Você está na página 1de 11

EJA: ALFABETIZAÇÃO NA PERSPECTIVA DO PROJETO ESCOLA ZÉ PEÃO

ALBA MARIA MONTEIRO DOS SANTOS


MARILENE BARBOSA SIQUEIRA DÁCIO1

RESUMO: O presente trabalho apresenta a alfabetização de jovens e adultos na perspectiva


do Projeto Escola Zé peão, resgatando historicamente sua formação através da parceria do
Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário de João Pessoa e a
Universidade Federal da Paraíba/Programa de Pós-Graduação em Educação. Apresenta a
metodologia utilizada na alfabetização, bem como a formação dos educadores nesta
perspectiva, finalizando com uma experienciação desta em sala de aula.

Palavras chave: Alfabetização. Jovens e Adultos. Projeto Escola Zé Peão

INTRODUÇÃO

As reflexões apresentadas neste trabalho tratam de mostrar a educação de jovens e adultos


(EJA) como expressão da educação popular na perspectiva do Projeto Escola Zé Peão
(PEZP). Para isso, busca apresentar, o contexto e o desenvolvimento da prática educativa do
Projeto Escola Zé Peão na alfabetização dos operários da construção civil do canteiro de
obras.

Observando o alto índice de analfabetismo existente entre os operários da construção civil o


Projeto Escola Zé Peão foi criado nos anos 90 com o objetivo de oferecer uma educação de
qualidade, no sentido de desenvolver a escolarização dos operários da indústria da construção
nos canteiros de obras, local de trabalho dos mesmos.

O projeto surge pela necessidade do Sindicato, quando em 1986, sua direção é assumida pelo
grupo de oposição, chamado de “Zé Peão”. Este era formado por operários, que tinham o
objetivo de construir um grupo que efetivamente lutasse pela classe com melhorias das
condições de trabalho e resgate da cidadania dos trabalhadores da construção. Este grupo
necessitava formar novas frentes na luta pelos direitos dos trabalhadores e contava com os
próprios operários. Todavia, constataram o baixo nível de escolarização entre os mesmos, o

1
Graduandas do Curso de Pedagogia - UFPB
que configurava um problema para o desenvolvimento organizacional do próprio sindicato,
uma vez que os operários não tinham acesso às fontes de informações por falta de
escolarização. O Projeto Escola Zé Peão, surge para minimizar este problema alfabetizando
estes operários no local de trabalho firmando uma parceria com a Universidade Federal da
Paraíba (UFPB)/ Programa de Pós-Graduação em Educação que desenvolve uma metodologia
voltada para esses operários na formação dos educadores que atenderão esta clientela.

O presente trabalho divide-se em quatro partes. Na primeira retratamos o contexto histórico


da realidade da educação de jovens e adultos nos anos 90, contexto ao qual surge a
necessidade do Sindicato frente à alfabetização de adultos operários.

Na segunda parte, apresentamos os princípios norteadores de alfabetização do PEZP, que


busca integrar a alfabetização às necessidades de aprendizagens dos educandos/operários.

Na terceira parte, retratamos sobre a formação do educador, cujo perfil é desenvolvido para
atuar com este público de acordo com suas especificidades.

Por fim, apresentamos um relato de experiência de trabalho de alfabetização em um canteiro


de obras, demonstrando a sistematização prática desenvolvido no dia-a-dia em sala de aula.

A REALIDADE DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NOS ANOS 90

Para compreender a trajetória da EJA, se faz necessário contextualizar o percurso pelo qual tal
educação percorreu desde o fim do regime militar em 85 e mais especificamente nos anos 90.

Com o fim do regime militar e a extinção do Mobral, em 1985, na Nova República surge a
Fundação Educar que tinha a responsabilidade de coordenar ações para erradicação do
analfabetismo em 10 anos. Em 1989, convoca juntamente com o MEC, um grupo de
especialistas que trabalhavam com a EJA, para juntos discutirem e prepararem o “Ano
Internacional da Alfabetização”, atendendo a definição da UNESCO para o ano de 1990.
Este grupo passou a ser chamado de Comissão Nacional para o Ano Internacional da
Alfabetização (CNAIA), que acaba sendo desarticulada através da extinção da Fundação
Educar no governo de Fernando Collor. A EJA é penalizada, sendo transferida a
responsabilidade de atuação e manutenção através das ONG’s. Ainda em 1990, no Ano
Internacional da Alfabetização (CNAIA), por todo o país, são realizados debates, seminários,
congressos por entidades governamentais e não governamentais com o objetivo de discutir e
apresentar propostas para a erradicação do analfabetismo no Brasil. Neste mesmo ano, o
então Presidente Collor lança (PNAC) Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania que
pretendia reduzir em 70% o número de analfabetos no país nos 5 anos seguintes. Dentro deste
contexto cria-se o Mova (Movimento de Alfabetização).

