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Zamignani & Meyer (2007) - Comportamento Verbal No Contexto Clínico - Contribuições Metodológicas A Partir Da Análise Do Comportamento PDF
Zamignani & Meyer (2007) - Comportamento Verbal No Contexto Clínico - Contribuições Metodológicas A Partir Da Análise Do Comportamento PDF
Zamignani & Meyer (2007) - Comportamento Verbal No Contexto Clínico - Contribuições Metodológicas A Partir Da Análise Do Comportamento PDF
Belo Horizonte-MG
2007, Vol. IX, nº 2, 241-259
Resumo
O presente artigo tem como objetivo a discussão sobre aspectos metodológicos envolvidos na pesquisa em
psicoterapia, especialmente aquela denominada pesquisa de processo, que tem como meta identificar os
processos de mudança que ocorrem ao longo da interação entre cliente e terapeuta. O referencial usado é o da
análise do comportamento, e estudos brasileiros analítico-comportamentais envolvendo análise de sessões
são usados para ilustrar os pontos discutidos. Questões relativas à categorização de comportamentos na
interação clínica, tais como a natureza dos eventos que devem compor um conjunto de categorias, critérios
para fidedignidade e validade, delimitação da unidade de ocorrência e de registro em interações sociais
e o tipo de medida apropriado são discutidos. Por último, são apresentadas diferentes estratégias para a
sistematização dos dados categorizados, bem como algumas das limitações e vantagens que cada uma
delas proporciona.
Abstract
This article discusses methodological aspects involved in psychotherapy research, especially the so called
process research, that identifies the change processes occurring in the client-therapist’s interaction from
a behavior analytic point of view. Brazilian behavior-analytic studies of session analysis illustrate the
discussed matters. Issues concerning the categorization of behaviors in clinical interaction, such as the
nature of events that compose a group of categories, criteria for reliability and validity of a categorization
system, delimitation of the occurrence and registration unit in social interactions and the appropriated
measures are discussed. Lastly, different strategies are presented for categorized data systematization, as
well as some of the limitations and advantages of each.
O presente trabalho é parte da tese de doutorado do primeiro autor, sob orientação da segunda autora, no programa de Pós-Gra-
duação em Psicologia Clínica da Universidade de São Paulo. Trabalho parcialmente financiado pela FAPESP (processo 04/05840-8).
Bolsista CAPES doutorado no período de março de 2004 a fevereiro de 2005. E-mail: denis@nucleoparadigma.com.br..
Professora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. E-mail: sbmeyer@usp.br.
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Comportamento verbal no contexto clínico: contribuições
metodológicas a partir da análise do comportamento
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de Zamignani e Andery (2005), por sua vez, que, na maioria dos trabalhos, foram desen-
pretendia-se caracterizar o processo terapêu- volvidas análises de comportamento verbal
tico analítico-comportamental no atendimen- vocal. Embora, em diversas pesquisas, essa
to a clientes com o diagnóstico de Transtorno estratégia tenha oferecido importantes in-
Obsessivo-Compulsivo. Neste estudo, a sub- formações, por vezes, questões de natureza
divisão das categorias interpessoais do tera- teórica ou prática que conduzem o trabalho
peuta e do cliente com relação a seu tema ser dos pesquisadores podem exigir outros tipos
relacionado ou não à queixa do cliente per- de informação. Alguns pesquisadores apon-
mitiu a visualização de processos tais como o taram limitações com relação a esse tipo de
reforçamento diferencial de verbalizações ou dado. Baptistussi (2001), Garcia (2001), Ver-
a intervenção por meio de análise de contin- mes (2000) e Zamignani (2001) relataram difi-
gências e aconselhamento, conduzidos pelos culdades para a caracterização e identificação
terapeutas participantes. dos fenômenos estudados, quando o dado
No estudo de Yano (2003), por sua vez, obtido era exclusivamente verbal-vocal, o
a categorização em torno de eventos conside- que teria limitado o alcance de seus estudos.
