Você está na página 1de 11

2020

Por que ser padre em tempo de


incerteza?

Pe. Luis
Fernando da
Silva
POR QUE SER PADRE EM TEMPOS DE INCERTEZA?

Pe. Luis Fernando da Silva1

O que devo fazer?


Meditando o evangelho de São Marcos, deparei-me com um jovem,
que era tido como rico ele possuía tudo e num dado instante da sua vida ele
foi tomado de uma incerteza: apesar de eu possuir tudo o que possuo, ter
todos os dons que eu tenho o que eu devo fazer para ganhar a vida, uma vida
cheia de sentido, que não é limitada por fenômeno nenhum?
Estamos diante de um fenômeno que alguns chamam de inimigo
invisível, esse tal inimigo chegou e alterou a rotina mundial, e porque não
dizer que alterou nossa rotina sacerdotal, consagrada? Tudo o que estávamos
acostumados a fazer de repente tornou-se secundário.
O jovem rico chega diante de Jesus de Nazaré e faz uma pergunta:
“Bom professor o que devo fazer?” Essa pergunta nunca esteve tão presente
em nossos lábios: e agora que estamos numa quarentena o que vamos fazer?
Como vamos fazer? De que jeito vamos fazer? E como gostaríamos de ter
um “bom professor” que nos ensine tudo.
Já que nesse tempo tem surgindo perguntas, então podemos dizer que
estamos num tempo existencial, nosso existir de até então foi posto em
cheque e o nosso existir no futuro é posto em dúvida e nosso existir no agora
está confuso.
Por que existir? Por que ser padre? Por que ser padre em tempos de
incerteza?

1
Presbítero da Diocese de São João da Boa Vista- SP.
Um olhar sobre o evangelho
No capítulo 10 do evangelho de São Marcos temos a descrição de
algumas maneiras pelas quais as pessoas se aproximam de Jesus: as
multidões que vêm a ele talvez interessadas no pão que ele multiplicou ou
nos tantos milagres que ele fez; os fariseus se aproximam desconfiados para
testá-lo por ele ser um teólogo tão heterodoxo que questionava as tradições
milenares; as crianças eram trazidas a Jesus por que ele é um sinal de
acolhida e do carinho de Deus; e finalmente um homem que corre em sua
direção e se joga de joelhos. Em todos os casos, Jesus consegue estabelecer
um relacionamento com cada um deles e abre um caminho a percorrer, mas
que, como veremos neste episódio, cabe a eles por qual caminho querem
chegar a Jesus.

Ele estava sentindo falta...


Esse homem apresentado por São Marcos possuía muitos bens e, no
entanto, sua corrida a Jesus é motivada por uma falta . Isso mesmo ele
estava em falta. Estava sentindo falta do povo na sua missa, estava sentindo
falta da sua agenda de reuniões, estava sentido falta dos seus cargos de
governo, estava sentindo falta dos doentes que visitava, estava sentindo falta
das suas pastorais, estava sentido falta dos rituais que presidia, dos
paramentos que usava.
Só de coisas religiosas ele estava sentindo falta? Será que também não
estava sentindo falta das pessoas que o elogiavam? Será que não estava
sentindo falta das voltinhas no comércio que sempre proporcionava comprar
algo novo? Talvez estivesse sentindo falta da academia que ele usou para
justificar sua saúde física, mas muitas vezes serviu para buscar um corpo
perfeito elogiado pelos mocinhos e pelas mocinhas. Será que ele mesmo
sendo celibatário não estava sentindo falta da sua paixão? Será que não
estava sentindo falta de vestir os trajes, o penteado que o projetava para
sociedade. Talvez estivesse sentindo falta da mesa farta dos paroquianos?
Do que ele aquele moço sem nome estava sentindo falta?
Ah nós já estudamos nas nossas aulas de teologia bíblica, toda vez que
um personagem na bíblia não tem nome então “ele é eu” (sic.) ele é você.
Ele é cada um de nós que nesse tempo de incerteza estamos sentindo falta de
alguma coisa.