Em meio a todos esses acontecimentos ocorrem a Conferência Mundial sobre a “Educação


para todos” em Jomtien- Tailândia, 1990, o Encontro Latino-Americano sobre Educação de
Jovens e Adultos Trabalhadores, 1993 e também neste mesmo ano, o lançamento do Plano
Decenal de Educação para Todos -1993/2003, ao mesmo tempo em que já vinham realizando
discussões para o projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN). É
deste esforço, que em 1994 nasce o documento: Diretrizes para uma Política Nacional de
Educação de Jovens e Adultos que diz:

"[...] o documento de diretrizes da Política de Jovens e Adultos, que o Ministério da


Educação e do Desporto tem a grata satisfação de editar e divulgar, organizado com
a participação da Comissão Nacional de Jovens e Adultos, deverá ser entendido
como a manifestação da vontade política do Governo de cumprir o que determina o
Artigo 208, caput, inciso I, parágrafo 1º e 2º, isto é, o dever do Estado com a
educação será efetivado mediante a garantia de: I - ensino fundamental, obrigatório e
gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria;
§ 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo;
§ 2º - O não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta
irregular, importa responsabilidade de autoridade competente". (HINGEL b,
1994:07)

Posteriormente em 1996, temos a promulgação da Lei Darcy Ribeiro (LDBEN nº 9394/96).


Todavia é importante lembrar que durante o governo de Fernando Henrique Cardoso a EJA
não recebeu a devida importância, tendo em vista a atenção do governo voltada para a
escolarização de crianças. Com a implantação do Programa Alfabetização Solidária, a EJA
ficou basicamente reduzida a cursos e exames supletivos, inclusive com a redução da idade
para a prestação dos exames, o que caracteriza um incentivo aos jovens ao abandono às
classes regulares de ensino.

É importante, no entanto, destacar que quando se fala da Educação de Jovens e Adultos as


discussões realizadas desde o final dos anos 80 e início dos 90 contribuíram para a concepção
dessa modalidade de educação como específica a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional 9394/96(LDBEN) em seu Art.37 afirmando que: “A Educação de Jovens e Adultos
será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino
fundamental e médio na idade própria”.
Também de acordo com V CONFINTEIA 1997, realizada em Hamburgo:

A educação de adultos engloba todo o processo de aprendizagem, formal ou


informal, onde pessoas consideradas “adultas” pela sociedade desenvolvem suas
habilidades, enriquecem seus conhecimentos e aperfeiçoam suas qualificações
técnicas e profissionais, direcionando-as para a satisfação de suas necessidades e as
de sua sociedade.

Sabendo, que durante a década de 90 a EJA passou por várias transformações no sentido de
melhoramento, é importante destacar que essa modalidade não deve ser vista como
compensatória, pois ninguém pode ser compensado por um conhecimento que “perdeu”, deve
sim ser reparado em seu direito a educação como garante a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDBEN) acima evidenciada. Essa modalidade de alfabetização deve
respeitar os diferentes espaços de aprendizagens, formais, não-formais e informais para que os
jovens e adultos possam desenvolver seus conhecimentos, qualificações e evidentemente suas
capacidades. É preciso, portanto, como afirma a resolução CNE/CEB 1/2000, considerar os
princípios de equidade, diferença e proporcionalidade, na conjectura de uma pedagogia
própria para a EJA.
Neste contexto surge a parceria do Sindicato da Construção Civil com a UFPB, com uma
proposta de alfabetização que atendesse a demanda de operários nos canteiros de obra, pois o
que se observava era que havia:

“alto índice de operários analfabetos na indústria da construção, [...] a ausência de


programas de alfabetização de adultos trabalhadores, no âmbito estadual, e de uma
política específica para este campo da educação, no âmbito federal: a partir de 1990,
com o Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania, o Estado brasileiro
transferiu à sociedade civil a responsabilidade de resolver a questão do
analfabetismo entre jovens e adultos [...]”. (Prêmio Educação para a Qualidade do
Trabalho, 1998, p. 7)

