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Mestrado Profissional

em Matemática em Rede Nacional

Iniciação à Matemática

Autores:

Krerley Oliveira Adán J. Corcho

Unidade II:

Capítulos III e IV
3
Divisibilidade

Os números governam o mundo.

Platão

A teoria dos números é o ramo da Matemática que estuda os mis-

térios dos números e teve sua origem na antiga Grécia. Os belíssimos

problemas ligados a esta área constituem, até hoje, uma das princi-

pais fontes inspiradoras dos amantes da Matemática. Além disso, essa

área possui várias aplicações úteis a humanidade, como por exemplo,

o processo de criptograa usado em transações pela Internet.

Alguns problemas em teoria dos números demoram séculos para

serem resolvidos, como por exemplo o último teorema de Fermat, que


arma que não existe nenhum conjunto de inteiros positivos x, y, z e n

com n maior que 2 que satisfaça xn + y n = z n . Esse problema foi ob-


jeto de fervorosas pesquisas durante mais de 300 anos e foi nalmente

demonstrado em 1995 pelo matemático Andrew Wiles.

Ainda hoje persistem muitas questões naturais e simples sem res-

posta. Por exemplo, ninguém sabe mostrar (apesar de todo mundo

89
90 3 Divisibilidade

acreditar que é verdade!) todo natural par é soma de dois pri-


que

mos. Essa é a famosa conjectura de Goldbach. Essa simplicidade de se


anunciar problemas e a extrema diculdade em resolvê-los faz desta

área um grande atrativo para os matemáticos do mundo todo.

Este capítulo será dedicado ao estudo de algumas propriedades

básicas relativas aos números inteiros.

3.1 Conceitos Fundamentais e Divisão Eu-

clidiana

Denotamos por Z o conjunto dos números inteiros formado pelo con-

junto dos números naturais N = {1, 2, 3, . . .} munido do zero e dos

números negativos. Ou seja, Z = {. . . , −3, −2, −1, 0, 1, 2, 3, . . .}.


Começamos observando que a soma, diferença e produto de núme-

ros inteiros também serão números inteiros. Entretanto, o quociente

de dois inteiros pode ser um inteiro ou não.

Uma das propriedades fundamentais dos números naturais que uti-

lizaremos ao longo do texto é o conhecido princípio da boa ordenação,


que arma o seguinte:

Princípio da Boa Ordenação: todo subconjunto não vazio A ⊆ N


possui um elemento menor que todos os outros elementos deste, ou
seja, existe a ∈ A tal que a ≤ n para todo n ∈ A.
Por exemplo, se A é o conjunto dos números pares, o menor ele-

mento de A é o número 2. Por outro lado, observamos que o conjunto

dos números inteiros não goza da boa ordenação.

Apesar do princípio da boa ordenação parecer inocente e natural,

muitos resultados importantes a respeito dos números naturais decor-


3.1 Conceitos Fundamentais e Divisão Euclidiana 91

rem do mesmo, como veremos ao longo de todo este capítulo.

Denição 3.1. Sejam a e b inteiros. Dizemos que a divide b se existe


um inteiro q tal que b = aq . Também usaremos as frases a é divisor

de b ou b é múltiplo de a para signicar esta situação.

Usaremos a notação a | b para representar todas as frases equi-

valentes ditas anteriormente. Se a não for divisor de b, então escre-

veremos a - b.

Exemplo 3.2. 7 | 21 pois 21 = 7 · 3. Por outro lado 3 - 8 pois


considerando o conjunto M = {3m, m ∈ N} = {3, 6, 9, 12, . . .} dos
múltiplos positivos de 3 vemos que 8 não pertence ao mesmo.

A seguinte proposição é um bom exercício para entender os con-

ceitos enunciados acima.

Proposição 3.3. Sejam a, b e c números inteiros. Então,


(a) se a | b e b | c então a | c;

(b) se a | b e a | c então a | (b + c) e a | (b − c);

(c) se a e b são positivos e a | b então 0 < a ≤ b;

(d) se a | b e b | a então a = b ou a = −b.

Demonstração. Se a|b e b|c então existem inteiros q1 e q2 tais que

b = aq1 (3.1)

c = bq2 . (3.2)
92 3 Divisibilidade

Substituindo (3.1) em (3.2) temos que

c = aq1 q2 = aq, onde q = q1 q2 ∈ Z, (3.3)

provando isto a armação feita em (a).

Agora provaremos (b). Com efeito, se a | b e a | c valem as

igualdades

b = aq1 , q1 ∈ Z (3.4)

c = aq2 , q2 ∈ Z. (3.5)

Operando com os ambos lados das igualdades (3.4) e (3.5) temos que

b + c = a(q1 + q2 ) e b − c = a(q1 − q2 ),
| {z } | {z }
r∈Z s∈Z

obtendo assim o resultado desejado.

Continuamos agora com a prova de (c). De fato, se a | b, sendo

ambos positivos, então b = aq com

q ≥ 1. (3.6)

Logo, multiplicando por a ambos lados de (3.6) temos (como a é posi-


tivo) que

b = aq ≥ a > 0,

como esperávamos.

Finalmente, provaremos (d). Com este propósito observamos que

se a|b e b|a |a| divide |b| e |b| divide |a|. Portanto, pelo item
então

(c) temos que |a| ≤ |b| e |b| ≤ |a|, ou seja, |a| ≤ |b| ≤ |a|. Logo,

|a| = |b| e consequentemente a = b ou a = −b.


3.1 Conceitos Fundamentais e Divisão Euclidiana 93

Exemplo 3.4. Prove que o número N = 545362 − 7 não é divisível por


5.

Solução. Vamos mostrar isso utilizando o método do absurdo. Se


45362
este número fosse divisível por 5, então 5 − 7 = 5q . Logo, 7 =
45362
5 − 5q , ou seja, 7 seria divisível por 5, o que é um absurdo.

O próximo passo de nossa discussão é ver o que acontece quando

um número não é divisível por outro. Por exemplo, analisemos se 31 é

divisível por 7 e para isto listaremos a diferença entre 31 e os múltiplos

positivos de 7, isto é:

r1 = 31 − 7 · 1 = 24,
r2 = 31 − 7 · 2 = 17,
r3 = 31 − 7 · 3 = 10,
r4 = 31 − 7 · 4 = 3,
r5 = 31 − 7 · 5 = −4,
r6 = 31 − 7 · 6 = −11,
.
.
.

Claramente 31 não é divisível por 7, pois caso contrário teríamos

que alguma das diferenças acima seria igual a zero, o que é impossível

pois as diferenças rq = 31 − 7q com 1 ≤ q ≤ 4 são todas positivas

e com q ≥5 são todas negativas. Entretanto, notamos que entre as

diferenças positivas a única que é menor que 7 corresponde ao caso

q = 4. O resultado seguinte nos diz o que acontece no caso geral da

divisão de um inteiro b por um inteiro positivo a.


94 3 Divisibilidade

Teorema 3.5 (Divisão Euclidiana) . Dados dois inteiros a e b, sendo


a positivo, existem únicos inteiros q e r tais que

b = aq + r, 0 ≤ r < a.

Se a - b, então r satisfaz a desigualdade estrita 0 < r < a.


Demonstração. Por simplicidade, suporemos que b é positivo. Se b<
a, basta tomar q=0 e r = b.
b = a, então tomamos q = 1 e
Se r = 0.
Assim, assumiremos também que b > a > 0. Consideremos o conjunto

R = {b − aq ∈ Z; b − aq ≥ 0} ⊆ N ∪ {0} (3.7)

Notemos que o conjunto R é não vazio, pois b − a ∈ R, já que

b − a > 0. Deste modo, pelo princípio da boa ordenação temos que


R admite um menor elemento, que denotaremos por r. Claramente
r = b − aq ≥ 0, para algum q ≥ 0. Além disso, r < a pois caso
contrário

r = b − aq ≥ a ⇒ b − a(q + 1) ≥ 0. (3.8)

Por outro lado,

a > 0 ⇒ b − a(q + 1) < b − aq. (3.9)

Das desigualdades (3.8) e (3.9) segue que

0 ≤ b − a(q + 1) < b − aq,

contradizendo o fato de que r = b−aq é o menor elemento não negativo


de R.
Agora provaremos que de fato r e q, escolhidos desta forma, são

únicos. Com efeito, suponhamos que existem outros inteiros r1 e q1


tais que

b = aq1 + r1 , 0 ≤ r1 < a.
3.1 Conceitos Fundamentais e Divisão Euclidiana 95

Então resulta que aq + r = aq1 + r1 . Logo,

(r − r1 ) = (q1 − q)a; (3.10)

sendo assim, r−r1 é múltiplo de a. Mas, em virtude de −a < r−r1 < a,


o único valor que r − r1 pode tomar, sendo este múltiplo de a, é

r − r1 = 0. Portanto, r = r1 , de onde se deduz diretamente de (3.10)


que q = q1 .

Os números q e r no enunciado do teorema acima são chamados,

respectivamente, de quociente e resto da divisão de b por a.


Um resultado imediato da divisão euclidiana é o seguinte.

Corolário 3.6. Dados dois números naturais a e b com 1 < a ≤ b,


existe um número natural n tal que

na ≤ b < (n + 1)a.

Demonstração. Pela divisão euclidiana, existem únicos q, r ∈ N com

0≤r<a tais que b = aq + r. Assim

aq ≤ b = aq + r < aq + a = a(q + 1).

Basta agora tomar q=n para obtermos o resultado.

Os exemplos a seguir apresentam a utilidade do Teorema 3.5.

Exemplo 3.7. Se a é um natural com a ≥ 3, então a2 deixa resto 1


na divisão por a − 1. Consequentemente, a − 1 divide a2 − 1.

Solução. Usando a identidade a2 − 1 = (a − 1)(a + 1) temos que


a2 = (a − 1)(a + 1) + 1 com 1 < a − 1, de onde segue o resultado.
96 3 Divisibilidade

O próximo exemplo, como veremos, motiva a procura de cami-

nhos ecientes para encontrar o resto que deixa um número quando é

dividido por outro.

Exemplo 3.8. Um turista brasileiro chega a Cuba e troca parte de


seu dinheiro na casa de câmbio, recebendo 175 notas de 50 pesos e
213 notas de 20 pesos. Ele decide trocar este dinheiro pela maior
quantidade possível das famosas moedas de 3 pesos cubanos, porque
elas têm gravada a imagem do guerrilheiro Che Guevara. Quanto
sobrou do dinheiro depois de fazer a troca pelas moedas?

Solução. Para resolver este problema basta achar o resto que deixa o

número n = 175 · 50 + 213 · 20 quando é dividido por 3. Entretanto,

queremos destacar que não é preciso fazer os produtos e a soma envol-

vidos no número n. Em lugar de fazer isto substituímos cada número

que aparece em n pelo resto que este deixa na divisão por 3, formando
assim um novo número n1 , ou seja,

n1 = 1 · 2 + 0 · 2 = 2.

Agora procuramos o resto que n1 deixa na divisão por 3, que obvi-

amente é 2. A surpresa é que este resto é o mesmo que deixa n na

divisão por 3. Logo, sobraram 2 pesos depois de fazer a troca.

A solução do exemplo anterior é uma aplicação particular do se-

guinte lema que é de muita utilidade na resolução de problemas.

Lema 3.9 (Lema dos Restos). A soma e o produto de quaisquer dois


números naturais deixa o mesmo resto que a soma e o produto dos
seus restos, na divisão por um inteiro positivo a.
3.1 Conceitos Fundamentais e Divisão Euclidiana 97

Demonstração. Sejam n1 , n2 ∈ Z. Fazendo a divisão com resto de

ambos os números por a temos que

n1 = aq1 + r1 e n2 = aq2 + r2 ,

com 0 ≤ r1 , r2 < a. Então,

n1 n2 = (aq1 + r1 )(aq2 + r2 )
= a2 q1 q2 + aq1 r2 + aq2 r1 + r1 r2
(3.11)
= a(aq1 q2 + q1 r2 + q2 r1 ) + r1 r2
= aq + r1 r2 ,

onde q = aq1 q2 +q1 r2 +q2 r1 . Agora dividimos r1 r2 por a para obtermos

r1 r2 = ap + r, p ∈ Z, 0 ≤ r < a. (3.12)

Das igualdades (3.11) e (3.12) segue que

n1 n2 = aq + ap + r = a(p + q) + r, 0 ≤ r < a. (3.13)

Portanto, de (3.12) e (3.13) concluímos que os restos que deixam n1 n2


e r1 r2 na divisão por a são iguais, cando provado o resultado para o

produto. A prova para a soma é análoga.