Nasce um desejo
No coração daquele homem nasce um desejo e ele ao olhar para todas
as suas riquezas e para a falta que estas lhe faziam ele toma uma decisão que
seu desejo não seja sufocado por sua riqueza, ele começa a entender que a
vida vai além.
Ele faz uma pergunta específica: "Bom professor, o que devo fazer
para herdar a vida eterna?" (Marcos 10,17). Esse homem parece ser uma
pessoa muito pragmática, pergunta o que ele tem que fazer e, acima de tudo,
tudo o que havia para fazer e já o fez. Talvez ele esperasse do seu bom
professor algumas dicas práticas: que tal você limpar a sua casa, ou arrumar
seu guarda-roupas ou ainda aqueles livros que você não mexe desde quando
terminou o seminário; ou que tal você desenvolver um dom artístico ou
começar a desenvolver a culinária; que tal você aprender um novo idioma;
ou que tal você começar a ler mais; que tal você começar a rezar mais? Que
tal você começar a transmitir lives para o seu povo não ficar sozinho. Esse
professor talvez pudesse dizer que tal você pensar em estratagemas pastorais
para reunir o povo depois que crise passar, eiiii que tal você começar a pensar
como ganhar dinheiro depois que a crise for embora?
"Todas essas coisas ja observei, eu já fiz e eu já pensei.", responde o
moço que o que depende dele já está sendo feito. Isso mesmo todas essas
coisas nós podemos fazer, se as queremos fazer, elas dependem da nossa
vontade, do nosso querer. Aliás sejamos honestos conosco mesmos como
somos bons nisso e aliás como já temos feito isso a tantos anos.

Jesus vem pra acabar com tudo


Jesus sabia que aquele moço era muito bom, Jesus inclusive sabia dos
oito anos que ele ficou no seminário cursando filosofia e teologia, inclusive
Jesus sabia do mestrado que ele havia feito na Gregoriana, em outras
palavras Jesus sabia que ele era “o cara”. Partindo de sua obediência à lei e,
portanto, de sua verdadeira busca, ele pede que ele dê mais um passo, que
parte de uma ação que ele deve tomar, mas que não depende apenas dele, e
é exatamente isso que desestabiliza a segurança deste homem. Jesus pede
que ele venda sua riqueza e se junte a outro tesouro que ele próprio não
havia obtido: aquele tesouro no céu que é reconhecido por seguir o Senhor.
Aqui meus irmãos, Jesus acaba com tudo. Ele cava fundo no coração
do moço. Jesus desestabiliza aquele rapaz, pede para ele dar um passo além
das suas riquezas. Por quanto tempo ele firmou o seu sacerdócio no fazer, e
agora que seu fazer estava limitado vejam o quanto ele estava perdido e cheio
de incertezas.
Vai moço vende tudo o que você tem! Vende essa sua vontade de se
aparecer; vende essa necessidade que você tem de ser elogiado pelas pessoas;
vende essas agenda cheia de reuniões e de palestras; vende essas missas
shows que você reza não para me agradar, mas para agradar os teus fãs;
vende essa paixão que a tantos anos te deixa na vida dupla; vende essa
necessidade de você ser escravo do corpo, da moda, do consumismo; vende
essa necessidade que você tem que colocar a sua segurança pessoal e
paroquial no dinheiro; vende essa sua arrogância intelectual; vende essa sua
tendência de ficar puxando o saco do bispo e de ser politiqueiro; vende esse
teu isolamento do presbitério, vende as tuas riquezas. Eiiii não estou falando
de algumas riqueizas, eiiiii vende todas elas, todinhas.
Ah! Depois que que você vender eu te peço um único favor: vem ser
meu aluno na Escola do Reino.
Booooooooooooommmm!!!!! ( brulho da bomba explodindo) Podem
acreditar foi esse o ruído que a proposta de Jesus fez no coração daquele
moço.

Onde está o teu tesouro moço?