De acordo com o texto Prêmio do PEZP, o Sindicato via o analfabetismo como obstáculo para
a construção e desenvolvimento de um sindicato democrático e participativo. O PEZP, surge
então como forma de minimizar essa desigualdade social ao mesmo tempo que possibilita ao
operário acesso a qualificação profissional, bem como instrumentalizá-los no conhecimento
de seus direitos e resgate de sua cidadania.
Para Paulo Marcelo, fundador do Grupo Zé Peão e hoje diretor do Sindicato, a importância da
alfabetização para o Sindicato, “não fica só no ato de ler e escrever e ai entra a proposta
pedagógica do projeto que antes de tudo pretende formar cidadãos, vendo por este ângulo, as
contribuições para os operários da construção e para o sindicato são imensas, pois o fato de
fazer com que as pessoas entendam um pouco da realidade da vida, já deixa os participantes
do projeto mais imponderados. Com inclusão dos temas que chamamos de transversais,
como saúde, meio ambiente drogas , violência, segurança, entre outros, achamos que
estamos contribuindo com a formação e a transformação das pessoas que na maioria não
entendem nem a importância do mundo do trabalho.”

Desta forma, para a alfabetização dessa clientela em particular precisava de uma metodologia
específica, respeitando seu contexto e necessidades. Ao tratar de “contextualização”, autores
como Pavanello (1995) e Brousseau (1996), procuram esclarecer o significado desse trabalho
no processo de produção de conhecimento. Pavanello, com base em Brousseau, afirma que
contextualizar significa apresentar o conteúdo ao aluno por meio de uma situação
problematizadora, compatível com uma situação real que possua elementos que dêem
significado ao conteúdo. Para ela, contextualizar é provocar no aluno a necessidade de
comunicar algo a alguém, é provocar a necessidade de representar uma situação, discutir
sobre essa situação criada e o que está envolvido nela. Nesta perspectiva, a UFPB/ Programa
de Pós-Graduação em Educação, propõe um projeto original que atendesse a esse público e a
essa demanda, surgindo, então, os princípios de alfabetização do PEZP.

PRINCÍPIOS DE ALFABETIZAÇÃO DO PEZP

Buscando coerência entre as necessidades de aprendizagem dos trabalhadores e a proposta da


educação popular, o Projeto Escola Zé Peão centra sua proposta pedagógica norteada em três
princípios básicos: contextualização, significação operativa e especificidade escolar. Esses
princípios são fundamentais para a formação de seus educadores, bem como a prática
educativa da escola. Ao utilizar o Princípio da Contextualização, leva-se em conta o
entorno desse sujeito/aluno operário – sua condição de vida, sua família, seu trabalho, das
lutas do sindicato como representante da categoria, devendo haver:

“(...) consciência das necessidades de articulação entre diferentes tipos de saber


‘fisicamente’ presentes na experiência: o saber que cada componente do corpo do
Projeto trazia; as relações às vezes harmoniosas, às vezes conflitivas, entre esses
saberes; o saber que a própria experiência em andamento nos colocaria, e – como
não poderia deixar de ser – o poder que cada um desses saberes detinha em
momentos particulares de realização da experiência.” (IRELAND, 1993)
Deste modo, realizar articulações entre os saberes já trazidos pelos educandos com os saberes
que eles deverão se apropriar no decorrer do processo educativo é fundamental para
internalização do novo conhecimento.
Outro princípio é o da Significação Operativa - defende-se, com este princípio, o exercício
da busca cotidiana de sentido para "o que se faz" e "por que se faz", refletindo-se sobre o
confronto entre o desejado e o possível, nas circunstâncias dadas. O que se apresenta para o
aluno precisa fazer sentido para ele.