Observação 3.10. A vantagem do lema é que em certos problemas


que envolvem números muito grandes podemos substituir estes por nú-
meros muito menores e mais confortáveis para trabalhar.
Vejamos como aplicar o lema dos restos nos seguintes exemplos a

seguir.

Exemplo 3.11. Prove que o produto de dois números naturais con-


secutivos é sempre divisível por 2.
98 3 Divisibilidade

Solução. Se n ∈ N temos que provar que an = n(n + 1) é divisível por

2. Quando fazemos a divisão de n por 2 temos duas possibilidades

para o resto: r=0 ou r = 1. Analisemos os dois casos por separado.

• [r = 0] Neste caso o resto que deixa an na divisão por 2 é o

mesmo que o resto que deixa 0(0+1)=0, logo an é divisível por

2.

• [r = 1] Neste caso podemos substituir an por 1(1+1)=2 e o

resto que este último deixa quando é dividido por 2 é 0, logo an


também é divisível por 2.

Mostraremos agora como utilizar o exemplo anterior pra resolver

um dos problemas da 1a Olimpíada Brasileira de Matemática.

Exemplo 3.12. Prove que se n é ímpar, então n2 − 1 é múltiplo de


8.
Solução. Como n é ímpar, podemos escrever n = 2m + 1, para algum

k ∈ Z. Logo

n2 − 1 = (2m + 1)2 − 1 = 4m2 + 4m + 1 − 1 = 4m2 + 4m.

Assim,

n2 − 1 = 4m(m + 1).
Observe que de acordo com o exemplo 3.11, m(m + 1) é múltiplo de

2. Portanto, m(m + 1) = 2q para algum q ∈ Z, de aonde

n2 − 1 = 4m(m + 1) = 4 · 2q = 8q,

como queríamos demonstrar.


3.2 Bases Numéricas 99

Exemplo 3.13. Prove que em qualquer triângulo retângulo com lados


inteiros, pelo menos um deles é múltiplo de 3.

Solução. Comecemos analisando quais são os restos possíveis para a

divisão por 3 de um número que é quadrado. De acordo com o lema

dos restos temos a seguinte tabela para os restos de n e n2 , na divisão

por 3:

n n2
0 0

1 1

2 1

Resumindo, se um número não é múltiplo de 3 então o resto da divisão

de seu quadrado por 3 deve ser igual a 1.

Agora denotemos por a e b os catetos e por c a hipotenusa. Supo-

nhamos que nenhum deles é divisível por 3. Então a2 e b2 deixam resto


1 na divisão por 3. Logo, a2 + b 2 deixa resto 12 + 12 = 2 na divisão
por 3; mas isto é uma contradição pois, pelo Teorema de Pitágoras,

a2 + b 2 = c 2 e c2 deixa resto 1 quando é dividido por 3.

3.2 Bases Numéricas

Começamos esta seção com uma brincadeira interessante.

João, ao sair da aula de matemática do professor Peitágoras, en-

controu Pedro e lhe propôs a seguinte brincadeira:

 Pense numa peça de dominó, Pedro. Vou adivinhar que peça é

essa usando uma fórmula mágica.

 Ok, João. Pode começar, já pensei.


100 3 Divisibilidade

x y

Figura 3.1: Peça de Dominó

- Escolha um dos números na peça e multiplique por 5. Depois

disso some três a esse resultado. Multiplique agora o número que você

obteve por dois. Some isto com o outro número da peça. Qual foi o

resultado?

 Foi 40.

 Então a peça que você escolheu foi a 3 com 4!

 Como você acertou? Me ensina!

Claro que de mágico João não tinha nada e decidiu contar seu

segredo a Pedro.

O jogo funciona assim: cada parte da peça de dominó pode ser

considerada como um dos dígitos de um número de 2 algarismos, o qual

denotamos por n = xy = 10x + y (veja a Figura 3.1). Acompanhando

os passos de João, temos que:

(5x + 3)2 + y = 40 ⇔ 10x + y = 34, (3.14)

que claramente, tem por soluções: x=3 e y = 4, usando a represen-

tação de 34 na base decimal.

No sistema de numeração decimal, também conhecido como sis-

tema numérico na base 10, todo número pode ser representado como

uma sequência de 10 símbolos, constituídos pelo 0 (zero) e os alga-

rismos 1, 2, 3, . . . , 9. Por exemplo, 345 escreve-se na base decimal da


3.2 Bases Numéricas 101

seguinte forma

345 = 300 + 40 + 5 = 3 · 102 + 4 · 10 + 5,

assim como 2768 se escreve da forma

2768 = 2000 + 700 + 60 + 8 = 2 · 103 + 7 · 102 + 6 · 10 + 8.

De modo geral, se denotamos por a = an an−1 . . . a1 a0 o número inteiro


positivo formado pelos algarismos an , an−1 , . . . , a1 e a0 , nessa ordem,

então a se escreve na base decimal da forma

a = an 10n + an−1 10n−1 + . . . + a1 10 + a0 (3.15)

Antes de provar alguns dos critérios de divisibilidade mais po-

pulares do sistema de numeração decimal, provamos uma identidade

muito útil.

Lema 3.14. Sejam a, b, n ∈ N. Temos que

an − bn = (a − b)(an−1 + an−2 b + · · · + abn−2 + bn−1 ).

Consequentemente, se 0 < b < a, então a − b divide an − bn .

Demonstração. Primeiro provaremos que a propriedade vale para b=


1. Com efeito, considerando a soma geométrica

s = 1 + a + a2 + · · · + an−1

e multiplicando s por a temos que

as = (a + a2 + · · · + an−1 ) + an = s − 1 + an .
102 3 Divisibilidade

Assim, (a − 1)s = as − s = an − 1, de onde se segue que

an − 1 = (a − 1)(an−1 + an−2 + · · · + a + 1). (3.16)

Daí temos a validade para b = 1.


an − bn = bn ( ab )n − 1 .
 
Para b∈N qualquer, observe que Usando

esta expressão e (3.16) tem-se

an − bn = bn ( ab − 1) ( ab )n−1 + ( ab )n−2 + · · · + ( ab ) + 1
 

= (a − b)bn−1 ( ab )n−1 + ( ab )n−2 + · · · + ( ab ) + 1


 
(3.17)

= (a − b)(an−1 + an−2 b + · · · + abn−2 + bn−1 ),


obtendo-se a igualdade clamada.

Proposição 3.15 (Critérios de Divisibilidade) . Seja a = an . . . a1 a0


um inteiro positivo, então
(a) a é divisível por 10 se, e somente se, a0 for igual a 0;
(b) a é divisível por 3 ou por 9 se, e somente se, a soma dos seus
dígitos é divisível por 3 ou por 9, respectivamente;
(c) a é divisível por 5 se, e somente se, a0 for igual a 0 ou 5.
Demonstração. Utilizando a representação decimal (3.15) temos que

a = 10(an 10n−1 + an−1 10n−2 + · · · + a1 ) + a0 .

Então, pela Proposição 3.3-(b) tem-se que 10 | a se, e somente se,

10 | a0 , prondose-se assim o critério (a).

Para provar (b) observemos que

a = an 10n + an−1 10n−1 + · · · + 10a1 + a0


= an (10n − 1) + an−1 (10n−1 − 1) + · · · + (10 − 1)a1 (3.18)

+ an + an−1 + · · · + a1 + a0 .
3.2 Bases Numéricas 103

Pelo Lema 3.14 temos que 10j − 1 = 9qj para todo 1 ≤ j ≤ n, daí

segue-se

a = 9(an qn + an−1 qn−1 + · · · + a1 ) + an + an−1 + · · · + a1 + a0 .

Então, aplicando novamente o item (b) da Proposição 3.3 temos que

9|a se, e somente se, 9 | (an + an−1 + · · · + a1 + a0 ).

A prova para o caso da divisibilidade por 3 segue de maneira idêntica,

logo ca provado o item (b).

A prova do item (c) segue de maneira muito semelhante e deixamos

a mesma a cargo do leitor.

Exemplo 3.16. Prove sem fazer muitas contas que o número

N = 13424136 + 1234567890

é divisível por 3.

Solução. Note que não precisamos fazer a soma dos números ante-

riores. Para mostrar isso, basta aplicar o item (b) da Proposição 3.3 e

o item (b) da Proposição 3.15, observando que cada um dos números

acima é divisível por 3, pois a soma de seus dígitos é um múltiplo de

3.

Finalizamos esta seção com uma aplicação da divisão euclidiana

que nos mostra que, analogamente à representação decimal, qualquer

número admite uma representação única em qualquer outra base nu-

mérica.
104 3 Divisibilidade

Teorema 3.17 (Bases Numéricas) . Dados a, b ∈ N, com b > 1, exis-


tem únicos números naturais r0 , r1 , . . . , rn tais que 0 ≤ ri ≤ b − 1,
0 ≤ i ≤ n, e satisfazendo

a = rn bn + rn−1 bn−1 + · · · + r1 b + r0 .

A representação acima é dita representação de a na base b e usaremos


a notação

a = (rn cn−1 . . . r1 r0 )b ,

para fazer referência a esta.

Demonstração. Apliquemos sucessivamente a divisão euclidiana como

segue:

a = bq0 + r0 , r0 < b,
q0 = bq1 + r1 , r1 < b,
q1 = bq2 + r2 , r2 < b,
. . . .
. . . .
. . . .

qj−1 = bqj + rj , rj < b,

e assim por diante. Como a > q0 > q1 > q2 > · · · > qj−1 , para algum
j = n deveremos ter que qn−1 < b. Logo, qj = 0 para todo j ≥ n,
assim como rj = 0 para todo j ≥ n + 1. Das igualdades acima, para
3.2 Bases Numéricas 105

1 ≤ j ≤ n, tem-se

a = bq0 + r0 ,
bq0 = b2 q1 + br1 ,
b2 q1 = b3 q2 + b2 r2 ,
(3.19)
. . .
. . .
. . .

bn−1 qn−2 = bn qn + bn−1 rn−1


bn qn−1 = bn+1 0 + bn rn .

Efetuando a soma de todas as igualdades em (3.19) obtemos

a = rn bn + rn−1 bn−1 + · · · + r1 b + r0 .

A unicidade dos números ri vem da unicidade dos restos na divisão

euclidiana.

Observação 3.18. O sistema de numeração na base 2 é também co-


nhecido como sistema binário e é o sistema habitualmente utilizado no
funcionamento dos computadores.

Exemplo 3.19. Se deseja pesar qualquer número inteiro de gramas de


ouro, entre 1g e 100g , numa balança de dois pratos, onde os pesos só
podem ser usados no prato esquerdo da balança. Mostre que a escolha
adequada de 7 pesos diferentes é suciente para realizar esta tarefa.

Demonstração. Usando o sistema de numeração em base 2 temos que

qualquer número a tal que 1 ≤ a ≤ 100 pode ser expressado de forma

única como

a = r6 26 + r5 25 + r4 24 + r3 23 + r2 22 + r1 2 + r0 1,
106 3 Divisibilidade

com ri ∈ {0, 1}, 0 ≤ i ≤ 1. Observe que 2n ≥ 128, com n ≥ 7, logo

estas potências não são consideradas. notemos também que o fato de

cada ri ser 0 ou 1 nos diz que não precisamos repetir nenhum dos

pesos na realização de qualquer pesada. Logo, os pesos

1, 22 , 23 , 24 , 25 , 26

são sucientes para realizar as pesadas de gramas de ouro entre 1g e

100g .

3.3 Máximo Divisor Comum e Mínimo Múl-

tiplo Comum

Nesta seção estudaremos dois conceitos fundamentais, que aparecem

naturalmente em vários problemas de divisibilidade, assim como a

relação existente entre eles.

3.3.1 Máximo Divisor Comum

O primeiro destes conceitos está relacionado com os inteiros positivos

que dividem simultaneamente a dois inteiros prexados e é denomi-

nado máximo divisor comum.


Daqui por diante só consideraremos os divisores positivos dos nú-

meros.

