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MEMÓRIA E HISTÓRIA DOS TRABALHADORES NA

CONSTRUÇÃO DA HIDRELÉTRICA DE ITAIPU.


Orientando: Eduardo Gonçalves Ueda Dessa forma, o olhar retrospectivo atual sobre a construção de Itaipu tem como
Correio eletrônico: eduardouedda@gmail.com fontes históricas as próprias publicações.
Modalidade de iniciação: Bolsista IC-Unila Atualmente, a falta de outras referências capazes de evocar memórias que se
Orientadora: Endrica Geraldo contrapõem com a memória dominante, reforça a posição privilegiada dessa memória
Correio eletrônico: endrica.geraldo@unila.edu.br e colocam os trabalhadores em uma situação em que todas as recordações que não
Grande área do conhecimento CNPq: História se encaixam na memória dominante só podem ser encontradas em seus grupos de
convívio: familiares, amigos, vizinhança, a rua ou o bairro, que compartilharam a
INTRODUÇÃO: Esta Iniciação Científica (IC) buscou desenvolver uma análise experiência de vida e trabalho no período da construção da hidrelétrica, são essas
sobre a história e memória dos trabalhadores brasileiros na construção da Usina comunidades afetivas que guardam memórias dissidentes da construção.
Hidrelétrica de Itaipu, principalmente no que diz respeito à formação de identidades
nos trabalhadores. Percebemos que, ao longo do tempo, houve um processo de
construção de uma memória dominante difundida, ainda hoje, pelos aparelhos
institucionais da Itaipu Binacional. Na segunda metade da década de 1980, os
trabalhadores de Itaipu, via sindicato, criaram uma nova matriz de interpretação
sobre sua realidade, baseada em sua condição de classe. No entanto, no fim da
década de 2010, a única memória organizada e difundida sobre o período da
construção é aquela projetada pelos administradores de Itaipu, tornando-a
dominante. Os resultados obtidos nesta IC demonstram que memórias dissidentes
foram preservadas através de “redes subterrâneas” de afetividade, isto é, redes de
sociabilidade que não alcançam a esfera pública, mantidas entre familiares, amigos e
vizinhos. Buscamos acessar essas “memórias subterrâneas” como forma de (Panfleto do SITRACOCIFOZ, 1987 apud (Espaço Barrageiro, 2019, foto cedida por Bia
identificar continuidades, fissuras, lacunas e contradições com a memória dominante. SESSI, 2015, p. 253) Varanis)
Nas entrevistas realizadas, buscamos analisar de que forma se articula a memória
MATERIAIS E MÉTODOS: Trabalhamos com o acervo do Informativo Unicon dominante com as memórias individuais dos trabalhadores. E percebemos a
que circulou no interior do canteiro de obras por dez anos, de 1978 à 1988, complexidade dessa relação. As memórias dos trabalhadores nos deram acesso a
publicação bilíngue (espanhol e português) com tiragem quinzenal, produzido pelo forma como as pessoas interpretavam a realidade dos acidentes fatais no canteiro de
Consórcio UNICON e redigido por José Melquiades Ursi e Henry Lopez. Por meio de obras, mesmo essa informação estando de fora do enquadramento da memória
leitura sistemática e análise reflexiva das publicações, e nos apoiando no estudo de dominante ela foi preservada contra o esquecimento deliberado; Em certos
Manarin (2008) sobre a construção de uma “História Oficial” de Itaipu e no artigo de momentos as memórias individuais incorporam alguns elementos da memória
Elza Filha (2017), identificamos que em datas próximas a marcos importantes na dominante, mas só quando isso é conveniente à construção da narrativa pessoal; Em
construção da hidrelétrica havia uma preocupação dos redatores do informativo em joutros momentos apresentam lacunas na memória dominante, ao evocar
integrar os trabalhadores à etapa que se concluía, dessa forma, destacamos algumas reminiscências que sequer foram enquadradas como parte da história da construção
edições para demonstrar o modo como se construiu uma matriz de interpretação da da hidrelétrica, como é o caso do trabalho doméstico realizado pelas mulheres
obra baseada na visão dos administradores, em especial as edições nº 1 casadas com operários de Itaipu, cujo trabalho foi integrado à lógica de produtividade
(04/02/1978); nº 15 (30/09/1978) e nº 16 (18/10/1978). do Canteiro de Obras. As fontes orais também demonstram as fissuras da memória
Além das fontes documentais recorremos ao depoimento oral de ex-trabalhadores dominante, como é o caso da evidente conflitividade entre brasileiros e paraguaios,
de Itaipu como maneira de ter acesso ao modo como esses trabalhadores se relação que é representada como uma fraternal amizade entre as duas nações; E