rados relevantes pelo terapeuta-pesquisador Em especial para o estudo de episódios emo-
(alguns destes eventos referentes a temas), cionais, a inclusão de outras dimensões do
em casos de transtorno de pânico, permitiu a comportamento dos participantes, além da
avaliação de resultados do processo terapêu- verbal-vocal (respostas verbais não-vocais e
tico por parte da pesquisadora. Vale ressaltar respostas motoras correlatas a respostas emo-
que, nos trabalhos citados anteriormente, as cionais) poderia favorecer a análise e inter-
categorias temáticas foram definidas a poste- pretação, uma vez que tais eventos têm sido
riori, a partir dos dados previamente obser- apresentados pela literatura da área como re-
vados. Essa escolha, provavelmente, advém presentantes mensuráveis de aspectos emo-
da grande variedade de temas possíveis que cionais (Beier & Young, 1998; Fiorini, 1995).
podem ser tratados em uma terapia. Embo- A consideração de comportamentos não-vo-
ra seja possível uma categorização a priori cais da interação tem contribuído ainda para
dos temas da sessão, ela deveria contemplar o estudo da manifestação durante a sessão de
uma ampla gama de possibilidades de inte- sintomas de quadros psiquiátricos, tais como
ração do cliente, com critérios de inclusão e ansiedade e depressão (Geerts, 1997; Waxer,
exclusão bastante específicos para evitar so- 1978), ou para o estudo de indicadores rela-
breposições indesejáveis, o que dificultaria cionados à constituição da aliança terapêuti-
bastante sua execução. Além disso, é possível ca (Tickle-Degnen & Rosenthal, 1990). Para
que, para um determinado cliente, um único abarcar aspectos não-vocais, de acordo com
tema possa ser explorado com profundidade Fiorini (1995), um sistema de categorização
e relacionado a outros assuntos e aspectos deveria apresentar um caráter multidimen-
de sua vida, o que exigiria do pesquisador, sional.
provavelmente, uma subdivisão em aspectos
relacionados a esse tema. Um sistema de cate- Fidedignidade e validade de um sistema
gorias temáticas a priori, que pudesse abarcar de categorização
a diversidade de temas possíveis, poderia ser
muito amplo, produzindo dispersão excessi- Um sistema de categorias desenvol-
va dos dados. Parece importante, então, con- vido para fins de pesquisa deve garantir a
siderar a flexibilidade no uso de um instru- constância na medida dos fenômenos e pro-
mento desse tipo, adequando categorias pré- cessos que ele se propõe a medir, além de
definidas aos temas relevantes das amostras proporcionar medidas adequadas e precisas
de sessões estudadas. que auxiliem na produção de conclusões re-
Outra questão que merece discussão é levantes sobre o fenômeno estudado (Ary &
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Ao discorrer sobre a elaboração de ca- dados de interações sociais poderiam ser ca-
tegorias comportamentais, Marinotti (2000) tegorizados.