Sendo assim, apresentar o conteúdo ao aluno por meio de uma situação problematizadora,
compatível com uma situação real que possua elementos que dêem significado ao conteúdo.
É provocar no aluno a necessidade de comunicar algo a alguém, é provocar a necessidade de
representar uma situação, discutir sobre essa situação criada e o que está envolvido nela. O
princípio da significação operativa “busca captar este confronto dinâmico entre teoria e
prática sem impor a teoria como camisa de força e sem submeter a experiência à tirania do
cotidiano.” (IRELAND, 2000, p. 4)
O terceiro princípio, o da especificidade escolar, é definido pela prática escolar do ensino da
escrita, da matemática e da dimensão política do processo. A escola busca identificar os
conhecimentos adquiridos pelos alunos e ajusta os conteúdos aos níveis apresentados,
considerando a fala do aluno como elemento de grande importância, fazendo-o sujeito no
processo de ensino-aprendizagem, articulando ao conteúdo social que será veiculado pela
escola de acordo com a sua necessidade e ritmo. Os temas discutidos são registrados pelos
alunos em forma de texto.

Em consonância a metodologia utilizada no PEZP, o projeto tem contribuído de forma


valiosa para a formação de professores de alfabetização de adultos, numa perspectiva popular,
trabalhando a formação do operário como uma mediação para a formação do educador

A FORMAÇÃO DOS EDUCADORES DO PEZP

O processo de formação dos educadores é entendido como um processo contínuo, cuja


abrangência vai além do período inicial, quando o educador passa pela formação e seleção,
antes de efetivamente entrar em sala de aula. Esta formação se estende com acompanhamento
pedagógico durante toda a trajetória de atividade e atuação no Projeto, onde se articula a
teoria e a prática, amplia-se o conhecimento sobre alfabetização de jovens e adultos,
planejamento e avaliação do trabalho pedagógico e a importância da sistematização na prática
do educador. Na formação procura-se instrumentalizar o professor e prepará-lo para
alfabetizar trabalhadores da construção civil, entendendo o seu contexto social e econômico,
sua história de vida, seus direitos e deveres como cidadão, ampliando seu entendimento sobre
o seu entorno articulando com a aquisição da linguagem e escrita e da matemática.

No processo das atividades em sala de aula (canteiros), os educadores são acompanhados pela
equipe pedagógica através de atendimento individualizado na sala do projeto durante a
semana. Recebem visitas das coordenadoras pedagógicas e posterior avaliação do processo
didático; participação em seminários/eventos organizados por outras instituições; reuniões
semanais (às sextas-feiras) durante as quais são discutidas e aprofundadas questões referentes
à prática educativa do projeto; participação nas assembleias do sindicato, considerada parte
importante da formação do professor por lhe possibilitar uma melhor compreensão da
dimensão política da prática educativa; e reuniões semestrais de avaliação, envolvendo
coordenação, professor e aluno.

Outro aspecto importante para a formação é a participação em oficinas do Programa de


Extensão da UFPB, vinculados ao Projeto Escola Zé Peão com objetivo de se familiarizarem
com os mesmos antes de suas visitas aos canteiros. São eles: Biblioteca Volante, Varanda e
Vídeo, oficinas de arte e Educação Nutricional e Saúde.
Nesta perspectiva o Projeto Escola Zé Peão, possibilita uma formação baseada, de acordo com
Jacques Delors, nos quatro pilares da educação: “aprender a conhecer”, “aprender a fazer”,
“aprender a viver juntos” e “aprender a ser”, onde

Aprender a conhecer, combinando uma cultura geral, suficientemente vasta, com a


possibilidade de trabalhar em profundidade um pequeno número de matérias. O que
também significa: aprender a aprender, para beneficiar-se das oportunidades
oferecidas pela educação ao longo de toda a vida.
Aprender a fazer, a fim de adquirir, não somente uma qualificação profissional, mas
de uma maneira mais ampla, competências que tornem a pessoa apta a enfrentar
numerosas situações e a trabalhar em equipe. Mas também aprender a fazer, no
âmbito das diversas experiências sociais ou de trabalho que se oferecem aos jovens e
adolescentes, quer espontaneamente, fruto do contexto local ou nacional, quer
formalmente, graças ao desenvolvimento do ensino alternado com o trabalho.
Aprender a viver juntos desenvolvendo a compreensão do outro e a percepção das
interdependências - realizar projetos comuns e preparar-se para gerir conflitos - no
respeito pelos valores do pluralismo, da compreensão mútua e da paz.
Aprender a ser, para melhor desenvolver a sua personalidade e estar à altura de agir
com cada vez maior capacidade de autonomia, de discernimento e de
responsabilidade pessoal. Para isso, não negligenciar na educação nenhuma das
potencialidades de cada indivíduo: memória, raciocínio, sentido estético,
capacidades físicas, aptidão para comunicar-se. (http://4pilares.net/text-cont/delors-
pilares.htm)
Desta forma, o Projeto Escola Zé Peão contribui para capacitação técnica e política na
formação de professores alfabetizadores de jovens e adultos. Ainda de acordo com Paulo
Marcelo, o projeto Escola Zé Peão tem sua função ampliada na medida em que contribui para
a formação dos educadores, pois “aqueles (as) que viveram a experiência em sala de aula nos
canteiros de obras, com certeza vivenciaram uma experiência que não está disponível em
qualquer lugar. A formação disponível no projeto tem contribuído com o aumento da
capacidade de intervenção das pessoas no mundo da educação e nas questões mais presentes
do mundo contemporâneo, entendo ser este um caminho para se atingir a cidadania plena.”