Denição 3.20 (Máximo Divisor Comum). Sejam a e b inteiros dife-


rentes de zero. O máximo divisor comum, resumidamente mdc, entre
a e b é o número d que satisfaz as seguintes condições:

(a) d é um divisor comum de a e b, isto é, d | a e d | b;


3.3 Máximo Divisor Comum e Mínimo Múltiplo Comum 107

(b) d é o maior inteiro positivo com a propriedade (a).


Neste caso, denotamos o mdc entre a e b por d = mdc(a, b) ou por
d = (a, b). Se (a, b) = 1, então dizemos que a e b são primos entre si.

Exemplo 3.21. Observando que 12 = 6 · 2, 18 = 6 · 3 temos que


mdc.(12, 18) = 6. Por outro lado, mdc.(4, 15) = 1, logo os números 4
e 15 são primos entre si.
Vejamos agora algumas das propriedades mais importantes dos

divisores comuns de dois inteiros.

Proposição 3.22. Sejam a e b dois inteiros. Então valem as seguintes


armações.
(a) Se a é múltiplo de b, então (a, b) = b.

(b) Se a = bq + c, c 6= 0, então o conjunto dos divisores comuns dos


números a e b coincide com o conjunto dos divisores comuns dos
números b e c. Particularmente, (a, b) = (b, c).
Demonstração. Começamos com a prova de (a). Com efeito, todo

divisor comum dos números a e b é um divisor de b. Reciprocamente,


usando que a é múltiplo de b, todo divisor de b é também um divisor

de a, ou seja, um divisor comum dos números a e b. Portanto, o

conjunto dos divisores comuns dos números a e b é igual ao conjunto

dos divisores de b. Como o maior divisor de b é ele mesmo, resulta que

(a, b) = b.
Vejamos (b). Usando o item (b) da Proposição 3.3 temos que

todo divisor comum de a e b também divide c e, consequentemente, é

um divisor deb e c. Pela mesma razão todo divisor comum de b e c


também divide a e, consequentemente, é um divisor de a e b. Portanto
108 3 Divisibilidade

os divisores comuns de a e b são os mesmos que os divisores comuns

de b e c. Particularmente, também coincidem os maiores divisores

comuns, ou seja, (a, b) = (b, c).

O teorema a seguir é uma das ferramentas básicas na resolução

de problemas que envolvem o mdc entre dois números. O resultado

foi provado pela primeira vez por Claude-Gaspard Bachet de Méziriac

(1581-1638) e mais tarde generalizado para polinômios por Étienne

Bézout (1730-1783). Frequentemente, na literatura se enuncia este

resultado como teorema (ou identidade) de Bézout, esquecendo-se o

nome de Bachet.

Teorema 3.23 (Teorema de Bachet-Bézout). Se d é o mdc de a e b,


então existem números inteiros x0 e y0 tais que d = (a, b) = ax0 + by0 .

Demonstração. Considere a combinação linear ax + by , onde x e y


percorrem todos os inteiros. Este conjunto de inteiros, denotado por

Ca,b = {ax + by; x, y ∈ Z},

inclui valores positivos e negativos. Além disso, escolhendo x = y = 0,


vemos que Ca,b também contém o zero.

Pelo princípio da boa ordenação, podemos escolher x0 e y0 tais que

λ = ax0 +by0 seja o menor número inteiro positivo contido no conjunto


Ca,b .
Agora mostraremos que λ|a e λ | b. Provaremos que λ|a e o

outro segue analogamente. Usaremos para este propósito o método de

redução ao absurdo, ou seja, vamos supor que λ-a e obteremos uma

contradição.
3.3 Máximo Divisor Comum e Mínimo Múltiplo Comum 109

Usando a divisão euclidiana, de λ - a segue que existem inteiros q


e r tais que a = λq + r com 0 < r < λ. Portanto,

r = a − λq = a − q(ax0 + by0 ) = a(1 − qx0 ) + b(−qy0 )

e assim r está no conjunto Ca,b , o que contradiz a hipótese de λ ser o

menor elemento positivo contido em Ca,b .


Uma vez que λ divide a e b só resta provar que λ = d. Com efeito,

desde que d = (a, b), podemos escrever a = da1 , b = db1 e

λ = ax0 + by0 = d(a1 x0 + b1 y0 ).

Assim d | λ. Logo pela parte (c) da Proposição 3.3, concluímos que

d ≤ λ. Agora d < λ é impossível pois d = mdc(a, b), e portanto

d = λ = ax0 + by0 .

A seguinte proposição resume algumas consequências importantes

da demonstração dada ao teorema de Bézout.

Proposição 3.24. Sejam d, λ ∈ N e a, b, c ∈ Z. Então valem as


seguintes armações:

(a) Se d | a e d | b, então d | (a, b).

(b) O mdc.(a, b) é o menor valor positivo de ax + by , onde x e y


percorrem todos os números inteiros.

(c) (λa, λb) = λ(a, b).

(d) Se d | a e d | b, então ( ad , db ) = d1 (a, b). Consequentemente,


 
a b
, = 1.
(a, b) (a, b)
110 3 Divisibilidade

(e) Se (a, c) = (b, c) = 1, então (ab, c) = 1.

(f) Se c | ab e (b, c) = 1, então c | a.

Demonstração. A prova de (a) é consequência imediata da igualdade

(a, b) = ax0 + by0 anunciada no teorema de Bézout; assim como (b)

segue diretamente da demonstração dada a este teorema.

Para provar (c), primeiro observamos que

(λa)x + (λb)y = λ(ax + by) onde x, y ∈ Z.

Usando o item (a) e o fato de λ ser positivo, da igualdade acima segue


que


(λa, λb) = min (λa)x + (λb)y > 0; x, y ∈ Z

= λ min ax + by ; x, y ∈ Z
= λ(a, b).

A armação feita em (d) segue diretamente de (c), observando que

   
a b a b
(a, b) = d , d =d , .
d d d d

Continuamos com a prova de (e). De (a, c) = (b, c) = 1, temos que

existem inteiros xj e yj , j = 1, 2, tais que

ax1 + cy1 = 1,
bx2 + cy2 = 1.

Multiplicando lado a lado as igualdades obtemos

(x1 x2 )ab + (ax1 y2 + y1 bx2 + cy1 y2 )c = 1.


|{z} | {z }
x y
3.3 Máximo Divisor Comum e Mínimo Múltiplo Comum 111

Então, usando o item (b) e a igualdade acima resulta que (ab, c) = 1.


Finalmente, provaremos (f ). Das hipóteses temos que existem in-

teiros x0 e y0 tais que

bx0 + cy0 = 1.

Multiplicamos a igualdade acima por a em ambos lados para obtermos

abx0 + acy0 = a.

Por outro lado, ab = cq para algum inteiro q. Usando esta condição

na última igualdade temos que

cqx0 + acy0 = c(qx0 + ay0 ) = a,

logo c | a.

3.3.2 Algoritmo de Euclides

Apesar de conhecermos propriedades teóricas do mdc entre dois intei-

ros, encontrá-lo de fato pode ser uma tarefa complicada, sem auxílio

das ferramentas corretas. Lembrando o seu signicado, o leitor talvez

pudesse pensar que devemos calcular todos os divisores de a, todos

os divisores de b e descobrir qual é o maior elemento comum aos dois

conjuntos.

Para achar o mdc se faz uso de um importante método denominado

algoritmo de Euclides .

Teorema 3.25 (Algoritmo de Euclides). Dados dois inteiros positivos,


a e b, aplicamos sucessivamente a divisão euclidiana para obter a se-
112 3 Divisibilidade

guinte sequência de igualdades





 b = aq1 + r1 , 0 ≤ r1 < a,





 a = r1 q2 + r2 , 0 ≤ r2 < r1 ,

r = r q + r , 0 ≤ r3 < r2 ,

1 2 3 3
(3.20)


 ··· ··· ··· ··· ···


rn−2 = rn−1 qn + rn , 0 ≤ rn < rn−1 ,






r
n−1 = rn qn+1 ,

até algum rn dividir rn−1 . Assim, o mdc.(a, b) = rn , ou seja, é o


último resto não-nulo no processo de divisão anterior.

Observação 3.26. Quando lidamos com números pequenos achar o


mdc é uma tarefa fácil pois podemos calcular o mdc valendo-nos das
fatorações dos números envolvidos. No entanto, quando estamos tra-
balhando com números grandes o algoritmo de Euclides, em geral, é
mais fácil que a fatoração, podendo ser esta última bem difícil.

Demonstração do algoritmo de Euclides. Começamos observando que

o processo de divisão (3.20) é nito. Com efeito, a sequência de núme-

rk é estritamente decrescente e está contida no conjunto


ros inteiros

{r ∈ Z, 0 ≤ r < a}, portanto não pode conter mais do que a intei-


ros positivos. Examinando as igualdades (3.20) de cima para baixo e

usando a Proposição 3.22 temos que

(a, b) = (a, r1 ) = (r1 , r2 ) = · · · = (rn−1 , rn ) = rn .


3.3 Máximo Divisor Comum e Mínimo Múltiplo Comum 113

Observação 3.27. Notemos que o teorema de Bézout também pode


ser obtido como consequência do processo de divisão (3.20). Com
efeito, podemos escrever

rn = rn−2 − rn−1 qn o
⇒ rn = rn−2 − (rn−3 − rn−2 qn−1 )qn .
rn−1 = rn−3 − rn−2 qn−1

Logo, conseguimos escrever rn em termos de rn−2 e rn−3 . Utilizando a


expressão rn−2 = rn−4 − rn−3 qn−2 podemos escrever rn como combina-
ção de rn−3 e rn−4 . Repetindo este processo várias vezes, concluímos
que existem x, y ∈ Z tais que

d = rn = xr1 + yr2 .

Ora, como r1 = b − aq1 e r2 = a − r1 q2 = a(1 + q1 q2 ) − bq2 , então,


substituindo estes valores na última igualdade obtemos o Teorema de
Bézout.

Exemplo 3.28. Achar o máximo divisor comum dos números 471 e


1.176.

Solução. Aplicando o algoritmo de Euclides obtemos a seguinte sequên-

cia de divisões com resto:

1176 = 471 · 2 + 234,


471 = 234 · 2 + 3,
234 = 78 · 3,

então o mdc(471, 1176) = 3.


2n + 8
Exemplo 3.29. Provar que a fração é irredutível para todo
4n + 15
número natural n.
114 3 Divisibilidade

Solução. Usando o algoritmo de Euclides temos que

4n + 15 = (2n + 8) · 1 + 2n + 7,
2n + 8 = (2n + 7) · 1 + 1,
2n + 7 = (2n + 7) · 1.

Então o mdc.(4n + 15, 2n + 8) = 1 e portanto 4n + 15 e 2n + 8 são

primos entre si para qualquer valor de n.

Exemplo 3.30. Achar o mdc.(111


| .{z
. . 111}, 11
| .{z
. . 11})
100 vezes 60 vezes

Solução. Primeiro escrevemos os números na base decimal, isto é,

111 . . 111} = 1099 + 1098 + · · · + 1,


| .{z
100 vezes

11 . . 11} = 1059 + 1058 + · · · + 1.


| .{z
60 vezes

Aplicamos agora o algoritmo de Euclides para obter as seguintes igual-

dades

111 . . 111} = (1059 + 1058 + · · · + 1)1040 + 1039 + 1038 + · · · + 1,


| .{z
100 vezes

1059 + 1058 + · · · + 1 = (1039 + 1038 + · · · + 1)1020 +


+ 1019 + 1018 + · · · + 1,
1039 + 1038 + · · · + 1 = (1019 + 1018 + · · · + 1)1020 +
+ 1019 + 1018 + · · · + 1.

Disso resulta que

19 18
| {z } | {z } = 10 + 10 + · · · + 1 = |11 .{z
mdc.(111 . . . 111, 11 . . . 11) . . 11} .
100 vezes 60 vezes 20 vezes
3.3 Máximo Divisor Comum e Mínimo Múltiplo Comum 115

3.3.3 Mínimo Múltiplo Comum

Agora passamos ao segundo conceito importante desta seção. O mesmo

está relacionado com os inteiros positivos que são simultaneamente

múltiplos de dois inteiros prexados e é denominado mínimo múltiplo


comum.