destaca a necessidade de que, na definição de A estratégia denominada pragmática
uma categoria, seja estabelecida a sua unida- consistiria na inferência direta do observador
de de ocorrência, ou seja, quando ela começa sobre estados ou características do falante (ou
e quando termina, de forma que seja permi- no caso da análise do comportamento, infe-
tida a quantificação da categoria em questão. rência direta de relações funcionais). Essa es-
Essa unidade é denominada unidade de regis- tratégia, segundo os autores, poderia permi-
tro, e deve relacionar-se às características do tir o estudo de eventos bastante sutis da inte-
objeto de estudo e aos objetivos da análise de ração, entretanto, implicaria em grande grau
maneira pertinente (Bardin, 1977). de inferência. A falta de uma definição ope-
A unidade de registro em uma pes- racional do processo de tomada de decisão
quisa pode ser de natureza e dimensões mui- ao categorizar cada evento poderia limitar a
to variáveis, podendo partir de critérios topo- possibilidade de replicação da pesquisa reali-
gráficos, funcionais, semânticos, entre outros, zada, bem como impedir a revisão dos dados
a depender dos objetivos do pesquisador analisados, perdendo em generalidade. Esse
(Bardin, 1977; Danna & Matos, 1976/1999; parece ser o principal problema envolvido
Fagundes, 1976/1992; Hutt & Hutt, 1974; Jo- na categorização de eventos em torno de uni-
hnston & Pennypacker, 1993). Para o estudo dades funcionais de registro (Danna & Matos,
de sessões de psicoterapia, cada um desses 1976/1999; Fagundes, 1976/1992; Johnston
critérios pode implicar em limitações e van- & Pennypacker, 1993). Em uma interação
tagens. social, as variáveis relevantes para a identifi-
Um dos objetivos importantes de es- cação de classes funcionais de resposta não são
tudos cujo referencial é a análise do compor- necessariamente contíguas à resposta estuda-
tamento é a identificação de variáveis de con- da e, portanto, mesmo que se considerassem
trole relacionadas ao comportamento de in- os eventos imediatamente precedentes e/ou
teresse, o que, na maioria das vezes, remete a subseqüentes à resposta para a categorização,
relações funcionais entre respostas em estudo tal informação seria insuficiente. Esse é o caso
e outros eventos ambientais. Visa-se, portan- do resultado de qualquer procedimento apli-
to, à identificação de classes funcionais de cado pelo terapeuta, cujos efeitos, geralmente,
resposta. Segundo Johnston e Pennypacker não podem ser observados imediatamente e
(1993), uma classe de respostas é chamada nem mesmo no interior de uma única sessão.
funcional quando ela é definida de forma a A outra estratégia referida por Russel
incluir apenas aquelas respostas cuja ocorrên- e Stiles (1979) é denominada clássica e requer
cia depende de (é função de) uma particular dois passos operacionais para a categoriza-
classe de estímulos, ou seja, respostas que es- ção do comportamento. Primeiramente, o
tabelecem uma relação de contingência com pesquisador identificaria instâncias de cate-
determinada classe de eventos ambientais. A gorias, a partir de aspectos formais do evento
questão que se coloca é: em que momento do estudado e, mais tarde, faria inferências base-
processo de pesquisa – no momento de cate- adas na freqüência (ou outro tipo de medida)
gorização ou em uma etapa posterior - essas das categorias identificadas. Tal estratégia
relações funcionais devem ser identificadas tornaria mais explícito o processo envolvido
(ou inferidas)? na inferência realizada pelo pesquisador para
Questão semelhante a esta foi discu- a categorização, favorecendo a replicação e
tida por Russel e Stiles (1979), com relação à a generalidade dos resultados obtidos. A in-
pesquisa de processo em psicoterapia. Esses terpretação sobre relações funcionais, nesse
autores referiram-se a dois tipos de estratégia caso, não seria feita no momento do registro,
– a pragmática e a clássica - por meio das quais mas sim posteriormente, a partir da sistemati-
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zação dos dados categorizados, o que permi- Abaixo do nível da palavra jazem raízes ou,
tiria a identificação de padrões na interação mais rigorosamente, as pequenas unidades
‘significativas’ chamadas morfemas. Acima
estudada. Tal estratégia parece seguir uma da palavra estão as frases, idiomas, senten-
seqüência de passos necessária para a identi- ças, cláusulas, etc. Cada uma delas pode
ficação de relações funcionais. De acordo com ter unidade funcional como operante ver-
as palavras de Staddon (1967): bal. Uma partícula de comportamento tão
pequena quanto um único som pode estar
Operantes (...) não são definidos, mas inferi- sob controle independente de uma variável
dos. As regularidades são observadas entre manipulável. (...) Por outro lado, um amplo
eventos-estímulo e eventos-resposta; após segmento do comportamento (...) pode va-
a observação cuidadosa, o experimentador riar sob controle unitário funcional seme-
decide que essas regularidades relacionam lhante. (p. 21)
uma classe de eventos a uma outra e identi-
fica essas classes por suas propriedades. (p. Dessa forma, verbalizações ou respos-
382) tas motoras de topografias muito semelhantes
poderiam ser evocadas por eventos bastante
Considerando as estratégias propostas diversos ou afetar o comportamento do in-
por Russel e Stiles (1979), caso se tenha como terlocutor de forma também diversa, depen-
objetivo a construção de um sistema de cate- dendo do contexto no qual a resposta ocorre.
