia por Reinhardt.> Que se trate de Xendfanes e nao ‘le Zenio nao gera mais dividas: Zenao poderia dificilmente er mencionado como contraexemplo em um capitulo a cle ‘onsagrado,® ea concordancia com as diversas testemunhas,’ so convincentes: comparagao com os diversos emo aquela com Simplicio® estabelecida também por Rei- fhardt, é uma prova suficiente disso. Enfim, para Gorgias, a identificagéo nao gera questo, por causa da versdo corres- pondente de Sexto Empirico” * Legons sur Histoire de la Philosophie, traduction P, Garniron, II, Paris, 1971, p.266; Theorie Werkausgabe, Frankfurt, 1971, v. 18, t. 1, 7.4345, + Cl. om particular Metafisica, A 5, 986 b 18-21; Fisica, A 2, 185 2 32 s5 AA, 186 a 10-22. Recordacdo, no curso do tratado, do princfpio ‘nada provém de nada” com principio melissiano utilizado por Kenéfanes (primeiro enunciado do principio em M,, 1., 2s. ; recordagio em X., 8,, 1-3), recordagéo da dedugdo néo-engendramento ~ ilimitag4o como melissiana na demons- tnagito referencial de Gérgias (G., 6., 3-5) Purmenides und die Geschichte der griechischen Philosophie, Bonn, 1916, p. 90s. Ch X17, 12-14, Cf em particular Aristoteles, Met., A 5, 986 b 21-24; Hipdlito, Refutagoes, I, 14; Ps,-Pluterco, em Eusébio, Preparacao evangélica, |, 8, 4. Comentério sobre a Fisica de Arisidteles, p. 22, 1.26 s.. edigio Diels Centra os matemdticos, VU, 65-87. BARBARA CASSIN SE PARMEN DES Fs. Essa primeira identificagdo, necessariamente operada de fora, por meio de um método comparativo, é entéo compreen- dida como base e como modelo para resolver o segundo enig- ma. Busca-se quem fala, comparando tratado e testemunhos ja conhecidos, comparacao da qual se supde poder deduzir a diferenga entre a ou as fontes utilizadas, mas também entre as manciras de utilizd-las. Essa diferenga, compreendida em termos de perda e deformacao da informacao, permite atribuir sendo um nome, ao menos uma identidade histérica, temporal e doutrinal, ao autor anénimo. Um tal método s0 é aplicavel em virtude de uma certa pré-compreensio do texto como texto doxografico, e da prépria doxografia como repeticéo mais exata possivel das opinides dos fildsofos. O tratado entra entao em um género: o dos manuais escolares, mais ou menos bem feitos e mais ou menos tendenciosos.'” Chegamos assim a uma verdadeira doxografia do Anénimo: A partir dos manuscritos e segundo certos editores ou comentadores como Hegel, Karsten, Mullach, 0 autor é 0 proprio Aristoteles, que se trate de notas de cursos ou entao de extratos fragmentarios de uma obra mais importante. Outros, tais como Bessarion, Brandis, Bergk, Kern, e mais tarde Reinhardt ou Steinmetz, seguem a segunda mio do manuscrito R, e pensam que o tratado é de Teofrasto ou ent&o que 0 cita mais ou menos diretamente 4 maneira dos escritos de Simplicio. Outros ainda, em particular Gigon e Kerferd, retomam a opiniao que Diels, apés Zeller, professa nos “Prolegomenos” dos Doxographi Graeci, segundo a qual o Anénimo é um peripatético do terceiro ciclo aproximadamente. " A obra de J, Wiesner (Ps. Aristoteles, M.X.G.: der historische Wert des Xenophanesreferats, Amsterdam, 1974) fornece o exemplo mais recente € 0 mais tipico desse método. Para uma critica detalhada, ver minha resenha em Gnomon, 49, p. 773-784, 1977, 30 FU A menos que ele seja um peripatético tardio do século ou um eclético peripatético meio estoico, como 0 supée prio Diels em seu prefacio ao De M.X.G., seguido por perz ou Robin. Mas Gercke afirma que é um cético. Untersteiner, por sua vez, diz que é um megarico. E le concorda com sua opiniao, e responde a Kerferd: Per lusione, no resta che um Megarico.™ Nada impede, enfim, de combinar as hipoteses supon- Misturas, superposigoes, acréscimos, adi¢ées, todo um zle de fontes combinado por um Andénimo preocupado, exemplo, em eleatizar Xencfanes, como 0 afirma mais ‘entemente Wiesner. Alguns dizem que, outros dizem que, outros ainda que, ja enfim impede de dizer que. Tudo 0 que ha de certo é @: o discurso sustentado sobre o doxdgrafo é um discurso loxografico. £ importante, enquanto se mencionam todas essas ipoicses, ver bem a escassez dos fatos que sao tao contra- itoriamente interpretados. Primeiramente, os “erros” do hénimo, que atribui a Anaximandro o pensamento de que ilo ¢ Agua,” depois, a forma dialética sobretudo os “nem... jem” de Xen6fanes,” alguns termos estoicos,!4 alguns fatos le lingua raros destacados por Diels,'® enfim, a localizagéo # Zeller, Mondolfo, La Filosofia dei Greci nel suo svikippo storico, Florenca, 1967, I, 3, p. 54. # CIM, 18,35. X., 5. BG. 5 12,-17. 5; ver infra, p. 44. om particular Jekta, “exprimiveis”, X., 13. 4. 