Esta realidade pode ser observada no processo de formação dos educandos através de suas
sistematizações, que é o registro reflexivo do que aconteceu em sala de aula baseado na
elaboração dos planos de aula . Esse desenvolvimento se dá de forma gradativa contribuindo
para a formação do educador popular.

RELATO DE EXPERIÊNCIA DA PRÁTICA NO CANTEIRO DE OBRA

Diz Paulo Freire: “O bom professor é o que consegue, enquanto fala, trazer o aluno até a
intimidade do movimento de seu pensamento. Sua aula é assim um desafio [...]”.(FREIRE,
2008, p. 86)

Nesta perspectiva, traduziremos a vivência da sala de aula no canteiro de obras.


Trabalhar com educação de jovens e adultos no canteiro de obras é um desafio a cada dia. Há
uma busca incessante pela estratégia pedagógica adequada para motivar e alcançar a
compreensão de homens que trabalham pesado o dia todo e a noite vão para a sala de aula.
Esses homens lutam para aprender a ler, escrever e compreender o mundo em que vivem. Não
é fácil! A função do professor neste contexto é de grande importância e desafiadora. Na sala
de aula percebemos olhares de admiração e respeito, e, nos aproximamos e interagimos
transformando aquele espaço em um ambiente de compartilhamento de saberes. Essa
aproximação é importante, pois quando a relação que estabelece com seu aluno é pautada no
vínculo e no afeto, propicia a ele a oportunidade de: mostrar, guardar, criar, entregar o
conhecimento e permite que o outro possa investigar, incorporar e apropriar-se do
conhecimento. Desta forma há uma relação que ultrapassa o nível acadêmico e permite que
ocorra um olhar diferenciado em direção ao outro, porque de acordo com Freire:

“Como prática estritamente humana jamais pude entender a educação como uma experiência
fria, sem alma, em que os sentimentos e as emoções, os desejos, os sonhos devessem ser
reprimidos por uma espécie de ditadura reacionalista.” (FREIRE, 2008, p. 145)
Neste sentido, eu, enquanto professora da turma, reconhecendo os fatores dispostos acima,
procurei desenvolver relacionamento de afeto e respeito pelos alunos, trabalhando a
autoestima, fazendo-os participantes do processo de ensino-aprendizagem, envolvendo-os e
despertando o espírito criativo de cada um deles.

Uma experiência interessante ocorreu recentemente após visitar o Planetário. No dia seguinte
os desafiei a construírem um sistema solar. Minha proposta era de um sistema solar que
flutuasse. Não poderia ser um sistema solar qualquer, pois este ficará na exposição de
aniversário de 20 anos do PEZP. Levei o desenho e perguntei o que eles achavam. A
princípio ficaram temerosos, dizendo que não daria certo. “Professora, vamos fazer um
cartaz, isso é muito difícil! Isso é coisa de artista!” disse Sebastião. - Sei que vocês podem
fazer mais que um cartaz, por isso os desafio a construir algo personalizado, bonito – uma
obra de arte! Usando sobras de material do canteiro, argumentei. Após algumas tentativas,
conseguimos encontrar o material ideal, que suportava o peso dos planetas e que poderia ficar
suspenso – um arame de fachada (este arame serve de prumo para nivelar parede) e arame de
cerca elétrica. Separamos o material e combinamos reservar um tempo da aula para a
confecção da nossa obra de arte. A cada etapa vencida, a cada dificuldade ultrapassada,
percebi que os alunos ganhavam confiança na elaboração de nosso projeto. Vencida uma
etapa, lançava outro desafio, pois conforme Ausubel (1982) através da palavra, o educador
pode diminuir a distância entre a teoria e a prática na escola, capacitando-se de uma
linguagem que ao mesmo tempo desafie e leve o aluno a refletir e sonhar, conhecendo a sua
realidade e os seus anseios, fazendo com que o aluno caminhe e se desenvolva. Resgatando a
fala do aluno Flaviano, ele fala do desafio: “- era um pouco difícil para fazer. Não imaginava
da gente conseguir fazer uma coisa tão bonita. Praticando, deu tudo certo!” Francisco
Sobrinho (TST) escreveu: “No início achei que era difícil, mas depois começou a desenrolar e
saiu...”