gorias que possa ser utilizado em diferentes Parece importante que a topografia da res-
pesquisas, com maior probabilidade de pro- posta seja, sim, levada em conta, mas inserida
duzir dados comparáveis, parece razoável a em um contexto que lhe dê sentido. Eventos
adoção de estratégias de categorização mais contíguos ao responder – eventos imediata-
próximas à denominada clássica. Para tanto, mente precedentes e subseqüentes - não são
uma das possibilidades para a elaboração de suficientes para a identificação de uma clas-
categorias de registro de comportamento se- se funcional de respostas, mas constituem ele-
ria a categorização de eventos em torno de mentos que contextualizam a verbalização
critérios formais (ou topográficos). A catego- ou ação do indivíduo. Neste caso, estaríamos
rização a partir de critérios topográficos tem abdicando de uma categorização topográfica
como foco semelhanças no movimento e/ou em direção a uma estratégia que envolve um
postura e/ou aparência do comportamento certo grau de inferência sobre a função da res-
(dimensões espaciais do comportamento). posta no contexto imediato da interação. Tal
Em outras palavras, implica na decisão sobre estratégia de categorização, considerando-se
os “limites de forma com relação às três dimensões a classificação de Russel e Stiles (1979), situa-
espaciais ao qual cada resposta deve corresponder se entre a clássica e a pragmática (conforme
para ser incluída em uma classe” (Johnston & apontado por Hill, 1986) e envolve a estimati-
Pennypacker, 1993, p. 71). Este tipo de crité- va da função imediata da verbalização a par-
rio favorece que sejam claramente especifica- tir da observação da topografia e do contexto
dos e identificados os elementos relevantes imediato no qual a verbalização se insere. A
para a categorização. Quando nos referimos identificação de relações funcionais relativas
a comportamento social, entretanto, há certa ao contexto mais amplo da sessão ou da rela-
dificuldade para a delimitação de dimensões ção terapeuta-cliente é feita em um momento
topográficas. Mesmo que se considerem pa- posterior da análise.
lavras, frases ou sentenças como dimensões Este método de categorização pode
relevantes, tratar-se-ia de unidades que, iso- ser relacionado ao que Bardin (1977) deno-
ladamente, proporcionam informação restri- mina categorização semântica. Esse tipo de
ta sobre a interação em curso (Bischoff & Tra- categorização, segundo esta autora, refere-se
cey, 1995). Tal limitação pode ser discutida a a recortes em nível semântico de unidades de
partir das considerações de Skinner (1957): significação, segundo certos critérios relati-
vos á teoria que serve de guia à análise que,
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em algumas vezes, coincidem com unidades seriam necessárias para considerá-lo como um
formais do texto (palavras, frases etc.). Seu relato de melhora – o contexto no qual o rela-
comprimento é variável e a sua validade não to ocorreu, o tema, eventos contíguos. Ainda
é de ordem estritamente lingüística: assim, não seria possível identificar imedia-
tamente relações funcionais envolvidas: en-
...consiste em descobrir os ”núcleos de sen-
quanto uma classe funcional de respostas, tal
tido” que compõem a comunicação e cuja
presença ou freqüência de aparição podem verbalização poderia ser uma descrição (um
significar alguma coisa para o objetivo ana- tato) indicativa do sucesso do procedimento
lítico escolhido. (...) [a] unidade de registro adotado pelo terapeuta, mas poderia também
corresponde a uma regra de recorte (do sen- ter como função a esquiva de outros temas
tido e não da forma) (...) o recorte depende
do nível de análise e não de manifestações
que, naquele momento, seriam difíceis para o
formais reguladas. (...) a unidade de registro cliente ou ainda a manipulação da disposição
existe no ponto de intersecção de unidades emocional do terapeuta, em busca de evocar
perceptíveis (palavras, frase, documento, neste alguma ação favorável.