1 As locugdes ei kéluei, all’ara, ou mentoi ge, epei toi ge nao poderiam ser de ‘Teofrasto e fariam datar do século II], nos Doxographi, mas, por causa da letra xi Gbv) € do vocabulario poético (teknoun, atremein), acria necessario remontar até o século I, no Prefiicio ~ todos, aticismos © influéncias da literatura ética antiga, responde Untersteiner. HARDARA CASSIN SE PARMENICES 31 de certos temas, procedimentos, movimentos, com finalidade megarizante ou eleatizante. Mas que o erro seja de fato um erro, que a dialética seja acrescentada ou que ela conote com evidéncia sua origem, que as particularidades linguisticas sejam suficientes para datar com seguranga, e, sobretudo, que a finalidade nao seja uma construgao laboriosa de historiador explicando o des- conhecido - um texto anonimo ~ como mal conhecido — a doutrina megarica ou um hipotético renascimento da escola eledtica -, nada é menos certo. 3. O trafico filolégico ‘Todos esses juizos tem em comum o fato de considerar © seu objeto exclusivamente como uma fonte de informagées sobre Melisso, sobre Xenéfanes e sobre Gorgias; a exatidao dessa informagio da todo o valor do texto: do bastante bom ao muito bom para Melisso; melhor do que (Calogero, Gigon, Verdenius, Bricker), pior do que (Nestle, Loenen) ou dife- rente de (Untersteiner, Kerferd) Sexio, mas, em todo caso, bom para Gorgias; muito ruim para Xenofanes, em vista da magra concordancia com os fragmentos conservados por oulros caminhos e da forma dialética surpreendente dos predicades de deus; até Reinhardt ao menos, que se apoia no tratado para inverter a ordem até entao admitida e que I no Sobre Xendfanes a fidelidade a um auténtico dialético vindo para o pensamento depois de Parménides ¢ antes de Melisso, enquanto Untersteiner e Wiesner vio decifrar nele uma finalidade megérica ou neoeledtica, Como quer que seja, © texto néo tem nenhuma consisténcia enquanto tal; seu unico interesse é ser uma mina, entre outras, de ensinamentos a se extrair e peneirar, Ele ¢ escolar e tosco, como toda doxografia; ¢ ainda mais insuficiente por se tratar de doxografia tardias a0 que se acrescentam os defeitos suplementares devidos & ignorancia, a estupidez ou.a predisposicao do seu autor. Todo ae FIL balho de interpretagdo consiste, portanto, em desdefor- a informacao, isto é, tornd-la finalmente compativel com jue o cditor sabe ja por outras fontes, A pratica do texto que corresponde a essa concep¢do obra é igualmente normativa. Como o doxégrafo é mau io, o copista, que talvez nao saiba nem mesmo o grego, ¢ ligente e tosco; mas ele deve também, artefato contradi- io, ser bastante douto para melhor interpolar e corrigir, jim como o Andnimo ousaré deformar voluntariamente. texto, a ser reconstruido como a informagao, nao tem ou- modelo senao a sua conformidade ao sentido ¢ a sintaxe erados, sendo sua banalidade. Nenhuma de suas parti- laridades tem, nessa perspectiva, a menor chance de ser pada em consideragao. Também ha muito poucas frases @ niio tenham sido remanejadas, em um momento ou outro a tradigdo douta. Nao que os manuscritos, se colocarmos ‘de lado algumas lacunas, estejam aqui em um estado parti- tilarmente ruim; mas, como frequentemente, alguns deles entre os mais recentes brincam ja de fildlogo simplificante fhormalizante, e é o trabalho deles que as diversas edigdes erfazem, cada uma a sua maneira: é dificil representar a elficagdo fantasmatica do De M.X.G. tal como a pratica filoldgica e interpretadora no-lo transmitiu.'* De tal modo que essa filologia decepciona. Ela toma de empréstimo as vestimentas da ciéncia: da paleografia para justificar suas correcéesa partir de diferencas diacrénicas no tracado das letras ou na prontncia e pela probabilidade dos tipos de falhas; da graméatica para decidir sobre as possibili- dades do estilo; da historia para decidir quanto a interpreta- Ges aceitaveis. Mas, ao fazé-lo, ela, na verdade, trapaceia, na medida em que, em vez de explorar as singularidades de um ® Ver « comparacio entre os manuscritos Le R. A importincia das cor- recBes nos sugeriui guardar seu testemunho, no fim do aparato critico BARBARA CASSIN Sc PARMENIDES 33 texto e de uma transmissao, ela encoraja, assim, apenas essa distancia do objeto que autoriza todas as manipulagées. A filologia so é fiel a si mesma, s6 respcita as suas préprias re- Gras, ao deixar ao texto a chance de uma identidade maximal. 