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EVOLUGAO DO PENSAMENTO ESTRATEGICO Joko Vitira Borces 1. Introdugao A Estratégia é estudada ¢ aplicada diariamente em Portugal, nos B.U.A., na China, na Réissia, na Unido Europeia, nas grandes empresas de Téquio a Berlim, cnfim, em diferentes unidades politicas e “organizagbes” que t&m em comum a necessidade de possuirem bons lideres para atingirem os seus objectivos, sejam eles de Ambito politico, militar ou empresarial, Talvez esta seja uma explicagio para o facto dos estudiosos' e os “homens de acgio” encontrarem a Estratégia em obras e pensadores de referéncia, oriundos de varios espagos ¢ tempos, com formas de pensar tio diferentes como Sun Tzu e Clausewitz, Para 0 General Abel Cabral Couto (0 Homo strategicus, p. XVID) 0s grandes pensadores da Estratégia so, entre outros, Lidell Hart, André Beaufre, A. Rapoport L. Poitier, H. Eccles, J. P. Chamay, T. Schelling, E, Lutwak e Raymond ‘Aron, Para o General José Alberto Loureiro dos Santos (Reflexdes sobre Estratégia, 2000, pp. 75-77), 0s grandes protagonistas da Estratégia podem ser agrupados em quatro grandes conjuntos: 0s inovadores, 0s visionérios, os realiza- dores e os doutrinadores. Entre os inovadores ¢ visiondrios, este autor destaca figuras como Confiicio, Buda, Jesus Cristo, Lao Tsé, Maomé ou Karl Marx, Entre 68 realizadores destaca, entre outros, Epaminondas, Alexandre, Anibal, Jali César, Cortez, Napoleio, Rommel e Churchill; e, entre os doutrinadores, destaca nomes como Clausewitz, Lidell Hart, Raymond Aron e Beaufre, O General Loureiro dos Santos destaca ainda que “...nem sempre existem grandes fronteiras entre as caracteristicas dos grandes protagonistas da Estratégia. Ha muitos que TO estratego €classcamemt definide como 0. serd.0 homem de Estado-Maior que apoia 0 est ce decior etratgyico, enquanto o estrategista acontecimentos, mas 9 sua anise, os seus estudose os seus conselhos em muito contribuem para 4 definigdo das estatégias por parte dos esrategos, 19 fo simultaneamente inovadores ¢ realizadores, ou ou visionrios e realizadores, bem como doutrinadores. Grande parte dos protagonistas da Estratégia atris referidos sio pouco conhecidos do piblico em geral e as suas obras sio, inclusivamente, pouco lidas Pelo piiblico especializado, apesar de citadas frequentemente A Estratégia, emtendida hoje como a “Ciéncia do Conflito” ou relacionada (© confundida) frequentemente com o “Planeamento de Médio e Longo Prazo”, tem nos nossos dias campos de aplicagio muito vastos, desde a Economia & suerra de informagao, compreendendo diversos aspectos mul laramente dificultam o seu estudo e andlise particular Deste modo, no sentido de facilitar a compreensao da evolugio do pensamento estratégico, optimos pelo critério cronolégico e pelo método de anilise das Brandes obras e dos grandes pensadores (os doutrinadores ¢ alguns realizadores) da Estratégia Por outro lado, © por razdes essencialmente pedagégicas, optimos por dividir 4 evolugio do pensamento estratégico em trés grandes fases*, marcadas por homens ¢ obras de referéncia e pelo “Pensar a Estratézia’, respectivamente: adores e doutrinadores, ~ “Bstratégia das Origens”, associada a «arte do General» e a0 «conjunto de manobras e batalhas», normalmente confundida com a téctica e sem conceptualizagdo sustentada. Dista da Antiguidade Cldssica a Clausewit (o msico sem instrumento”, nas palavras do General A. Cabral Couto); ~ “Estratégia ao servigo da Guerra”, com a redugio da utilizagio da Estratégia a actos e fenémenos do dominio militar, Neste periodo, que vai Da Guerra de Clausewitz & Introducito & Estratégia do General A. Beautre, 4 Estratégia constitui simplesmente um ramo da Arte ¢ da Cigncia militar © € entendida com uma dimensio quase exclusivamente militar (“o solista da estratégia militar", segundo 0 General A, Cabral Couto); ~ “Estratégia Integral”, na sequéncia da obra