Denição 3.31 (Mínimo Múltiplo Comum) . Sejam a e b inteiros


diferentes de zero. O mínimo múltiplo comum, resumidamente mmc,
entre a e b é o inteiro positivo m que satisfaz as seguintes condições:

(a) m é um múltiplo comum de a e b, isto é, a | m e b | m;

(b) m é o menor inteiro positivo com a propriedade (a).

Neste caso, denotamos o mmc entre a e b por m = mmc(a, b) ou por


m = [a, b].

Resumimos a seguir algumas das propriedades fundamentais do

mmc de dois inteiros.

Proposição 3.32. Sejam a, b, c ∈ Z e λ ∈ Z. Então valem as se-


guintes armações:

(a) se c é múltiplo comum de a e b, então [a, b] | c;

(b) [λa, λb] = λ[a, b];

(c) |ab| = [a, b] · (a, b).

Demonstração. Começamos com a prova de (a). A divisão com resto

de c por [a, b] nos dá

c = [a, b]q + r, 0 ≤ r < [a, b]. (3.21)


116 3 Divisibilidade

Da igualdade anterior, basta provar que r = 0 para obter o resultado

desejado. Suponhamos, pelo contrário, que 0 < r < [a, b]. Notemos

que tanto a como b dividem c e [a, b]. Logo, pelo item (b) da Pro-

posição 3.3 e a igualdade (3.21), temos que a e b também dividem r,


ou seja, r é múltiplo comum de a e b e não pode ser menor que [a, b],
contradizendo nossa suposição.

Prosseguimos com a prova de (b). Observemos que λ[a, b] é múlti-

plo comum de λa e λb, logo pelo item (i) vale que

[λa, λb] ≤ λ[a, b]. (3.22)

Por outro lado, [λa, λb] = q1 λa = q2 λb, para alguns inteiros q1 e q2 ;


[λa,λb]
logo, é um múltiplo comum de a e b. Portanto,
λ

[λa, λb]
[a, b] ≤ ⇔ λ[a, b] ≤ [λa, λb]. (3.23)
λ
Das igualdades (3.22) e (3.23) segue que

λ[a, b] ≤ [λa, λb] ≤ λ[a, b],

de onde vem diretamente o resultado.

Para provar (c) podemos supor sem perda de generalidade que a e

b são positivos devido às igualdades

[a, b] = [a, −b] = [−a, b] = [−a, −b].

Dividiremos a prova em dois casos:

Caso 1: (a, b) = 1.
Sabemos que b | [a, b] e [a, b] = qa, para algum q ∈ N. Então b | qa
e além disso (a, b) = 1. Logo, pelo item (v) da Proposição 3.24 temos

que b | q . Portanto, b ≤ q e consequentemente

ab ≤ aq = [a, b]. (3.24)


3.3 Máximo Divisor Comum e Mínimo Múltiplo Comum 117

Entretanto, da denição de [a, b] vale que

[a, b] ≤ ab. (3.25)

Das desigualdades (3.24) e (3.25) segue que ab ≤ [a, b] ≤ ab. Assim,

ab = [a, b] = [a, b] · 1 = [a, b] · (a, b).

Caso 2: (a, b) > 1.  


a
Da parte (c) da Proposição 3.24 sabemos que , b
(a,b) (a,b)
= 1.
Aplicando o caso anterior vale que
   
a b a b a b
· = , · , .
(a, b) (a, b) (a, b) (a, b) (a, b) (a, b)
Multiplicamos esta última igualdade por (a, b)2 e usamos o item (b)

provado anteriormente, assim como a parte (d) da Proposição 3.24

para obter
   
a b a b
ab = (a, b) , (a, b) , = [a, b] · (a, b).
(a, b) (a, b) (a, b) (a, b)

Exemplo 3.33. Dois amigos passeiam de bicicleta, na mesma dire-


ção, em torno a uma pista circular. Para dar uma volta completa um
deles demora 15 minutos e o outro demora 18 minutos. Eles partem
juntos e combinam interromper o passeio quando os dois se encontra-
rem pela primeira vez no ponto de partida. Quantas voltas deu cada
um?
Solução. Denotemos por n1 e n2 , respectivamente, o número de voltas
que dá cada um dos amigos. Notemos que o tempo total da corrida é

o menor valor positivo de T que satisfaz as igualdades

T = 15n1 = 18n2 ,
118 3 Divisibilidade

ou seja
15 · 18
T = [15, 18] = = 90.
3
Portanto, n1 = 6 e n2 = 5.

Finalizamos esta seção com um exemplo que nos fornece uma bela

interpretação geométrica do mínimo múltiplo comum. O mesmo foi

proposto na Olimpíada Brasileira de Matemática.

Exemplo 3.34. Um retângulo de lados inteiros AB = m e CD = n,


é dividido em quadrados de lado 1. Em cada um dos vértices ele possui
um pequeno orifício. Um raio de luz entra no retângulo por um dos
vértices, na direção da bissetriz do ângulo reto, e é reetido sucessi-
vamente nos lados do retângulo. Quantos quadrados são atravessados
pelo raio de luz?

D C

A B

Figura 3.2: Interpretação geométrica do mmc

Solução. Se zermos alguns testes preliminares dando valores a me


n, veremos que em cada caso a resposta coincidirá com o mmc(m,n).

Provemos que isto de fato vale para m e n quaisquer. Para realizar a

prova nos auxiliaremos da Figura 3.2.


3.3 Máximo Divisor Comum e Mínimo Múltiplo Comum 119

Primeiramente, notemos que cada vez que o raio de luz atravessa

um quadrado ele avança uma unidade tanto na direção horizontal como

na direção vertical. Usando este fato fazemos as observações a seguir.

• Se o raio entra pelo vértice A, terá que atravessar m quadrados

até chegar ao ladoBC , imediatamente mais m para chegar ao


lado AD , depois mais m para chegar novamente ao lado BC , e

assim sucessivamente. Além disso, depois do raio percorrer pm

quadrados, com p ∈ N, estará batendo no lado BC ou no lado

AD.

• Analogamente o raio baterá no lado AB ou no lado DC se, e

somente se, atravessar qn quadrados, com q ∈ N.

• Somente nos vértices B, C e D do retângulo pode acontecer que

o raio incidente saia do retângulo, terminando assim o processo

de reexão.

Usando as observações acima é fácil ver que o raio chegará a um

vértice quando chegar simultaneamente a dois lados perpendiculares

do retângulo. Portanto, deve ter atravessado um número x de quadra-


dos tal que x = pm = qn, ou seja, x deverá ser um múltiplo comum

de m
n. É claro que a primeira vez que o raio chega a um vértice
e o

número x é o menor múltiplo comum de m e n, isto é, x = [m, n].

Finalmente, observamos que nenhum dos quadrados é atravessado

duas vezes no percurso do raio de A até bater no primeiro vértice, pois


como vemos na gura numa das direções os quadrados atravessados

serão todos cinzas e na outra direção, serão todos brancos.


120 3 Divisibilidade

3.3.4 Equações Diofantinas Lineares

Consideremos a equação

ax + by = c, (3.26)

onde a, b, c ∈ Z, com a 6= 0 e b 6= 0.
A equação (3.26) é chamada de equação diofantina linear e uma

solução desta é qualquer par de inteiros (x, y) que satisfaçam (3.26).

É conhecido que todos os pontos do plano, com coordenadas (x, y),


que satisfazem a igualdade (3.26) representam, geometricamente, uma

reta. Logo, as soluções de uma equação diofantina linear são os pontos

de coordenadas inteiras do plano cartesiano, que estão dispostos sobre

a reta que esta representa. Por exemplo, os pontos (−1, −2) e (1, 1)
são soluções da equação diofantina 3x − 2y = 1, veja a Figura 3.3.
3
y
2

1

0

ℓ x
-1

-2

-3
-3 -2 -1 0 1 2

Figura 3.3: A equação da reta ` é 3x − 2y = 1.

Naturalmente nos perguntamos: É sempre possível achar soluções

para uma equação diofantina linear? A resposta é não; o próximo

resultado nos diz quando isto é possível. Além disso, se uma equação

diofantina linear tem uma solução na verdade ela tem uma innidade

de soluções.
3.3 Máximo Divisor Comum e Mínimo Múltiplo Comum 121

Proposição 3.35. A equação diofantina linear


ax + by = c, a, b, c ∈ Z, com a 6= 0 e b 6= 0, (3.27)

tem solução se, e somente se, d | c, onde d = (a, b). Além disso,
se (x0 , y0 ) é uma solução, então o conjunto de soluções de (3.27) é
constituído por todos os pares de inteiros (x, y) da forma:
x = x0 + t db e y = y0 − t ad , t ∈ Z. (3.28)

Demonstração. (x0 , y0 ) é uma solução


Primeiramente suponhamos que

de (3.27), logo ax0 + by0 = c. Usando que d = (a, b) sabemos que

existem inteiros q1 e q2 , tais que dq1 = a e dq2 = b. Portanto, se

verica a igualdade

dq1 x0 + dq2 y0 = d(q1 x0 + q2 y0 ) = c,

de onde segue obviamente que d | c.


Reciprocamente, suponhamos que d|c e portanto c = qd com q
inteiro. O teorema de Bézout nos garante a existência de dois inteiros,

x0 e y0 , ax0 + by0 = d. Multiplicando


tais que ambos os lados desta

última igualdade por q temos que

ax0 q + by0 q = c,

logo o par (x1 , y1 ), com x1 = x 0 q e y1 = y0 q , é solução da equação

diofantina.

Resta provar agora que temos innitas soluções da forma (3.28).

Com efeito, sendo (x, y) uma outra solução qualquer além de (x0 , y0 ),
vale que ax0 + by0 = c = ax + by , de onde ax0 + by0 = ax + by . Desta

igualdade obtemos a(x − x0 ) = b(y0 − y) e dividimos esta última por

d para obtermos
a b
(x − x0 ) = (y0 − y).
d d
122 3 Divisibilidade

Como ( ad , db ) = 1, então temos que


a
d
| (y0 − y) e
b
d
| (x − x0 ). Logo,

existe inteiro t tal que

x = x0 + t db e y = y0 − t ad .

Por outro lado, é fácil vericar que para qualquer inteiro t as expressões
achadas acima para x e y resolvem a equação diofantina.

A seguir damos um exemplo de como proceder para resolver equa-

ções diofantinas.

Exemplo 3.36. Achar todas as soluções inteiras da equação


12x + 33y = 27.

Solução. Observemos que (12, 33) = 3 e que 3 | 27, logo a equa-

ção tem innitas soluções. Como sabemos, basta achar uma delas

e teremos as restantes. Para achar esta solução particular podemos

trabalhar de duas maneiras, que descrevemos a seguir:

Alternativa 1: reduzimos a equação à forma equivalente

4x + 11y = 9,

e por tentativa e erro vemos que x0 = 5 e y0 = −1 solucionam a

mesma. Então pela Proposição 3.35 temos que

x = 5 + 11t e y = 4t − 1, t ∈ Z,

esgotam todas as soluções que procuramos.

Alternativa 2: aplicamos o algoritmo de Euclides para achar o

mdc (12, 33), obtendo os seguintes resultados:

33 = 12 · 2 + 9,
12 = 9 · 1 + 3,
9 = 3 · 3 + 0.
3.4 Números Primos e Compostos 123

Da segunda e primeira igualdades temos, respectivamente, que

3 = 12 − 9 · 1 e 9 = 33 − 12 · 2.

Usando estas duas obtemos

3 = 12 − (33 − 12 · 2) · 1
= 12 − 33 + 12 · 2
= 3 · 12 − 1 · 33,

ou seja, achamos x0 = 3 e y0 = −1, garantidos pelo teorema de


Bézout, que validam 3 = 12x0 +33y0 . Multiplicamos por 9 esta última

igualdade para obter

27 = 12(9x0 ) + 33(9y0 ).

Portanto, x
e0 = 9x0 = 27 e ye0 = 9y0 = −9 resolvem, particularmente,
a equação diofantina. Analogamente, como na alternativa anterior,

podemos escrever a solução geral da forma:

x = 27 + 11s e y = 4s − 9, s ∈ Z.