material, personagem físico) e de unidades
Por outro lado, outro relato ou com-
semânticas (temas, acontecimentos, indiví-
duos), embora pareça difícil (...) fazer-se um portamento não-verbal que, de acordo com
recorte de natureza puramente formal... (pp. seu contexto imediato, não contenha explici-
105-107) tamente uma descrição de melhora, pode ser
um comportamento clinicamente relevante
O sentido de uma unidade semântica, que indique um avanço do cliente (uma des-
segundo Bardin (1977), seria dado por ele- crição de sentimento por parte do cliente, por
mentos de contexto - segmentos da interação exemplo, quando sua queixa envolve a difi-
que dão significado à unidade de registro. culdade de expressão emocional, pode ser
Vale lembrar que o termo significado, para a indicativo de melhora). No andamento da
análise do comportamento, remete necessa- sessão terapêutica, o terapeuta atento supõe
riamente a relações do evento em estudo com as possíveis funções de tais verbalizações e,
outros eventos que alterariam a sua probabi- ao observar outras ocorrências da mesma
lidade de ocorrência (Tunes, 1984). Nas pala- classe de relato, e seu contexto de ocorrência,
vras de Skinner: levanta dados para a identificação da função.
O mesmo deveria ocorrer com o pesquisador.
Uma resposta, por exemplo, pode ser descri-
ta como uma forma de comportamento. Um
A ação do pesquisador, se restrita ao passo
operante especifica pelo menos uma relação da categorização do evento como “relato de
com uma variável – o efeito que o comporta- melhora”, não seria suficiente para a identifi-
mento, caracteristicamente, se bem que não cação de relações funcionais, embora tal pas-
inevitavelmente, tem sobre o meio – e que
so seja essencial para a busca dessa relação.
não é, por isso, uma unidade formal. Uma
especificação formal não pode ser evitada, A inferência a priori da função do comporta-
desde que uma resposta só pode ser consi- mento, por sua vez, também seria insuficien-
derada um exemplo de operante por meio te, pois é necessária a observação de outras
de uma identificação objetiva. Mas não bas- ocorrências para que se possa inferir a fun-
ta a identificação objetiva. (Skinner, 1974, p.
115)
ção do comportamento com mais proprieda-
de. O pesquisador teria mais sucesso em sua
Um exemplo de classe de verbalização investigação se, tal qual seria esperado do
que ilustra essa discussão é o relato de melho- terapeuta, considerasse aquele episódio do
ra por parte do cliente. Tal relato, visto pura- comportamento (portanto, um primeiro ní-
mente em seu aspecto topográfico, no máxi- vel de categorização) e, em outro momento,
mo poderia ser categorizado como descrição verificasse as suas ocorrências ao longo das
de eventos ou, dependendo do critério, como sessões observadas, e identificasse que tipo
afirmação. Algumas informações contextuais de padrão de interação tipicamente está ocor-
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podem ser sistematizados é por meio da análi- cionaram trechos mais amplos da sessão den-
se de seqüências específicas de interações, nas tro dos quais ocorreram os temas que foram
quais cada resposta é examinada com relação foco das verbalizações do tipo “explicação” e
a ações contíguas do interlocutor - estímulos “aconselhamento” e categorizaram esses tre-
a ela precedentes ou subseqüentes (como re- chos em categorias de análise. Algumas das
alizado por Zamignani & Andery, 2005). À categorias de análise propostas pelos autores
medida que se observam padrões recorrentes foram “Explicações com ênfase em relações
de interações entre categorias, possíveis fun- resposta-conseqüência”, “Explicações base-
ções de determinadas classes de comporta- adas em dados demográficos ou probabilís-
mento podem ser inferidas. Esse tipo de aná- ticos” (referentes à categoria Explicação) ou
lise não permite, entretanto, a identificação “Terapeuta propõe atividade incompatível
de padrões mais complexos de interação que com a resposta-queixa”, “Solução de Proble-
não podem ser identificados ou investigados mas” (referentes à categoria “Aconselhamen-
a partir da contagem de seqüências particu- to”).