do General A. Beaufre, detentora de uma teorizagio coerente e consistente (capaz de unificar uma concepgio da Estratégia), assente na crescente importincia das restantes ea politica), formas de coacgio (em especial, a econémica, a * Para muitos autores (casos de Fuller ¢ Toynbee), a evoluo ds Ext volugio das téenicas, da onganiagtoe dos sistemas de armas: a flange. lego, a caalretas besteir, 0 curcomano, a pvors a espingarls Je repetigio,« metcalhadors,o caminho-de-fea © satro de combate, © avifo, a arma nuclear. So importantes inovagdes, pois marcuram wrandcs ‘mudangas, mas s8o meios da Estratéia, Pansastewto Estnartr A par da estratégia militar, surgem, com caricter préprio, outras estratégias gerais associadas as diferentes formas de coagio. Apela assim, de forma imegrada € sistémica, a todo o tipo de recursos do actor estratégico, tangiveis e intangiveis, e a novos ¢ poderosos instrumentos de andlise, como a teoria dos jogos, a investigagao operacional, as teorias da decisio (“a orquestra nacional, que evolui para sinfonica com a conjugagao harmoniosa das diferentes partituras tocadas por diversos naipes da orquestra”, nas palavras do General Abel Cabral Couto). Excrever sobre 0 pensamento estratégico implica, necessariamente, associar a “perspectiva Ciéncia” & “perspectiva Histéria”. E aqui, porque a Estratégia se situou durante séculos exclusivamente no dominio da “coisa militar” e, inevitavelmente, no domfnio da guerra (quer em associagio aos comandantes rnilitares, quer em associngio a coordenagio do conjunto de combates), a relagio da Estratégia com a Guerra torna-se inevitivel. Daf a nossa opgdo por uma evolugio do pensamento estratégico trabalhada em termos cronolégicos (olha mas sem esquecer os espacos regionais ou as civilizagdes), mas em associagao directa com a prépria evolugio do fenémeno da guerra, pelo menos até 10 século XX, Depois de um capitulo que revisita a evolugio histérica do pensamento estratégico mundial, deixaremos ainda algum espago para a evolugio do pensamento estratégico nacional, tendo por referéncia as citagdes lusas feitas por Hervé Coutau-Bégarie no seu Tratado de Esiratégia (de onde foram seleccionadas as nove reflexdes que se publicam de seguida e que se circunserevem ao perfodo decorrido entre os séculos XVI e XIX) € os escritos de Anténio Horta Fernandes, tem especial no seu O Homo strategicus. As escolhas so necessariamente arbitrérias (implicando exclusdes que outros saberio colmatar), apesar dos critérios impostos e da credibilidade das referéncias. No entanto, constituem um primeiro passo, entre muitos outros, no sentido de melhor conhecermos a nossa “Histéria do Pensamento Estratégico 2, Evolugio do Pensamento Estratégico Mundial Considerando as trés partes em que dividimos a “Histéria do Pensamento Estratégico”, comegamos pela “Estratégia das Origens”, associada & «arte do General» e a0 «conjunto de manobras ¢ batalhas», numa altura em que o aparelho militar ndo tinha uma dimenszo técnica que implicasse estudos apurados wo nivel de Estado-Maior ¢ em que a ligagio intima entre a Politica e os grandes ai comandantes militares? retirava espago funcional ao aparecimento de uma Ciéncia, e de uma Ante que pressuporia, enquanto instrumento, atingir os objectivos da propria Politica. Mas a «arte do General» estava presente... 2. 1. “A Estratégia das Origens” Da Antiguidade Classica, a Grécia constitui uma referéncia obrigatéria como pponto de partida da Historia Militar (¢ da cultura universal) e Tucfdides (460-399 a. C.)