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Para os grupos dominantes da região (incluindo seus parceiros no exterior), a democracia parece ser mera
O processo de impeachment contra Presidente Fernando Lugo do Paraguai foi a mais recente aparição de um
fantasma que assombra a América Latina desde sua colonização: o autoritarismo. Como ao longo da história, este
fantasma tem como seus hospedeiros preferidos os partidos de direita, as elites econômicas, a classe média
No início do século XIX, o fantasma autoritário sobreviveu a independência política latino-americana, quando
governos coloniais foram substituídos por repúblicas oligárquicas (e uma monarquia, no caso do Brasil). Em meados
do século XX, governos populistas-trabalhistas, como o de Getúlio Vargas no Brasil e o de Juan Perón na Argentina,
tiveram uma relação ambígua com a democracia. Perón, por exemplo, podia ser autoritário, mas estendeu o direito
de voto às mulheres e representava melhor as classes populares do que a oligarquia rural que antes dele governava
a Argentina.
Esta ambiguidade foi depois substituída por uma quase completa supressão da democracia, quando os governos
populistas-trabalhistas foram removidos por ditaduras militares conservadoras. Foi o caso, por exemplo, dos golpes
militares contra João Goulart no Brasil, Salvador Allende no Chile, e Isabel Perón na Argentina. Diante de tais
golpes, os Estados Unidos, como potência hemisférica e mundial, tiveram uma atuação que oscilou entre a
A redemocratização ocorreu apenas nos anos 1980 e 1990, mas, mesmo nesta década, enfrentou ameaças
iniciadas por governos neoliberais. No Brasil, por exemplo, lembremos das denúncias de compra de votos de
parlamentares para aprovar a emenda constitucional da reeleição ou mesmo do abuso de medidas provisórias,
através do qual o Presidente absorvia funções do Congresso Nacional – ambos ocorridos nas gestões
democraticamente eleitas de Fernando Henrique Cardoso. Na Argentina de Menem e no Peru de Fujimori, podemos
A última onda de aparições do fantasma do autoritarismo emergiu após a eleição de governos de esquerda na
América Latina, no início dos anos 2000. Não, não me refiro ao comportamento supostamente anti-democrático de
líderes como Hugo Chávez na Venezuela, acusado de proto-ditador pela mídia conservadora e seus ouvintes
beneficiários (elites econômicas) ou iludidos (classe média conservadora). Refiro-me sim às recentes tentativas
(algumas efetivas) de golpes contra presidentes reformistas ou revolucionários que têm adotado políticas de
Na Venezuela, Chávez foi removido temporariamente do poder em 2002, num golpe militar que contou com o apoio
dos grandes grupos empresariais (Fedecámaras) e midiáticos. Na época, o governo dos Estados Unidos, embora
negue apoio ao golpe em si, financiava organizações políticas que se opunham ao governo eleito de Chávez. Na
Bolívia, em 2008, em meio a uma crise política associada a um processo constituinte, o presidente Evo Morales teve
de se submeter a um referendo que decidiria se ele permaneceria ou não no poder. Morales teve seu mandato
ratificado por mais de 67% dos votos válidos. Em 2009, o presidente de Honduras Manuel Zelaya foi destituído do
cargo através de ação militar respaldada pelo Parlamento e pela Suprema Corte do país, numa transição que foi
classificada como golpe de Estado pela comunidade internacional. Em 2010, foi a vez de Rafael Correa, presidente
do Equador, que teve de superar uma revolta policial que pretendia destituí-lo do poder e, alegadamente, assassiná-
lo. Agora, foi a vez do Paraguai. O mesmo Congresso Nacional que tem bloqueado a adesão da Venezuela como
membro integral do Mercosul, acusando este país de não ser democrático, promoveu com o impeachment um golpe
parlamentar disfarçado de julgamento, sem motivos razoáveis e sem respeito a direitos constitucionais. Atrás do
golpe, a disputa entre uma oligarquia agrária e movimentos camponeses pela principal riqueza do país: a terra.
No Brasil, hoje, a possibilidade de um golpe de Estado é remota. Entre as razões para isto, estão o reformismo dos
governos do Partido dos Trabalhadores (em contrário a um governo radical-revolucionário) e a maior solidez das
instituições democráticas nacionais. Contribuem, também, as instituições regionais da América Latina, como a
Unasul, que hoje atua na defesa da democracia paraguaia. Porém, mesmo no Brasil, há uma democracia que
precisa ser estendida para mais além de seu aspecto formal e uma grande mídia que, infelizmente, é merecedora do
Enfim, não é que a esquerda não possa ser autoritária (veja Fidel Castro), mas sim que, para os grupos dominantes
da América Latina (incluindo seus parceiros no exterior), a democracia é mera conveniência e artifício retórico.
Quando o presidente eleito é de direita, os grupos dominantes defendem a democracia de fato e em princípio.
Quando o presidente eleito é de esquerda, os grupos dominantes defendem a democracia em princípio, mas apóiam
de fato os golpes de Estado. O resultado são ciclos de autoritarismo e democracia na América Latina, associados às
*Felipe Amin Filomeno é doutor em Sociologia pela Universidade John Hopkins (EUA). Mantem um blog de
atualização constante.