3.4 Números Primos e Compostos

Ao longo da história da Matemática, os números primos foram pro-

tagonistas de célebres problemas que motivaram o desenvolvimento

de teorias e técnicas pelas mentes mais férteis, como Fermat, Euler e

Gauss. Até hoje muitos desses problemas, simples de enunciar, que

envolvem números primos são desaos intelectuais para toda a huma-

nidade.
124 3 Divisibilidade

Esta seção será dedicada ao estudo de propriedades básicas dos

números primos. Todo número natural n maior do que 1 tem pelo

menos 2 divisores, claramente 1 e n. Isto motiva a seguinte denição.

Denição 3.37 (Números Primos e Compostos). Um inteiro positivo


n ≥ 2 é dito primo se os únicos divisores que ele tem são 1 e ele
próprio; caso contrário, é dito composto.

Observação 3.38. De modo geral o número 1 não é considerado nem


primo nem composto.

Exemplo 3.39. Os números 2, 3, 5, 7, e 11 são primos e os números


10, 15, 35 e 348 são compostos.

Exemplo 3.40. O número n = 220 − 254 é composto.


Solução. Escrevemos n de outra forma, com o objetivo de facilitar

nosso trabalho. Com efeito, observemos que

n = (210 )2 − (252 )2 = 10242 − 6252 ,

logo é composto por ser diferença de quadrados. Além disso,

n = 10242 − 6252 ,
= (1024 − 625)(1024 + 625),
(3.29)
= 399 · 1649,
= 3 · 133 · 1649.

Portanto, podemos concluir que 3 | n.

Proposição 3.41. Seja n > 1 um número inteiro. Então


(a) o menor divisor de n diferente de 1 é um número primo;
3.4 Números Primos e Compostos 125

(b) se n é composto, o seu menor divisor diferente de 1 não é maior



que n. Em outras palavras, se n não possui divisores diferentes

de 1, menores ou igual que n, então n é primo.

Demonstração. Começamos provando (a). Seja p o menor divisor de

n, diferente de 1. Se p fosse composto teria algum divisor q tal que

1 < q < p; mas


q|p e p | n,
o que nos diz que q | n, e isto contradiz a hipótese levantada sobre p.
Para provar (b) denotamos por p o menor divisor de n, diferente

de 1. Portanto, n = pq com q ≥ p. Multiplicando ambos lados da

desigualdade por p obtemos

n = pq ≥ p2 ,

e consequentemente vale n ≥ p.

Agora vamos enunciar um dos resultados mais clássicos da Mate-

mática, que garante a existência de innitos números primos. Até

onde se conhece, a demonstração a seguir foi a primeira demonstração

escrita utilizando o método de redução ao absurdo e é devida a Eu-

clides cerca de 300 a.C. Para outras seis provas, incluindo a moderna

prova de Fustenberg, recomendamos os livros [1] e [10].

Teorema 3.42 (Teorema de Euclides). A quantidade de números pri-


mos é innita.

Demonstração. Faremos a prova por redução ao absurdo. Suponha

que existe uma quantidade nita de números primos e denotemos estes

por

p1 , p2 , p3 , . . . , pk .
126 3 Divisibilidade

Consideremos o número

n = p1 p2 p 3 · · · pk + 1

e chamemos de q o seu menor divisor primo. Obviamente q não coin-

cide com nenhum dos números pi , 1 ≤ i ≤ k , pois caso contrário,

como ele divide n, teria que dividir 1, o que é impossível. Logo, te-

mos uma contradição à hipótese de termos uma quantidade nita de

primos.

Os números primos também podem ser caracterizados da seguinte

maneira:

Proposição 3.43. Um inteiro positivo p é primo se, e somente se,


satisfaz a seguinte propriedade:

p | ab =⇒ p | a ou p | b (3.30)

onde a, b ∈ Z.
Demonstração. Primeiramente, suponhamos que p é primo e que p - b,
logo (p, b) = 1. Então, pelo item (f ) da Proposição 3.24 temos que

p | a.
Reciprocamente, suponhamos que, a propriedade 3.30 é válida e

além disso vamos supor, pelo absurdo, que p não é primo. Então,

p = d1 d2 , com 1 < d1 < p, 1 < d2 < p. (3.31)

De (3.30) segue que p | d1 ou p | d2 ; consequentemente

p ≤ d1 , ou p ≤ d2 , (3.32)

contradizendo isto o armado em (3.31).


3.5 Procurando Primos 127

3.5 Procurando Primos

Os números primos além de belos e desaadores do ponto de vista

matemático, são extremamente importantes para as atividades usuais

de nosso dia a dia. Por exemplo, nenhuma transação bancária ou pela

internet estaria segura sem o uso de números primos muito grandes.

Assim, surge naturalmente a pergunta de como podemos produzi-los

em grandes quantidades. Essa pergunta sempre intrigou os matemá-

ticos e continua sem solução até os dias atuais. Apesar deles serem

abundantes, em quantidade innita de acordo com o Teorema 3.42,

não existe nenhum método razoável de produção de números primos,

mesmo tendo em mãos a alta tecnologia de hoje em dia. Porém, ao

longo do tempo algumas fórmulas e algoritmos se mostraram úteis

para a descoberta de números primos.

3.5.1 O Crivo de Eratóstenes

O crivo de Eratóstenes é um algoritmo que nos permite achar todos

os números primos que são menores ou iguais que um natural N dado.

Segundo a tradição, este método foi criado pelo matemático grego

Eratóstenes (285-194 a.C.).

O método consiste nos seguintes passos: escrevemos os números de

forma ordenada a partir de 2, isto é,

2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, . . . , n (3.33)

• Observamos que o primeiro primo que aparece em (3.33) é 2 e

imediatamente apagamos da lista (3.33) todos os múltiplos de

2 maiores que ele, por serem compostos; resta assim a seguinte


128 3 Divisibilidade

lista

2, 3, 5, 7, 9, 11, 13, 15, 17 . . .

• O primeiro número não apagado que aparece na lista restante é

3, que também é primo. Imediatamente apagamos da lista todos

os múltiplos de 3 maiores que ele, por serem compostos; resta

agora a lista

2, 3, 5, 7, 11, 13, 17, . . .

• O primeiro número não apagado que aparece na lista que restou

do passo anterior é 5, que também é primo. Imediatamente

apagamos da lista todos os múltiplos de 5 maiores que ele, por

serem compostos.

• Repetimos este processo até que o primeiro número não apagado



da lista em questão seja maior que n, pois graças à Proposição
3.41-(b) a partir desse momento todos os números restantes são

os primos menores ou iguais que n..



Por exemplo, se n = 40, temos que 40 = 6, 324555. Então,

aplicando o método:

2 3 4 5 6 7 8 9 10

11 12 13 14 15 16 17 18 19 20

21 22 23 24 25 26 27 28 29 30

31 32 33 34 35 36 37 38 39 40

Passo 1: ordenamos os números

2 3 5 7 9

11 13 15 17 19

21 23 25 27 29

31 33 35 37 39
3.5 Procurando Primos 129

Passo 2: tiramos os múltiplos de 2

2 3 5 7

11 13 17 19

23 25 29

31 35 37

Passo 3: tiramos os múltiplos de 3

2 3 5 7

11 13 17 19

23 29

31 37

Passo 4: tiramos os múltiplos de 5

Como 72 = 49 > 40, paramos agora.

Observação 3.44. Note que ao começar a apagar os múltiplos de um


número primo p podemos começar a apagar a partir de p2 , pois se
supomos que existe um número composto m não apagado menor que
p2 , temos que m = p1 q1 , sendo p1 seu menor divisor primo. Então,

pelo item (b) da Proposição 3.41, p1 < m < p, logo m deveria ter
sido apagado pois é múltiplo de um primo menor que p.

3.5.2 Primos de Mersenne

Marin Mersenne (1588-1648) foi um monge francês que nasceu na ci-

dade de Maine e foi um dos grandes inuenciadores da Matemática


130 3 Divisibilidade

2 3 5 7 11 13 17 19 23 29

31 37 41 43 47 53 59 61 67 71

73 79 83 89 97 101 103 107 109 113

127 131 137 139 149 151 157 163 167 173

179 181 191 193 197 199 211 223 227 229

233 239 241 251 257 263 269 271 277 281

283 293 307 311 313 317 331 337 347 349

353 359 367 373 379 383 389 397 401 409

419 421 431 433 439 443 449 457 461 463

467 479 487 491 499 503 509 521 523 541

Tabela 3.1: Os primeiros 100 números primos

francesa nos séculos XVI e XVII. Apaixonado pelos números, teve en-

tre seus correspondentes Descartes, Fermat, Pascal e Galileu. Entre

suas várias descobertas, ele estudou os números da forma:

Mn = 2n − 1.

Observe que vale o seguinte fato a respeito desses números:

Proposição 3.45. Se Mn é primo, então n é primo.


Demonstração. Provar essa proposição equivale a mostrar que a sua

forma contrarrecíproca vale. Ou seja, que se n é composto, digamos

n = a.b, com a ≥ b > 1, então Mn também é composto. De fato,

usando o Lema 3.14, podemos decompô-lo do seguinte modo:

Ma.b = 2ab − 1 = 2a(b−1) − 2a(b−2) + · · · + 2a + 1 2b − 1 .


 
3.5 Procurando Primos 131

Porém, não é verdade a recíproca da armação acima. Por exem-

plo, Hudalricus Regius mostrou em 1536 que M11 = 211 − 1 = 2.047


não é primo, já que 2.047 = 23 · 89.
Em 1643, Mersenne armou que para

n = 2, 3, 5, 7, 13, 17, 19, 31, 67, 127 e 257,

os valores de Mn são todos primos e para todos os outros valores de n


menores que 257, Mn é composto.
Hoje sabemos que Mersenne errou na sua armação, esquecendo

três valores de n onde Mn é primo: 61, 89 e 107 e incluindo M67 e M257


como números primos. Para mais informações, sugerimos a página web
http://primes.utm.edu/mersenne/index.html.

Finalizamos esta seção, com um critério interessante, devido à ma-

temática francesa Sophie Germain (1776-1831), que nos permite saber

quando um número não é primo.

Proposição 3.46 (Identidade de Sophie Germain) . Dados a, b ∈ R,


vale a igualdade

a4 + 4b4 = (a2 + 2b2 + 2ab)(a2 + 2b2 − 2ab).

Demonstração. A prova segue das seguintes igualdades:

a4 + 4b4 = a4 + 4a2 b2 + 4b4 − 4a2 b2


= (a2 + 2b2 )2 − 4a2 b2
= (a2 + 2b2 + 2ab)(a2 + 2b2 − 2ab).

Como aplicação desta identidade vejamos os seguintes exemplos.


132 3 Divisibilidade

Exemplo 3.47. qn = n4 + 4n é composto, para todo n ∈ N.


Solução. O conjunto dos números naturais é particionado em duas

classes disjuntas:o conjunto dos números pares e o conjunto dos nú-

meros ímpares. Estudaremos cada classe por separado. Assim,

• sen é um número par, então n = 2m para algum inteiro positivo


m ≥ 1. Deste modo,

n4 + 4n = (2m)4 + 42m = 16m4 + 24m ,


= 2 8m4 + 24m−1 .


Portanto, neste caso, n4 + 4n ≥ 2. Logo, se n>1 é qualquer


4 n
número inteiro positivo par temos que n +4 não é um número

primo;

• se n é um número ímpar, então n = 2m + 1 para algum inteiro

positivo m ≥ 1. Assim,

n4 + 4n = (2m + 1)4 + 42m+1 = (2m + 1)4 + 4 · 42m


= (2m + 1)4 + 4 · 24m = (2m + 1)4 + 4 · (2m )4 .

Logo, tomando a = 2m + 1 e b = 2m , o resultado é uma con-

sequência direta da identidade de Sophie Germain.

Exemplo 3.48. 520 + 230 é um número composto.


Solução. Escrevemos

4 4
520 + 230 = 55·4 + 22 · 228 = 55 + 4 · 27 ,

de onde podemos usar a Identidade de Sophie Germain com a = 55 e


7 20 30
b=2 para comprovar que o número 5 +2 é composto.
3.5 Procurando Primos 133

3.5.3 O Teorema Fundamental da Aritmética

Os números primos são as células dos números naturais, no sentido

de que qualquer número natural é produto de números primos. Por

exemplo,

560 = 56 · 10 = 7 · 8 · 5 · 2 = 7 · 2 · 2 · 2 · 5 · 2,

onde cada um dos fatores que aparecem no produto são números pri-

mos. Perguntamo-nos, o que acontece se começamos com uma outra

fatoração inicial de 560, por exemplo, 560 = 28 · 20. Vejamos:

560 = 28 · 20 = 14 · 2 · 10 · 2 = 7 · 2 · 2 · 5 · 2 · 2.