O tesouro de precisamos não depende apenas de nossa capacidade
econômica, mas que nos coloque em um relacionamento com o Senhor e
com nossos irmãos, portanto, uma situação menos segura e mais precária,
mas que nos ajuda a construir uma unidade interior: "Onde está o seu
tesouro, aí está seu coração " (Lc 12,34).
Será que esse tempo que estamos vivendo não é o tempo para
largarmos para trás nossas manias. Isso mesmo! Criamos um monte de
manias e as chamamos de organização, de evangelização, de pastoral, de
eclesialidade. Nossa quantos nomes bonitos nós vamos dando aos nossos
projetos pessoais que ficam tão mascarados que parecem até que são de
Jesus.
O cardeal Van Thuan na sua quarentena de 13 anos de prisão, dos
quais nove no isolamento fez essa descoberta: “quantas vezes eu fiz as coisas
de Deus, mas não me encontrei com o Deus que é o criador de todas as
coisas”.
O que levou o moço a fazer essa pergunta a Jesus, é precisamente o
desejo de união entre seu coração e seu tesouro. Por um bom motivo, ele
sentiu seu coração longe de suas riquezas, ele havia entendido que isso não
era suficiente, mas ao mesmo tempo não conseguia se libertar delas e fazer
um gesto ousado baseado na confiança naquele "bom professor" que lhe
indicava um novo caminho para ele, baseado na confiança em Deus e em
seguir o Senhor.
Agora algumas dicas super- modernas
Jesus no evangelho de São João se auto afirma: “eu sou o caminho”,
se ele é o caminho ele é a resposta. Se estamos vivendo um tempo novo que
tal buscarmos respostas novas. Isso mesmo, nada de ficarmos procurando
respostas velhas, elas não ajudam. Aqui quero ser bem moderno e indicar
algumas respostas novíssimas, eu sei que talvez elas sejam muito originais,
mas uma hora elas precisariam ser lançadas.
- que tal você ser um padre que reza, isso mesmo, não que reza porque
na pandemia você não tem o que fazer. Ah não é rezar na live para animar o
seu povo com terços e missas e um monte de parafernálias. Deixa eu te contar
uma coisa, o povo já sabia que a gente não tinha vida de oração diária antes
da pandemia, e agora com a pandemia que estamos com a brilhante ideia de
transmitir nossas rezas (uma verdadeira pornografia espiritual) o povo sabe
que é só gracinha. Ah sim eu sei que você está recebendo tantos likes e
comentários, mas já diziam os antigos. “o papel aceita tudo”. Estou propondo
uma coisa mais revolucionária, bem modernista como todos os dias
independente da pandemia ou não reservarmos uma hora para a oração
pessoal, para escutar a Palavra do Senhor, para adorarmos o mistério de Deus
presente no pão consagrado. Vende tua riqueza irmão e adquire um tesouro
que não se destrói.
- que tal você começar a celebrar a eucaristia todos os dias. Ah mas,
por favor não faça isso porque está na agenda da paróquia, ou porque está na
modinha do momento transmitir as lives. Celebre a eucaristia diariamente
por que ela é o centro da vida ministerial. Deixa eu contar uma coisa nova
sabiam que a partir de agora nós padres vamos “agir na pessoa de Jesus”,
isso mesmo uma novidade teológica gigantesca. E alguns diante de tamanha
surpresa ficam se perguntando como sustentar isso? Simples celebrando a
eucaristia. Vende tua riqueza irmão e adquire um tesouro que não se destrói.
- que tal você começar a usar o seu tempo para alimentar amizades
saudáveis com os presbíteros? Isso mesmo! Antes da pandemia havia uma
série de presbíteros muito preocupados em amizades benéficas: gente rica
que paga viagem, gente rica que ajuda a paróquia, gente bonita (mocinhos e
mocinhas) que fazem um bem para o ego e quando não despertam paixões
calorosas. A moda agora depois da pandemia é ser celibatário, isso mesmo,
eu acho uma coisa muito moderna, mas temos arriscar. O celibatário
alimenta sua fome de amor em meio ao presbitério. Isso mesmo! Quando não
alimentamos nossa fome de amor no presbitério, ficamos carentes, e carência
é uma peste ruim, nos leva a fazer coisas e a estabelecer relacionamentos
fragmentados, ausentes de amor. Minha sugestão é que depois que terminar
o isolamento, nós criemos novos isolamentos, isso nas segundas- feira de
nossa folga, vamos nos isolar com os irmãos do clero, para rezar juntos, para
partilhar a vida, para cozinhar, fazer esportes, dar risadas. Vende tua riqueza
irmão e adquire um tesouro que não se destrói.
- que tal fazer das nossas paróquias casas e escolas da comunhão, não
lugares de estratégias pastorais ou centros monetários de arrecadação de
fundos. Ah sim eu me lembro que antes da pandemia tinha a parada da cúria,
isso eu lembro. Ela cobrava taxas e de vem em quando dobrava a taxa e as
vezes esporadicamente triplicava a taxa. Eu me lembro dessa época os padres
trabalhavam que nem doidos para fazer rifas e jantares e eventos, ufa aja
fôlego! Mas agora depois de tanta crise talvez possamos ser mais modernos,
quem sabe criar caixas comuns, isso parar com a idiotice de classificar
paróquias pobres e ricas. É, reza a lenda que na Igreja primitivas os cristãos
tinham tudo em comum. Quantos séculos ainda ou quantas pandemias ainda
serão necessárias para entendermos que a Igreja de Jesus é pobre? Que ela
não é uma espiga, mas só uma semente; que ela não é o pão assado, ela é o
fermento; que ela não é churrasco, mas o sal que tempera a carne; que ela
não é o cálice de vinho, ela é a gota de água. Gente fazer tudo do mesmo
jeito é monótono vamos fazer de um jeito novo. Será que teremos outra
chance enquanto estivermos vivos?
- que tal a gente mudar a relação com o bispo. Isso mesmo! Antes da
pandemia funcionava assim: na frente do bispo todo mundo fala coisas lindas
e fofas para agradá-lo, e depois que termina a reunião fazíamos rodinhas, ou
grupos no watts aap para falar mal dele. Nossa quantas criticas eram tão
acidas que corroíam nossos aparelhos de celular. Parece que seguíamos uma
eclesiologia antiga estilo “creche” o tio da creche fala e as crianças fazem de
conta que está tudo ok. Não, não agora estamos em tempos modernos que tal
mudarmos para estilo “adulto” onde escutamos e falamos e falamos o que
pensamos com verdade e com caridade, e desse movimento de escuta e fala
surjam caminhos evangélicos para a Igreja continuar caminhando.
- que tal usarmos nosso tempo e nosso corpo realmente para
evangelizar. Antes da pandemia perdíamos tempo com nossas séries no
Netflix ou no Prime, perdíamos tempo escolhendo a roupa ou o corte de
cabelo da moda. Opa cuidávamos da nossa saúde corporal (nem todos, eu
mesmo sou obeso) mas não fica muito claro se isso era saúde ou se isso era
estética (ah sim é estética? Me diga para quem além de Jesus você precisa
parecer bonito?). Vamos usar nosso tempo para falar de Deus, para encontrar
os mais pobres, para ser sinais simples do Reino, sorrindo, acolhendo,
dizendo a verdade, escutando, partilhando a vida, visitando nossa família.
Sabe me ocorrem outras coisas ainda, mas eu as quero deixar para um
outro texto, tenho medo de ser mal interpretado.
Após esse encontro, o discurso de Jesus continua com seus discípulos,
que também ficam desconcertados com a dificuldade de poder entrar no
reino de Deus, dificuldade insuperável se pensarmos que devemos enfrentá-
lo apenas com nossas próprias forças. Aqui também há um pedido de
confiança da parte de Jesus em relação a eles: o tesouro que pede aos
discípulos que vendam neste momento é a ideia de fazê-lo sozinho,
esquecendo que existe um Deus que faz graça, o que torna possível o que é
impossível para nós. Se nosso coração aderir a essa confiança,
encontraremos verdadeiramente nosso tesouro.
Eu não quero fazer coisas de padre, eu quero ser padre”