lares de ação. Especialmente quando se trata Possivelmente todas as pesquisas de
de comportamento verbal, estamos lidando processo, especialmente as descritivas, re-
com um fenômeno que ocorre sob controle querem vários momentos de análise. Após a
de variáveis múltiplas, e que podem estar em organização dos dados coletados na primeira
eventos distantes no tempo ou em variáveis etapa, o pesquisador deve realizar algum tipo
extra-sessão e que, portanto, não podem ser de análise qualitativa procurando identificar
acessadas apenas pela observação da intera- as regularidades que emergem. Mais de um
ção entre eventos imediatamente contíguos. momento de análise foram necessários em es-
A análise de padrões mais complexos pode tudos como os de Barbosa (2001), Ireno (2007),
envolver a identificação de relações entre Novaki (2003), Taccola (2007) e Yano (2003).
eventos distantes temporalmente ou de clas- Outro tipo de solução que pode pro-
ses de resposta de ordem superior (Catania, porcionar análises de interações mais com-
1999). plexas é o método de dependência seqüencial
Uma das estratégias de sistematização (e.g. Wiseman & Rice, 1989; Bischoff & Tracey,
dos dados que permitiu a identificação de al- 1995). De acordo com esse método, seqüên-
gumas relações mais complexas (e.g., Maciel, cias de eventos são tomadas como unidades
2004; Martins, 1999; Zamignani & Andery, de análise e são analisadas estatisticamente.
2005) foi a divisão do processo de sistemati- O método de dependência seqüencial permite
zação dos dados em dois momentos distintos. diferentes modalidades de análises estatísti-
Num primeiro momento, cada interação ob- cas dos dados da sessão terapêutica, podendo
servada foi classificada de acordo com cate- incluir testes unidirecionais, testes bidirecio-
goria de registro. E, em um segundo momen- nais, testes de comparação entre grupos e de
to, aspectos mais complexos da interação - se- comparação de mudanças ao longo do tempo,
qüências de verbalizações ou interações mais além de permitir a análise de interações com
complexas - eram categorizados tendo como mais de dois participantes. A dependência
base as categorias de análise. Um exemplo seqüencial não precisa estar necessariamente
desse tipo de estratégia foi desenvolvido por limitada ao efeito do evento imediatamente
Zamignani e Andery (2005). Nesse trabalho, precedente e os métodos de análise estatísti-
os autores primeiramente categorizaram as ca propostos poderiam detectar padrões mais
verbalizações de terapeuta e cliente por meio complexos de dependência interativa entre
de categorias de registro, do tipo “pergunta”, eventos dentro de uma mesma sessão e ao
“explicação”, “aconselhamento”, etc. Após a longo de diferentes sessões (Lichtenberg &
análise da freqüência de categorias e análise Heck, 1986; Wampold, 1986).
de seqüências de categorias, os autores sele- A principal crítica a esse tipo de estra-
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Referências Bibliográficas
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Comportamento verbal no contexto clínico: contribuições
metodológicas a partir da análise do comportamento
Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Belo Horizonte-MG, 2007, Vol. IX, nº 2, 241-259 259