4. A inflacdo do sentido Mas como proceder, concretamente? O De M.X.G. é apenas um texto, sem autor. Em vez de lhe supor um género que autorize seu desmembramento com um tratamento nor- mativo da letra, 6 preciso recusar essa intimagao prévia: o tratado teria provisoriamente por género nao té-lo, A pratica se inverte entao: na falta de cinone para mensurare corrigiro desvio, 0 Unico recurso é 0 do proprio texto, a partir do qual, © somente em segundo lugar, indices de género poderiam ser detectados. E preciso, portanto, Partir de novo do texto como unico dado e se propor a ficco inversa: nao que o texto esta normalmente errado, mas que ele esté normalmente exato, € que convém dar razao a ele tal qual, o mais integralmente possivel, assim como se levaria em conta um fato. Mas quando nos propomos a lé-lo, ele repele; na verdade, nao compreendemos nada, nem no detalhe das frases, nem na visio de conjunto, Em vez de resolver imediatamente a dificul- dade local por uma correcdo ainda menos surpreendente pelo fato de que ela vai se fortificar por suas proximas repetigoes, prender-nos-emos a regra princeps da filologia, a da lectio difficilior, que impée analisar a expresséo mais singular: na ocorréncia, trata-se de examinar entre todas as licdes aquelas do manuscrito L. Um meio de acesso eficaz 3 literalidade ¢ partir de novo das corregées, compreender quais dificuldades de lingua ou de pensamento elas tem Por objetivo evitar; e depois, refletir sobre essas dificuldades e ver em que condicées, ara quem e por que, em virtude de quais Pressupostos, elas sao efetivamente dificuldades: em geral, elas remetem a uma falta de imaginagao, interditando o questionamento de uma 34 rus preensio imediata ou herdada; as duas senhoras dos erros, eonio alhures, sao a precipitacdo e a prevencao. F notavel Pane lexto a grande maioria das correcdes provém nao de impossibilidade linguistica, pois muito frequentemente a fitega se constrdi sem problema, mas de uma dificuldade near, Para vencer essa dificuldade, um unico recurso e pire mesmo: a letra do texto, prestar atengao a todas as ages diferenciais até entao negligenciadas, tais como a lem clas palavras, a presenga ou a auséncia de um artigo, a tribuigao das particulas, pois sao elas o rastro do sentido ai que mora o clique do seu mecanismo. Mas, ao endireitar 0 pau torto, corre-se um risco simé- fico, Pois é verossimil que uma porgio de texto, qualquer @ fe) scu agenciamento, apresente sempre ou quase sempre “sentido” que uma atengdo e um tempo suficientes farao ir do seu esconderijo. E, em vez de um, é uma pluralidade e sentidos que uma combinatéria exaustiva dos elementos ‘rte o risco de produzir. O editor, ao praticar assim, fica pidamente rico demais: com que direito, a partir de que itérios, escolher entre os sentidos, nao apenas aqueles das diversus corregSes, as vezes toscos mas tao faceis e verossi- eis, mas, além disso, cada um daqueles propostos por cada a das ligdes manuscritas? Como eleger 0 “um-sentido”, 0 "Verdadeiro” sentido? -nos ai, no circulo hermenéutico. $6 pode se tratar de iim vai e-vem entre os sentidos parciais possiveis e a antecipa- glo clo, ou dos, sentido(s) do texto inteiro, que ja sempre serviu de horizonte para a constituicdo dos sentidos parciais, mesmo que sendo ele proprio constituido a partir deles. Nesse nivel, niio poderia haver nenhuma diferenga de esséncia entre uma pratica rapida e redutora da filologia e uma pratica rigorosa até a obsessao e imaginativa até o delirio. Todas as cuas tém ao menosa ambicao de nao deixar nada de lado e de produzir sistematicamente a identidade do sentido. wo o BARBARA CASSIN SE PARMENIDES Pareceu-nos, também aqui, que 0 unico remédio ou a unica garantia era a lentidéo: esperar, o mais longamente possivel, explorando o maior numero de sentidos possiveis e deixando-os abertos, cada um sem suas sequéncias possiveis, que um certo numero dessas possibilidades manifeste sua incompossibilidade e que o leque do sentido se feche enfim. O fildlogo é necessariamente leibniziano: trata-se, para ele, de dar razao; tudo, cada elemento do texto, cada falta como cada correcao, deve ser explicado; ¢ principio do melhor: é preciso editar o melhor texto possivel; 0 que se entende sempre como principio de economia: fazer mais com menos, com 0 minimo de despesa, isto é, com o minimo de milagres, de decretos particulares, de distorgdes em relacdo aos dados, o maximo de variedade; se sao dados tanto a letra do texto transmitido quanto um certo estado gramaticalmente legal da lingua, as despesas serao as Correcdes e as anomalias, ea variedade, a “riqueza” do sentido. O intérprete se encontra entdo em posi¢ao divina: é calculando que ele faz o mundo, que ele organiza e solidifica o texto. Sabemos que, se houvesse muitos melhores mundos, Deus nao teria criado nenhum deles; assim, necessdria ao sentido, para ser tal, a unicidade do superlativo: somente o melhor dos sentidos possiveis 6 0 sentido efetivamente real, e enquanto subsistir uma hesitacdo econémica, o cosmos do texto permanece inacabado. Foi de fato necessario consentir ao fato de que, as vezes, seja este o caso. Mas, com toda evidéncia, 0 texto sé ¢ tal, tal comoem si mesmo, no fim, como produto dessa operacao criadora: onde se torna manifesto que seu estatuto de fato é um estatuto de fabri 0 e de ficcao. Aqui mesmo, quanto ao De M.X.G., nés apenas fizemos respeitar esse principio da filologia elementar: 0 