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Ao estimular deposição de Lugo, Casa Branca pode ter procurado cercar Brasil e
Argentina, além de criar contencioso em Itaipu
Por Flavio Lyra*
Só ingênuos podem admitir que o golpe parlamentar que destituiu o presidente Lugo
do Paraguai, no dia de ontem, não tem o dedo do Pentágono. Essa nova modalidade de
golpe, inaugurada em Honduras em 2009, que destituiu o presidente Zelaya, articulada
na base aérea que os Estados Unidos mantém naquele país centro-americano, teria
sido mais uma vez aplicada com sucesso, ao menos, por enquanto.
É uma grande coincidência que tais fatos ocorram contra governos de esquerda que
tentam realizar reformas em favor dos segmentos mais pobres da população,
particularmente reformas agrárias. Tanto Zelaya, quando Lugo vinham tentando
melhorar o acesso à terra a camponeses secularmente explorados por grandes
latifundiários e realizar ações de proteção social aos segmentos mais pobres da
população.
Não surpreende a atitude ambígua que o governo dos Estados Unidos adotou,
inicialmente, no caso de Honduras e, posteriormente, favorável à substituição do
presidente Zelaya. Agora, a história repete-se com o governo dos Estados Unidos
achando que a destituição abrupta do presidente Lugo respeitou as regras do jogo
democrático, quando nitidamente tratou-se de um conluio dos partidos derrotados na
última eleição para livrar-se de um presidente vinculado a causas populares.
É muito provável que o pequeno Paraguai se dispusesse a confrontar as regras do
Mercosul e da Unasul, entrando em conflito com seus dois vizinhos Argentina e
Brasil, se não contasse com o estímulo e proteção do governo norteamericano.
Certamente, que os governos do Brasil e da Argentina vacilaram claramente ao não
acompanharem o desenvolvimento da conjuntura política no Paraguai, mormente
quando se sabe que Washington estreitou muito suas relações com o Chile, depois do
governo direitista de Piñera, e vinha realizando gestões para construir uma base
militar no Paraguai. Tem sido denunciada a intenção de estabelecer um cerco a Brasil
e Argentina.
Do ponto de vista da oligarquia paraguaia nada mais conveniente do que buscar
apoiar-se no grande irmão do Norte para manter seus privilégios em desfavor da
maioria do povo paraguaio, pois certamente não contaria com a boa vontade de Brasil
e da Argentina, cujas políticas econômicas têm forte conteúdo social.
Agora, o problema está criado, pois estamos ameaçados em interesses muito concretos
como é a manutenção dos acordos regionais do Mercosul e da Unasul, sem contar que
existe a empresa binacional de Itaipu, importante fornecedora de energia para o Brasil,
construída na fronteira entre Brasil e Paraguai.
Washington pode muito bem estar contando com o isolamento do Paraguai, no âmbito
da região, para estreitar suas ligações com esse pequeno país e transformá-lo em ponta
de lança contra as pretensões de maior autonomia de Brasil e Argentina.
No mundo atual, em que é notória a ação intervencionista generalizada, explícita e
oculta, das grandes potências, especialmente dos Estados Unidos, nos países mais
frágeis, especialmente os mais dotados de recursos naturais estratégicos, qualquer
descuido dos organismos responsáveis pela segurança interna em relação ação dos
órgãos do Departamento de Defesa dos Estados Unidos e outras potências pode
acarretar funestas conseqüências para a segurança nacional.
Não me admiraria se algum dia vier a ser constatado que a crise do “mensalão”,
durante a qual foi ensaiada uma tentativa de golpe, visando a destituição do presidente
Lula, tenha contado com o apoio dos Estados Unidos. O denunciante do esquema, o
deputado federal Roberto Jeferson, conhecido por sua atuação em episódios obscuros,
poderia muito ter sido cooptado pelo departamento de Defesa dos EUA, para dar a sua
denúncia o teor que assumiu. Suspeito fortemente que o que se denominou mensalão
foi uma das operações, ilegais, porém freqüentes, com que tem sido financiadas as
campanhas eleitorais no país, mediante o uso de “caixa 2” de empresas privadas ou
públicas.
Não há por que não admitir que as ações que os Estados Unidos e as grandes
potências vêm realizando de desestabilização dos governos de vários outros países,
como acontece no Oriente Médio, inclusive com o fornecimento de armamento, não
possam estar em vias de acontecer na América do Sul. Portanto, senhores
governantes, não nos deixamos enganar pela cordialidade aparente dos ministros e
governantes das grandes potências. Seus interesses, como tais, estão sempre em
primeiro lugar e eles não hesitam em mobilizar meios, nem sempre os mais lícitos,
para defendê-los.
Os Demóstenes Torres, Carlinhos Cachoeira e muitos outros infiltrados nas altas
esferas do poder público e do setor privado e da grande imprensa, são candidatos
naturais a montar esquemas de desestabilização dos governos democráticos, em
associação com os serviços secretos das grandes potências e grupos políticos internos
ameaçados em seus privilégios. É preciso combatê-los com toda a energia, sob pena
de “só fecharmos a porta depois que o ladrão esteja dentro de casa”.
–
Flávio Lyra é economista e ex-técnico do IPEA. Cursou doutorado de Economia na
Unicamp.