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José Celso Cardoso Jr., Doutor em Desenvolvimento pelo IE-Unicamp, desde 1997 é
Técnico de Planejamento e Pesquisa do IPEA. Atualmente, exerce a função de Presidente da
Afipea-Sindical e nessa condição escreve esse texto.
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16/11/2020 Quem são e onde estão os privilégios de remuneração no serviço público federal?
No dia 3 de setembro de 2020, o governo federal enviou ao Congresso Nacional uma proposta
de reforma administrativa (a PEC 32/2020) sob a justificativa genérica de combater os
privilégios do serviço público nacional. O argumento subjacente é que o setor público, por ter
supostamente crescido de maneira descontrolada nas últimas décadas e possuir remunerações
que imaginam exorbitantes, quando comparadas com as do setor privado, ocuparia cada vez
mais espaço no orçamento, ameaçando a solvência fiscal do Estado.
O problema é que a equipe econômica não apresentou nenhum estudo técnico que pudesse
conferir alguma sustentação empírica a esse argumento. Mais especificamente, não há um
diagnóstico claro de onde estariam localizados os privilégios que o governo diz ter a intenção
de combater. A PEC 32, aliás, embora tenha levado quase dois anos para ficar pronta, preserva
o jeitão dos programas eleitorais de governo – construídos a toque de caixa, com o objetivo de
apresentar um conjunto de intenções genéricas em períodos de campanha. Esse caráter
impressionista tem ficado cada vez mais claro desde que a proposta foi enviada ao Congresso e
pôde ser exposta ao escrutínio público.
Dessa forma, já se sabe que a pré-noção genérica de que o serviço público brasileiro seria uma
espécie de oceano de privilégios é falacioso por pelo menos quatro razões.
em relação à evolução da receita corrente líquida, mas estabilidade dessa despesa como
proporção do PIB.
Para esse exercício utilizamos uma base de dados produzida pelo Atlas do Estado Brasileiro a
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16/11/2020 Quem são e onde estão os privilégios de remuneração no serviço público federal?
Para esse exercício, utilizamos uma base de dados produzida pelo Atlas do Estado Brasileiro a
partir da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), que contém estatísticas relativas aos
vínculos de trabalho ativos e permanentes no setor público federal civil brasileiro, nos três
poderes, para os anos de 2000, 2005, 2010, 2015 e 2018. Com esse critério, a quantidade de
vínculos com remuneração acima do teto funcionalismo público, ao contrário do que muitas
vezes se imagina, está muito longe de ser exorbitante. Ao contrário, trata-se de um grupo
bastante minoritário, mas ainda assim, uma verdadeira elite em termos salariais.
O gráfico 1 mostra a proporção de vínculos acima do teto, por poder da República – ou seja,
estamos considerando a enorme diferença existente entre os três poderes em termos de
vínculos absolutos. Como se nota, as maiores proporções observadas na série foram de 0,27%
no Legislativo em 2010 e 0,27% no Judiciário em 2018; no caso do Executivo, a maior fração
observada também ocorreu em 2018, mas na casa dos 0,17%. Em termos gerais, a proporção
de vínculos acima do teto é maior no Legislativo e principalmente no Judiciário. Por outro
lado, também é possível perceber que há um viés de alta desses supersalários ao longo do
tempo: no Executivo desde 2010 e no Judiciário desde 2005.
Portanto, o que vai acima não deve confundir o leitor: não se trata de argumentar que a
proporção de vínculos públicos federais com remuneração acima do teto do funcionalismo
seja irrelevante; trata-se, sim, de dar ao fenômeno a relevância e o peso que ele de fato possui.
Dito de outro modo, se o objetivo de uma eventual reforma administrativa for, de fato,
combater privilégios, os supersalários do funcionalismo não podem ficar de fora – sob pena de
a proposta do governo perder totalmente a credibilidade perante a opinião pública.
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16/11/2020 Quem são e onde estão os privilégios de remuneração no serviço público federal?
Tudo somado, há sim que se promover mudanças no sentido da diminuição dos hiatos
salariais entre setores público e privado, mas para tanto, dois objetivos devem ser perseguidos
simultaneamente. De um lado, é fundamental recuperar e reativar uma perspectiva
(governamental, empresarial e sindical) e políticas públicas de maior e melhor regulação e
reestruturação dos mercados privados de trabalho, no sentido de se buscar menores taxas de
desemprego e informalidade, assim como maiores taxas de produtividade e recomposição
salarial, inscritas em trajetórias de recuperação do crescimento econômico em bases mais
sustentáveis dos pontos de vista produtivo, ambiental e humano.
Por outro lado, é fundamental realizar ajustes remuneratórios no setor público, levando em
consideração os determinantes e as especificidades presentes em cada nível federativo de
governo (Federal, Estadual e Municipal), bem como atentando para as situações discrepantes
em cada poder da União (Judiciário, Legislativo e Executivo). Por exemplo: a maioria dos
problemas remuneratórios discrepantes poderia ser resolvido simplesmente aplicando-se,
sem exceções, o teto remuneratório do setor público a cada nível da federação e poder da
república. Além disso, é preciso eliminar ou diminuir drasticamente os adicionais de
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16/11/2020 Quem são e onde estão os privilégios de remuneração no serviço público federal?
remuneração que muitas vezes se tornam permanentes em vários casos, distorcendo para
cima os valores efetivamente pagos a uma minoria de servidores e funções privilegiadas.
Isso tudo para dizer que os problemas de remuneração, alardeados pela atual área econômica
do governo por meio da grande mídia e base parlamentar, são a exceção e não a regra dentro
do funcionalismo público, em qualquer recorte analítico que se queira utilizar.
[1] No caso do MRE, é provável que essa alta incidência se deva, em parte, ao grande número
de servidores (diplomatas, oficiais de chancelaria etc.) trabalhando no exterior e recebendo
seus vencimentos e gratificações em moeda estrangeira, o que, considerando o valor atual da
moeda nacional, redunda em remunerações elevadas – acima do teto constitucional – em
moeda local.
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