minimo de despesa para 0 maximo de sentido. E somente esse respeito nos conduziu a um resultado desconcertante em relagao as edigdes precedentes. Pode-se, é claro, colocar em causa a valorizacao de cada despesa: nds decidimos frequentemente af FILO. Ma corregdo paleograficamente minima como 0 acrés- 6 ola subtrag4o de duas letras formando uma negacao, exemplo, era mais custosa que significante, enquanto, ntrario, certas distorgées sintaticas como a presen- esperada de um artigo, de uma particula ou de um jo, eram mais significantes do que custosas. E que, por lado, uma lingua, por mais morta que ela seja, n4o se liz nem a seus diciondrios nem ao conjunto das regras Inentadas em suas graméticas. E que, por outro lado, um ‘© constitui um império em um império, tanto por seu lo quanto por sua visada: 0 circulo ou, antes, a circulagao ve compreensio do todo e compreensao de uma parte é evitavel, e uma vez reconhecidas aqui a pertinéncia ¢ ecisao das tematicas da predicacao ou da negacao, uma regio dirigida a esses pontos nao poderia ser admitida io com um grande custo. [nfim, essa “tiqueza” do sentido, alvo da operagio eco- mica e residuo da metafora, é bem dificil de definir. Na tica, o editor se vé preso entre duas inflagSes: a das cor- Ges, uma correcdo levando a outra, e depois a outra, até a nalizagSo crescente de uma relacao de policiamento que faz, lim texto sua prépria pardfrase; a das manutengdes, uma ’nuteng4o levando a outra ou, antes, cada interpretagao que toriza uma manutencao levando a outra, uma fioritura de entidos a mais, cada vez mais sentidos, até fazer do texto, dessa vez, 0 seu proprio abismo. A riqueza do sentido deve- A ser, entéo, normalmente “prdtica” em todos os sentidos lo termo: nem demais nem pouco demais, nem numerosos ortes textuais nem fetichismo da letra, nem conformidade is normas nem idioleto incompreensivel, meio termo entre ‘A tolice da insuficiéncia de sentido ¢ a extravagincia do giro de sentido excessivo. Mas aqui, com um texto do qual se pode tudo esperar e tudo temer, a economia do sentido nao pode nao ser realmente inflacionista. Como se a hipotese de um discurso maximal, BARBARA CASSIN SE PARMENIDES a7 sem determinagao genérica, requeresse uma filologia maximal ou maximalista. O excesso do sentido tem a ver com a par- ticularidade do texto sem género, duplicado pela resisténcia de cada um de seus elementos, que opée a toda compreensao totalizante uma singularidade que se renova sem cessar. Ou- sariamos dizé-lo asi! 6 ridiculo nao mata? : o “verdadeiro” sentido € aquele que 5. O fio condutor Foi bastante encorajador para essa pratica o fato de que ela autorizava uma hipétese minimal no que diz respeito ao tratado, a saber: o De M.X.G. é efetivamente compreensivel. O que significa dizer que ele nao se deixa apreender apenas como uma fonte de informagio, mas como um conjunto es- truturado, como uma obra. Ou antes, nao identificado nessa instabilidade conotada pela obra, o texto assim abundante de um sentido sem limite parece seguir uma inclinagao. Ele se encaminha para um momento em que diz, ele proprio, o que se deve pensar dele, e desemboca no que esta propriamente em jogo nele. Nao que a teoria se enuncie a parte: ela é legivel apenas na condugio, na pratica do discurso que ele é. Pois ele indica sua finalidade ao se desenrolar, e seu télos coincide com seu termo. De tal modo que, assim como nao se pode dizer que um homem € feliz antes do dia de sua morte, sé se percebe o tratado com a sua ultima frase. O primeiro indicio em favor de uma consisténcia pro- pria do tratado é a ordem surpreendente que ele faz suceder, contra toda evidéncia cronolégica, Melisso, depois Xendfa- nes ¢ Gérgias: enquanto todos os testemunhos concordam em fazer viver e pensar Xen6fanes antes de Melisso, 0 Sobre Xenéfanes segue, e nao precede, o Sobre Melisso. E claro que €licito extrair argumento da mesma observacao exatamente para estabelecer um menos de sentido: 0 autor nao sabe nada sobre isso ¢ justapée ao acaso; ou ainda: a transmissao é 38 rus tuosa, ela inverteu, secbes intercaladas foram até mesmo dlidas.” Mas, se ha indicio, se ha sentido, é preciso supor ontrario que Xendfanes ¢ um elo tedrico intermedidrio Melisso e Gorgias Resta determinar de qual cadeia. O segundo indice, plicito e fornecido justamente pela altima frase ela mesma,"* precisar a hipotese. Se “todos e Gorgias sio aporias de lores mais antigos”, é porque o tratado constitui um todo ells elementos, uma série. O ultimo elemento da série, gias, é manifestamente notavel ja que os outros veem se der até eles sua caracteristica; eles sio, como ele, uma joria”: um incdmodo, um obstaculo que se pode apenas Htornar. E, portanto, a partir de Gérgias que a sucessao isso-XenOfanes deve poder se compreender. Além disso, porias que eles constituem, todos os