Surpreendentemente chegamos à mesma representação anterior, salvo

a ordem dos fatores.

2 7
5
2

Figura 3.4: O número 560 é composto de 4 células do tipo 2, uma célula

do tipo 7 e uma célula do tipo 5.

O fato observado acima vale para qualquer número natural maior

que 1. Especicamente, temos o seguinte resultado conhecido como

teorema fundamental da aritmética .


134 3 Divisibilidade

Teorema 3.49 (Teorema Fundamental da Aritmética). Todo número


natural n maior que 1 pode ser escrito como um produto

n = pα1 1 pα2 2 pα3 3 · · · pαmm , (3.34)

onde m ≥ 1 é um número natural, αi ∈ N e pi é primo para todo


1 ≤ i ≤ m . Além disso, a fatoração em (3.34) é única se exigirmos
que p1 < p2 < · · · < pm .
Demonstração. Seja n um inteiro maior que 1. Denotando por p1 seu

menor divisor primo tem-se que

n = p1 β1 , 1 ≤ β1 < n.

Se β1 = 1, entãoN1 = p1 e a fatoração desejada é obtida. Caso


contrário, denotando por p2 o menor divisor primo de β1 tem-se que

n = p1 p2 β2 , 1 ≤ β2 < β1 .

Seβ2 = 1, então n = p1 p2 e novamente chegamos à fatoração desejada.


Caso contrário, denotando por p3 o menor divisor primo de β2 tem-se

que

n = p1 p2 p3 β3 , 1 ≤ β3 < β2 .
Continuando este processo sucessivamente obtemos então uma sequên-

cia estritamente decrescente de números naturais αn , ou seja,

n > β1 > β2 > β2 > · · · > βn > βn+1 > · · · ≥ 1,

Então, pelo princípio da boa ordem, só pode existir uma quantidade

nita de índices n tais que βn > 1 e consequentemente βn+1 = 1, de

onde segue que

n = p1 p2 · · · pn .
3.5 Procurando Primos 135

Notemos que na representação acima os pi podem-se repetir, resul-

tando nalmente a representação desejada em (3.34).

Provaremos agora a unicidade de tal fatoração. Com efeito, supo-

nha que existem duas fatorações:

pα1 1 pα2 2 pα3 3 · · · pαmm = n = q1β1 q2β2 q3β3 · · · qsβs

Pela Proposição 3.43 temos que cada pi divide algum qj , logo pi =


qj , por serem primos. Portanto, cada pi aparece no lado direito da

igualdade acima, e, um argumento análogo nos dá que cada qj também


aparece no lado esquerdo da igualdade. Então, como os pi s e os qj s

são diferentes dois a dois e organizados crescentemente, temos m = s

e a igualdade se reduz a

pα1 1 pα2 2 pα3 3 · · · pαmm = pβ1 1 pβ2 2 pβ3 3 · · · pβmm .

Suponhamos agora que α1 seja diferente de β1 ; sem perda de ge-

neralidade vamos supor que α1 < β1 . Portanto,

pα2 2 · pα3 3 · · · pαmm = pβ1 1 −α1 pβ2 2 pβ3 3 · · · pβmm ,

e como β1 − α1 > 0 então, pela Proposição 3.43 temos que p1 di-


vide algum pj , com j > 1, o que é impossível. Portanto, α1 = β1 .

Similarmente provamos que αi = βi , com i = 1, . . . , n.

Observação 3.50. O teorema fundamental da aritmética foi enun-


ciado precisamente por Gauss (1777-1855). Seus antecessores, Fer-
mat, Euler, Lagrange e Legendre, utilizavam este teorema sem a preo-
cupação de tê-lo enunciado ou demonstrado com precisão. Uma prova
alternativa deste teorema será apresentada no Capítulo 6, usando o
método de indução.
136 3 Divisibilidade

Exemplo 3.51. Prove que um número n é par se, e somente se, o


número 2 aparece na fatoração de n em fatores primos.
Solução. Obviamente, se 2 aparece na fatoração em primos de N,
então N é par. Ora, se n é par temos que n = 2q . Por outro lado qe
n se fatoram, respectivamente, como

q = q1α1 q2α2 · · · qm
αm
e n = pβ1 1 pβ2 2 · · · pβs s .
Logo,

2 · q1α1 q2α2 · · · qm
αm
= pβ1 1 pβ2 2 · · · pβs s .
Pela unicidade da fatoração, para algum i, com 1 ≤ i ≤ s, o cor-

respondente pi deve ser igual a 2. Portanto, 2 aparece na fatoração de

n.
Exemplo 3.52. Seja A = {1, 2, 3, 4, 5, 6, 7}. É possível decompor
o conjunto A em dois subconjuntos disjuntos tais que o produto dos
elementos de um seja igual ao produto dos elementos do outro?
Solução. Mostraremos que é impossível fazer esta decomposição. Com

efeito, suponha que existem tais conjuntos, A1 = {p1 , p2 , . . . , pr } e

A2 = {q1 , q2 , . . . , qs }. Então

p1 p2 · · · pr = q1 q 2 · · · qs
| {z } | {z }
α β
e além disso, como os conjuntos A1 e A2 são disjuntos, temos que o

número 5 aparece no produto α ou no produto β, mas não em ambos

simultaneamente. Por outro lado, o Teorema 3.49 nos diz que a fatora-

ção em primos de α é igual à fatoração em primos de β , logo o número


5 deveria aparecer tanto no produto α como no produto β , contra-

dizendo isto o fato anterior. Portanto não existe uma decomposição

com as condições exigidas.


3.5 Procurando Primos 137

Exemplo 3.53. Encontre todos os números inteiros e positivos n com


a propriedade de que o conjunto

A = {n, n + 1, n + 2, n + 3, n + 4, n + 5}

pode ser particionado em dois subconjuntos tais que o produto dos


elementos de um dos subconjuntos seja igual ao produto dos elementos
do outro.

Demonstração. Digamos que seja possível essa decomposição para al-

gum n e vamos denotar os conjuntos que obtemos com a decomposição


por A1 e A2 . Observando a decomposição dos elementos dos subcon-

juntos em fatores primos, temos que todo fator primo de A1 também

deverá pertencer a A2 . No conjunto dos seis números só podemos ter

um múltiplo de 7, por isso não podemos tomar n como múltiplo deste

primo. Analogamente para primos maiores que 7. Analisando o primo

5, concluímos que n e n + 5 são múltiplos de 5, pois se não, cairíamos


na análise anterior. Assim, os números n + 1, n + 2, n + 3 e n + 4 são
α β
da forma 2 3 . Como entre eles existem dois ímpares, logo teremos

duas potências de 3 cuja diferença é 2, um absurdo. Assim, não existe

n que satisfaz as condições do enunciado.

Finalizamos esta seção com um exemplo que mostra como podemos

combinar os fatos estudados para resolver problemas mais difíceis

Exemplo 3.54. Encontre todos os números que são formados por 4


algarismos da forma aabb e que sejam quadrados perfeitos.
138 3 Divisibilidade

Solução. Como o número aabb é um quadrado perfeito, signica que:

n2 =aabb
n2 =103 a + 102 a + 10b + b = 103 + 102 · a + (10 + 1) · b


n2 =1100 · a + 11 · b
n2 =11 100a + b = 11 99a + a + b .
 

Como 11 é primo é fácil ver, usando a Proposição 3.43, que 112 | N 2 .


Segue-se então que 11 | (99a+a+b). Portanto, 11 | (a+b). Como aabb

tem 4 algarismos, segue-se que a 6= 0; portanto a ∈ {1, 2, 3, . . . , 9} e

b ∈ {0, 1, 2, . . . , 9}. De onde a + b ≤ 18. Logo, necessariamente


devemos ter a + b = 11. Podemos observar que a 6= 1, pois se a = 1

então b = 10. Analogamente, b 6= 0, 1. Portanto,

a ∈ {2, 3, 4, . . . , 9} e b ∈ {2, 3, 4, . . . , 9}.

Como em todo número quadrado perfeito o algarismo das unidades

somente pode acabar em 0, 1, 4, 5, 6 e 9. Segue-se que

b ∈ {4, 5, 6, 9}.

Certamente b 6= 5, pois todo número que acaba em 5 quando é elevado


ao quadrado sempre acaba em 25. Assim,

b ∈ {4, 6, 9}.

• Se b = 4, então a = 7. Neste caso o número seria 7.744 que é

um quadrado perfeito;

• Se b = 6, então a = 5. Neste caso o número seria 5.566 que não

é um quadrado perfeito;
3.6 Exercícios 139

• Se b = 9, então a = 2. Neste caso o número seria 2.299 que não

é um quadrado perfeito.

Finalmente, a única solução possível é aabb = 7.744 = 882 .

3.6 Exercícios

1. Encontre o resto que deixa

(a) 2001 · 2002 · 2003 · 2004 + 20052 quando é dividido por 7;

(b) 2100 quando é dividido por 3;

28
(c) (1237156 + 34) quando é dividido por 111.

2. Provar que o número n5 + 4n é divisível por 5 para qualquer

número natural n.

3. Prove que se n é ímpar

(a) n3 − n é divisível por 24;

(b) n2 − 1 é divisível por 8;

(c) n2 + (n + 2)2 + (n + 4)2 + 1 é divisível por 12.

4. O número 21093 − 2 é divisível por 10932 ?

5. Prove que (999994)1234567890 − 1 é divisível por 333331.

6. O número N = 42005 + 20054 é primo?

7. Demonstre que o número 1 |000 {z


. . . 00} 1 é composto.
2006 zeros
140 3 Divisibilidade

8. Utilizando o fato de que o resto de um quadrado quando dividido

por 4 só pode ser 0 ou 1, dê uma outra solução para o problema

do Exemplo 3.54.

9. Dados três inteiros, x, y, z , tais que x2 + y 2 = z 2 , mostre que x


e y não são ambos ímpares e que xy é múltiplo de 6.

10. Demonstre que o quadrado de um inteiro é da forma 8n ou 8n+1


ou 8n + 4.

11. Três números primos p, q e r, maiores que 3, formam uma pro-


gressão aritmética, ou seja, q = p + d e r = p + 2d. Prove que d
é divisível por 6.

12. Demonstrar que existem innitos números primos da forma 4m+


3 e da forma 6m + 5, onde m ∈ Z.

13. Encontrar o último dígito dos números

(a) 19892005 ;
(b) 777777 + 250 ;
(c) 1 + 22 + 32 + · · · + 20052 .

14. Prove que a soma dos quadrados de cinco números consecutivos

não é um quadrado perfeito.

15. Prove que 1 |00 ·{z


· · 00} 5 |00 ·{z
· · 00} 1 não é um cubo perfeito.
100−zeros 100−zeros

16. Seja b um inteiro positivo. Enuncie e prove o critério de divisi-

bilidade por b no sistema de numeração de base b.

17. Prove que os números


3.6 Exercícios 141

1 1 1
(a) αn = 1 ++ + · · · + , com n > 1,
2 3 n
1 1 1
(b) βn = + + · · · + , com n > 0,
3 5 2n + 1
não são inteiros.

18. Considere o polinômio p(n) = am nm + am−1 nm−1 + · · · + a0 de


grau m ≥ 1 com coecientes inteiros e n ∈ N. Prove que p(n) é

um número composto para innitos valores de n.

Sugestão: Use o fato de que existe a ∈ N tal que α = |p(a)| > 1


e mostre que α divide a p(αk + a), para todo k ∈ Z.

19. Dizemos que um conjunto An formado por n inteiros positivos

escritos no sistema binário (base 2) é regular se, para qualquer

s inteiro não negativo a quantidade de números de An que con-


s
templam 2 na representação binária é par. Dizemos que An é

irregular se, pelo menos para algum s, este número é ímpar. De-

monstre que um sistema irregular pode se converter em regular

excluindo-se apenas um único elemento do mesmo, e, um sistema

regular pode se converter em irregular excluindo-se qualquer um

dos seus elementos.

20. Seja n um inteiro positivo. Demonstrar que todos os coecientes

do desenvolvimento do binômio de Newton (a + b)n são ímpares


s
se, e somente se, n é da forma 2 − 1.