representam e representam o mundo do canteiro de obras onde trabalharam. As apontam para a diversidade na forma que os trabalhadores se autorrepresentam,
entrevistas foram realizadas utilizando o referencial da história oral (BOSI, 1987; negando e ressignificando a figura do barrageiro. Os entrevistados demonstram a
PORTELLI, 1996; THOMPSON, 1992) com um roteiro de entrevista semiestruturada diversidade das identidades desses trabalhadores, um deles foi membro-fundador do
e analisadas levando em conta o paradigma da memória individual e coletiva e suas SITRACOCIFOZ e se identifica “mais como um trabalhador da construção civil” do
relações com a história (HALBWACHS, 1990; POLLAK, 1989, 1992). Cinco que como um barrageiro, enquanto que outro, que trabalhou por mais de 10 anos no
trabalhadores foram entrevistados sobre temas ainda pouco abordados nas Ecomuseu e é aposentado pelo plano de aposentadoria da Binacional, se identifica
pesquisas sobre o universo dessas pessoas, como o imaginário social das mortes como um “barrageiro artista”, para ele “Barrageiro não é só peão. Ele é um artista.”,
durante a construção; o trabalho reprodutivo realizado por trabalhadoras casadas mas ao contrário do barrageiro apresentado pela memória dominante, o entrevistado
com operários de Itaipu; sociabilidades entre trabalhadores brasileiros e paraguaios; demonstra que “ser um artista” era uma forma de lidar com o ambiente opressivo e
e identidades diferentes daquela apresentada pela memória dominante. As perigoso.
entrevistas foram realizadas com aparelho de gravação de som e transcritas Esta Iniciação Científica teve ainda como um de seus resultados a elaboração do
manualmente. meu TCC “História e Memória dos trabalhadores Brasileiros na Construção da Usina
Hidrelétrica de Itaipu” (2019), onde as questões abordadas aqui são aprofundadas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO: Por meio do Informativo Unicon operou-se um
processo complexo de controle sobre o processo de trabalho e ainda formou-se uma FONTES E REFERÊNCIAS:
matriz de interpretação da história de Itaipu desde o período da construção, a qual Periódicos: Informativo Unicon – 1978-1987.
serve de fonte histórica para a memória dominante. Nas edições nº 50 (18/06/1980); Entrevistas: DUTRA, 05/05/2019; MEDINA, et. MEDINA, 06/05/2019; IGUASSU,
nº 51 (02/07/1980) e nº 52 (16/07/1980), o 12/04/2019; REZES, 05/04/2019.
informativo expressa valores e significados Livros e dissertações: BOSI, Ecléa. “Memória e Sociedade, Lembranças de Velhos”
relativos aos acidentes de trabalho que 2a ed. T.A. Queiroz: Editora da Universidade de São Paulo, 1987.
poderiam ocorrer, responsabilizando os CAMPOS, Daniela de. “Operário Padrão: O Modelo de Trabalhador Segundo os
próprios trabalhadores por tais incidentes. Empresários Industriais Durante a Ditadura Militar Brasileira”. In: Oficina do
Nas edições nº 79 (18/09/1981) e nº 94 Historiador, Porto Alegre, EDIPUCRS, v. 11, n. 2, jul./dez. 2018.
(09/10/1982) pudemos evidenciar publicações (Informativo Unicon nº 52, 16/07/1980, p. 6) MANARIN, Odirlei. “Peões da barragem: memórias e relações de trabalho dos
que buscam incutir nos trabalhadores uma determinada conduta de trabalho operários da construção da hidrelétrica de Itaipu - 1975 a 1991.” Dissertação
vinculada à diretriz nacional do empresariado daquele período (CAMPOS, 2018). (mestrado em História) – UNIOESTE, Marechal Cândido Rondon, PR, 2008.
Ao mesmo tempo, o término da etapa do canal de desvio do Rio Paraná em 1978 SESSI, Valdir. “O Povo do Abismo: Trabalhadores e o aparato repressivo durante a
foi representado pelo Informativo como simbolo da união de dois países irmãos que construção da Hidrelétrica de Itaipu (1974-1987)” Dissertação – UNIOESTE,
trabalharam incansavelmente pelo progresso, ocultando as contradições vivenciadas Marechal Cândido Rondon, PR, 2015.
no cotidiano dessas pessoas:“devemos orgulhar-nos desta proeza que apresentamos THOMPSON, Paul. “A Voz do Passado”. 2a ed. Editora Paz e Terra – Rio de Janeiro,
à consideração do mundo inteiro, como o mais evidente testemunho de duas nações RJ, 1992.
que se irmanaram para conjugar o verbo do trabalho e do progresso. Parabéns,
operários de Itaipu.” (Informativo Unicon nº 15, 30/09/1978, p. 1). Agradecimentos: Agradeço à UNILA pela bolsa de iniciação científica e à
professora Endrica Geraldo por ter aceitado me orientar na execução desta IC.

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