trés, so “feitas a ir de autores mais antigos”: uma interpretagio completa \siderara, portanto, os trés autores a partir do aquém de um Hsamento anterior. A cadeia Melisso-Xendfanes- Gorgias , assim, ser interpretada, ao mesmo tempo, retroativa- mite, desde o ultimo elo, e em referéncia a uma origem nao erita na cadeia. Ha, no que concerne a essa origem, uma suposi¢io itével; com efeito, Melisso e Xendfanes nao tém, nenhum dois, identidade senao em relagao ao pai dessa escola itica 4 qual é notorio que eles pertencem: Parménides. sua vez, as teses escandalosas de Gérgias reportadas tratado — “nada é; se é, 6 incognoscivel; se € e se é cog- oscivel, ¢ incomunicayel” ~ sempre apareceram como se ‘Pa hipdtese de Zeller, de Diels, de Burnet, os quais, essencialmente por ‘fazbes de completude interna (referéncia a Zendo paralela a de Melisso em G., 2., 16-18; multiplas referencias a Zenao ¢ a Parménides), consi- ileram que uma seco tenha sido consagrada a Zenao, até mesmo uma putra a Parménides. fy 12. JARDARA CASSIN SE PARMENIDES: 39 referindo manifestamente ao pensamento de Parménides para contradizé-lo."° A cadeia tedrica iria, portanto, de Par- ménides a Gérgias. Para Aristételes, Melisso e Xendfanes nao sao nem me- tafisicos, em fungdo do seu conhecimento insuficiente dos primeiros principios,” nem fisicos, j4 que eles nao tém em vista a pluralidade nem © movimento.” Seus raciocinios e todos os seus discursos sao “eristicos”, eles partem de pre- missas “falsas” e sao “incapaz ie silogizar”. Fles deveriam, antes, ser colocados ao lado daqueles “que falam pelo prazer de falar”, ora, a expres: caracteriza, na sua esséncia mesma, 08 sofistas.# O fio do tratado, nesse aspecto, ao mesmo tempo nio-aristotélico ¢ aristotélico, seria mostrar como Melisso e Xendfanes sao ja sofistas ou em que eles cometem o parricidio e conduzem, portanto, de Parménides a Gorgias, da phusis ao logos, do ser ao nao-ser, da ontologia a sofistica. Encontrar as condigées de possibilidade do discurso escandaloso de Gorgias no modo singular como Melisso, e depois Xendfanes, repetem ¢ transformam Parménides, eis o que constituiria a perspectiva prdpria do tratado, ainda no percebida. 6. O “algo” de Melisso Para que “o ente” de Parménides possa se aniquilar em “nada” de Gorgias, é preciso 0 “algo” de Melisso. O Poema de Parménides parte da afirmagio divina: “que é”, ¢ o verbo desdobra af a esfera da sua presenga, que € a0 mesmo tempo a da linguagem se estruturando ela pré- pria, para que venha a se dizer, no termo da declinagao dos ° Ch infra, p.53-55, eoconjunte docepitulo “O Pamnénidesde Gorgias”, p.53-83. » CE. Met., A 5,986 b 10-27. Phys, A 2, 184 b 25-185 a 1. % [bid,, 185 a 6: ton logou eneka legomendn; c&. infra, p. 100. “a “ C Fa eclicados, seu sujeito: “o ente”.® Dessa afirmagio original 2 rimeira frase da exposigdo melissiana: “se algo é”,”* nao hé simples retomada em um modo hipotético. Pois a hipétese, na demonstracdo da eternidade em que ela figura, ndo é direta- nic incompativel nem coma pluralidade nem com o devir: p “algo”, diferentemente do “ente” unoe todo inteiro presente, deria muito bem sem contradic&o ser uma multiplicidade devir. E que, com 0 “algo”, Melisso parte, em uma sintaxe {A reflexivamente constituida, do sujecito como possibilidade jquirida eo assinala de inicio como lugar gramat icalmente 0. Trata-se entdo de reencontrar o sujeito presente, ente cnte” propriamente dito -, por meio da predicagio que {orna assim o centro da metafisica. Ora, a predicacao determina um sujeito essencialmente jlural, lugar sintético da multiplicidade mutante dos predice- dos. A diferenca tao observada entre Parménides e Melisso, que o ente nao seja mais uma esfera limitada® mas algo de {limitado,?* encontra aqui o seu fundamento: o “algo”, para ‘ge tornar o ente, tem que poder totalizar a infinidade virtual de seus predicados,” e é apenas ao fim dessa operagao que # Cf 28 B 2,3 DK : hopés estin, “que 6”, ibid., 8, 32; to eon, o “ente”. Essa leitura do Poema éaquela que o proprio Gorgias sugere, ver infra, p. 53-83. ‘AM, 1, 1: ei ti esti, “se algo é”. Cf também a critica do doxégrafo em M.,, 15.. £ uma grande aberragao de método e de pensamento querer, para reencontrar 0 #, “algo”, corrigir 0 texto parmenidico como fazem Rrdcker ¢ Loenen (Brécker propde ler esti ti no Ingar de esti teno verso 3 do fragmento 2 - p. 428 de seu artigo, nota 1 - e Loenen constréi 0 canjunto do seu livro sobre a basic thesis dos eleatas: ef esti ti; cf. $43, p. 176 e.g). ® 28 8 8, 42-49 DK, CLM. 2. ® A indicagao de Aristoteles em Met., A 5, 986 b 18-21, segundo a qual Melisso, diferentemente de Parménides, ter-se-ia ligado ao “um segundo a matéria (jon kala ter: hulen)” ¢ ndo “segundo a forma (fou kata tom logon heros)” se preste a uma tal interpretagio, na medida em que a BARBARA