21. Prove que se (x0 , y0 ) é uma solução da equação diofantina linear


ax − by = 1, então a área do triângulo cujos vértices são (0, 0),
(b, a) e (x0 , y0 ) é 1/2.
142 3 Divisibilidade

22. Qual é a menor distância possível entre dois pontos (x1 , y1 ) e

(x2 , y2 ), com coordenadas inteiras, situados sobre a reta denida


pela equação diofantina ax + by = c?
4
O Princípio da Casa dos
Pombos

Uma vez um matemáti o me falou que o verdadeiro prazer não está

em a har a verdade, mas em pro urar por ela.

Leo Tolstoy

Um interessante instrumento elementar para tratar problemas mate-

máticos relacionados à existência de elementos de conjuntos validando

certas exigências é o chamado princípio de Dirichlet , também conhe-


cido como princípio da casa dos pombos (PCP) . Este princípio foi
usado por Dirichlet (1805-1859) para resolver problemas na Teoria

dos Números, entretanto ele possui um grande número de aplicações

em diversos ramos da Matemática como Combinatória e Geometria.

A seguir enunciamos a versão mais simples do PCP.

Proposição 4.1 (PCP  Versão Simples) . Se distribuímos N + 1


pombos em N casas, então alguma das casas contém dois ou mais
pombos.

143
144 4 O Princípio da Casa dos Pombos

P1 P2 ········· PN
C1 C2 CN

PN +1

Figura 4.1: Em cada casa Cj , 1 ≤ j ≤ N , coloca-se um único pombo,

denotado por Pj . O pombo restante, denotado por PN +1 , deve ir para

alguma das casas, juntando-se ao que já se encontrava contido nela

Demonstração. A prova deste princípio é muito fácil e decorre de fa-

zer uma simples contagem dos pombos contidos em todas as casas de-

pois de distribuídos. Com efeito, suponhamos pelo contrário que em

cada casa não existe mais do que um pombo, então contando todos

os pombos contidos nas N casas não teremos mais do que N pombos,

contradizendo isto a hipóteses de termos N +1 pombos distribuídos

nas N casas (ver Figura 4.1).

Não é difícil detectar quando o princípio pode ser usado, mas a

principal diculdade para aplicá-lo reside em identicar, em cada pro-

blema, quem faz papel de pombos e quem faz papel de casas.

Nas seguintes seções discutiremos vários exemplos de diferentes

naturezas onde o princípio da casa dos pombos é aplicado com sucesso.


4.1 Primeiros Exemplos 145

4.1 Primeiros Exemplos

Exemplo 4.2. Numa oresta crescem 1.000 jaqueiras. É conhecido


que uma jaqueira não contém mais do que 600 frutos. Prove que
existem 2 jaqueiras na oresta que têm a mesma quantidade de frutos.

Solução. Temos 1.000 jaqueiras, representando os pombos, e 601 casas

identicadas pelos números 0, 1, 2, 3, . . . , 600. O número k associado

a cada casa signica que nela serão colocadas jaqueiras que têm exa-

tamente k frutos. Como 1000 > 602 = 601 + 1, o PCP nos garante

que existem duas jaqueiras com a mesma quantidade de frutos.

Exemplo 4.3. Em uma reunião há n pessoas. Mostre que existem


duas pessoas que conhecem exatamente o mesmo número de pessoas.

Solução. Os pombos neste caso são as n pessoas. As casas são enume-

radas com os números 0, 1, 2, . . . , n − 1, indicando estes que na mesma


serão colocadas pessoas que têm essa quantidade de conhecidos. No-

temos que uma das casas enumeradas com 0 ou n − 1 permanece


desocupada, pois a possibilidade de conhecer 0 e n − 1 pessoas não

acontece simultaneamente. Logo, nas n − 1 casas restantes haverá

uma ocupada por dois ou mais pombos, depois de serem distribuídos.

Portanto, existem no mínimo duas pessoas com o mesmo número de

conhecidos.

Exemplo 4.4. Dados 8 números inteiros mostre que existem dois


deles cuja diferença é divisível por 7.

Solução. Consideramos os 8 números como sendo os pombos e as casas

como sendo os 7 possíveis restos na divisão por 7. Como temos 8=


7+1 números o PCP nos diz que existem dois números dentro dos
146 4 O Princípio da Casa dos Pombos

8 dados que têm o mesmo resto quando divididos por 7. Finalmente,

observamos que se dois números deixam o mesmo resto na divisão por

7 então a diferença entre eles é divisível por 7.

Uma forma alternativa e muito útil na qual pode-se apresentar o

princípio da casa dos pombos é a seguinte:

Proposição 4.5 (PCP  Versão Alternativa) . Se a soma de n nú-


meros naturais é igual S , então existe pelo menos um deles que não
é maior que S/n, assim como existe pelo menos um deles que não é
menor que S/n.
Exemplo 4.6. Numa família formada por 5 pessoas a soma das idades
é de 245 anos. Prove que podem ser selecionados 3 membros da família
cuja soma das idades não é menor que 147.
Solução. 5 5!

Temos um total de
3
= 3!2!
= 10 trios diferentes formados

por membros da família. Além disso, cada pessoa aparece exatamente


4 4!

em
2
= 2!2!
=6 trios. Então, denotando por Ej a soma das idades

dos membros de cada trio Tj , j = 1, 2 . . . 10, temos que

E1 + E2 + · · · + E10 = 6 · 245 = 1470;


1470
consequentemente existe algum trio Tj ∗ tal que Ej ∗ ≥ 10
= 147.

4.2 Uma Versão mais Geral

A seguinte versão mais geral do PCP é bastante útil na resolução de

alguns problemas.

Proposição 4.7 (PCP  Versão Geral). Se distribuímos N k + 1 pom-


bos em N casas, então alguma das casas contém pelo menos k + 1
pombos.
4.2 Uma Versão mais Geral 147

A prova deste enunciado mais geral é similar à anterior. Com efeito,

suponhamos pelo contrário que em cada casa não existe mais do que

k pombos, então contando todos os pombos contidos nas N casas não

teremos mais do que Nk pombos, contradizendo isto a hipóteses de

termos Nk + 1 pombos distribuídos nas N casas.

Notemos que se k = 1, esta versão mais geral coincide com a versão


mais simples.

Exemplo 4.8. Num colégio com 16 salas são distribuídas canetas nas
cores preta, azul e vermelha para realizar uma prova de concurso. Se
cada sala recebe canetas da mesma cor então prove que existem pelo
menos 6 salas que receberam canetas da mesma cor.
Solução. Fazendo a divisão com resto de 16 por 3 temos que 16 =
3 · 5 + 1. Consideramos as 16 salas como sendo os pombos e as três

cores, preto, azul e vermelho como sendo as casas. Logo, podemos

colocar cada sala em uma das três cores. Assim, o PCP com N =3
e k = 5 nos dá que existe uma casa com pelo menos 6 pombos, ou seja,
existem no mínimo 6 salas que receberam canetas da mesma cor.

Exemplo 4.9. Uma equipe formada por seis alunos de Matemática é


selecionada para representar o Brasil numa olimpíada internacional.
Mostre que necessariamente existem três deles que se conhecem mu-
tuamente, ou três deles que não se conhecem mutuamente.
Solução. Resolveremos o problema com o auxílio da Figura 4.2. Cada

aluno Aj , com j = 1, 2, . . . , 6, é representado por um dos vértices de

um hexágono regular. Quando dois alunos se conhecem traçamos o

segmento de reta que liga os vértices correspondentes com uma linha

contínua; caso contrário traçamos este segmento com uma linha pon-

tilhada. Logo, usando este esquema, o problema equivale a provar


148 4 O Princípio da Casa dos Pombos

que sempre existe um triângulo de lados contínuos ou um triângulo de

lados pontilhados com vértices no conjunto A = {A1 , A2 , . . . , A6 }.


Temos 5 segmentos (pombos) incidindo no vértice A1 , cada um

deles contínuo ou pontilhado (estes dois tipos de linhas são conside-

radas como as casas). Como 5 = 2 · 2 + 1, pelo PCP temos que 3

dos 5 segmentos são contínuos ou pontilhados. Suponhamos que 3 são

contínuos (caso contrário o argumento é similar) e denotemos estes

por A1 A3 , A1 A4 e A1 A6 (ver Figura 4.2). Se algum dos segmentos


A3 A4 , A3 A6 ou A4 A6 for contínuo então este segmento junto aos que
se ligam com A1 formam um triângulo de lados contínuos. Por outro

lado, se nenhum deles for contínuo, então eles formam um triângulo

de lados pontilhados, completando isto a demonstração.

A3 A2

A4 A1

A5 A6

Figura 4.2: O triângulo A1 A2 A5 indica que os alunos A1 , A2 e A5 não se

conhecem mutuamente e o triângulo A1 A4 A6 indica que os alunos A1 , A4


e A6 se conhecem mutuamente
4.3 Aplicações na Teoria dos Números 149

4.3 Aplicações na Teoria dos Números

Nesta seção apresentamos alguns exemplos de aplicações do PCP na

Teoria dos Números. A primeira delas é:

Exemplo 4.10. Se n e m são números naturais, então o conjunto


A = {m + 1, m + 2, . . . , m + n} possui algum divisor de n.

Solução. Temos n números diferentes no conjunto acima. Vamos utili-

zar o método de redução ao absurdo. Se não existisse nenhum múltiplo

de n, quando dividíssemos os números do conjunto A por n, os res-

tos pertenceriam ao conjunto B = {1, 2, . . . , n − 1}, que possui n − 1


elementos. Logo, devem existir dois números m + i e m + j , com

1 ≤ i < j ≤ n tais que o resto da divisão de m + i por n é o mesmo


que o resto da divisão de m + j por n. Logo, m + j − (m + i) é um

múltiplo de n, o que implica que n > j − i ≥ 1 é múltiplo de n menor

que n (absurdo!). Logo, deve existir algum múltiplo de n no conjunto

A.

Como consequência desse exemplo, podemos resolver o próximo

problema.

Exemplo 4.11. Demonstrar que todo inteiro tem um múltiplo cuja


representação decimal começa com o bloco de dígitos 1234567890.

Solução. m e n são inteiros positivos, pelo exemplo anterior um


Se

dos número m + 1, m + 2, . . . , m + n é múltiplo de n. Assim, dado n


n+1
um inteiro qualquer, escolhe-se m = 1234567890×10 . Deste modo,

todos os inteiros m + 1, m + 2, . . . , m + n começam com 1234567890 e

algum deles é múltiplo de n.


150 4 O Princípio da Casa dos Pombos

Exemplo 4.12. Dado um número inteiro positivo n, mostre que existe


um múltiplo de n que se escreve com os algarismos 0 e 1 apenas. (Por
exemplo, se n = 3, temos 111 ou 1.101 etc.)

Solução. Consideramos os n+1 números

1, 11, 111, 1111, . . . , 111


| {z· · · 1} (4.1)
n+1−vezes

como sendo os pombos e n casas enumeradas com os números

0, 1, 2, 3, . . . , n − 1,

ou seja, com os possíveis restos na divisão por n. Similarmente ao

exemplo anterior existem dois números na lista (4.1) que deixam o

mesmo resto na divisão por n e, portanto, a diferença entre o maior e

o menor é múltiplo de n. Obviamente a diferença entre dois números

quaisquer da lista (4.1) resulta em um número formado apenas pelos

algarismos 0 e 1.

Exemplo 4.13. Prove que entre n + 1 elementos escolhidos no con-


junto {1,2,3, . . . , 2n} existem dois que são primos relativos.

Solução. A escolha das casas e dos pombos neste exemplo não é tão ób-

via. Os pombos representam os n + 1 números escolhidos do conjunto


{1, 2, . . . , 2n} e as casas são escolhidas como sendo os n conjuntos:

Cj = {2j − 1, 2j}, 1 ≤ j ≤ n.

Logo, pelo PCP, quando distribuímos os n + 1 números nos n conjun-


tos Cj , 1 ≤ j ≤ n, dois deles carão juntos em algum conjunto Cj , ou

seja, estes números serão consecutivos e portanto primos entre si.


4.4 Aplicações Geométricas 151

Finalizaremos esta seção com uma outra prova do teorema de

Bachet-Bézout, (veja o Teorema 3.23).