+ um dos seus maiores representantes com a feitura da sua Histdria da Guerra do Peloponeso, ainda que incompleta. => 0 vocabulo «Estratégian nasce, portanto, na Grécia e deriva etimologica- ‘mente da palavra grega stratégos, com o significado de «eomandante de um exército, responsivel pela cidade ou 0 comandante da frota» (s6 aplicdvel depois das reformas de Dracon por volta de 620. a. C.5, pois antes era designado de Polemarco). O vocibulo strarégos consistia na composigio de dois outros: straros, 0 equivalente a cexércitoy; e agein, que equivaleria a «conduzir». [Na pritica, significava “a arte do General”, traduzida na maneira de articular € dispor as tropas e de combinar as manobras e as batalhas para se atingirem os objectivos de uma campanha militar. A Estratégia sigoificava, entao, «a arte de conduzir 0 exército, a ditecgio de uma expedicdo armada ou, mais globalmente, a arte do comando militar ou do conjunto de uma campanha», enquanto stratego representava o General, ou 0 Comandante-Chefe, A Estratégia estava directamente relacionada com a mais alta direcgio militar e com a guerra, enquanto violencia coleetiva armada, confun- dindo-se frequentemente com a téctica em autores de referéncia como Xenofonte * Daf que o Brigadeiro Alfredo Pereira da Concelgio tena considerado que “A Estratépia nunca foi uma cigncia puramente militar” (separaa da Revista Militar, 1952) Na sua perspective, “se estudarmos a hiséria politica da Gréci [..] a designago de estatéga aparece-nos, pela primeiea vex, nas reformas de Dracon, promulgadas nos anos de 621 © 620 a. C. indicando um posto dé direegio na guerra com fungGes mais priprias de direegSo do que de comand” (p. 112) * Com Poltbio, Tuciddes foi 0 grande hstoriador da Antiguidade Clissia, Relatou a gucera do Peloponeso, da qual que foi contemporineo e onde Ivtaram, entre 431 ¢ 40% a Cas cidades de Atenas ¢ Esparta, Transereveu um discurso de Pércles sobre a matriz malima em que assegurava {gue Atenas seria invenefvel, Segundo Chaliand, os episédios estatéicos abundam na obra de Tucidides. do mesmo modo que as suas consideragies de fora politica se asmem com grande petenidad 3 Bm 638 a. C.teve lugar Estrategos boligio da monarquia em Atenas. © poder ficou na posse dos Aranes 2 Punsasuento Esraatdaico Poxruouts: Coraiuros (Sec. xvi-xtx] (c. 426-354 a. C.)® € Polibio (c. 202-120 a.C.)? ou mesmo em estrategos como Julio César (101-44 a.C) ‘© mais antigo ¢ provavelmente 0 mais importante destes mestres de armas (ticticos e estrategos) foi Enée (0 téctico?), que viveu no século IV a. C. ¢ que compés uma enciclopédia militar (A Tdctica e 0 Cerco das Cidades) em vii volumes. Tal como na China pela mesma época, “a guerra, tal como a pinta Enée, menos uma prova de forga do que de asticia: nfo se procura em geral a matanga nem 05 defensores duma guerra de usura, mas encontra-se 0 triunfo dos mais frescos; se se intimidar o inimigo com marobras judiciosamente organizadas melhor ser; em todo 0 caso, mantém-se a confianga em cada combatente, para explorar no momento certo, os frutos da espontancidade™"”. 7 Xenofonte (6. 426 a, C-354 a, C.)nasceu em Atenas e morreu em Corinto. Ena, historiador € rilitar, 04 aluno de Séerates. Servi na cavalria e dexou Atenas logo apés a viéria de Esparta (betalha de Queroneia, 404 a, C.) no termo da guerra do Peloponeso. Em 401 a. C..encontrose na Pérsia com os merceniios prego apoianes de Ciro, que visputava o ono do Seu imo. Mas Ciro Foi mono © os Gregosretirarum depois de trem perdido todas os seus chefs. Xenofone foi eleivo chefe da expe e diigo, durante oto anos uma retiada de 2500 quilénettos, sempre em comb. ‘Anbaze ou a retirada dos Dez Mil (raduzida entre abs pelo enssta Aquino Ribeiro) € obra que retrata ese episio exemplar. Por auto Indo, Xenofont, depois deter estado ao servigo de Espana, ‘laborou uma parte da sua obra perio de Olimpia, antes de volta 9 Atenas. Com cetea de 60 anos, fescreveu ainda L'Hippargue ou o Comando da Cavalera, watado memorivel Je cavalaria © La {Cymmpedie (Estraégia co Discurso), rectal bistGrieo que evoca a educagio de Cio, 0 Grande, 0 rei persa (Arménia) do séeulo Via, C. Segundo Aquilino Ribeir, “quatrocenos anos antes da er crit, 5 Grecia io tina ands acabdo de convalescer dak frida que the deixara a puerra