CASSIN SE PARMENIDES 4L a cépula encontrar seu sentido existencial e 0 algo, uma consisténcia de ente, Em consequéncia, mesmo os predicados idénticos quan- to ao nome nao tém o mesmo sentido em Parménides e em Melisso: “eterno”, em particular; se isso designava, no Poema, a pura presenca do ente, sofre, aqui, a difragdo caracteristica de uma representacao espacial do tempo e reenvia 4 permanéncia do sujeito através do passado e do futuro. Da mesma forma, seé“um” e “todo”, nao é mais como a esfera necessariamente Unica pelo simples fato de sua constituigao a partir do “é”.A unidade do algo &, antes, essencialmente numérica, garan- tindo apenas que o sujeito seja um e nao dois, Portanto, que todo predicado, qualquer que seja, é efetivamente predicado do sujeito. Mas, uma vez que ele é “todo”, isto é, uma vez que qualquer predicado tem que ser predicado do Sujeito, a iden- lidade do algo é necessariamente inacabada e infinitamente incompleta. Seu predicado mais adequado, que permite pensar ainda essa identidade através do conjunto inesgotavel das diferencas predicativas, é ser “tal”: 0 unico sujeito, a cada vez idéntico ao predicado considerado, é sempre “tal” ou “tal”, “um tal” nao importa qual. A fidelidade de Melisso frente ao mestre Parménides produz apenas essas heterodoxias. fi por ser mais parmeni- dico do que Parménides que Melisso escolhe a ilimitacao: ela permite afastar do ente, com sua representagao como esfera limitada, uma suspeita de corporalidade; ora, essa suspeita, explorada por um Zeno, por exemple, basta para aniquilar ponto por ponto o que se chama de corpo, divi- sivel ao infinito. Da mesma forma, a pluralidade em devir que constitui, no Poema, o mundo da doxa é absolutamente matéria € por exceléncia 0 sudstrato-sujeito primeiro capaz de todos os predicados, mas em si indeterminado, “zoristo”, e quase-nada * Para “eterno”, cf. M,, 1. E2. para “todo”, cf. M., 3 ; para “tal”, ch M,, 6 ae FILO cluida da ontologia melissiana; para produzir e preservar a integridade do ente, Melisso faz j4 como os mais platini- (los intérpretes de Parménides: ele confunde 0 aparecer pif 0 ndo-ente; nao apenas a pluralidade é uma “aparéncia em relidao”, mas os dados sensiveis sao ilus6es puras que téscimo de fidelidade, esse escoramento de Parménides a to dele, produz uma infidelidade muito mais pesada. lois ¢ por se achar assim purificada, logicamente exacerba- JA, sobreidentificada, que a identidade do ente comega a se legradar, reduzida ao “algo” como suporte da predicagao. Simultaneamente, 0 escoramento produz uma verdadei- 4 mudanga de discurso: enquanto o Poema se desdobra ele Proprio como o “€” que ai se deixa pensar, as teses atribuidas a Melisso se encadeiam de uma maneira totalmente diferente. — Elas constituem uma série de demonstragées e, como tais, esto submetidas de saida ao conjunto de principios légicos. Flas tém por motor o principio de nao-contradigao e 0 do terceiro-excluido, j4 que cada uma, procedendo por absurdo, foma como premissa 0 predicado contraditério aquele que ela entende demonstrar, e prova sua impossibilidade pela contra- digo das consequéncias que dai decorrem com o ou 0s predi- cados j4 demonstrados do sujeito. Ea primeira demonstragao, a do predicado “eterno”, nao tendo predicado anterior sobre © qual se apoiar, expGe a impossibilidade do engendramento por contradig4o com uma premissa geral e evidente, que ndo é senao 0 principio de razao sob sua forma “vulgar”, diria Leibniz, e escolastica: nihil ex nihilo, “nada provém de nada”.** E esse excesso de fidelidade que vai abrir a via, quanto 408 efeitos produzidos assim como quanto ao préprio proce- dimento, para o discurso de Gorgias. » Cf, Parménides, 28 B 8, 50-61; M., 8. E 9. * My 1, 1-3; 24, 10. EU BARDARA CASSIN SE PARMENIDES. 7. O deus neutro de Xenéfanes Via Xenofanes, pois a heterodoxia maior de Xenofanes ~ que presta, no entanto, testemunho de sua fidelidade a Parménides -, constitui, de fato, o clo intermedidrio entre Melisso ¢ Gérgias. Melisso transforma a esfera do ente em um algo de ilimitado, s6 existindo como suporte da predi- cago; Xendfanes torna manifesto que, ao menos em certos casos, toda predicacao Ihe é inadequada: esse algo, suporte da predicacao, mas de uma predicagao nao efetudvel, ndo pode mais entao sendo se aniquilar. Para comegar, “o ente” de Parménides, que se tornou o “algo” de Melisso, chamado de “deus” por Xenéfanes: que esse terceiro termo forme série é garantido pela oscilacao constante entre masculino e neutro que serve para designé-lo.