Exemplo 4.14. Seja d = (a, b) o mdc entre os números naturais a e


b. Então, existem x e y números inteiros tais que

ax + by = d.

Solução. Denotando por m = a/d e n = b/d, podemos supor que a e

b são primos entre si. Realmente, se podemos escrever

mx + ny = 1

então, substituindo os valores de m e n na equação acima, temos que

ax + by = d.
Se (a, b) = 1, considere a sequência A = {a, 2a, . . . , ba}. Armamos

que existe algum número no conjunto A que deixa resto 1 quando

dividido por b. De fato, se isso não ocorresse, teríamos b números em

A deixando no máximo b − 1 restos diferentes quando divididos por


b. Logo, pelo PCP, dois deles, digamos ia e ja com b > j > i ≥ 1,
devem deixar o mesmo resto quando divididos por b. assim, (j − i)a

é divisível por b. Como estamos supondo que (a, b) = 1, temos que b

deve dividir j − i > 0. Como b > j − i, temos um absurdo.

Assim, algum dos números em a deixa resto 1 quando divididos

por b. Digamos que esse número seja ax. Logo, ax − 1 é múltiplo de

b, onde ax − 1 = by , o que encerra nossa prova.

4.4 Aplicações Geométricas

Na geometria também encontramos belas aplicações do PCP. Vejamos


os problemas a seguir para constatar isto.
152 4 O Princípio da Casa dos Pombos

Exemplo 4.15. Mostre que se tomamos cinco pontos quaisquer sobre


um quadrado de lado 1, então pelo menos dois deles não distam mais

que 2/2.

Solução. Vamos dividir o quadrado em quatro quadradinhos de lado

1/2, como mostra a gura. Logo, pelo PCP pelo menos dois deles de-




1
• •

vem estar no mesmo quadradinho, uma vez que temos 4 quadradinhos

e 5 pontos. Logo, como a maior distância num quadrado é a diagonal,

o Teorema de Pitágoras nos garante que a distância desses dois pontos



é no máximo 2/2, como queríamos mostrar.

Exemplo 4.16. Na região delimitada por um triângulo equilátero de


lado 4 são marcados 10 pontos no interior deste. Prove que existe ao
menos um par destes pontos cuja distância entre eles não é maior que

3.

Solução. Dividimos o triângulo equilátero de lado 4 em 16 triângulos

equiláteros menores de lado 1, conforme a Figura 4.3.

Agora pintamos os triângulos nas cores branco e cinza de maneira

que dois triângulos vizinhos, isto é, com um lado comum, são pintados

de cores diferentes. Se tivéssemos dois pontos no mesmo triângulo a

distância máxima possível entre eles seria 1 e o problema estaria resol-

vido. Se tivéssemos pontos em triângulos vizinhos, a maior distância



possível entre eles seria 3 e também isto resolveria o problema. Se

não tivéssemos nenhum dos casos anteriores, não seria difícil ver que
4.5 Miscelânea 153

C

E
• •

• •
• •
• •
A D B

Figura 4.3: O triângulo DBE é equilátero de lado 3

os 10 pontos deveriam estar situados sobre os 10 triângulos brancos,

contendo cada triângulo exatamente um ponto. Dividindo o triângulo

DBE em 4 triângulos congruentes de lado 3/2 pelo PCP temos que


pelo menos dois dos 6 pontos contidos em DBE estão num destes 4

triângulos, logo a distância entre eles não é maior que 3/2 < 3. Com
isto terminamos nossa prova.

4.5 Miscelânea

Os problemas que apresentamos a seguir usam o PCP combinado com

outras idéias que são muito empregadas nas suas soluções.

Exemplo 4.17. Em cada quadradinho de um tabuleiro 3 × 3 é colocado


um dos números: -1, 0 ou 1. Prove que entre todas as somas das
linhas, colunas e diagonais do tabuleiro há duas que são iguais. Por
exemplo, no tabuleiro abaixo a soma da segunda linha é 2, que coincide
com a soma da terceira coluna.
154 4 O Princípio da Casa dos Pombos

-1 -1 1

1 0 1

0 -1 0

Solução. SejaS = a1 + a2 + a3 , onde cada a1 , a2 e a3 podem tomar


valores: −1, 0 e 1. Então, temos 7 valores possíveis para S (casas),

que são: −3, −2, −1, 0, 1, 2, 3.

O tabuleiro 3×3 tem 3 linhas, 3 colunas e 2 diagonais, portanto, ao

somarmos os elementos de cada uma das linhas, colunas e diagonais,

obteremos 8 números (pombos). Como existem somente 7 valores

possíveis para estes números, pelo PCP pelo menos dois deles devem

ser iguais.

Exemplo 4.18. Dado qualquer conjunto A formado por 10 números


naturais escolhidos entre 1 e 99, inclusos, demonstre que existem dois
subconjuntos disjuntos e não vazios de A tal que a soma dos seus res-
pectivos elementos é igual.

Solução: É conhecido que A tem 210 − 1 = 1.023 subconjuntos não-

vazios diferentes. A soma dos elementos de cada um deles dá uma

quantidade menor do que 1.000, pois o subconjunto com no máximo

10 elementos de maior soma possível é o formado por 90, 91, . . . , 99,


e nesse caso 90 + 91 + · · · + 99 = 945. Agora consideramos os pombos

como sendo os 1.023 subconjuntos distintos de A e as casas como

sendo as somas possíveis dos elementos de cada um dos conjuntos.

Logo, como o número de conjuntos é maior que o número de somas

possíveis, devem existir dois conjuntos B e C de A, de tal modo que

a soma dos elementos de B é igual à soma dos elementos de C. Se B


4.5 Miscelânea 155

e C são disjuntos, acabou a prova. Se não, considere D = B − B ∩ C


e E = C − B ∩ C . Logo, os conjuntos D e E são disjuntos e a soma
dos seus elementos é a mesma, pois retiramos de ambos a mesma

quantidade.

Exemplo 4.19. Qual é o maior número de quadradinhos de um ta-


buleiro de 8 × 8 que podem ser pintados de preto, de forma tal que
qualquer arranjo de três quadradinhos, como mostra a Figura 4.4, te-
nha pelo menos um dos quadradinhos não pintado de preto?

Figura 4.4: Tridominós

Solução. Primeiramente, pintamos o tabuleiro de 8×8 como um tabu-


leiro de jogar xadrez, ou seja, 32 quadradinhos pintados de branco e

32 quadradinhos pintados de preto (ver Figura 4.5).

Figura 4.5: Tabuleiro de xadrez


156 4 O Princípio da Casa dos Pombos

Notemos que uma vez pintado o tabuleiro desta forma é satisfeita

a exigência do problema, pois nunca temos 2 quadradinhos vizinhos

(quadradinhos com um lado comum) pintados de preto.

Mostraremos agora que se pintamos 33 quadradinhos de preto en-

tão a condição exigida no problema falha. De fato, se dividimos o

tabuleiro em 16 quadrados de 2×2 (casas) e pintamos 33 quadra-

dinhos de preto (pombos); então, como 33 = 16 · 2 + 1, pela versão


geral do PCP um dos 16 quadrados de 2 × 2 contém 3 quadradinhos
pintados de preto. Portanto, este último contém um arranjo como na

Figura 4.4 completamente pintado de preto.

Resumindo, o número máximo de quadradinhos que podemos pin-

tar de preto é 32.

Exemplo 4.20. Dados sete números reais arbitrários, demonstre que


existem dois deles, digamos x e y , tais que
x−y 1
0≤ ≤√
1 + xy 3
Solução. Primeiramente observamos que a expressão
x−y
1+xy
nos faz pen-

sar na fórmula
tan α − tan β
tan(α − β) = . (4.2)
1 + tan α tan β
Sejam x1 , x2 , · · · , x7 os sete números selecionados arbitrariamente.

Lembramos que a função tangente é uma bijeção entre o intervalo

(− π2 , π2 ) e os números reais R, logo para cada xi , 1 ≤ i ≤ 7, existe um


αi ∈ (− π2 , π2 ) tal que tan(αi ) = xi . Dividimos o intervalo (− π2 , π2 ) em
π
seis subintervalos de comprimento , como mostra o desenho a seguir.
6

Pelo PCP dois dos números αi pertencem ao mesmo subintervalo.

Denotemos os mesmos por αi1 e αi2 e suponhamos, sem perda de


4.6 Exercícios 157

αi1 αi2
− π2 π
π
2
6

generalidade, que αi1 ≤ αi2 . Então vale

π
0 ≤ αi2 − αi1 ≤ .
6
Usando o fato de que a tangente é uma função crescente e a fórmula

(4.2) temos que

π
tan(0) ≤ tan(αi2 − αi1 ) ≤ tan( ).
6
Equivalentemente,
xi 2 − xi 1 1
0≤ ≤√ .
1 + xi 2 xi 1 3

4.6 Exercícios

1. Seja C um conjunto formado por cinco pontos de coordenadas

inteiras no plano. Prove que o ponto médio de algum dos seg-

mentos com extremos em C tem também coordenadas inteiras.

2. O conjunto dos dígitos 1, 2, ..., 9 é dividido em três grupos.

Prove que o produto dos números de algum dos grupos deve ser

maior que 71.

3. Prove que se N é ímpar então para qualquer bijeção

p : IN → IN
158 4 O Princípio da Casa dos Pombos

do conjunto IN = {1, 2, . . . , N } o produto P (p) = (1 − p(1))(2 −


p(2)) · · · (N − p(N )) é necessariamente par.
(Dica: O produto de vários fatores é par se, e somente se, um dos

fatores é par.)

4. Dado um conjunto de 25 pontos no plano tais que entre quaisquer

3 deles existe um par com distância menor que 1. Prove que

existe um círculo de raio 1 que contém pelo menos 13 dos 25

pontos dados.

5. Prove que entre quaisquer 5 pontos escolhidos dentro de um

triângulo equilátero de lado 1 sempre existe um par deles cuja

distância não é maior que 0,5.

6. Marquemos todos os centros dos 64 quadradinhos de um ta-

buleiro de xadrez de 8 × 8. É possível cortar o tabuleiro com 13

linhas retas que não passem pelos pontos marcados e de forma

tal que cada pedaço de recorte do tabuleiro tenha no máximo

um ponto marcado?

7. Prove que existem duas potências de 3 cuja diferença é divisível

por 1.997.

8. São escolhidos 6 números quaisquer pertencentes ao conjunto

A = {1, 2, 3, . . . , 10}.

Prove que existem dois desses seis números cuja soma é ímpar.

9. Seja x um número real arbitrário. Prove que entre os números

x, 2x, 3x, . . . , 101x


4.6 Exercícios 159

existe um tal que sua diferença com certo número inteiro é menor

0,011.

10. Mostre que entre nove números que não possuem divisores pri-

mos maiores que cinco, existem dois cujo produto é um qua-

drado.

11. Um disco fechado de raio um contém sete pontos, cujas distân-

cias entre quaisquer dois deles é maior ou igual a um. Prove que

o centro do disco é um destes pontos.

12. Na região delimitada por um retângulo de largura quatro e altura

três são marcados seis pontos. Prove que existe ao menos um



par destes pontos cuja distância entre eles não é maior que 5.

13. Seja a um número irracional. Prove que existem innitos núme-

ros racionais r = p/q tais que |a − r| < 1/q 2 .

14. Suponha que cada ponto do reticulado plano é pintado de vermelho


ou azul. Mostre que existe algum retângulo com vértices no reticulado
e todos da mesma cor.

15. Um certo livreiro vende pelo menos um livro por dia. Sabendo que o
livreiro vendeu 463 livros durante 305 dias consecutivos, mostre que
em algum período de dias consecutivos o livreiro vendeu exatamente
144 livros.
Referências Bibliográcas
[1] AIGNER, M. e ZIEGLER, G. (2002). As Provas estão
no Livro. Edgard Blücher.

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MORGADO, A.C. (2004). A Matemática do Ensino Mé-


dio. Volume 1. Sociedade Brasileira de Matemática.

[4] LIMA, E.L.; CARVALHO, P. C. P.; WAGNER, E. e

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dio. Volume 2. Sociedade Brasileira de Matemática.

[5] LIMA,E.L.; CARVALHO,P. C. P.; WAGNER,E. e

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MORGADO, A.C. (2001). Temas e Problemas. Socie-

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de Matemática.

285
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