cham do Peloponeso, em que, dirinte vine e sete anos, reahirum de morte as pincpas comunidades helénicas: “Atenas e Espara, A guerra acahou com a hegemonia de Atenas, grag aos auxiios de toda 2 orden ‘que presi 005 lacedemenios {por} Cir, flho do reid Psi, sétrapa da Lia” A retrada esses ‘dz mil combatentesexaltou 2 Oréciae Espana rompeu em guera conra a Péesia * Polibio foi um grego que esteve ao servico de Rom € que partcipou na expediglo de Cipigo a Espunba, Foi o grande historiador do imperialism romano e relatou a anise histéria do triunfo ‘de Roma sobre Cartagoe a expansio de Roma no Oreste helénico (caso da bata de Canas, onde ‘Anibal dertofou os Romanos, a Segunda Guerra Pini, em 216 .C.,considerada como um estudo de caso sobre 0 envolvimento elas als). ¥ Jalio César fl tibuno militar em 71 a. C. Jogava um papel amibgvo na conjuragio de atin, Foi consul em 59 a, Ce entre $7 ¢ 50 aC. fez eampanhas na Belgica, na Glia ($9.51 a, C.) em Inglaterra (50a, C.). Depois da morte de Crasso, a guera civil eclodi entre os tenentes de César Pompeu (49 445 a, C) Antes de combater Pompe, que dispunha da matiz do mar, Esarateou 4s legides pompeanas de Espanhs, Petco decabega esraégica, César ficou célebre em pare gragas ‘0 scus Comentdrior, Mas a guerra civil, de que ele foi autor ¢insprador directo, ¢ igualmente tuma obra de valor do poo de vita militar. Poi assassinado em 44 a. C. Nada se conhece sobre a sua vida. A redseeHo do watado imitulado A Téctica ¢ @ Cerco das CCidades data de 360-256 4, C. Segundo Chaliand, esta obra & de um interesze esratégico ‘considerivel e io somente no plano exclsivamentehisrico. "Dain, Alphonse, Enée le Tactcien, Pais, 1967, p. XXXI. Chado por Coutau-Bégarie em Traité de Stratégie, p. 162 B Na Grécia, a «arte do chefe ou do generab> era determinante, mas raramente os grandes eapities cram simultaneamente grandes teéricos militares (0 inverso era eralmente verdadeira), Em teatros de operagdes cuja tecnologia nao diferia muito entre oponenies, em sociedades em que os militares eram detentores da coagio rititar€ tinham papel de destaque, 0 carisma dos generais construido em combate docidia a sorte das batalhas, mas também eonyuistas de pod a todos os ni AA falange grega 86 seria destronada pela legit romana'!, a partir da batalha de Cinoseéfalo (no ano de 197 a. C.), no entanto, quer com Gregos, quer com Romanes, nio existia um verdadeiro corpo conceptual em tomo da Estra rio se sentia a necessidade da divisio social do trabalho!) Para os Romanos, a Estratégia era directamente associada & mais alta direc¢a0 militar €& guerra enquanto violencia colectiva armada, confundindo-se frequente- mente com a Tictica, nomeadamente em autores como Polfbio. Os Romanos tinham ‘um pensamento militar original ¢ estruturado (mas sem literatura especializada abundante), consubstanciado ma superioridade tictica e estratégica das legides, pelo ‘que dominaram “com a pritica, e na pritica” grande parte da Antiguidade Classica, S6 no século IV d. C. encontramos uma nova obra de referéncia com Vegécio ~ 0 De Re militari -, uma compilagao de todos os escritos antecessores € que se propunha remediar uma decadéncia militar evidente. Vezécio fundaria ainda a tradicZo ocidental dos «prinefpios da guerra»! orientadores do planeamento e da acgao para muito comandantes, independentemente dos tempos e dos espacos. Depois de Vegécio e de Polibio, surgiu Jtilio César (101-44 a. C.), segundo Coutau-Bégarie, um dos raros mestres da arte da guerra a ser, simultaneamente, um estratego e um estrategista. Com a gléria alcangada nas guerras das Galias, veio a sl6ria da eserita com 0 mesmo nome (Comentarios sobre a Guerra das Gélias) © sobre a guerra civil, obras que nos relatam com rigor 0 contexto militar, potitico, social e mesmo etnolégico dos gauleses. Esta obra é sobretudo interessante pela sua compreensio da grande Estratégia, ou seja, da