Concomitantemente a confecção do sistema solar, trabalhávamos a leitura e escrita,


estabelecendo uma relação entre as duas atividades, reconhecendo, de acordo com Lück, que
“para o desenvolvimento da interdisciplinaridade, é fundamental que haja diálogo,
engajamento, participação dos professores, na construção de um projeto comum voltado
para a superação [...] (LÜCK, 1994). Sendo assim, fiquei muito feliz no dia em que
Francisco da Silva (APL)2 escreveu a palavra “lua”. Concordo com Freire, quando diz que o
conteúdo que vai mediar a relação entre os sujeitos para a produção da escrita e da leitura,
deve necessariamente emergir da realidade do alfabetizando, é dela que surge o tema gerador
o qual possibilitará uma problematização de forma interdisciplinar.

Para mim, como educadora, é muito importante poder vivenciar o retorno da prática
pedagógica através do desenvolvimento do aluno. Participar do PEZP foi o diferencial na
minha formação acadêmica, cuja área de aprofundamento é Educação de Jovens e Adultos.
Poder conhecer a realidade de vida dos meus alunos e perceber o potencial de cada um deles e
estimulá-los a acreditar que conseguem... não tem preço!

CONCLUSÃO

Acreditamos que o PEZP contribui de maneira significativa no aspecto educacional, tanto


para alunos “operários” quanto para os educadores de Pedagogia e Licenciatura da
Universidade. Para os educandos dos canteiros de obra contribui na sua formação social, no
engajamento das lutas sindicais, no aspecto lingüístico e matemático e na sua formação
profissional. Para os/as alunos/as universitários/as contribui na formação teórico prático
desenvolvido nas salas de aula. Ao elaborar e desenvolver planejamentos e pensar em
atividades voltadas para a alfabetização dos operários, exercitamos os conhecimentos
advindos da academia ao mesmo tempo em que vemos essas ações sendo desenvolvidas e
concretizadas nas salas de aula, com o crescimento do aluno/operário.

REFERÊNCIAS

AUSUBEL, D. P. A aprendizagem significativa: a teoria de David Ausubel. São Paulo: Moraes,


1982.

BROUSSEAU, G. Os diferentes papéis do professor. In. PARRA, C; C, Saiz, 1. et al.


Didática da Matemática; reflexões psicopedagógicas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 38ª ed. São
Paulo: Editora Paz e Terra. 2008.

2
APL (Alfabetização na Primeira Laje), para aos operários/alunos que não têm o domínio da escrita; e TST
(Tijolo sobre Tijolo), destinado aos operários com domínio elementar da leitura e da escrita.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. 6ª ed. São Paulo.
Editora Unesp, 2000.

LÜCK, Heloisa. Pedagogia Interdisciplinar: fundamentos teórico-metodológicos. Petrópolis, RJ:


Vozes, 1994

PAVANELLO, Regina Maria. Contextualizar, o que é isso? In. NOGUEIRA, Clélia;


BARROS, Rui. (orgs) Conversas e experiências de quem gosta de ensinar Matemática.
Maringá, PR: Manoni, 2004.

PEREIRA. Marina Lúcia. A construção do letramento na educação de jovens e adultos.


Belo Horizonte, MG: Autêntica, 2004.

TIMOTHY, Ireland; LIMA, Paulo Marcelo (Coord.). Prêmio Educação para a Qualidade
do Trabalho, 1998.

http://4pilares.net/text-cont/delors-pilares.htm - acessado em 23/10/2011

http://forumeja.org.br/brasil - - acessado em 22-09-11

Você também pode gostar