Ladainha da Humildade (cardeal Merry del Val)

Jesus, manso e humilde de coração, ouvi-me.


Do desejo de ser estimado, livrai-me, ó Jesus.
Do desejo de ser amado, livrai-me, ó Jesus.
Do desejo de ser conhecido, livrai-me, ó Jesus.
Do desejo de ser honrado, livrai-me, ó Jesus.
Do desejo de ser louvado, livrai-me, ó Jesus.
Do desejo de ser preferido, livrai-me, ó Jesus.
Do desejo de ser consultado, livrai-me, ó Jesus.
Do desejo de ser aprovado, livrai-me, ó Jesus.
Do receio de ser humilhado, livrai-me, ó Jesus.
Do receio de ser desprezado, livrai-me, ó Jesus.
Do receio de sofrer repulsas, livrai-me, ó Jesus.
Do receio de ser caluniado, livrai-me, ó Jesus.
Do receio de ser esquecido, livrai-me, ó Jesus.
Do receio de ser ridicularizado, livrai-me, ó Jesus.
Do receio de ser infamado, livrai-me, ó Jesus.
Do receio de ser objeto de suspeita, livrai-me, ó Jesus.
Que os outros sejam amados mais do que eu, Jesus, dai-me a graça de
desejá-lo.
Que os outros sejam estimados mais do que eu, Jesus, dai-me a graça
de desejá-lo.
Que os outros possam elevar-se na opinião do mundo, e que eu possa
ser diminuído, Jesus, dai-me a graça de desejá-lo.
Que os outros possam ser escolhidos e eu posto de lado, Jesus, dai-me
a graça de desejá-lo.
Que os outros possam ser louvados e eu desprezado, Jesus, dai-me a
graça de desejá-lo.
Que os outros possam ser preferidos a mim em todas as coisas, Jesus,
dai-me a graça de desejá-lo.
Que os outros possam ser mais santos do que eu, embora me torne o
mais santo quanto me for possível, Jesus, dai-me a graça de desejá-lo.

Você também pode gostar