articulagio entre o patamar politico e o militar. César passow a ser, no Ocidente, 0 modelo do General. Para Coutau-Bégarie, 0 mais importante autor do Império Romano foi Frontino!, governador da Bretanha e autor de um comentério militar de Homero 1 Apesar do Império Romano ter sido fundado em 783 a, Cx teria expresso depois da conguista sda Sietia aos Cartagineses a partir de 264 8. C. "2 Apesar de Aristéieles se referi divisio entre o shomem publicor e o ehomem privido, '3 Bruno Colson ~ L'Art de fa guerra de Machiuvel & Clausewits, Namur, Presses Universitaires lado por Coutsu-Dégarie ~ Traté de Stratégie, p. 165, ¥ Sesto Jo Frontino (40 «106 d. C.) foi pretor urbano em 70 dC. ol cOnsul e govemsdor da [Bretanha de 75 a 78 d. C. periode durante o qual comandou wina campania vitoriosa conta 03 Silures. & autor de Stratagemara, uma compilagdo de Tuctos militares, de nogies sobre estate, Utica e ate dos cereos, eserta provavelmente no ano de BYU C 4 Pens ede um tratado militar, ambos os documentos entretanto perdidos, mas que Vegécio viria a referenciar posteriormente no século IV J. C.. Sobreviveu entretanto 0 Strategemara, escrito entre 84 e 88 d. C., € que constitufa um apén- dice ao tratado, entretanto perdido: compreendia 983 estralagemas rigorosamente organizados em sete livros, com um claro objectivo pedagégico e pri referenciando uma clara distingZo entre os estratagemas e a Estratégia. ‘Com a queda do Império Romano!5, o conceito de Estratégia foi praticamente esquecide no mundo ocidental e s6 seria recuperado ja no século XVI" ‘A China sempre dedicou grande atengdo aos seus escritos (vulgarizados também pelo teatro popular), em especial, os relativos aos assuntos militares. 4a desde T'ai Kung, no século XI a. C.!7, com Os Seis Ensinamentos Secretos, que (8 chineses se dedicavam aos saberes necessirios ao general e que correla- cionavam inclusivamente esses saberes com os dos imperidores. Esta obra esotérica e de caricter subversivo (de tal modo que a sua posse indevida foi durante muitos anes punida com a pena de morte), constitui o texto mais antigo das sete obras clissicos decretadas no século XI pelo imperador Shen Zong para © programa dos exames: = A Ante da Guerra, de Sun Tew; = A Arte da Guerra, do General Wu Zi, do século IV a. C. ¢ cuja existencia esti comprovada historicamente (o livro compde-se de 6 capitulos muito breves, nos quais se tenta conciliar a moral confuciana e os assuntos militares); = 0 Livro do Mestre da Cavalaria (texto breve e enigmitico do séc. IV a. C. que trata sobre a administragio do exéreito); Questaes e Respostas entre Tang Taizong e Li Weigong, da época Tang (século VII da nossa era), mais tardio que os restantes clissicos em que se ap = Wei Liao Zi, obra de um legalista do fim do século 1V a.C., de solida experiéneia militar, e que prolonga Sun Tzu e Sun Bin com preocupagdes bem coneretis; 0 Império Romano do Ocidente cairs com o imperadar Augdstul no ano de 476 J. C., ano {que marca a tunsig para a Idade Meda e com a ocupagio da Europa pelos invasores germinicos. (0 Impétio Romano do Oriente (com sede em Bizincio desde 330 dC. por iniciatva do imperador Constantino) 6 caieia em 1453 (Constantinopla sera fialmente conquisada pelo suido wrco otomano Mohamed 1), '© apesar de em 1688 te sido utilizado na Geography Rectified, de Morden, com o yemtido (latino) de «governo de una provincia ” Entre os séculos XVIe XI. C., os Chang primeira dioastiahistric Ja China, presiiram a tuna confederagio de cis no vale do Rio Amare. 