* Seo ente e 0 algo, ainda que de modo essencialmente diferente, eram todos dois “eternos”, do deus dir-se-d que ele é “impossivel”, a saber: “impossivel que ele provenha”.” A formulagio tem seu interesse, pois 0 bem nomeado “deus” se revela efetiva- mente impossivel, tanto um impossivel da predicacio como da representacao. E sua propria singularidade, sua diferenga paracom tudo 0 que nao € ele, que interdizem que se chegue a identifica-lo: o deus, com efeito, que é e que é um, nao se assemelha nem ao nao-ente nem a pluralidade e nao pode, portanto, parti- lhar nenhum dos predicados deles; ele nao poderia ser “nem ilimitado” como o primeiro, “nem limitado” como a segun- da, e muito menos “imédvel”, nem “em movimento”? Quer esses predicados antinémicos que fizeram correr tanta tinta sejam autenticamente de Xendfanes ou jd uma interpretacio, eles constituem, em todo caso, 0 aporte préprio do Sobre * CEX,15X, * CfX,1, 1s. ® X86 44 AeHidfanes. Pois, assim como o obserya o Anénimo, “o que is so todas as coisas, além do fato de ter ou nao ter 0 0's" de tal modo que 0 ente é necessariamente ou isto li ndo-isto, eo que é “nem... nem” corre 0 risco de ser — para pdos como para Gorgias em seguida, aniquilando, em sua lemonstra¢ao referencial, o sujeito, na falta de qualquer pre- leado ~ “nada”. Uma vez que o deus se deixa caracterizar, a contradicéo le sua natureza se torna ainda mais manifesta, ¢ ele se poe H\lo como um impossivel da representacao. Assim, Xend- lates predica ainda, de seu deus, a esfericidade parmenidica iM, Mais exatamente, uma esfericidade atenuada, algo de uma jera:a “esferoidicidade”.* Mas como uma esfera poderia nao er limitada? Da esfera limitada ao algo de ilimitado, e do algo ilimitado a um esferoide nem limitado nem ilimitado, a re- esentagao fisica parece cada vez mais inadequada e se torna ‘Fiesmo totalmente impossivel: é preciso que “isso” nao seja um corpo. Nao podemos mais nos espantar, desde entao, como fato de que lhe seja aplicada a mesma ndo-predicagdo que ao dlivisivel”, que ao “4tomo”. Como o sublinha Aristoteles,” Gente, concebido como um e indivisivel, logo, como incor- poral, nao é “nem ilimitado como 0 afirma Melisso, nem Himitado como para Parménides”. Ele se produz, assim, com ‘44 Impossibilidades correlativas de representar e predicar, uma Hadificagao do ser muito proxima de uma atomizacao, que leitura de Gérgias® confirmard amplamente. Como quer jie seja, é importante observar de novo, ao menos na ordem 0 De M.X.G., que é somente por fidelidade a Parménides, OX, 13.175. OL. G,, 2, e infra, p. 65-67. x © Phiys., A2, 185 b 16-19. * Ver infra, p. 104-107. |ARDARA CASSIN SE PARMENIDES 45 lido como pensedor do ser ¢ nao como “fisico” do corpo, que Melisso e depois Xenofanes o repetem diferindo-se dele. Mas essa diferenga fiel produz um efeito catastréfico, aniquilando, na verdade, o que ela garante. Como em Melisso, mas ainda mais, ej4 como no discur- so sofistico, as demonstracées repousam sobre uma aplicagdo estrita, e mesmo furiosa, dos princfpios légicos. O Anénimo, que retoma uma a uma as teses, para criticd-las, remete os predicados antinémicos a um desconhecimento da distingdo aristotélica entre negacao e privagao. E por nao respeitar essa nuance, que permite, sé cla, um funcionamento correto dos principios de nao-contradicao e do terceiro-excluido, que Xenéfanes seria conduzido a suas conclusées paradoxais. Uma andlise dos textos aristotélicos que tratam da pri- vagao nos ensinz que ela difere desse outro modo de opor que éa negaciio por duas caracteristicas essenciais: ela se aplica a termos, portanto, a atributos, e nao a proposicées, portanto, averbos; mas, sobretudo, ela implica algo mais que a simples “auséncia” de uma qualidade: uma “natureza subjacente”, um “rosto” ou uma “esséncia”.”” Um homem, por exemplo, sera dito “privado de visdo”, “cego”, porque naturalmente ele deveria ver. A privacdo indica indiretamente essa faculdade, atualizando a auséncia sobre um fundo de presenga; ao con. trario, uma pedra ou o bem serao “negadus” de visao, isto & situados por uma nega¢io fora da esfera do predicado. O Anénimo, retomando essa disting&o com a maior exatidao,"" se serve dela para mostrar que 0 ndo-ente sé é » Ver em particular Mer., I 2, 1004 a 9-20 e Phys. B 1. 193 b 19 6 cf. 0 co- mentirio de uma precisio perfeita que da disso Heidegger em “Ce quest et comment se détermine la Piusis”, Questions Il, Paris, 1968, p. 265-276 (‘Von Wesen und Begriff der dict”, Gesamtausgabe, 1,9, Frankfurt, 1976, p. 294.301 [Rd. bras.:A essénciae oconceito de Docicem Aristételes - Fisica B, 1 (1939), Marcas do caminho. Petrépolis, RJ: Vozes, 2008] ) CE X15, € 16, 46 rnd srosumente suscetivel de negagées, enquanto o ente pode eer alirmagoes e privagdes, mas também negacies exa- iHenle como o ndo-ente, Se o nao-ente é necessariamente -moyel” segundo a negacao, um ente, por sua vez, pode ay positivamente “em movimento” ou privativamente aif Fepouso” quando o movimento cessa; mas, se ele nao é A corpo, Giremos dele justamente que ele é “nao-mével”, giundo a mesma negagao que se aplica ao nao-ente. O