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O cálculo da corrupção

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Rogério Simões | 2008-07-15, 18:48

Para muitos a corrupção é um fenômeno facilmente explicável: seria resultado da falta de


caráter, da cara-de-pau, da ausência completa de vergonha na cara tanto de corruptos
como de corruptores. Seria uma questão moral. Mas o economista americano Robert
Klitgaard, que estuda o fenômeno há décadas e é considerado um papa do assunto, deu-se
ao trabalho de criar uma fórmula para explicar a tal da corrupção: C = M + D - A.

Explico: corrupção seria o resultado de "monopólio" (M), mais "critério próprio" (D, do
inglês "discretion"), menos "responsabilização pública" (talvez a melhor forma de traduzir
"accountability", o A da fórmula). Ou seja, para Klitgaard, o clima que permite o avanço da
corrupção é marcado por monopólio em alguma atividade, decisões tomadas com critérios
próprios e resultados que não são alvo de responsabilização pública, não há cobrança sobre
o que foi feito.

Desde que eu me conheço por gente o Brasil se depara, regularmente, com casos (ou
suspeitas) de corrupção que parecem superar os recordes anteriores, em termos de número
de pessoas envolvidas, montantes desviados e complexidade dos esquemas montados. A
investigação da Polícia Federal que levou às breves prisões do banqueiro Daniel Dantas e do
ex-prefeito paulistano Celso Pitta é a mais nova história que provoca indignação popular.
Não é preciso haver culpa provada na Justiça (e a cética população brasileira tende a achar
que não haverá) para que o cidadão pense mais uma vez que o país não tem jeito e que a
corrupção é um problema moral sem solução.

Sem querer necessariamente assinar embaixo da fórmula de Robert Klitgaard, o


interessante no exercício do economista é ele tentar buscar uma explicação lógica para o
fenômeno que tantos milhões tira dos cofres públicos de nações pelo mundo afora,
especialmente na América Latina, África e Ásia. Isso porque, se o Brasil quiser mesmo
combater esse mal, precisa entender por que ele nasce, cresce e se reproduz como coelho.
É como a chamada Lei Seca: a lei, com aplicação severa, por si só pode trazer resultados
positivos inicialmente, mas é preciso entender por que os brasileiros sempre foram tão
complacentes com a condenável prática de dirigir depois de beber.

O Brasil poderia também criar uma lei simples, dizendo que a corrupção está proibida,
mesmo já havendo inúmeras outras que visam coibir o que muitos chamam de "praga
brasileira". Não traria muito resultado. É preciso combater os elementos que estão na
equação de Klitgaard ou outros que venhamos a identificar na realidade nacional. É possível
argumentar que os dois fatores que ele aponta como responsáveis pela corrupção aparecer
(monopólio e critério próprio) não são necessariamente os vilões. Afinal criticar monopólio
parece coisa de quem quer a privatização absoluta, diriam muitos. Mas é preciso pelo
menos apoiar o elemento que Klitgaard aponta como o inimigo da corrupção: a tal
"accountability", ou responsabilização pública.

Nesse aspecto, a Justiça tem um papel central, logicamente, assim como Congresso e
Executivo. Mas a mídia deve cobrar essa responsabilização e expor aqueles que escapam de
um escrutínio oficial, como em grande medida já vem fazendo. Quanto maior for essa
pressão por responsabilização, menor será a corrupção do outro lado da equação. Em países
mais bem estruturados e historicamente mais maduros no combate a irregularidades, a
imprensa e a sociedade civil organizada nem precisariam ser tão ativas para manter o
pessoal nos eixos. Mas no Brasil a pressão do A da conta de Klitgaard precisa ser
infinitamente maior. Inicialmente ela pode apenas fazer com que mais e mais casos fiquem
conhecidos da população. Mas, no futuro, ela pode forçar o que hoje parece impossível:
realmente diminuir a ocorrência e a gravidade dos casos de corrupção no Brasil.

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