25 = Trés Estratégias de Huang Shegong, da mesma época, obra que insiste sobre ‘0 controlo do governo; = Os Seis Ensinamentos Secretos, de Tai Kung. Apesar de ndo encontrarmos na China Ckissica um equivalente exacto da palavra Estratégia, em contrapartida, 0 contetido por ela encerrada, isto é, a arte do general (Shu), a preparagio dos planos, a anilise da situagdo e 0 método, tudo implicito ¢, por vezes, explicito nas ob-as dos diferentes autores e, em especial, na Arte da Guerra, de Sun Tau. Apesar de desconhecida no Ocidente, a obra teve uma grande influéncia na China, com catorze edigSes no tempo da melhor estratego ceuropeu antes da Revolugio” (p. 117), marcou a sua obra sobretudo com a acco, na pritica com a construgdo artificial de um Estado que marcou o século XVII. Her6i e fildsofo, Frederico II detxou-nos textos que se podem dividir em regulamentos e instrugdes, dos quais Napoledo seria leitor ass{duo. A sua obra, escrita em francés, € abundante e de que destacamos: Prinefpias Gerais da Guerra (1746); Instrugdes para os meus Generais (1747), das mais traduzidas, inclusivamente em portugués em 1803; Testamento Militar (1768); ¢ Elementos de Castrametagao e Téctica (1771). Outro homem de acgo foi Napoled I (1769-1821), que eonsiderava as aitas partes da guerra diferenciaveis da Téctica, naquilo a que designava por «grande tictica». Foi especialmente um decisor a0 mais alto afvel que, com criagdes organizativas como a «Divisio» e com a sua presenga nos teatros de operagées (Wellington dizia que a sua presenga valia 40.000 homens), atingiu os objectivos (0 monarea decisive do século XVIII europeu, Fo o itrodulor do despotismo esclarecid ox Europa e transformou Berlim nim dos centtos da Era das Lures, Comandow pessoalmente 0s exérctos prosianos e governov a Peissin durante 46 anos, Obrigaro ler Reflevdes sobre a Ane ie Vencer, das Edigdes Sabo, 2005, com estudo introdutrio de Vrito Soromenho Marques. 3 Nasceu em Ajaccio, Em 1799 fer uma bilhante campana de Hla € depos uma expedigi0 wo Egipto. Foi consul, depos proclamou-se imperador (1804), E 0 maior génio militar ocdental depois. {8 Alexandre, o Grande. Soube tira partido da Revolugio Francesa, numa gpoca ere que = Franca rande poténcia demogrética. cultural. militar e econbmica da Europa, Aliot & mobilidae 4 coneentragio de Torgas, 30 movimento e ao chaque e a0 Fogo sabre os pontos fracas do inimigo. Pouco a pouce, as sus ligGes foram aprendidas pelos inimigos, em especial sels prssianos. Batibo ‘em Espanta (1808) ¢ na ssi (1812), veo a abdieae em 1814, Retomou 9 poder e foi finalmente ‘atido em Waterloo (1815). O seu géoio estd mais expresso nas suas eonquistas do que nos seus ‘eseritos, apesar das suas instugbes, us suas onlens do dia e as suas proclamagdes serem de ‘excepeional qualidade. Pexsantenro Esraarcico Porrucuts: Costainuros (Sec. xvixtx] éefinidos ¢ dev liberdade de acgio para escritores seus contempordinens, como Clausewitz ou Jomini, conceptualizarem a Estratégia como Arte e Circia ‘Com Napolelo, a estratégia ocidental passou a ser orientada para a destruigo das Forgas adversérias, com a concentragao de forgas considerdveis (com exéreitos dda nagio cada vez em maior nimero) num ponto decisivo e a perseguisio das forgas adversérias até A sua destruigdo total. Era a ordem militar da procura da batalha decisiva para se obter a vitéria. [No entanto, seria primeiro com o prussiano Heinrich Dietrich von Bulow (autor de Espirito do Sistema de Guerra Moderna, de 1799) ¢ depois com Clausewitz, apesar de planos diferentes, que se daria entio a legitimidade a ciéncia estratégica, Bulow (que seria criticado por Clausewitz e que era adverso as batalhas), “apoiado pelas préticas napolesnicas da combinagio entre a massa, 0 movimento € 0 fog0, «pela introdugio, por parte da escola alema, de forgas morais, escalada e descalada da violéncia", fez com que a «Estratégia» ocupasse “o set lugar definitivo no quadro do vocabulério potitico-militar”®*, Verdadeira testemunha da Revolugio de 1789, Billow compreendeu as ligSes da predomindncia da politica, da superioridade da Estratégia sobre a Téctica e da necessidade de uma inteligéncia unificadors politico- militar & frente do Estado (Gil Fieve, p. 117). Para Bulow, a Estratégia era a ‘doutrina da seguranga e