fnino refuta assim a demonstragao de Xenofanes. Por lado, ente e nao-ente podem ter atributos comuns: as gacdes; nao é portanto porque o nao-ente é ilimitado ou vel que o ente néo poderia sé-lo, por sua vez. Por outro do, o que Xendfanes atribui ao néo-ente nao pode real- ‘ite ser-Lhe atribuido, uma vez que cle nao distingue entre dvel” e “nao mével”, uma vez que se trata de privacées 0 de negagées. A critica faz assim a privagéo aparecer com um in- mediario essencial entre os contrarios, que permite aos Wincipios logicos funcionar sem rusticidade. Pois, ao tomar fercciro-excluido ao pé da letra assim como Xenofanes se iliza dele, é impossivel manter uma distingao entre uma prmulagao estranha do tipo “o deus nao é nem mével nem midvel” ec uma absurdidade pura e simples: “o deus ¢ ao eso tempo mével e imdvel”."' Dito de outro modo, é nao spenas O respeito a Parménides, mas também o respeito 4 ica que, levados a seu ponto extrema, produzem uma in- eFallo catastréfica. Mas Xen6fanes nao tem, por assim dizer, Pois, por outro lado, a insisténcia aristotélica sobre privagao, na encruzilhada dos conceitos maiores que sao 0 idente” (@ privagdo nao ¢ uma negagao da esséncia, mas ‘apenas a de um predicado) e a “poténcia” (a privagéo marca lugar vazio, ela é presenca da auséncia, possibilidade PELN IS, 24 JABARA CASSIN SE PARMENIDES. nao atualizada), faz dela a chave da refutagao do eleatismo.” Assim, Xendfanes, ao evitar a armadilha da representacao corporal @ maneira de Zenao, e a armadilha da refutacéo aristotélica, acaba produzindo um eleatismo pronto para a “sofisticagao”, pronto para a sofistica, Do ente parmenidico ao “algo”, do algo a um “deus” neutro, nao tendo nem um nem 0 outro predicados contra- rios, e mais préximo assim de um “nada” que de um algo; da fala poética estruturando-se ela prépria a uma ldgica predicativa e demonstrativa, da obediéncia a essa légica a um excesso de obediéncia que autoriza a absurdidade: Gérgias pode agora discursar. 8. A repeticao critica Se tal é a inclinagao do De M.X.G., entao o Anénimo que © teria assim organizado ja nao é mais totalmente um desconhecido. Ele repete 0 eleatismo de maneira a mostrar sua finalidade ou, antes, 0 termo, como discurso de Gorgias. Reale se enganava: ha ainda uma identidade imaginavel para o Anénimo: 0 Anénimo é um sofista. Isso nao significa que o Anénimo seja um sofista ~ que ele va de cidade em cidade professar ¢ fazer-se pagar por seu discurso -, mas que ele realiza a virtualidade sofistica da doxografia. Nés nao fariamos aqui nada além de acrescentar uma linha a mais & sua propria doxografia, se a supasigaéo nao permitisse tanto dar sustentagao 4 andlise da critica que ele acrescenta, a cada vez, a exposigdo das teses, quanto escla- recer todo um aspecto do discurso dexografico. O interesse do De M.X.G. - por que tanta preocupagao com um negécio tao insignificante? - é, portanto, duplo: ao mesmo tempo construrao da necessidade tedrica de Gorgias, se Parménides, e o pér-se em ato do discurso doxografico permitindo essa @ Ver Phys. A8. 48 FILO petruyio — mas essas hipdteses de trabalho sé ganharéo €8 0 scu sentido apés a leitura do Sobre Gorgias e o estudo t discurso sofistico.? Do mesmo modo como Melisso e Xenéfanes enfraque- fi 0 enle parmenidico exatamente por pretender garanti-lo hor, do mesmo modo como 0 Tratado de Gorgias, nds Femos, é essencialmente uma repeticao catastrofica do ia, do mesmo modo, é sempre “em conformidade com ue ele proprio diz” - “ele”, a ser entendido como o outro, ele que sustenta a tese, Melisso, Xendfanes ou Gorgias -, Hanto, por um efeito de repetigéo, que o Anénimo inau- di inversdo dessas mesmas teses."* Trata-se, a cada vez, ele, de tocar o ponto de apoio da tese que é, ao mesmo po, o seu ponto de bascula e de propor assim, como que iiterior, sua refutagao, de produzir uma autorrefutagao. peticdo em aparéncia puramente repetitiva - “doxogra- no sentido usual do termo - propria 4 exposicao das 568 encontra assim a sua verdade em uma repetigao critica, Um exemplo disso, dentre outros significativos, esta, Mi diivida, na critica de Melisso, na evidenciagado de que widade caracteristica do “algo” deve necessariamente se amentir a si mesma. Melisso a concebe como a unicidade tim “todo”, nao apenas sujeito unico, de uma unidade mas ainda mais e sobretudo “homogéneo”, de uma dade interna, perfeitamente idéntica a si mesma apesar sua ilimitagao, Mas 0 Anénimo mostra que esse um se Mtradiz cada vez mais intimamente, nao podendo nao im- licar uma pluralidade de partes diferentes umas das outras, esmo cada uma diferente de si mesma; de tal modo que ‘Tijfro, p. 87-112, #f em particular M,, 10. 2s. 513. 1519, 3-55 2948.3 31, Is. Xa 9s 20.42; 17, 145.5 G, 14-1755 158. ABARA CASSIN SE PARMENIDES

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