liberdade do Estado”, contudo, seu estudo continuava a ser filo no campo restrito das operagdes militares. ‘Segundo Coutau-Bégarie, Bulow e o arquiduque Carlos (chefe de fila da Escola Austriaca) marcam a transigo do antigo regime militar para a estratégia moderna (seriam bastante lidos até 1850, altura em que Clausewitz ¢ Jomini passaram a dominar 0 pensamento) ou seja, da «Estratégia das Origens» para a «Estratégia a0 Servigo Da Guerra», ‘A acgiio politica e 0 desenvolvimento da tictica ao longo deste século XVIII foram a base da fundamentagdo da Estratégia € da consequente inspiragdo dos ‘autores do século XIX, com destaque para Clausewitz e Jomini, Na segunda metade do século XVII, a maior dimensdio dos teatros de operagdes, a passagem da guerra limitada d guerra absoluta, a criagio de escalGes auténomos, tanto téctica como logisticamente (como as Divisbes ¢ os Corpos de Exército) ¢ a maior dimensio dos cexércitos foram alguns dos factores que levaram a necessidade de um escalio intermédio entre a Politica e a Téctica (a Estratégia) 0 qual, na prética jéera “arte” sem métods. Poderemos afirmar, sem grande margem de erro, que 0 conceito de Estratégia foi assim, “construido” pela acgio do século XVIII, ou seja, pela neces- sidade de alguém que coordenasse as batalhas e ndo 6 0s combates. 3 Amnlo Hora Fernandes, O Homo Stratesieu, p. 48. 33 2.2, “A Estratégia ao Servigo Da Guerra” © século XIX € 0 da industriatizagdo, do aparecimento de novas poténcias ‘como a Alemanha, a Russia ¢ os E.U.A. ¢ do aumento consideravel da populagio das grandes poténcias". As inovagoes militares incluem 0 caminho-de-ferro (possibitidade de movi mento € de concentragio de tropas importantes), o potencial de fogo (o alcance dda artlharia), as condigdes sanitirias € as comunicagées (o telégrafo). Uma das inovagdes deste perfodo foi também a instituigdo, pela Prissia (Scharnhorst), do Esiado-Maior como instrumento politico-militar (em 1821 jé tinham 56 oficiais de Estado-Maior), A martinha sofre uma evolugo consideravel e constitui um instrumento importante do poder politico com o vapor, as minas, os torpedos, 0 submarino, etc, Na Téectica (com produgdo abundante, mas demasiado técnica e frida), as duas tendéncias dividem-se entre a tese de uma ofensiva fundada no chogue (modelo de Napoledo) e a que sublinha as novas potencialidades do fogo, gue condenam 0 assalto em massa, Clausewitz ¢ Jomini estio intimamente ligados as modificagdes profundas que ‘arte da guerra sofreu com a Revolugio Francesa, da “guerra dos res” & “nagdo em armas”, dos pequenos exércitos dindsticos as massas da conscrigio, dos novos (eatros de operagdes substancialmente alargados, da guerra da manobra e da nova concepcio de guerra absoluta. Nao € possivel estudar Clausewitz sem o comparar a Jomini, ambos ilustres co- -fundadores do renascimento da Estratégia. Se hoje conhecemos sobretudo a obra de Clausewitz, teremos de reconhecer que até ao final do século XIX a sua obra ‘era quase desconhecida relativamente a0 sucesso da obra de Jomini. Uma leitura ‘cuidada de Jomini leva-nos a concordar com a maioria dos estrategos franceses, ‘que 0 consideram “um dos grandes estrategos da Histéria Militar ocidental”. Apesar da origem histérica comum (ambos defendiam a importincia dos factores morais, a importincia dos objectivos politicos e a necessidade de planeamento na guerra), a sua visio da guerra € diferente (assim como a sua ppersonalidade): Clausewitz investiu no estudo da guerra em si mesma, num perspectiva essencialmente filosétic Jomini ocupou-se sobretudo dos aspectos priticos e da terminclogia, pondo ‘em destaque a campanha como uma questio de conquista de territorio reduzindo a prética da guerra a um conjunto de méximas. 35 Buropa passa de 185 « 400 milhdes de habitantes no séeulo XIX e o$ E.U.A.surentam em 15 vezes a sua populasio. 4

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